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Antropologia, Identidade e Diversidade

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Antropologia, 
identidade e 
diversidade
E-book 1
César Niemietz
Neste E-book:
Introdução ���������������������������������������������������� 3
Sobre a noção de identidade cultural 5
Questões clássicas de Antropologia ��� 7
Os primórdios da perspectiva antropológica ������� 9
A Antropologia moderna e seus objetos de 
estudos �����������������������������������������������������������������13
As culturas e as mudanças de perspectivas ������ 20
Alteridade, identidade coletiva, mitos e ritos ������ 21
A identidade do “eu” ���������������������������������������������29
Sobre o conceito de indivíduo e individualismo � 32
Considerações finais������������������������������� 35
Síntese ���������������������������������������������������������36
2
E-book 
1
E-book 
1
INTRODUÇÃO
As perguntas a seguir talvez pareçam um tanto 
confusas para iniciarmos nossa discussão sobre 
Antropologia, identidade e diversidade, mas vale o 
esforço de abstração: as noções de eu e de outro são 
naturais ou são formuladas de acordo com o con-
texto cultural em que são enunciadas? As categorias 
eu e outro estão presentes de maneira semelhante 
em todas as sociedades? Todos os grupos huma-
nos percebem os outros e a si mesmos de maneira 
parecida? Ou será que essas concepções são dife-
rentemente compartilhadas por grupos igualmente 
distintos?
Com essas questões em nosso horizonte, entrare-
mos em um terreno amplo e ao mesmo tempo espe-
cífico. Amplo, pois trata da complexidade dos agru-
pamentos humanos, ou seja, algo necessariamente 
múltiplo, mas também específico, uma vez que essas 
características contribuem para formular, como diria 
o sociólogo e antropólogo Émile Durkheim, as nos-
sas maneiras de agir, pensar e sentir o mundo ao 
nosso redor� Essa aparente ambiguidade está pre-
sente em um dos principais eixos sobre o qual o pre-
sente material irá se debruçar, a saber: a identidade�
A origem da palavra antropologia indica de saída 
a dimensão humana como central para a análise 
que essa disciplina promove, uma vez que a junção 
3
entre os termos anthropos e logos resulta, de manei-
ra literal, em estudo do homem. Todavia, devemos 
pensar qual é a característica específica desse tipo 
de estudo sistemático realizado pela Antropologia� 
A Biologia e a Psicologia não são também discipli-
nas que estudam o homem? Então em que difere a 
Antropologia dos demais modos de compreensão 
do ser humano?
A resposta a essas questões não é simples, pois 
os próprios problemas não são, mas, para os nos-
sos propósitos, tomaremos a especificidade da 
Antropologia como relacionada à dimensão da 
cultura e da sociedade� Ou seja, trataremos aqui 
dos cruzamentos entre a Antropologia cultural e a 
Antropologia social, deixando provisoriamente de 
lado as questões que envolvem as características 
biológicas dos grupos humanos�
Podcast 1 
4
https://famonline.instructure.com/files/86483/download?download_frd=1
SOBRE A NOÇÃO 
DE IDENTIDADE 
CULTURAL
Ao abordarmos a noção de identidade pela perspec-
tiva da cultura e da sociedade, direcionaremos nosso 
interesse para o espaço de construção simbólica da 
identidade, sendo esse o problema característico 
que nos diferenciará dos estudos biológicos e psi-
cológicos acerca desse mesmo assunto�
Nesse sentido, tal como defende o antropólogo 
Roberto Cardoso de Oliveira (1976), podemos per-
ceber que a noção de identidade comporta ao menos 
duas dimensões fundamentais: pessoal (ou individu-
al) e social (ou coletiva)� Embora essas duas formas 
de identidade sejam difíceis de ser discernidas, uma 
vez que uma influencia a outra, em menor ou maior 
grau� Costuma-se atribuir à psicologia a função de 
exame da perspectiva individual e psíquica, enquanto 
a dimensão social é investigada pelas ciências so-
ciais, destacando-se a sociologia e a antropologia�
Quanto à noção de indivíduo, trata-se de noção es-
pinhosa para a antropologia, pois exige o constante 
esforço de analisar essa categoria de acordo com 
o contexto em que é apresentada� Nas palavras do 
antropólogo Gilberto Velho:
5
Ora, a antropologia, justamente por ter, por 
definição, uma perspectiva comparativista, é 
o ramo do conhecimento que, ao defrontar-
-se com sociedades e culturas díspares e 
diferenciadas, é obrigada a relativizar o indi-
víduo, tal como entendido e percebido na so-
ciedade e na cultura nas quais a psiquiatria, 
a psicologia e a psicanálise se desenvolve-
ram. Esse indivíduo universal, que varia seu 
comportamento em função de modelos dife-
rentes apresentados por culturas específicas, 
é que está sendo questionado. Na realidade, 
parece que se corre o risco de confundir o 
indivíduo biológico, membro de uma espécie, 
com a noção de indivíduo, produto particular 
de uma cultura que, esquematicamente, cha-
marei de ocidental-moderna-contemporânea 
(VELHO, 2012, p.98).
Ao leitor iniciante dos textos antropológicos, as 
questões acima apresentadas correm o risco de 
soar um tanto quanto esquisitas, pois aparentemen-
te estão distantes das nossas reflexões cotidianas� 
Todavia, ao fim desse nosso percurso, será possível 
afirmar que não estão, pois essas indagações são 
fundamentais para a compreensão do mundo ao 
nosso redor�
6
QUESTÕES 
CLÁSSICAS DE 
ANTROPOLOGIA
O termo identidade traz consigo diversos sentidos 
que, por sua vez, são adaptáveis aos diferentes con-
textos em que são apresentados� Em termos mais 
usuais, podemos compreender seu sentido geral 
como algo que possui uma característica distinguí-
vel, ou que estabelece uma relação de semelhança� 
Porém, essa definição se encontra no registro do 
senso comum, o que exige de nós uma elaboração 
teórica para definir de maneira mais precisa o termo, 
enquadrando seu sentido nos diferentes contextos 
históricos a que esteve submetido�
Podemos afirmar que, de certa maneira, o termo 
identidade está relacionado a processos de iden-
tificação entre os indivíduos em seus espaços de 
socialização� Por sua vez, tais processos, como ob-
servaremos nas seções a seguir, estão relacionados 
à imagem que os indivíduos fazem de si mesmos 
(autoconsciência) e com a imagem que fazem tam-
bém dos outros indivíduos� Esse duplo movimento 
de se compreender e compreender os outros traz 
consigo uma série de questões que são objetos de 
análise da Antropologia�
Quando ampliamos nosso olhar para as identidades 
dos grupos, esbarramos no conceito de etnicidade� 
7
Tal conceito se insere como uma das principais no-
ções sobre as quais a antropologia passou a refletir 
ao longo do século 20� Para nosso objetivo, neste 
material de estudo, podemos compreender a etni-
cidade como uma noção que define o conjunto de 
aspectos culturais e/ou biológicos semelhantes em 
relação a grupos humanos específicos. Os traços 
aos quais o termo se refere não são limitados ex-
clusivamente pela Biologia, de modo que a noção 
de etnia difere significativamente da ideia de raça. 
