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AULA 01 – HISTÓRIA DA LOUCURA. Observamos que, por toda a história humana, a loucura tem estado presente nas artes, na literatura, no senso comum e no discurso coloquial de todas as classes socioeconômicas. Sua essência é, entretanto, largamente desconhecida e sua compreensão varia de cultura para cultura. No mundo ocidental, a loucura já teve diversas formas, concepções políticas, religiosas, doutrinárias e ideológicas. Cada uma com sua respectiva abordagem terapêutica, isto quando é considerada doença, pois: “(...) a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal” (Foucault, 2008:71). A antiga Grécia Na Grécia antiga, que consideramos o ponto de origem de toda civilização ocidental, acreditava-se que a loucura tinha causas de ordem sobrenatural. Era resultado de ações e forças de natureza mística e, portanto, as intervenções eram promovidas por médicos-sacerdotes na forma de práticas médico-religiosas Hipócrates criou o primeiro conceito médico de loucura abandonando as explicações religiosas e metafísicas em prol de mecanismos orgânicos. Ele propôs que há quatro humores corporais (sangue, bílis negra, bílis amarela e fleuma) e quatro qualidades básicas da natureza (calor, frio, umidade e aridez). O desequilíbrio causava o excesso de alguns dos humores, o que resultava em um mau funcionamento da personalidade. A terapia consistia em restabelecer o equilíbrio através de drogas e regimes, além de explicar o contexto ao paciente. Roma antiga Na antiga Roma, o doente mental tinha limitada a liberdade de agir. Ele era considerado incompetente em questões tanto pessoais quanto econômicas. Nessa época, Galeno propõe que o cérebro ocupa o papel central dos fenômenos mentais e que sintomas físicos podem não expressar qual órgão ou parte do corpo é o local afetado. Segundo ele, a "alma racional" é dividida em duas partes: externa e interna. Idade Média Prisão e hostilidade eram associadas às manifestações de loucura na Idade média. Havia diferentes leituras, como feitiçaria e magia. Mas, como parte do contexto daquele tempo, o que não era compreendido não era obra de Deus. Assim, o louco era como a encarnação do mal e objeto de superstição e feitiçaria. Renascimento O Renascimento percebeu a loucura como experiência humana, cotidiana. Havia festas populares promovidas por associações de loucos e há, desta época, uma verdadeira profusão de obras iconográficas e literárias relacionadas à loucura. Destacamos, dentre elas: A Nau dos Loucos - quadro de Hieronymus Bosch, que foi pintado por volta de 1500. Parte de uma obra com três partes (tríptico), este quadro é uma alegoria que retrata e critica costumes da época. O barco é parte da iconografia da época e está relacionado ao acaso do destino; Elogio da Loucura - , publicado em 1511, que contém uma das mais brilhantes sátiras da história da literatura. Com críticas à mediocridade e hipocrisia do contexto social, a loucura é o personagem central e fala na primeira pessoa; Margot, a Louca – quadro de Peter Bruegel, o Velho, pintado em 1562. Nele, uma camponesa louca, Margot, saqueia o inferno, retratando uma lenda do folclore holandês na qual a loucura dá a Margot o poder de enfrentar a morte. Iluminismo e Revolução Francesa A época do Iluminismo assistiu à queda do Absolutismo e ao nascimento de um racionalismo humanista, além da ascensão da burguesia. São os primórdios do capitalismo e o início do mundo ocidental como é hoje. Com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a Revolução Francesa queria um mundo dessacralizado que viu novas formas de pobreza e novas práticas de Saúde Mental. A exclusão e o aprisionamento eram práticas comuns no Renascimento, assim como foram na Idade Média. Mas estas práticas não estavam ligadas especificamente à loucura: eram relacionadas a diversas formas de misérias. Loucura não era uma doença e não tinha a característica de periculosidade. Evolução Vimos que, ao longo da História, a loucura teve diversas origens. Oscilou entre divina, demoníaca e orgânica. Foi às vezes evitada e outras vezes exaltada. Mas até hoje discutimos a importância relativa de fatores sociais, psicológicos e