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Disciplina: Perícia Forense - Medicina Legal Aula 6: Asfixiologia forense Apresentação Prezado aluno, nesta aula você vai entrar em um dos campos mais complexos em traumatologia forense; por isso, ele é estudado em capítulo separado denominado asfixiologia. Os quadros asfíxicos podem ter como origem uma complicação clínica de uma enfermidade. O que interessa no âmbito criminal são as asfixias mecânicas. Para se inserir nesse contexto, vamos apresentar a classificação tradicional de Afrânio Peixoto e os achados necroscópicos que permitam diferenciar um tipo de asfixia de outro. Objetivos Classificar os tipos de asfixia mecânica; Diferenciar as asfixias puras das asfixias complexas e mistas; Diagnosticar a asfixia com base nos achados necroscópicos. Premissa Asfixiologia forense é a área da traumatologia forense que se ocupa com o estudo das asfixias mecânicas. Atenção Alguns eventos clínicos podem apresentar evolução desfavorável com fisiopatologia semelhante às asfixias de interesse forense. No âmbito criminal, o que se investiga são as asfixias mecânicas. Classificação e conceito As asfixias mecânicas, segundo Afrânio Peixoto, são classificadas em: 1 Asfixias puras Nas asfixias puras, ocorrem a hipercapnia e a anoxemia. 2 Asfixias complexas As asfixias complexas são marcadas inicialmente por perturbações circulatórias e, mais adiante, por perturbações de natureza respiratória. 3 Asfixias mistas Nas asfixias mistas, se observa uma sobreposição de alterações respiratórias, circulatórias e neurais (tabela 1). Comentário O critério adotado nessa classificação é com base na fisiopatologia. Tabela 1 - Classificação dos tipos de asfixia por Afrânio Peixoto: Asfixias mecânicas Condição Tipos Puras Ambientes com gases irrespiráveis Confinamento Asfixia por monóxido de carbono Outros vícios de ambientes Obstáculo à penetração do ar nas vias respiratórias Sufocação direta Sufocação indireta Transformação do meio gasoso em meio líquido Afogamento Transformação do meio gasoso em meio sólido Soterramento Complexas Constrição passiva do pescoço exercida pelo peso do corpo Enforcamento Constrição ativa do pescoço exercida pela força muscular Estrangulamento Mistas Sobreposição dos fenômenos circulatórios, respiratórios e nervosos Esganadura (Fonte: FRANKLIN) Outra classificação também utilizada foi estabelecida por Oscar Freire fundamentada exclusivamente em critério médico-legal. Na concepção dele, o fenômeno se dá por modificações físicas, quantitativas ou qualitativas do ambiente, ou por obstáculo mecânico na luz respiratória, ou por insuficiência da caixa torácica. Não há um sinal fidedigno que possa, de forma inconteste, diagnosticar a asfixia. Alguns autores apontam a tríade asfíxica: sangue fluido e escuro, congestão polivisceral e petéquias de Tardieu. A tabela 2 elenca os sinais gerais externos e internos das asfixias. Tabela 2 - Sinais gerais de asfixia Externos Internos • Hipóstases intensas e precoces; • Cianose da face; • Cogumelo de espuma; • Procidência da língua; • Protrusão dos globos oculares. • Petéquias ou manchas equimóticas lenticulares de Tardieu subpleurais, subpericárdicas, no pericrânio e no timo, ou também denominadas petéquias de Welsh; • Sangue escuro e fluido – ausência de coágulos nas cavidades cardíacas; • Em face da elevação do CO2, o ponto crioscópico está reduzido nas câmaras esquerdas do coração (sinal de Palmiere), assim como o aumento do coeficiente cloroglobular-cloroplasmático (sinal de Tarsitano) e hiperglicemia asfíxica; • Congestão polivisceral; edema pulmonar (sinal de Valentin). (Fonte: FRANKLIN) Atividade 1. Não faz parte da tríade asfíxica defendida por alguns autores: a) Desgarramento da túnica adventícia da carótida b) Petéquia de Tardieu c) Sangue fluido d) Sangue escuro e) Congestão polivisceral Afogamento Afogamento é a transformação do meio gasoso, respirável, em meio líquido. O mecanismo de afogar pode ser: 1 Primário Quando o evento se deu pelo ato de afogar. 