Difere também do conceito de nação, pois deve-se 
levar em consideração o fato de que existem na-
ções que são compostas por identidades étnicas 
distintas, sendo estas anteriores ao advento dos 
Estados modernos�
A Antropologia moderna se distanciou significativa-
mente das perspectivas evolucionistas, fundamen-
tadas sobre o conhecimento biológico das espécies 
vivas, uma vez que os autores culturalistas verifi-
caram que é impossível indicar uma cultura única 
que serve como referencial de evolução para todos 
os agrupamentos sociais, conforme analisamos 
anteriormente�
Desse modo, o interesse nos grupos étnicos pas-
sou a fundamentar a experiência antropológica, 
ampliando o conhecimento humano a respeito da 
diversidade cultural existente�
8
Os primórdios da perspectiva 
antropológica
Embora a Antropologia moderna tenha sido desen-
volvida sobretudo na virada do século 19 para o sé-
culo 20, os europeus contaram com dois importantes 
precursores: Michel de Montaigne (1533-1592) e 
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)�
Diz-se sobre Montaigne que teria sido um provoca-
dorde seu tempo – século 16 – e do meio social em 
que viveu – Europa –, tecendo comentários áspe-
ros em ensaios que geralmente causavam grandes 
polêmicas devido às suas duras críticas� É esse o 
tom presente, por exemplo, em um comentário seu 
a respeito das notícias que os franceses receberam 
sobre a existência dos índios no litoral brasileiro, 
que, segundo esses relatos, seriam adeptos da an-
tropofagia, prática que consistia no consumo ritual 
da carne dos inimigos guerreiros, com o intuito de 
incorporar simbolicamente suas virtudes:
Penso que há mais barbárie em comer um 
homem vivo do que em comê-lo morto, em 
dilacerar por tormentos e suplícios um corpo 
ainda cheio de sensações, fazê-lo assar pou-
co a pouco, fazê-lo ser mordido e esmagado 
pelos cães e pelos porcos (como não apenas 
lemos mas vimos de fresca memória, não 
entre inimigos antigos, mas entre vizinhos 
e compatriotas, e, o que é pior, a pretexto 
de piedade e religião) do que em assá-lo e 
9
comê-lo depois que está morto [...]. Portanto, 
podemos muito bem chamá-los de bárbaros 
com relação às regras da razão, mas não 
com relação a nós, que os ultrapassamos 
em toda espécie de barbárie (MONTAIGNE, 
2010, p.140).
Essas questões levantadas por Montaigne datam do 
longínquo século 16� De lá para cá, tanto os índios 
descentes dos Tupinambá quanto os europeus pas-
saram a atenuar diversos de seus costumes, uma 
vez que, como estudaremos, mitos quanto os ritos 
são constantemente reformulados na dinâmica per-
manente de construção e reconstrução das culturas�
São antigas constatações, mas deixaram uma mar-
ca: a ideia de que parece ser mais fácil apontar as 
culturas alheias como inferiores do que perceber 
que cada cultura possui características particulares 
que são irredutíveis às lógicas umas das outras – no 
caso, utilizava-se pejorativamente o termo bárbaro 
para tudo aquilo que não fosse apresentado à ima-
gem que o europeu tinha de si mesmo�
10
Figura 1: Tapuia (1641), pintado pelo holandês Albert Eckhout, um 
dos principais responsáveis pela criação do imaginário sobre os in-
dígenas brasileiros até a chegada da família real portuguesa. Fonte: 
https://samlinger.natmus.dk/ES/asset/25615 
11
https://samlinger.natmus.dk/ES/asset/25615
Dois séculos adiante, e em uma forma distinta de 
se considerar os “selvagens”, o filósofo iluminista 
Jean-Jacques Rousseau também se esforçou para 
deixar de lado seus preconceitos europeus ao refletir 
sobre os “outros”� Em sua obra Discurso sobre a 
origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens, publicada em 1755, Rousseau defendeu 
a necessidade de se realizar uma história natural, 
moral e política dos diferentes grupos humanos 
distribuídos ao redor do mundo, de modo a melhor 
compreender o próprio horizonte cultural dos euro-
peus do seu tempo�
A respeito do filósofo iluminista, é considerado como 
o pai das ciências do homem por um importante 
antropólogo francês (LÉVI-STRAUSS, [1973], 2018), 
uma vez que Rousseau teria apresentado a perspec-
tiva de investigação humanística das diferentes cul-
turas� Desse modo, a perspectiva de Rousseau teria 
aberto caminho para o desenvolvimento posterior da 
etnografia e da etnologia, sendo a primeira o traba-
lho de registro e descrição, por parte do antropólogo, 
dos aspectos culturais de cada grupo estudado e a 
segunda o estudo sistemático das diferentes formas 
culturais e históricas estudadas pelos antropólogos�
12
A Antropologia moderna e seus 
objetos de estudos
Pode-se afirmar que o surgimento da Antropologia 
esteve relacionado a certa perspectiva estreita atri-
buída aos chamados “evolucionistas”, identificados 
dessa forma pois aderiam à teoria da evolução de 
Charles Darwin (1809–1882) para a compreensão 
dos fenômenos culturais� Para eles, havia apenas 
uma única cultura considerada superior, de modo 
que as demais seriam derivações ainda não desen-
volvidas� Trata-se de uma visão associada ao et-
nocentrismo, ou seja, à concepção que define uma 
única cultura como central e as demais, por con-
seguinte, como marginais em relação a ela� Essa 
visão etnocêntrica esteve associada inicialmente 
aos antropólogos europeus, que viam em sua própria 
cultura indícios de superioridade sobre as demais�
Podcast 2 
Como resposta ao evolucionismo, estabeleceu-se a 
moderna Antropologia, fundamentada em uma vi-
são abrangente e relativista das posições ocupadas 
pelas diferentes culturas humanas� A esta nova ma-
neira de se considerar os grupos humanos, deu-se 
inicialmente o nome de culturalismo, uma vez que 
a pluralidade passou a prevalecer sobre a divisão 
entre superioridade e inferioridade das culturas� Mas, 
antes de comentarmos a respeito desses autores, 
como podemos definir cultura?
13
https://famonline.instructure.com/files/86484/download?download_frd=1
A noção de cultura pode ser compreendida por mais 
de uma perspectiva� De um lado, no sentido amplo, 
temos cultura como um todo que engloba tradições, 
língua, regras, comportamentos e formas de socia-
bilidade específicas de um determinado grupo.
A origem do termo cultura advém da palavra latina 
colere, que significava uma série de processos rela-
cionados aos verbos habitar, cultivar e proteger, entre 
outros� Com o passar do tempo, o termo foi adqui-
rindo significados em razão dos contextos históricos 
em que foi considerado� Todavia, se considerarmos 
a maneira como utilizamos o termo nos dias de hoje, 
podemos considerar suas origens modernas du-
rante o século 19� Trata-se de considerar não mais 
o termo no singular, mas sim compreender cultura 
como expressão plural� Segundo Raymond Williams:
As culturas especificas e variáveis de dife-
rentes nações e períodos, porém também as 
culturas específicas e variáveis dos grupos 
sociais e econômicos contidos dentro de 
uma mesma nação. O movimento român-
tico desenvolveu amplamente este sentido 
como uma alternativa à ‘civilização’ ortodoxa 
e dominante. Em um primeiro momento se 
utilizou para ressaltar as culturas nacionais 
e tradicionais [...]. Posteriormente, utilizou-
-se o termo para atacar o que se via como 
o caráter ‘mecânico’ da nova civilização 
então emergente: tanto por seu raciona-
lismo abstrato como pela ‘desumanidade’ 
14
do desenvolvimento industrial do momento 
(WILLIAMS, 2003, p.90, tradução própria).