biológicos. Saúde “Saúde não é simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, mas sim um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Constituição da OMS, Nova Iorque, 19 a 22 de junho de 1946). O trecho anterior, elaborado por uma das mais importantes instituições mundiais com foco na saúde, propõe um entendimento bastante mais amplo do que a "não se estar doente". Saúde é uma condição, um estado que cria oportunidades de vida plena. Quando abordamos o conceito de saúde mental, percebemos que este estado tem dimensões relacionadas ao bem-estar subjetivo, autoeficácia percebida, autonomia, competência, dependência intergeracional e autorrealização do potencial intelectual e emocional da pessoa. Isso acontece porque, ainda de acordo com a OMS: “(...) o funcionamento mental tem um substrato fisiológico e está indissociavelmente ligado com o funcionamento físico e social e aos ganhos em saúde” (OMS, Relatório Mundial da Saúde, 2001:32). O nascimento da Psiquiatria e do Hospício Fim da Idade média A partir do século XVII, observamos uma mudança na orientação básica do ser humano. Há um deslocamento de importância e interesse do campo da religião para o da experiência humana. As evidências empíricas passam a ser consideradas e há uma progressiva valorização da cultura clássica (Roma/ Grécia), com foco no antropocentrismo e racionalismo. O Renascimento assiste a uma enorme variedade de transformações culturais, sociais, econômicas, políticas, artísticas, tecnológicas e religiosas, em movimentos como: Humanismo - Homem como ponto central em busca da razão; Naturalismo - Compreensão da natureza e do meio do homem; Iluminismo - Pensamento crítico em toda experiência humana; Fim da Idade média Revolução científica - Abandona a crença religiosa pela observação empírica. São tempos de questionamento, do surgimento do estado democrático, da Revolução Francesa com seu lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e neste contexto está a valorização da razão, do racional e a consequente rejeição da loucura. Hospitais Gerais O surgimento dos Hospitais Gerais está relacionado com a missão de isolar. Eles não possuem caráter médico; apenas valorizam a ética do trabalho e simbolizam o investimento na razão. “Doravante, a loucura está exilada. Se o homem pode sempre ser louco, o pensamento, como exercício de soberania de um sujeito que se atribui o dever de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato” (Foucault). A Grande Internação Através da internação nos hospitais gerais, o louco é excluído da sociedade. É asilado junto com pobres, desempregados e outros indesejados. Cria-se uma infraestrutura administrativa, legal e jurídica para lidar com esta prática. “De saída, um fato é evidente: o hospital geral não é um estabelecimento médico. É antes uma estrutura semijurídica, uma espécie de entidade administrativa que, ao lado dos poderes já constituídos, e além dos tribunais, decide, julga e executa” (Foucault). Mas é preciso ressaltar que a chamada “grande internação” não se limita à loucura. Ela não tinha a intenção de terapia ou cura e, como prática comum no Renascimento atendia à necessidade de organizar e valorizar o trabalho e, ao mesmo tempo, reprimir a ociosidade. Revolução Industrial No século XVIII, as sociedades burguesas/ contratuais criam o conceito do emprego. A loucura passa a ser “perigosa” e “lastimável”, pois transgride as leis, mas não é responsável por seus atos. Há a demanda por uma repressão diferente. Surge a Medicina Mental que, nos séculos XVIII e XIX, propõe-se à função de tratar, não apenas de excluir. A exclusão é fundamentada cientificamente com o status de tratamento. São promovidas pesquisas, criados métodos de tratamento, elaboradas definições de loucura. Neste contexto, surgem Philippe Pinel e William Tuke.Philippe Pinel Médico francês, ele é considerado o pai da Psiquiatria. Considerava loucura uma doença e foi o primeiro médico que praticou uma abordagem de descrever e classificar. William Tuke Empresário quaker inglês, Tuke desenvolveu métodos humanitários para o tratamento de pessoas com doenças mentais que ficariam conhecidos como “tratamento moral”. O Hospício É neste contexto que