2 Secundário Quando precedido por uma alteração que tem por consequência o afogamento. Quanto à qualificação do líquido, o afogamento pode ser em água doce ou salgada (tabela 3). Tabela 3 - Classificação de afogamento: Quanto ao tipo Quanto aomecanismo Quanto à natureza do líquido Quanto à apresentação Completo Primário Água doce Branco Incompleto Secundário Água salgada Azul (Fonte: FRANKLIN) A morte por afogamento ocorre em três etapas: resistência, exaustão e asfixia. Segundo Ponsold (apud CALABUIG, 1998), há cinco fases na submersão: 01 Inspiração profunda antes de submergir; 02 Apneia voluntária; 03 Inspiração forçada; 04 Convulsões; 05 Morte. Atenção Na fase três, há elevação sanguínea dos níveis de CO2, o que estimula o reflexo da inspiração. Não saindo dessa situação, a vítima desenvolve crise convulsiva e morte. Atividade 2. Em qual tipo de asfixia se enquadra o afogamento, segundo Afrânio Peixoto? a) Confinamento b) Asfixia complexa c) Asfixia pura d) Asfixia mista e) Insuficiência respiratória Soterramento No soterramento, ocorre a transformação do ar respirável por substância pulverulenta. Apresenta os mesmos sinais gerais de asfixia, e o encontro dessas substâncias nas vias respiratórias superiores e inferiores fecha o diagnóstico. Soterramento causado por prédio desmoronado | Fonte: Pixabay Enforcamento, estrangulamento e esganadura O enforcamento e estrangulamento são asfixias complexas em que se dão, geralmente, perturbação circulatória e respiratória. A constrição do pescoço por um laço pode ocorrer passivamente pelo peso do corpo (enforcamento) ou ativamente por força externa (estrangulamento). O sulco, deixado pelo laço, permite, frequentemente, se fazer o diagnóstico diferencial entre os dois tipos, como aponta a tabela 4. Tabela 4 - Diferenças do sulco deixado pelo laço no enforcamento e no estrangulamento: Enforcamento Estrangulamento Oblíquo ascendente Horizontal Predomina a variabilidade Predomina a uniformidade Interrompe na altura do nó Contínuo Geralmente sulco único Geralmente múltiplo Acima da cartilagem tireóidea Abaixo da cartilagem da tireoide Geralmente apergaminhado Raramente apergaminhado Profundidade não uniforme Profundidade uniforme (Fonte: FRANKLIN) Quanto aos sinais internos nos enforcados, destacamos a tabela 5. Tabela 5 - Sinais cadavéricos internos no enforcado: Sinal Peculiaridade Martin Sufusões sanguíneas na face profunda da pele e do tecido subcutâneo no local de aplicação da alça do laço ou na bainha dos vasos Brouardel-Vibert-Descoust Equimoses retrofaríngeas Amussat Secção transversal da túnica íntima da carótida comum; comum no lado oposto ao nó Étienne Martin Desgarramento da túnica externa da carótida Friedberg Sufusão hemorrágica na túnica externa da carótida comum Lesser Rotura da túnica íntima da artéria carótida interna ou externa e rotura transversal e hemorragia do músculo tireo-hioideo Ziemke e Otto Solução de continuidade da túnica interna das veias jugulares e desgarramento da íntima Fraturas Cartilagem tireóidea, cricoidea, hioidea e coluna vertebral Hoffmann-Haberda