Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 1 1. Introdução O termo asfixia, do grego asphuksía, indica “falta de pulso” sendo utilizado para indicar a supressão da respiração. O termo, no entanto, é abrangente e pode englobar várias causas de morte. Para a medicina legal somente interessam aquelas que apresentam três características: primitivas (quanto ao tempo), violentas (quanto ao modo) e mecânicas (quanto ao meio) (DEL CAMPO, 2009). Entende-se por asfixia primitiva aquela que é a causa primária da morte, e não consequência de algum fenômeno prévio. Violenta é toda a asfixia que não decorre de processo natural, mas é produzida por agente mecânico (DEL CAMPO, 2009). Respeitadas essas características, interessam a medicina legal apenas as asfixias por enforcamento, estrangulamento, esganadura, sufocação direta ou indireta, afogamento e imersão em atmosfera de gases irrespiráveis (DEL CAMPO, 2009). Nos processos que cursam com asfixia, observam-se duas fases: irritação e esgotamento. Na fase de irritação ocorre dispnéia inspiratória consciente por cerca de 1 minuto, seguida por dispnéia expiratória inconsciente por cerca de 3 minutos. A fase de esgotamento é dividida em período inicial e terminal, sendo o período terminal de duração de 3 minutos até a morte (CROCE; CROCE JUNIOR, 1998). As asfixias possuem como características cianose da pele, equimose das conjuntivas, resfriamento cadavérico lento, congestão das vísceras e fluidez sanguínea (FRANÇA, 2008). As equimoses viscerais ou manchas de Tardieu são petéquias hemorrágicas encontradas em quase todos os casos de asfixia mecânica, principalmente nos pulmões, e decorrem da ruptura dos capilares pela alta pressão arterial provocada pelo aumento da concentração de gás carbônico no sangue (FRANÇA, 2008). 2. Asfixia Asfixia, anoxemia, hipoxemia Síndrome causada pela baixa ou ausência de concentração de oxigênio no ar respirável por impedimento mecânico ou pela privação de oxigênio Queda de oxigênio e aumento de gás carbônico Fatores importantes para uma boa oxigenação sanguínea ❖ Ar ambiente respirável → 21% O2 ❖ Vias respiratórias permeáveis ❖ Mecanismos respiratórios eficientes → Elasticidade torácica; expansão pulmonar; funcionamento muscular ❖ Circulação sanguínea adequada 3. Classificação das asfixias – Oscar Freire Modificações físicas do ambiente ❖ Quantitativas dos componentes do ar (diminuição de oxigênio, aumento do gás carbônico, excesso de umidade) → Confinamento ❖ Qualitativas ➢ Ambiente líquido em lugar de gasoso → Afogamento ➢ Ambiente sólido em lugar de gasoso → Soterramento Obstáculos mecânicos no aparelho respiratório ❖ Nas aberturas aéreas (narina, glote, boca) → Sufocação direta ❖ Nas vias aéreas por constrição externa, devido a laço acionado pelo peso da vítima → Enforcamento ❖ Nas vias aéreas por constrição externa, devido a laço acionado por força muscular ou equivalente → Estrangulamento Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 2 ❖ Nas vias aéreas por constrição externa, devida ação da mão → Esganadura Obstáculo na oxigenação das hemácias → Asfixia por monóxido de carbono Supressão da expansão torácica por contenção externa → Sufocação indireta 4. Fases da asfixia 1ª Fase: Cerebral → Náuseas; lipotimia; tontura 2ª Fase: Excitação cortical e medular → Convulsões; perda de controle esfincteriano, bradicardia; aumento da TA 3ª Fase: Respiratória → Insuficiência respiratória e cardíaca 4ª Fase: Cardíaca → Arritmias; parada cardíaca 5. Asfixia mecânica Sinais externos gerais ❖ Congestão → Ocorrem especialmente em face, tórax e pescoço (observar também em conjuntiva palpebral e ocular) ❖ Congestão de face → Máscara equimótica de Morestin (causada por estase mecânica de Veia Cava Superior) ❖ Fenômenos cadavéricos → Livores cavéricos mais escuros (sangue acumulado que se deposita respeitando a gravidade), rigidez cadavérica mais lenta e demorada, putrefação mais precoce ❖ Cogumelo de espuma ❖ Projeção da língua e exoftalmia Sinais internos gerais ❖ Equimoses viscerais (manchas de Tardieu) → Equimoses violáceas puntiformes, ocorrem especialmente em coração, pulmões; causada pelo aumento da pressão intravascular ❖ Aspecto do sangue → Geralmente escuro e líquido ❖ Congestão polivisceral ❖ Distensão e edema pulmonar 6. Asfixia por confinamento Decorre do consumo de oxigênio e acúmulo de gás carbônico pela presença de uma ou mais pessoas em um ambiente confinado Sinais de asfixia em geral Sem lesões específicas; possibilidade de lesões