a Psiquiatria nascente vincula seu destino ao de uma instituição totalitária, o hospício. “É entre os muros do internamento que Pinel e a Psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; é lá – não nos esqueçamos – que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem por terem-nos ‘libertado’” (Foucault) Na então chamada Medicina Mental, o hospício era o centro. A figura do médico tinha posição fundamental enquanto articulador e mantenedor. Se nos hospitais gerais não havia a intenção terapêutica, nos hospícios a importância não é do corpo de conhecimento, mas sim do médico como representação de sabedoria, ordem, moral e família. A razão devia ser interiorizada pelo louco através do “tratamento moral”, cuja abordagem primária era de descrever, classificar, tratar e curar. Era o monólogo da razão sobre o alienismo. O louco não tinha nada a dizer por conta de seu status de doente mental. O ideal humanístico e científico resultou na perda da voz do doente mental. O hospício estava em harmonia com uma sociedade de ideais positivistas e racionalistas. Eram três as operações que fundamentavam a prática asilar: o isolamento terapêutico, a imposição de regras imutáveis dentro do ambiente asilar e, a criação de uma relação de autoridade. O isolamento terapêutico retirava o louco do mundo exterior ao asilo, onde sua doença encontraria lugar para expressar sua desordem. A internação em local ordenado e disciplinado seria a única maneira de o louco voltar à razão que perdeu através da redução da loucura à sua verdade. A imposição de regras imutáveis dentro do ambiente asilar era parte da necessidade de ruptura com o mundo exterior, complementada pela construção, a partir do zero, de um novo laboratório social para a reprogramação de toda a experiência humana. A relação de autoridade seria desenvolvida através da interiorização, pelo alienado, de uma vontade racional em uma luta entre um polo "razão" e um polo "não razão". Psiquiatria e hospício surgem como “soluções” modelares para resolver as dificuldades trazidas pela alienação numa sociedade, agora racionalista, que deve ser capaz de dar uma resposta a esse enigma. A cura através da razão inculcada pelo médico cientista, dentro do hospício, é uma resposta. Compreendendo a psiquiatria como peça de poder na estratégia de controle e dominação/sujeição do indivíduo dito ‘louco’, e como uma nova forma de percepção social da experiência da loucura, então capturada pela ‘medicina mental’, a obra “História da Loucura na Idade Clássica”, de Michel Foucault, completa 50 anos, revolucionando nossa compreensão sobre a loucura e as relações entre razão e desrazão na constituição da subjetividade ocidental. Através de uma abordagem metodológica diferente daquela tradicional, e nos permitindo uma análise e uma investigação do efeito-instrumento que é a implantação dos desvios psicopatológicos e seus efeitos de poder, decifra-se como a doença mental foi produzida por meio do paradigma psiquiátrico em seus saberes e instituições fundantes, transformando a experiência individual e coletiva da loucura. Também fundamental se torna compreender a atualidade desta obra e sua potência para orientar nossas transformações em curso no campo da saúde mental, nos processos de Reforma Psiquiátrica e inovação nas políticas e serviços que estão sendo construídos pelos atores sociais pertinentes no lidar com a loucura, buscando produzir um novo lugar social para o sofrimento mental e o diferente. Anotações: · A Doença mental antigamente era vista como símbolo de coisas ruins, aos poucos as pessoas foram tomando conhecimento sobre o que era e como deveria ser tratada, foi um processo doloroso e tão longo que continua até nos dias atuais. · Os Hospícios foram feitos para serem descartes de pessoas não normais para a sociedade, não é um lugar de cuidado, muitas pessoas que trabalham lá nem tinham conhecimento sobre o que estava acontecendo. · Atualmente a luta para que acabem com esses hospícios é constate, prezamos pelo bem do cuidado mental, cuidar não é trancar, todos tem direitos a saúde básica, aos direitos humanos. · O que é normal pra você? Reflita.
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