Infiltração sanguínea dos músculos cervicais Morgagni-Valsalva-Orfila-Roemmer Fratura do corpo do hioide Hoffmann Fratura da apófise superior da cartilagem tireóidea Helwig Fratura do corpo da cartilagem tireóidea Morgagni-Valsalva-Deprez Fratura do corpo da cricoide Bonnet Rotura dos ligamentos cricoideo e tireoideo, além de rotura das cordas vocais Dotto Rotura da bainha de mielina do vago Morgagni Fratura da apófise odontoide do áxis Ambroise Paré Luxação de C2 Kratter Sulco no músculo esternoclidomastoideo Outros Pulmões distendidos; equimoses viscerais; espuma hemorrágica traqueobrônquica e sangue fluido e escuro no coração (Fonte: FRANKLIN) No estrangulamento, se tem: Língua cianótica e projetada além das arcadas; Sulco único ou múltiplo, horizontal, contínuo,de profundidade uniforme; Orelhas e lábios arroxeados; Espuma rósea ou sanguinolenta nas narinas e na boca; Bordas do sulco apresentam-se cianosadas e elevadas; Face violácea e tumefeita; Petéquias na face, conjuntivas, pescoço e face anterior do tórax. A esganadura é uma asfixia mista cujo mecanismo é a constrição do pescoço pelas mãos. A tabela 6 apresenta os sinais internos e externos mais encontrados. Tabela 6 - Sinais cadavéricos em vítima de esganadura: Externos Internos • Congestão da face; • Equimoses puntiformes da face e do pescoço; • Escoriações semilunares, apergaminhadas ou de tonalidade pardo-amarelada – estigmas ungueais; as impressões digitais podem ser reveladas por vapores de ácido ósmico; • Cogumelo de espuma e protrusão da língua são raros. • Hemorragias das estruturas profundas do pescoço e equimose retrofaríngea de Brouardel; • Fraturas das cartilagens tireóidea, cricoidea e do osso hioide; • Congestão das partes moles do crânio, das meninges; • Fluidez do sangue. (Fonte: FRANKLIN) Atividade 3. Em qual o tipo de asfixia se enquadra a esganadura, segundo Afrânio Peixoto? a) Confinamento b) Asfixia complexa c) Asfixia pura d) Asfixia mista e) Insuficiência respiratória Sufocação A sufocação é o obstáculo à passagem do ar pelas vias respiratórias (sufocação direta) ou por impedimento da dinâmica torácica (sufocação indireta). Os mecanismos de sufocação direta são variados. Como exemplo do que impede a penetração do ar nas vias respiratórias, podemos apontar a sufocação pelas mãos, por saco plástico, travesseiro, seio materno etc. (FÁVERO, 1991). Quanto à veiculação do ar pelas vias respiratórias, citam-se: corpos estranhos, alimentos, líquidos, broncoaspiração por sangue, secreções, exsudatos, conteúdo gástrico etc. O impedimento da complacência da parede torácica caracteriza a sufocação indireta. Franklin, em seu livro Medicina Legal aplicada, assevera que: A sufocação indireta pode se dar por: multidão em pânico, situação em que as pessoas caem umas sobre as outras; inviabilidade ventilatória por sufocação posicional (crucificação, tortura com a vítima colocada de cabeça para baixo); acidentes com blocos pesados que impeçam a complacência torácica; criminosamente, pelas mãos impedindo a dinâmica torácica do recém- nascido; ou acidentalmente, quando o adulto, ao dormir, impede tal dinâmica etc. A tabela 7 aponta os sinais cadavéricos encontrados na sufocação. Tabela 7 - Sinais cadavéricos de sufocação: Sufocação direta Sufocação indireta • Cianose cervicofacial de Le Dentut ou máscara equimótica de Morestin; • Equimoses subconjuntivais; petéquias da face (Casper) e pescoço; petéquias nos lábios; • Estigmas ungueais ao redor do nariz e da • Dificuldade de retorno venoso pelas veias cavas e consequente