Em seus usos mais específicos, a cultura designa 
uma série de processos estudados com atenção, 
que foram se tornando cada vez mais importantes 
para se compreender as características de pensa-
mentos, ações e sentimentos que diferenciam os 
grupos humanos� Nesse sentido, gradualmente, 
deixa-se de defender-se a existência de um mode-
lo cultural universal que define a espécie humana, 
bem como a noção de que existem culturas puras 
ou superiores, uma vez que se tem constatado, cada 
vez mais, a pluralidade imensa de formas de se vi-
ver que não podem ser reduzidas a modelos sim-
plistas que separam culturas em desenvolvidas e 
subdesenvolvidas�
A partir do constante exercício de reflexividade so-
bre a ideia de cultura, feita pelos cientistas sociais, 
pode-se verificar a complexa relação existente entre 
os objetos e tecnologias produzidos pelos grupos 
humanos – cultura material – e a produção simbó-
lica desses mesmos grupos – cultura imaterial –, 
pertinente às suas demandas específicas. Percebe-
se, assim, o equívoco de se medir ou de se comparar 
as culturas de acordo com um parâmetro único de 
desenvolvimento�
15
Enquanto domínio de análise dentro das ciências 
sociais, a Antropologia moderna, preocupada com 
o domínio cultural, desenvolveu métodos próprios 
de investigação dos grupos humanos, sendo Franz 
Boas (1858-1942) e Bronislaw Malinowski (1884-
1942) dois de seus principais iniciadores� A partir 
das obras desses dois autores, os grupos passaram 
a ser cada vez mais analisados, sobretudo em fun-
ção de seus contextos e em seus próprios termos�
Antropólogo de origem alemã, Franz Boas defendeu 
a noção de que a Antropologia deveria se afastardas 
concepções que estabelecem hierarquias entre os 
grupos humanos� Essa mudança de perspectiva foi 
fundamental, pois distanciou-se da noção de que 
os diferentes grupos humanos evoluem de maneira 
unilinear, sendo esta concepção presente, por exem-
plo, entre aqueles que defendiam que as centenas 
de grupos indígenas então conhecidos estavam em 
uma etapa primitiva de evolução, enquanto a socie-
dade europeia estaria no grau mais elevado�
16
Figura 2:  Homem Kwakiutl com vestimentas tradicionais, fotogra-
fado por Edward S. Curtis, 1914. Fonte:https://www.britannica.com/
topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280 
17
https://www.britannica.com/topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280
https://www.britannica.com/topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280
Embora ainda estivesse relacionada ao espírito de 
seu tempo, expressando ainda algumas inconsistên-
cias analíticas a respeito das relações entre natureza 
e cultura, que posteriormente foram motivo de am-
plos debates entre os antropólogos, pode-se dizer 
que a importância de Franz Boas foi notável� Como 
exemplo da agudez de seu pensamento humanis-
ta, tem-se o fato de que os nazistas consideraram 
seus livros perigosos, pois defendiam ideias que iam 
contra as propostas de supremacia racial de Adolf 
Hitler, de modo que seus livros foram retirados das 
prateleiras da Universidade de Heidelberg e quei-
mados pela polícia nazista�
A percepção de que é necessário compreender-se os 
detalhes referentes às lógicas internas das culturas 
resultou na necessidade de se acompanhar de perto 
o cotidiano dos grupos nativos, ou, em outras pala-
vras, tornou-se fundamental desenvolver um estudo 
imersivo junto aos grupos� Essa percepção resultou 
na ideia de trabalho de campo, que pode ser definida 
como a inserção do antropólogo no dia-a-dia dos 
grupos por ele estudados�
Bronislaw Malinowski, antropólogo de origem po-
lonesa, desenvolveu diversos estudos a respeito de 
grupos localizados na costa oriental da Nova-Guiné, 
nas Ilhas Trombriand� Partindo da premissa de que 
é necessário conviver com as pessoas dos grupos 
pesquisados, Malinowski passou a ser um dos prin-
cipais defensores do trabalho de campo como es-
sencial para a análise realizada pelos antropólogos�
18
Em sua obra mais famosa, Argonautas do Pacífico 
Ocidental, publicada em 1922, Malinowski defen-
de uma forma de análise dos fenômenos culturais 
a partir da adoção de um método que se tornou 
fundamental para a antropologia: a observação 
participante�
Figura 3: O antropólogo Bronislaw Malinowski em observação par-
ticipante junto aos habitantes das Ilhas Trombriand. Fonte: http://
anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg 
Em linhas gerais, a observação participante pode 
ser compreendida como uma forma de compreen-
são dos aspectos culturais dos grupos que exige 
um esforço de se inserir no cotidiano dos nativos, 
resultando na compreensão dos “imponderáveis 
da vida cotidiana”, segundo Malinowski� Por trás 
dessa prática, encontra-se a ideia de que não basta 
consultar documentos e realizar entrevistas com os 
nativos, deve-se entrar de cabeça na cultura que se 
deseja investigar, de modo a aprender a língua, os 
19
http://anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg
http://anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg
valores e os padrões de gostos, bem como as regras 
explícitas e implícitas que permeiam a sociabilida-
de dos grupos. Essa premissa ficou consagrada na 
representação do antropólogo sempre acompanha-
do de seu fiel caderno de anotações. Dentre essas 
anotações, são ressaltados costumes, aspectos 
linguísticos, rituais e todo tipo de regularidades es-
pecíficas da cultura analisada.
Após desenvolver suas próprias perspectivas e téc-
nicas, distanciadas das teorias evolucionistas, pode-
-se dizer que a Antropologia moderna ingressou em 
um espaço particular de compreensão da formação 
das identidades entre pessoas que estão em con-
textos históricos e culturais específicos.
As culturas e as mudanças de 
perspectivas
Podemos afirmar que, em sua acepção mais comum, 
o termo perspectiva indica uma posição específica 
de determinado observador a respeito do seu entor-
no� Quando aplicamos essa noção para estudarmos 
os temas da Antropologia, verificamos necessaria-
mente que é possível ampliar nossa perspectiva 
para além do nosso espaço imediato de observação� 
Assim, pode-se dizer que a Antropologia possibilita 
uma significativa extensão de nossas perspectivas, 
inclusive no que concerne ao reconhecimento de 
nossa própria identidade e das identidades alheias, 
como observaremos a seguir�
20
Alteridade, identidade coletiva, 
mitos e ritos
Ao considerarmos as culturas em seus próprios ter-
mos, outro campo de preocupações surge� Trata-se 
das constantes relações de mudanças dos padrões 
culturais, mediante o encontro entre grupos de ori-
gens diferentes�
Quando nos referimos à compreensão das diferen-
ças dos outros em relação à nossa identidade cul-
tural, estamos pensando em termos de alteridade� 
Essa noção faz parte constitutiva da antropologia, na 
medida em que o antropólogo procura compreender 
a diferença em relação aos grupos por ele estudado� 
É o que afirma Marcio Goldman, por exemplo, ao 
constatar que o objetivo do antropólogo é neces-
sariamente permeado pela alteridade� Diz o autor:
[...] O próprio fato de dedicar-se à diferen-
ça nunca é desprovido de consequências 
e, em lugar de simplesmente diferi-la, a 
Antropologia sempre foi capaz de valori-
zar essa diferença, sempre foi capaz de ao 
menos tentar apreendê-la sem suprimi-la, 
pensá-la em si mesma, como ponto de apoio 
para impulsionar o pensamento, não como 
objeto a ser simplesmente explicado – ex-
plicação que, aliás, acaba por deter a própria 
marcha do pensamento (GOLDMAN, 2006, 
p.163).