por ação de desespero das vítimas (geralmente escoriações) 7. Asfixia por monóxido de carbono Fixação do monóxido de carbono nas hemoglobinas, causando carboxiemoglobinemia Sinais ❖ Rigidez cadavérica tardia ❖ Face com tonalidade clara ❖ Sangue fluido e róseo ❖ Hipóstases claras ❖ Putrefação tardia Pesquisa de monóxido de carbono → Coleta sangue de locais preservados, preferencialmente de grandes vasos ou de área cardíaca 8. Sufocação direta Sufocação por oclusão da boca, narinas ou glote → Da glote para cima Sufocação por oclusão das vias respiratórias Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 3 Sinais locais → Marcas ungueais ao redor da boca e narinas; lesões de mucosa oral; corpo estranho em vias respiratórias Sinais gerais de asfixia ❖ Presença de corpo estranho ❖ Marcas ungueais ❖ Lesão de mucosa oral *A sufocação é a asfixia mecânica decorrente do bloqueio direto ou indireto das vias respiratórias impedindo a penetração do ar. A oclusão dos orifícios externos respiratórios é praticada com as próprias mãos ou com a utilização de agentes moles como travesseiros ou almofadas. A obstrução das vias respiratórias é com frequência acidental e ocorre pela aspiração de corpos estranhos (alimentos, pequenos brinquedos etc) (DEL CAMPO, 2009). 9. Sufocação indireta Compressão do tórax e abdome impedindo movimentos respiratórios Sinais ❖ Lesões torácicas e abdominais (ex. fraturas) ❖ Máscara equimótica de Morestin → Compressão da Veia Cava superior deixando a face mais escura em comparação com o resto do corpo; isso ocorre por conta da compressão venosa e compressão parcial arterial, fazendo uma congestão ❖ Distensão pulmonar Sufocação posicional 10. Soterramento Obstrução das vias respiratórias por terra ou substância pulverulenta Sinais ❖ Pesquisa de substância nas vias respiratórias e digestivas ❖ Sinais gerais de asfixia ❖ Pesquisar outras lesões que podem levar ao óbito 11. Afogamento Penetração de um meio líquido ou semilíquido nas vias respiratórias Afogados azuis → Fases ❖ Defesa ❖ Resistência ❖ Exaustão ❖ Presença de sinais de asfixia ❖ Alterações hidroeletrolíticas → Afogamento água doce X água salgada Afogados brancos → Morte por inibição; não tem a face cianótica Putrefação e flutuação dos afogados decorrentes da produção de gases das bactérias Água doce ou salgada → Pesquisa histológica deixando-a túrgida ou crenada, respectivamente; solução isotônica deixa túrgida; solução hipertônica deixa crenada Sinais externos no afogado azul ❖ Temperatura baixa da pele ❖ Pele anserina → Sinal de Bernt ❖ Retração do mamilo, escroto e pênis ❖ Maceração da epiderme ❖ Livores hipostáticos mais claros ❖ Cogumelo de espuma → Eliminação do ar do pulmão Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 4 ❖ Erosão nos dedos ❖ Corpo estranho sob as unhas ❖ Equimose de face e conjuntivas → Pelo próprio mecanismo cianótico ❖ Mancha verde de putrefação (local onde, geralmente, há maior proliferação bacteriana) em local diferente do habitual (que seria nolado esquerdo) → Cervical e via aérea superior ❖ Lesões produzidas por animais aquáticos → Preferência de locais próximos de a mucosa e pontas (ex. ápice da orelha) ❖ Dentes rosados → Isso ocorre por conta do aumento da pressão na vascularização do dente, rompendo-a e fazendo que acumule; esse acúmulo deixa o dente na coloração rosada Sinais internos no afogado azul ❖ Presença de líquido na via respiratória → Espumoso; de cor rósea; branca ou amarelada ❖ Corpos estranhos envias respiratórias ❖ Alterações nos pulmões ➢ Sinal de Brouardel → Enfisema aquoso subpleural ➢ Manchas de Paltauf → Equimoses maiores no pulmão ❖ Diluição do sangue ❖ Líquidos em grande quantidade no sistema digestivo ❖ Líquidos no ouvido médio ❖ Líquidos na cavidade pleural ❖ Lesões no crânio ➢ Sinal de Niles → Hemorragia temporal ➢ Sinal de Vargas Alvarado → Hemorragia etmoidal ❖ Exames laboratoriais ❖ Exame radiológico ❖ Exame histológico *É a modalidade de asfixia mecânica em que há penetração de líquido nas vias aéreas. Não há necessidade de imersão total do corpo, bastando que as vias aéreas estejam submersas impedindo a respiração. 