hipertensão venosa, sobretudo no território jugular, consequente rotura de veias e infiltração de sangue como petéquias na face e no pescoço; • Tumefação de estruturas com tecido conjuntivo frouxo (exemplo: pálpebras, lábios, boca; fratura do dorso do nariz e dos dentes; • Sangramento nasal; • Ferimentos na língua; • Congestão meningoencefálica e polivisceral; • Sangue fluido e escuro. língua e mucosas gengivais); a gengiva pode exibir lençol hemorrágico; • A confluência das petéquias evolui com a formação da máscara equimótica de Morestin ou a cianose cervicofacial de Le Dentut; • Congestão pulmonar (sinal de Valentin); • Petéquias de Tardieu; • Focos sanguíneos na face interna do couro cabeludo; sangue fluido e escuro; • Focos de hemorragia subaracnoidea. (Fonte: FRANKLIN) Confinamento As alterações que decorrem dos vícios de ambiente, com alterações qualitativas e quantitativas dos gases, e sem o devido arejamento, podem desenvolver um quadro de asfixia classificada como confinamento. Essas alterações levam a um quadro de asfixia pura, sendo os gases irrespiráveis. Após o consumo do oxigênio, e sem o devido arejamento com renovação do ar, acumula-se gás carbônico pela expiração e há a consequente elevação da temperatura e saturação por vapores de água. Comentário O monóxido de carbono tem uma avidez pela hemoglobina 200 vezes maior que o oxigênio. Da fixação com a hemoglobina, o monóxido forma a carboxihemoglobina. O monóxido é um gás incolor, insípido e inodoro. É emitido pelos motores dos automóveis e resulta da queima em casos de incêndios. Vanrrell e Borborema (2007) classificam essas espécies de asfixia como gasosas, individualizando-as como: 01 intoxicação por monóxido de carbono; 02 intoxicação por cianetos; 03 asfixia por substituição do O2 (gás natural, dióxido de carbono); 04 asfixia por confinamento (consumo progressivo do O2); 05 asfixias por alturas (pressão parcial de O2 reduzida). Tabela 8 - Sinais cadavéricos de confinamento e vícios de ambiente: Lesões por confinamento e pelo ar irrespirável • Pelo desespero da vítima, observam-se escoriações no pescoço e na face, além de erosões nas extremidades dos quirodáctilos; em caso de exposição a incêndios, observa-se depósito de fuligem nas mãos da vítima; • Rigidez cadavérica variável quanto ao início, à intensidade e à persistência variável de acordo com o tipo de confinamento e o vício gasoso ambiental; • Roturas vasculares e tumefação na face, em especial nas regiões orbiculares; face com tonalidade rósea a levemente cianótica – hipóstases claras; vísceras de tonalidade carmim; • Sangue fluido e róseo – putrefação retardada. (Fonte: FRANKLIN) Referências CALABUIG, J. Medicina legal y toxicología. 5. ed. Barcelona: Masson, 1998. FÁVERO, F. Medicina legal. 12. ed. Rio de Janeiro: Villa Rica, 1991. p. 360, 361, 377, 378. FRANKLIN, R. Medicina legal aplicada. Rio de Janeiro: Rúbio. Em lançamento. LORIN DE LA GRANDMAISON, G; PARAIRE, F. Place of pathology in the forensic diagnosis of drowning. Ann Pathol. v. 5. n. 23. 2003. p. 400-407. VANRELL J. P.; BORBOREMA, M. L. Vademecum de medicina legal e odontologia legal. São Paulo: Mizuno, 2007. Próximos Passos Estudar o artigo 129 do Código Penal; Conceituar lesão corporal; Estabelecer os critérios médicos para fundamentar o diagnóstico jurídico da lesão corporal. Explore mais Asfixiologia forense <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2483775/mod_resource/conten t/1/PARTE%202%20-%20SUM%C3%81RIO%20-%20ASFIXIOLOGIA.pdf> .
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