21
SAIBA MAIS:
Filme Moi, um noir (Eu, um negro)� Dirigido por 
Jean Rouch,1958, 70 min� Produzido por Les Fil-
ms de la Pléiade�
Figura 4: Pôster do filme Moi, um noir, de Jean 
Rouch�Fonte:https://www�imdb�com/title/
tt0051942/
O cineasta e antropólogo Jean Rouch (1917–
2004) foi um dos nomes fundamentais para o 
que posteriormente ficou conhecido como et-
nocinema. Rouch dirigiu filmes que retrataram 
questões relacionadas à etnicidade e às múlti-
plas identidades de populações marginalizadas� 
Dentre suas obras fílmicas, talvez a que mais se 
destaque é Moi, un noir (em português: Eu, um 
22
negro). Neste filme, Jean Rouch acompanha a 
trajetória de jovens desempregados que deixam 
suas comunidades rurais no interior da Nigéria 
e partem para as grandes cidades, em busca de 
oportunidades no “mundo moderno”� Trata-se, 
como adverte Rouch logo no início do filme, de 
uma juventude presa entre tradições e máqui-
nas, entre o Islã e o álcool, e que não renunciou 
às suas crenças, mas adora os ídolos modernos 
do boxe e do cinema. Ao longo do filme surgem 
questões relacionadas a como os jovens se per-
cebem no mundo social, bem como o universo de 
possibilidades que conseguem identificar para si 
mesmos em um mundo que se torna cada vez 
mais complexo�
Compreender a cultura em seus próprios termos 
exige atenção aos conhecimentos compartilhados 
pelos grupos estudados� Tomemos a questão dos 
mitos nas sociedades indígenas� Uma visão dis-
tanciada e pautada por senso-comum a respeito 
das dinâmicas culturais afirma que os mitos são 
heranças de um passado distante, histórias que fi-
caram na memória e são revisitadas apenas como 
nostalgia� Porém essa noção é equivocada� Para 
Eduardo Viveiros de Castro, um mito não é “apenas 
o repositório de eventos originários que se perde-
ram na aurora dos tempos; ele orienta e justifica 
constantemente o presente” (CASTRO, 2014, p� 69), 
ou seja, os mitos são representações vivas no in-
consciente coletivo�
De maneira geral, o termo mito designa uma narra-
tiva que está associada a eventos de fundação de 
23
determinados agrupamentos humanos, de início 
incerto e que foram incorporadosao imaginário des-
ses mesmos grupos sociais� Assim, os chamados 
mitos de origem indicam uma situação que serviu 
de criação para a formação de uma certa identidade 
coletiva� Essa perspectiva está presente, por exem-
plo, nas palavras de Joseph Campbell, ao afirmar que 
“mitos são pistas para as potencialidades espiritu-
ais da vida humana” (CAMPBELL, 1988, p� 17)� Ou 
seja, através da compreensão dos mitos, é possível 
compreender as diferentes formas de construção 
simbólica dos grupos humanos para além daquelas 
que nos são próximas no tempo e no espaço�
As narrativas associadas aos mitos se apresentam 
de diversas formas, nem sempre relacionadas a uma 
perspectiva racional, no sentido que esta palavra 
passou a adquirir com os desenvolvimentos ociden-
tais da ciência� Mas ao separarmos mito e ciência 
entramos em um problema que ocupou o grande 
antropólogo francês chamado Claude Lévi-Strauss�
Para Claude Lévi-Strauss (1908–2009), a partir dos 
séculos 17 e 18, ocorreu um importante movimento 
de construção da diferença entre pensamento mí-
tico e pensamento lógico-científico, a partir de no-
mes como René Descartes, Isaac Newton e Francis 
Bacon� A essa separação o antropólogo atribui a 
noção de divórcio, uma vez que, até então, ambas as 
formas de explicação do mundo estavam bastante 
relacionadas entre si�
24
Contudo, a leitura da obra de Lévi-Strauss indica 
a complexidade existente nas explicações sobre o 
funcionamento do mundo de acordo com os diferen-
tes grupos indígenas, de maneira a se distanciar do 
senso comum que compreende tais grupos humanos 
como pouco desenvolvidos em suas capacidades 
de abstração e de entendimento da realidade ao 
seu redor� Trata-se precisamente do oposto: esses 
grupos humanos deixam de ser considerados pelo 
antropólogo como primitivos, uma vez que talvez o 
único traço que os distancia de fato das sociedades 
consideradas desenvolvidas é a sua inclinação à 
escrita, atuando de maneira intensa em suas pro-
duções intelectuais, bem como no desenvolvimento 
de suas próprias representações a respeito de sua 
história e de sua ecologia�
Evidentemente, os mitos exigem interpretação ade-
quada, correndo-se o risco de reduzir-se sua com-
preensão aos seus aspectos superficiais. Ou seja, 
um mito esconde elementos nem sempre visíveis 
em uma primeira apreensão� Seus significados 
demandam um grande esforço interpretativo e é 
nesse ponto que a figura do antropólogo se torna 
fundamental�
As questões anteriormente levantadas por Lévi-
Strauss demonstram a contribuição que essas 
outras maneiras (diferentes) de se refletir sobre 
o universo podem servir para o desenvolvimento 
mesmo da ciência ocidental� No limiar do século 
20, Lévi-Strauss identificava a necessidade de se 
repensar essa separação, sem, contudo, abando-
25
nar o conjunto de métodos oferecidos pela própria 
ciência� Segundo ele:
A ciência moderna parece ser capaz de pro-
gredir não só segundo a sua linha tradicional 
– pressionando continuamente para a frente, 
mas sempre no mesmo canal limitado – mas 
também, ao mesmo tempo, alargando o ca-
nal e reincorporando uma grande quantidade 
de problemas anteriormente postos de parte 
(LÉVI-STRAUSS, 2010, pp. 18-19).
O mito está relacionado à cosmologia, que pode ser 
compreendida como uma determinada ambição de 
se conhecer o universo de maneira total, sendo os 
mitos parte constitutiva dessa forma ampliada de 
explicação da realidade existente� A cosmologia, 
dessa forma, indica as relações existentes entre 
mitos e a sua dimensão prática, os ritos�
Em Antropologia, ritos podem ser compreendidos 
como cerimônias nas quais ocorrem eventos ex-
traordinários (ou seja, que não estão no registro do 
ordinário), caracterizados por conjuntos de palavras 
e de ações ordenadas que definem uma determi-
nada situação em que predominam as interações 
simbólicas� Nesse sentido, esse tipo particular de 
cerimônia está relacionado às mudanças ocorridas 
nas posições e nas identidades assumidas pelas 
pessoas ao longo de suas vidas� Arnold van Gennep 
(1873–1957), um dos primeiros teóricos a investigar 
26
de maneira aprofundada as questões relativas aos 
ritos de passagens, afirma que:
É o próprio fato de viver que exige as passa-
gens sucessivas de uma sociedade especial 
a outra e de uma situação social a outra, de 
tal modo que a vida individual consiste em 
uma sucessão de etapas, tendo por término 
e começo conjuntos da mesma natureza, a 
saber, nascimento, puberdade social, casa-
mento, paternidade, progressão de classe, 
especialização de ocupação, morte (GENNEP, 
2013, p. 21).
Nessa perspectiva apontada por Gennep (2013), os 
ritos são fundamentais para demarcar a mudança 
de espaços e de comportamentos que definem as 
pessoas em determinados momentos de suas vi-
das� Vê-se, desse modo, que a importância dada a 
tais eventos não está restrita apenas aos seus as-
pectos sagrados, uma vez que eles se combinam a 
todo momento com elementos da nossa vida vulgar, 
compreendidos como profanos�
Essas referidas interações podem ser definidas 
como detentoras de características particulares, 
que estão próximas à noção de performance social:
A ação ritual nos seus traços constitutivos 
pode ser vista como “performativa” em três 
sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é 
também fazer alguma coisa como um ato 
27
convencional [como quando se diz “sim” à 
pergunta do padre em um casamento]; 2) 
no sentido pelo qual os participantes expe-
rimentam intensamente uma performance 
que utiliza vários meios de comunicação [um 
exemplo seria o nosso carnaval] e 3), final-
mente, no sentido de valores sendo inferidos 
e criados pelos atores durante a performance 
(por exemplo, quando identificamos como 
“Brasil” o time de futebol campeão do mun-
do) (TAMBIAH apud PEIRANO, 2003, p. 10). 
Dentre os rituais mais comuns, estão aqueles de 
iniciação, de nascimento, de puberdade, nupciais e 
de purificação. Há de se ressaltar que, assim como 
os mitos, os ritos não estão restritos às sociedades 
não-brancas (indígenas e outras), pois são presen-
ças constantes mesmo em sociedades industriais 
e urbanas� Dessa forma, deixamos de compreender 
os rituais exclusivamente como referentes à esfe-
ra do religioso e passamos a pensá-lo também 
em contextos nos quais existe o predomínio do 
pensamento racional, a exemplo das sociedades 
contemporâneas�
28
A identidade do “eu”
Em texto intitulado Uma categoria do espírito hu-
mano: a noção de pessoa, a de “eu”, publicado ori-
ginalmente em 1938, o antropólogo Marcel Mauss 
(1872–1950) dedicou-se a estudar como a ideia de 
que existe um eu, relacionado por sua vez a uma 
pessoa, surgiu e se modificou ao longo dos tem-
pos� Para tanto, o autor defende a necessidade de 
nos afastarmos de uma visão ingênua a respeito 
do sentido que atribuímos a essas duas categorias�
Em primeiro lugar, Mauss defende que mesmo no 
tempo presente não há um consenso sobre o que 
seja o eu em todos os grupos humanos espalhados 
ao redor do mundo� E o mesmo vale para a perspec-
tiva histórica: como, durante o desenrolar do tempo, 
foi elaborada essa noção tão singular, essa forma 
que adquirimos para pensar sobre nós mesmos atra-
vés da noção de eu? Para tanto, Mauss recorre a 
diferentes códigos legais, costumes e religiões, que 
estruturam diferentes sociedades e, consequente-
mente, diferentes mentalidades�
Os exemplos colhidos por Mauss oferecem uma vi-
são para além da nossa própria cultura, de maneira a 
compreender-se as características específicas desse 
grupo estudado, incluindo a própria forma como 
eles se veem� De acordo com Mauss, diferentemente 
de nossa compreensão ocidentalizada do eu como 
relacionado à noção de indivíduo, os Kwakiutl, por 
29
exemplo, compartilham essa noção a partir da ideia 
de atores que são separados por castas:
Ordenam-se as “pessoas humanas”, e, a par-
tir destas, ordenam-se os gestos dos ato-
res num drama. Aqui, todos os atores são 
teoricamente todos os homens livres. Mas, 
destavez, o drama é mais do que estético. 