12. Enforcamento Interrupção do ar atmosférico até as vias respiratórias em decorrência da constrição do pescoço com um laço que agirá com o peso da vítima como força ativa Laço → Rígido, mole ou semirrígido; laço único ou múltiplo. Constituído por alça e nó (que pode estar ausente). Suspensão ❖ Típica ou completa ❖ Atípica ou incompleta Períodos ❖ 1º → Interrupção da circulação cerebral ❖ 2º → Fenômenos respiratórios e compressão nervosa ❖ 3º período → Cessação da respiração e circulação Necropsia ❖ Posição da cabeça → Voltada para lado contrário ao nó; fletida; mento tocando o tórax ❖ Olhos e língua protusos (por conta da congestão); pavilhão auricular violáceo Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 5 ❖ Rigidez cadavérica tardia ❖ Hipóstase mais acentuada em membros inferiores; púrpuras hipostáticas ❖ Sulco cervical ➢ Único ou duplo; oblíquo; no sentido do nó; interrompido próximo ao nó ou contínuo Interrompida quando o nó está mais folgado Contínua quando o nó está mais justo ➢ Consistência do leito do sulco → Mole e branco (laços moles) ou dura e apergaminhada – linha argêntica (laços duros) ❖ Lesões hemorrágicas na pele e subcutâneo ❖ Infiltração muscular (Sinal de Martin) e equimoses retrofaríngeas mais frequentes no lado contrário ao nó ❖ Lesão vascular → Lesões unilaterais, do lado contrário ao nó ➢ Sinal de Amussat → Secção transversal da íntima da carótida ➢ Sinal de Etienne Martin → Ruptura transversal da carótida ➢ Sinal de Friedberg → Lesão da adventícia da carótida ❖ Fratura de laringe; hioide; vértebras cervicais (C1 e C2) ❖ Lesões secundárias com a queda ❖ Sinais gerais de asfixia *O enforcamento pode ser definido como a constrição do pescoço por baraço mecânico (corda ou cordel) tracionado pela força peso do próprio corpo. O sulco do enforcamento é caracterizado por possuir sulco oblíquo, descontínuo, sendo interrompido na altura do nó e desigualmente profundo (DEL CAMPO, 2009). A asfixia ocorre pela obliteração completa da traqueia. Pode ocorrer, entretanto, na dependência da posição e conformação do baraço mecânico, o fechamento da glote por fratura ou pela projeção do osso hioide contra a faringe (DEL CAMPO, 2009). 13. Estrangulamento Interrupção da passagem do ar para os pulmões, interrupção da circulação ao cérebro e compressão dos nervos do pescoço com o corpo da vítima atuando passivamente e uma força externa atuando ativamente Laço → Rígido, mole ou semirrígido Sinais externos à necrópsia ❖ Face violácea, espuma rósea ou sanguinolenta em boca e narinas ❖ Equimose em face; tórax; conjuntivas Sulco cervical ❖ Único ou duplo, horizontal ou oblíquo ❖ Profundidade uniforme; contínuo ❖ Bordas cianóticas e elevadas ❖ Pode haver marcas ungueais Necropsia ❖ Lesão vascular → Sinal de Amussat, Sinal de Etienne Martin, Sinal de Friedberg (lesões bilaterais) ❖ Fratura de laringe, hioide ❖ Sinais gerais de asfixia ❖ Estrangulamento antibraquial ➢ Avaliar partes moles e ósseas da parte anterior de pescoço e tórax Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL AULA 6: ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA 6 ➢ Ausência de sulco cervical ➢ Sinais gerais de asfixia *O estrangulamento pode ser definido como a constrição do pescoço por baraço mecânico (corda ou cordel) acionado por força estranha ao peso do próprio corpo. É comum a ocorrência do sulco de estrangulamento nos sentidos transversal e horizontal, podendo eventualmente ser oblíquo. É contínuo e homogêneo em relação a profundidade, uma vez que não existe o nó típico do enforcamento. Os mecanismos da morte por estrangulamento são semelhantes aos observados no enforcamento (DEL CAMPO, 2009). 14. Esganadura Homicida Constrição do pescoço com as mãos causando obstrução das vias respiratórias Sinais externos à distância → Congestão de face e conjuntivas; equimoses puntiformes em face e pescoço Sinais externos locais → Estigmas ou marcas ungueais Sinais locais profundos ❖ Infiltração hemorrágica cervical ❖ Lesões da laringe e do hióide → Menos frequentes que no estrangulamento e no enforcamento ❖ Lesões de vasos cervicais → Mais raras ❖ Lesões à distância Asfixias em geral *A esganadura é a asfixia mecânica pela constrição ântero lateral do pescoço produzida pela ação direta das mãos do agente. Não há sulco que cede seu lugar para marcas ou estigmas ungueais e diversas escoriações, equimoses e hematomas. Com certa frequência é notada a fratura do osso hioide. A etiologia da morte por esganadura tem sido explicada mais pelos fenômenos de inibição nervosa decorrentes da compressão do pescoço (inibição vagal ou choque vagal) do que a asfixia propriamente dita (GOMES, 2004). Referências bibliográficas Aula de Dra. Adriana Mello (23/09/2021) Sabes, A. F., Girardi, A. M., & de Oliveira Vasconcelos, R. (2016). Traumatologia forense–revisão de literatura. Nucleus Animalium, 8(2), 2.
Compartilhar