É religioso, e ao mesmo tempo cósmico, mi-
tológico, social e pessoal (MAUSS, 2003, p. 
376).
30
SAIBA MAIS:
Os gregos acreditavam em seus mitos?
Você já se questionou a respeito de como os gre-
gos consideravam os seus mitos? Será que o re-
lacionamento que eles tinham com suas crenças 
é semelhante ao que as pessoas têm nos dias de 
hoje com suas religiões? Para o historiador Paul 
Veyne, essa não é uma boa analogia, pois induz a 
uma adaptação forçada da experiência histórica 
dos gregos à nossa experiência contemporânea�
Segundo ele, os mundos lendários relacionados 
aos mitos não eram percebidos como mentiras 
pelos gregos, embora eles compreendessem es-
ses universos como pertencentes a um outro lo-
cal, no qual a temporalidade era vista de maneira 
diferente daquela em que as pessoas estavam 
envolvidas� Trata-se, desse modo, de uma for-
ma complexa de se relacionar com os mitos que 
deve levar em consideração as alternativas cul-
turais dessa sociedade�
De acordo com Veyne, “um grego colocava os 
deuses 'no céu’, mas teria ficado atônito se os 
percebesse no céu” (VEYNE,1983, p� 28)� Vê-se, 
desse modo, que, para o historiador, a questão 
não está relacionada exclusivamente à questão 
da crença, mas também à forma como os gregos 
entendiam a própria noção de verdade� Assim, 
diversas percepções a respeito da “verdade” dos 
mitos eram compartilhadas por diferentes es-
tratos da sociedade grega, soando, muitas ve-
zes, contraditórias aos nossos ouvidos de hoje, 
mas fazendo todo o sentido para quem ali se 
encontrava�
31
Sobre o conceito de indivíduo e 
individualismo
Nossa experiência contemporânea define pessoa 
como um indivíduo, ou seja, uma unidade indivisível 
e única que se projeta como distinguível diante do 
grupo do qual participa� Essa perspectiva, como pu-
demos observar, não é universal, uma vez que cada 
cultura possui formas específicas de representar 
as pessoas, sendo a nossa demasiado particular� 
Em outras palavras, a própria forma como conside-
rarmos uns aos outros em nosso meio social e no 
tempo em que vivemos é condicionada por deter-
minantes particulares, não sendo possível esperar 
que toda a diversidade de culturas tenha percebido 
a experiência humana da mesma forma como per-
cebemos nos dias de hoje�
O antropólogo Roberto DaMatta define a forma de 
percepção individual das pessoas como um dado 
evidente de nossas sociedades contemporâneas� 
Afirma ele que:
[...] Individualidade se associa fortemente à 
tradição clássica da filosofia política, uma 
tradição que moldou o pensamento social 
moderno. Um modo de pensar a sociedade 
historicamente fundado e, em consequência, 
sumamente preocupado com as conexões 
entre instituições, práticas sociais e esfe-
ras percebidas como críticas (e universais), 
como o “religioso”, o “político” e o “econô-
mico (DAMATTA, 2000, p. 9).
32
Desse modo, falar de indivíduo em nossa socieda-
de demanda uma conexão com a influência que os 
valores políticos, econômicos e religiosos exercem 
sobre nossa identidade� Nosso comportamento e a 
forma como nos identificamos uns com os outros 
estabelece conexões sobretudo com o tipo de so-
ciedade em que vivemos, ou, no nosso caso, com o 
modelo sócio-histórico denominado capitalismo�
As sociedades capitalistas, provenientes dos va-
lores e padrões de socialização originados no bojo 
da Revolução Francesa (final do século 18) e da 
Revolução Industrial (sobretudo durante o século 
19), constituíram-se como sociedades permeadas 
por ampla diversidade de identidades situadas em 
espaços cada vez mais urbanos e cosmopolitas� 
Esse encontro de identidades torna a compreensão 
da diferença uma necessidade diária aos habitantes 
das grandes cidades, resultando em uma série de 
aspectos que demarcam a experiência do homem 
na multidão�
Dessa forma, a individualidade que marca nossa 
noção de pessoa passa a ser condicionada pelos es-
tímulos específicos de nosso tempo. Tem-se, dessa 
maneira, o advento do individualismo, compreendido 
como um processo de produção de identidades que 
induz a uma intensificação da sensação de autono-
mia das pessoas diante do mundo em que vivem� 
Assim, o individualismo resulta em um sistema de 
pensamentos e de ações que toma como postula-
do o valor da pessoa em detrimento da autoridade 
tradicional dos grupos, ou, em outras palavras, na 
33
produção de pessoas autocentradas propensas a 
afastarem suas personalidades da coletividade�
Figura 4: Figura 5: Operários, obra de Tarsila do Amaral (1933, óleo 
sobre tela, 150x205 cm) Fonte: http://tarsiladoamaral.com.br/obra/
social-1933/ (Acesso em: 12 jun. 2019).
34
http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/
http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Como estudamos anteriormente, a noção de identi-
dade, quando percebida pela perspectiva analítica da 
Antropologia, indica a existência de uma construção 
social prévia, ou seja, a identidade é produzida e defi-
nida de acordo com os diferentes tempos e espaços 
em que é formulada, seguindo padrões culturais 
distintos� Assim, expressões recorrentes como eu e 
outro ganham novos significados, pois as investiga-
ções realizadas pela Antropologia demonstram que 
essas são formas particulares de compreensão do 
mundo ao nosso redor, sendo impossível reduzir-se 
a pluralidade de perspectivas existentes entre todos 
os grupos humanos a uma construção identitária 
única e parcial�
Na próxima unidade investigaremos outras formas 
de produção das identidades a partir de estudos 
clássicos realizados por antropólogos, de maneira a 
darmos continuidade ao nosso exercício de desna-
turalização do senso comum mediante uma compa-
ração de diferentes grupos humanos, marcada pelo 
reconhecimento da alteridade�
35
c) Sobre os conceitos de individuo 
e individualismo nas sociedades 
urbanas e industrializadas.
b) A identidade do “eu” - Marcel 
Mauss.
c) Franz Boas e Bronislaw 
Malinowski: ênfase nos aspectos 
culturais e no funcionamento interno 
dos grupos.
b) A Antropologia moderna, seus 
métodos, técnicas e objetos de 
estudo: etnografia, etnologia, 
etnocentrismo, culturalismo.
Questões clássicas presentes nos 
estudos antropológicos:
2
Sobre a noção de identidade 
cultural: a formação da identidade 
das pessoas a partir de suas 
relações sociais e culturais. 
Introdução: Antropologia como 
estudo das formas de interação 
humanas.
Antropologia cultural e social como 
estudo das formas culturais e sociais 
das relações entre grupos humanos. 
a) Primórdios da explicação 
antropológica a partir de Michel de 
Montaigne e Jean-Jacques 
Rousseau: o interesse pela 
diversidade humana.
Perspectivas na compreensão das 
culturas:
3
a) Alteridade, identidade coletiva, 
mitos e ritos: Claude Lévi-Strauss e 
Arnold van Gennep.
1
ALGUMAS QUESTÕES
INICIAIS
Referências
BOAS, Franz� Antropologia cultural� Zahar, 2004�
CAMPBELL, Joseph� O poder do mito� São Paulo: 
Palas Athenas, 1988�
CASTRO, Eduardo Viveiros de� A inconstância da 
alma selvagem� São Paulo: Editora Cosac Naify, 
2014�
CASTRO, Celso� Textos básicos de antropologia, cem 
anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e 
outros� Rio de Janeiro: Zahar, 2016�
DAMATTA, Roberto� Individualidade e liminaridade: 
considerações sobre os ritos de passagem e a mo-
dernidade� Mana, Rio de Janeiro, v� 6, n� 1, p� 7-29, 
Abr� 2000�
GENNEP, Arnold van� Os ritos de passagem: estudo 
sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hos-
pitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, 
infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, 
casamento, funerais, estações etc� Petrópolis: Vozes, 
2013�
GEERTZ, Clifford� Nova luz sobre a antropologia� Rio 
de Janeiro: Zahar, 2014�
GOLDMAN, Marcio� Alteridade e experiência: 
Antropologia e teoria etnográfica� Etnográfica, 
Lisboa, v� 10, n� 1, p� 161-173, mai� 2006�
GOMES, Márcio Pereira� Antropologia: ciência do 
homem, filosofia da cultura� São Paulo: Editora 
Contexto, 2008�LEIRNER, Piero de Camargo� Hierarquia e individu-
alismo� Rio de Janeiro: Zahar, 2003�
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: 
Edições, 2010�
LÉVI-STRAUSS, Claude� Antropologia estrutural dois� 
São Paulo: Editora Ubu, 2018�
MAUSS, Marcel� Sociologia e antropologia� São 
Paulo: Cosac Naify, 2003�
MONTAIGNE, Michel de� Os ensaios: uma seleção� 
São Paulo: Companhia das Letras, 2010�
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de� Identidade, etnia e 
estrutura social� São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 
1976�
PEIRANO, Mariza� Rituais ontem e hoje� Rio de 
Janeiro: Zahar, 2003�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: notas para 
uma antropologia da sociedade contemporânea� Rio 
de Janeiro: Zahar, 1987�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: notas para 
uma antropologia da sociedade contemporânea� Rio 
de Janeiro: Zahar, 2012�
VELHO, Gilberto� Um antropólogo na cidade: ensaios 
de antropologia urbana� Rio de Janeiro: Zahar, 2013�
WILLIAMS, Raymond� Palabras clave: un vocabulario 
de la cultura y de la sociedade� Buenos Aires: Nueva 
Visión, 2003�
Antropologia, 
identidade e 
diversidade
E-book 2
César Niemietz
Neste E-book:
Introdução ��������������������������������������������������� 3
Sobre as técnicas e os métodos 
empregados pela Antropologia ������������4
A divisão sexual relativizada por 
Margaret Mead �������������������������������������������� 9
E� E� Evans-Pritchard e o estudo de 
um grupo nilota �����������������������������������������13
Os mortos e os vivos: a noção de 
“pessoa” para os Krahô���������������������������21
Analisando a sociedade capitalista 
por óculos antropológicos ��������������������30
Considerações finais�������������������������������37
Síntese �������������������������������������������������������� 40
2
E-book 
1
E-book 
2
INTRODUÇÃO 
Se na seção anterior delimitamos o horizonte que 
demarca algumas das principais preocupações 
teóricas que a Antropologia passou a ter com os 
desdobramentos de suas análises centradas na no-
ção de cultura, nesta unidade abordaremos alguns 
estudos importantes que ampliaram a perspectiva 
antropológica a respeito das construções sociais e 
culturais das identidades humanas.
3
SOBRE AS TÉCNICAS 
E OS MÉTODOS 
EMPREGADOS PELA 
ANTROPOLOGIA
Os tipos de estudos aos quais vamos nos referir 
nesta unidade se caracterizam como pesquisas sis-
temáticas a respeito de certas questões identitárias 
que envolvem grupos humanos. De saída, devemos 
ter em mente que a pesquisa em ciências sociais 
exige o cumprimento de algumas etapas, sendo que 
as principais são: o levantamento e a preparação da 
própria pesquisa; a coleta de informações; a filtra-
gem dessas informações; a transformação dessas 
informações em dados e a interpretação desses 
referidos dados. Todavia, são muitas as maneiras 
possíveis para se realizar esses procedimentos, o 
que indica uma bem recebida pluralidade de abor-
dagens realizadas pelos cientistas sociais.
Essa diversidade de abordagens resulta na ope-
racionalidade de métodos distintos de pesquisa, 
mas se relaciona também com uma reflexão inicial 
sobre os caminhos que se deseja trilhar ao longo da 
pesquisa. Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz:
4
A proposição das questões a serem estuda-
das, a coleta e a análise dos dados, depen-
derão em grande parte do grau de assimi-
lação crítica das teorias pelo pesquisador 
– entendendo-se por assimilação crítica a 
reflexão aprofundada do pesquisador sobre 
os conjuntos de abstrações que já encontra 
prontos ao iniciar o trabalho (QUEIROZ, 1999, 
p. 17).
Essa reflexão inicial sobre os objetivos e sobre a 
situação de partida do próprio pesquisador indica-
rá a delimitação daquilo que podemos denominar 
como metodologia de pesquisa. Em linhas gerais, 
podemos compreender um método como a própria 
forma de organização da pesquisa, ou como o modo 
de proceder que o pesquisador empregará em sua 
análise, de maneira a indicar o percurso lógico que 
desenvolverá para o estudo de seu objeto de inves-
tigação. As técnicas de pesquisa, por sua vez, são 
ferramentas utilizadas pelo pesquisador durante 
sua prática de investigação.
Como observamos na unidade anterior, enquanto 
ciência social, a Antropologia moderna passou a 
enfatizar a presença do antropólogo junto ao grupo 
que pretende estudar. Essa imersão sinalizou uma 
tentativa de compreender de maneira mais refinada 
os costumes, valores e padrões de interação entre 
as pessoas que compõem o grupo a ser estudado. 
Distanciou-se, assim, do método de pesquisa com-
parativo, operado pelos “antropólogos de gabine-
5
tes”, que consistia em comparar diferentes dados 
de segunda mão a respeito de culturas distantes 
(tal método foi particularmente difundido ao lon-
go do século 19, com os autores evolucionistas). A 
essa mudança de paradigma metodológico deu-se 
o nome de observação participante.
A introdução da observação participante à práti-
ca do antropólogo abriu novos horizontes para a 
disciplina, e a etnografia – registro exaustivo das 
observações feitas em campo – tornou-se cada 
vez mais detalhada. Desde então, os antropólogos 
passaram a se dedicar cada vez mais às sutilezas 
que envolvem as produções simbólicas dos grupos, 
tornando necessária a ampliação de seu repertório 
de técnicas. Dentre essas, podemos destacar algu-
mas das mais recorrentes:
a) Genealogia: técnica muito comum nos primór-
dios da Antropologia, que consiste em investigar a 
origem dos indivíduos pesquisados, de maneira a 
remontar as linhagens genealógicas. Esse tipo de 
estratégia contribui para a elucidação das relações 
de parentesco, e os diagramas de parentesco por sua 
vez, bem como das relações das diferentes matrizes 
genealógicas entre si, que em um grupo podem ser 
aliadas, rivais, cooperativas, amigáveis etc.
b) Análise documental: investigação a partir de 
registros feitos por viajantes, instituições como o 
Estado, ou mesmo pelos próprios grupos e pessoas 
que serão analisados. Nesse tipo de pesquisa, o 
antropólogo busca reconstruir certas linhas narra-
6
tivas sobre o grupo ou o evento por ele pesquisado, 
de modo a restabelecer um determinado discurso.
c) Entrevistas e depoimentos: a partir dessa técnica, 
há a possibilidade de se aproximar da perspectiva 
que as pessoas têm a respeito de si mesmas, bem 
como suas opiniões sobre eventos e situações que o 
pesquisador deseja investigar. Trata-se de material 
que pode ser estruturado, semiestruturado ou aber-
to. Esse tipo de técnica gera materiais bastante ricos 
em sentidos, caracterizado por certa pessoalização 
do discurso (ZALUAR, 1985), embora possa trazer 
limites no que concerne à padronização e à busca 
por regularidades.
d) Histórias de vida e biografias: tentativa de re-
construção linear da vida de pessoas, grupos e ins-
tituições. Assim como as demais técnicas, possui 
certas limitações, uma vez que opta por uma re-
construção histórica parcial. Contemporaneamente, 
a técnica da prosopografia passou a se sobrepor 
à biografia, pois focaliza sobretudo as condições 
históricas e os vínculos sociais aos quais as pes-
soas estão ligadas, de modo a evitar aderir a uma 
construção ilusória e interessada a respeito das 
qualidades dos indivíduos estudados.
e) Estudo de caso (case study): estudo detalhado a 
respeito de um determinado evento. Pode-se tam-
bém analisar os desdobramentos de um determina-
do caso em continuidade, possibilitando o estudo 
sequencial de casos.
7
Deve-se ressaltar que, durante a pesquisa, raras são 
as situações em que o antropólogo utiliza apenas 
uma dessas técnicas, uma vez que a confrontação 
entre essas diferentes ferramentas analíticas contri-
bui para o controle da objetividade da análise. Assim, 
por exemplo, ao reconhecer que eventualmente 
existem limites nos depoimentos dos informantes 
(lapsos de memória ou distorções propositais), o 
pesquisador pode lançar mão de outra técnica, a 
exemplo da pesquisa documental, de modo a com-
parar os dois registros para se ter umcerto controle 
sobre a informação. Tais reajustes são caracterís-
ticas do próprio método científico, que, segundo 
Oracy Nogueira, caracteriza-se por ser progressivo 
e autocorretivo:
Pelo recurso ao método científico, não ape-
nas novas adições estão sendo constan-
temente feitas ao repertório de cada uma 
das ciências, mas ainda conclusões de um 
menor grau de probabilidade estão constan-
temente sendo substituídas por conclusões 
de um grau de probabilidade mais elevado 
(NOGUEIRA, 1977, p. 77).
A seguir, estudaremos algumas importantes pesqui-
sas realizadas no âmbito da antropologia, de modo 
a verificar como o conhecimento do outro pode con-
tribuir para a compreensão dos limites de nossas 
percepções sobre identidades.
8
A DIVISÃO SEXUAL 
RELATIVIZADA POR 
MARGARET MEAD
Margaret Mead (1901–1978) tornou-se uma das 
principais antropólogas de seu tempo, responsável 
pela popularização da Antropologia fora dos circui-
tos acadêmicos. Inspirada pelos princípios de Franz 
Boas de que as diferenças entre os grupos humanos 
seriam condicionadas sobretudo por componentes 
culturais (e não biológicos, como afirmavam os evo-
lucionistas), Mead foi para a Papua Nova Guiné em 
1925, estudar as grupos que lá viviam, e, a partir de 
então, iniciou uma série de estudos a respeito de 
comunidades não ocidentais, resultantes de im-
portantes produções etnográficas que se tornaram 
bastante conhecidas, a exemplo de Coming of age 
in Samoa (1928), Growing up in New Guinea (1930) 
e Sexo e temperamento em três sociedades primi-
tivas (1935).
Sobre a obra Sexo e temperamento em três socie-
dades primitivas, pode-se afirmar que foi recebida 
sob polêmicas quando de sua publicação. Partindo 
da análise de três grupos que habitavam a região, 
Mead percebeu que os padrões comportamentais 
das pessoas variavam de maneira profunda no que 
concerne aos seus papéis em comparação com os 
costumes ocidentais – sobretudo estadunidenses, 
país de origem da antropóloga.
9
Figura 1: Imagem: Margaret Mead (cerca de 1928-1929) com crian-
ças das Ilhas Samoa. Fonte: https://npg.si.edu/
A obra de 1935 focaliza três grupos: os Arapesh, os 
Mundugumor e os Tchambuli. Para o primeiro gru-
po, a divisão sexual do trabalho era relativamente 
harmoniosa, uma vez que homens e mulheres co-
operavam de maneira cordial uns com os outros. 
Dessa forma, não se evidenciava uma separação 
entre os comportamentos dos dois sexos, uma vez 
que a atuação dos dois segmentos tinha como meta 
a criação dos filhos:
10
https://npg.si.edu/
A vida arapesh está organizada em torno 
desta trama central: como homens e mu-
lheres, fisiologicamente diferentes e dotados 
de potencialidades diversas, unem-se numa 
façanha comum, que é primordialmente ma-
ternal, nutritiva e orientada para fora do eu, 
em direção às necessidades da geração se-
guinte (MEAD, 1979, p. 41).
De outro lado, os Mundugumor se apresentavam 
como o oposto dos Arapesh. Tratava-se de um grupo 
com comportamentos considerados agressivos pela 
antropóloga, tanto em relação aos homens quanto 
também em relação às mulheres. Dessa forma, não 
se verificava a noção ocidental de que os homens 
estariam mais propensos à violência, uma vez que 
a agressividade dos comportamentos de homens e 
mulheres eram semelhantes.
A análise dos dois grupos investigados não indica 
necessariamente a ausência de diferenças, uma vez 
que, segundo Mead, os Arapesh acreditavam que a 
pintura a cores deve ser reservada aos homens, e 
os Mundugumor, por sua vez, defendiam que a pes-
ca era um tipo de tarefa que deveria ser realizada 
sobretudo por mulheres. No entanto, os comporta-
mentos de homens e mulheres não destoavam uns 
dos outros, de modo que não é possível verificar de-
sigualdades que favorecem um sexo em detrimento 
a outro em suas funções sociais desempenhadas.
Diferente é o caso dos Tchambuli, terceiro grupo 
estudado pela antropóloga, pois não apenas apre-
11
sentam características distintas em relação aos 
dois primeiros grupos, mas também designam com-
portamentos específicos para homens e mulheres. 
Contudo, para a surpresa da antropóloga, os padrões 
culturais compartilhados entre eles diferiam nova-
mente daqueles comumente atribuídos ao modelo 
ocidental. Entre os Tchambuli, homens mostravam 
atributos de sensibilidade intensa, dedicando-se 
aos cuidados da casa e das crianças, enquanto as 
mulheres dedicavam-se à caça, pesca e ao comércio, 
detendo grande poder sobre os homens do grupo. 
Desse modo, Mead passou a colocar em questão o 
senso comum ocidental de que de maneira universal 
os homens seriam os provedores e guerreiros, reser-
vando às mulheres os papéis de mães e cuidadoras 
do espaço doméstico.
12
E. E. EVANS-
PRITCHARD E O 
ESTUDO DE UM 
GRUPO NILOTA
Edward Evan Evans-Pritchard (1902–1973) foi um 
antropólogo britânico que desenvolveu importantes 
estudos sobre grupos em continente africano. Entre 
suas obras mais famosas estão Bruxaria, oráculos e 
magia entre os Azande (1937) e Os Nuer: uma des-
crição do modo de subsistência e das instituições 
políticas de um povo nilota (1940). É sobre esta úl-
tima obra que falaremos para compreender como 
as formas de percepção das identidades também 
estão sujeitas a rearranjos sofisticados no que diz 
respeito à organização política e social do mundo.
13
Figura 2: Figura 1: E.E. Evans-Pritchard junto ao povo Nuer durante 
a década de 1930. Fonte: https://www.babelio.com/auteur/Edward-
Evans-Pritchard/169230. Acesso em: 27 jun. 2019.
A obra de Evans-Pritchard teve como interesse inicial 
a realização de uma análise das formas de sub-
sistência e das instituições políticas de um grupo 
localizado no Sudão, às margens do rio Nilo, deno-
minado Nuer, composto então por aproximadamente 
duzentas mil pessoas. O antropólogo chegou à co-
14
munidade em 1930 e prosseguiu com seus estudos 
ao longo dessa década. Esse clássico estudo de 
Pritchard exerceu fascínio e influência sobre a ge-
ração posterior de antropólogos, pois levou a sério 
a noção de compreender um determinado grupo em 
seus próprios termos culturais e sociais, esforçando-
-se para deixar de lado os valores europeus e esta-
dunidenses que ainda definiam a visão de mundo 
da maioria dos antropólogos.
No que concerne à forma como os Nuer se veem, 
deve-se levar em consideração, em primeiro lugar, a 
importância que a ecologia local exerce sobre suas 
identidades. Desse modo, a forma como eles se 
percebem enquanto grupo, suas noções de tempo 
e de espaço, bem como a forma como os outros 
grupos são vistos por eles, possuem estreitas re-
lações com os ciclos de colheitas e de secas, com 
a pecuária e outros componentes que resultam em 
influências importantes para se compreender quem 
é uma pessoa Nuer.
A reflexão sobre como diversos elementos influen-
ciam na definição de uma identidade pode ser desta-
cada de uma passagem retirada da obra de Pritchard 
em que o autor aponta como o gado contribui para 
a definição da identidade Nuer:
15
A atitude do Nuer e seu relacionamento com 
povos vizinhos são influenciados pelo amor 
ao gado e pelo desejo de adquiri-lo. Eles 
nutrem profundo desprezo por povos com 
pouco ou nenhum gado, como os Anuak, en-
quanto que as guerras contra as tribos Dinka 
tem objetivado tomar o gado e o controle dos 
pastos (PRITCHARD, 1978, p. 23).
Na passagem acima, podemos notar que as formas 
de reconhecimento do valor do outro pelos Nuer 
são influenciadas pelo gado, uma vez que grupos 
vizinhos, a exemplo dos Anuak e os Dinka, são vis-
tos com desprezo ou como motivos de disputas em 
função de suas relações de pastoreio. Todavia, o 
gado não se restringe apenas aos outros, mas tam-
bém às próprias relações entre os Nuer. Prossegue 
o antropólogo:
A malha de relações de parentesco que liga 
os membros das comunidades locais é cau-
sada pela eficácia de regras exogâmicas, fre-
quentemente colocadas em função do gado. 
A união do matrimônio é realizada através 
do pagamento em gado e todas as fases do 
ritual são marcadaspela transferência ou 
sacrifício do mesmo. O status legal dos côn-
juges e dos filhos é determinado por direi-
tos e obrigações sobre o gado (PRITCHARD, 
1978, p. 25).
16
A importância da análise de Pritchard se tornou no-
tável, uma vez que, mesmo muitas décadas depois 
de seu estudo, a estrutura básica de relações entre 
os Nuer se manteve relativamente estável, passando 
pelo teste da história, tal como afirma a antropólo-
ga Beatriz Perrone-Moisés a respeito da organiza-
ção contemporânea dos Nuer, em texto intitulado 
Conflitos recentes, estruturas persistentes: notícias 
do Sudão (2001). No artigo, Perrone-Moisés avalia 
as transformações ocorridas no final do século 20 
entre os Nuer e seus vizinhos.
Em primeiro lugar, um aumento demográfico sig-
nificativo: os Nuer sudaneses, quando da pesquisa 
de atualização da antropóloga, correspondiam en-
tão a cerca de 740 mil, com população também na 
Etiópia, e os Dinka – vizinhos contra quem os Nuer 
guerreavam – ampliaram sua população para cerca 
de um milhão e trezentas mil pessoas. Em segundo 
lugar, uma mudança drástica, decorrente da inser-
ção de armas de fogo no território por estrangeiros 
provenientes do continente Europeu e dos Estados 
Unidos da América:
17
O fato é que todos os jovens dinka e nuer 
passaram a carregar cotidianamente armas 
pesadas, e as mortes se multiplicaram em 
proporções assustadoras. Ao longo dos anos 
90, toda a faixa de fronteira Dinka/Nuer ficou 
vazia: as aldeias tinham sido dizimadas ou 
sua população tinha sido raptada e os even-
tuais sobreviventes haviam fugido. Não há 
como calcular quantas vítimas essa guerra 
civil no Sudão meridional fez (PERRONE-
MOISÉS, 2001, p. 130).
Embora se trate de uma tragédia potencializada pela 
adoção de um componente externo – a arma de 
fogo –, há que se levar em consideração a perma-
nência do conflito como motivado sobretudo pelas 
desavenças que remontam àquelas identificadas 
por Pritchard, a saber: o rapto de mulheres e o rou-
bo de gado. Entretanto, para se compreender o que 
significa isso para os Nuer, é necessário o estudo 
das particularidades culturais e sociais desse grupo.
As observações feitas por Perrone-Moisés, ao evi-
denciar como as estruturas sociais perduram, são 
importantes para percebermos a importância que 
as pesquisas realizadas no âmbito da antropologia 
possuem para a compreensão e para a tradução 
dos dilemas com que as populações não-europeias 
têm que lidar.
18
SAIBA MAIS:
F o n t e : h t t p s : / / p e r i o d i s t a s - e s . c o m /
abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
F o n t e : h t t p s : / / w w w . r 7 a . c l / a r t i c l e /
el-boton-de-nacar-de-patricio-guzman/
Os dois filmes tratam de questões relacionadas à 
identidade indígena na América Latina e seus con-
tatos com povos europeus. O abraço da serpente 
(2017), de Ciro Guerra, traz uma série de reflexões 
sobre alteridade a partir da história de um viajante 
europeu que vai para a floresta amazônica a pretex-
to de investigar a fauna local. No caminho, trava con-
tato com o indígena Karamakate, que aceita condu-
zi-lo durante a viagem.
Já O botão de pérola (2015), dirigido por Patri-
cio Guzmán, trata da relação entre o extermínio 
indígena na região da Patagônia e a relação da 
ditadura chilena com os presos políticos, mui-
tos dos quais foram lançados ao mar ainda vivos. 
 
 
 
19
https://periodistas-es.com/abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
https://periodistas-es.com/abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
El botón de nácar (O botão de pérola). 2016. 1h 22min. 
Dirigido por Patricio Guzmán. Produzido por Ataca-
ma Productions, Valdivia Film, Mediapro.
El abrazo de la serpente (O Abraço da Serpente). 2015. 
2h 5min. Dirigido por Ciro Guerra. Produzido por Bu-
ffalo Films, Buffalo Producciones, Caracol Televisión.
20
OS MORTOS E OS 
VIVOS: A NOÇÃO DE 
“PESSOA” PARA OS 
KRAHÔ
Para as pessoas que habitam as sociedades urbanas 
e industrializadas, é comum que se entendam como 
indivíduos autônomos e vivos. Embora pareça óbvio, 
em um primeiro momento, compreender nossa iden-
tidade social como a de alguém que está vivo, em 
oposição às pessoas que não estão, é algo que de-
marca nossa experiência social, embora de maneira 
secundária, pois dificilmente se pensa nisso a todo 
o momento. Entretanto, alguns estudos indicam que 
essa oposição vivo/morto não é um dado universal, 
ou seja, algo compartilhado de maneira idêntica por 
todas as pessoas em diferentes contextos culturais.
A separação entre vivos e mortos é algo que está 
presente em muitas sociedades, uma vez que a com-
preensão da finitude de nossa experiência humana 
é uma questão que engendra ansiedades de diver-
sas ordens. Mas como esse tema é tratado por gru-
pos que possuem padrões culturais diferentes dos 
nossos? Antes de começarmos, vale refletir acerca 
dessa proposição em termos antropológicos. Desse 
modo, pode-se afirmar que a construção de nossa 
identidade requer pontos de referência.
21
Em termos de construção de identidades pessoais e 
coletivas, os estudos de Manuela Carneiro da Cunha 
a respeito dos índios Krahô apresentam interes-
santes resultados. A autora procurou identificar o 
valor que a noção de pessoa possui para esse grupo 
indígena, tomando como ponto de partida a própria 
dissolução da personalidade social, ou seja, a morte.
Localizados na região entre Tocantins e Goiás, no 
momento em que a antropóloga realizou o seu es-
tudo de campo, o grupo indígena contava com cerca 
de 600 integrantes.
Figura 3: Imagem 2: Krahô recebe de volta machadinha que se en-
contrava no Museu Paulista. Fonte: Foto de Alfredo Rizzuti, 1986. 
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krah%C3%B4
Podcast 1 
22
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krah%C3%B4
https://famonline.instructure.com/files/86485/download?download_frd=1
O estudo de Manuela Carneiro da Cunha, intitulado 
Os mortos e os outros: uma análise do sistema fu-
nerário e da noção de pessoa entre os índios Krahô 
(1978), traz uma série de dados colhidos pela an-
tropóloga junto aos índios Krahô. Segundo a autora, 
para os Krahô, a oposição entre vivos e mortos é um 
elemento primário para a organização das identi-
dades. Isso se deve ao fato de que, para os Krahô, 
os mortos são vistos como a alteridade máxima, 
ou seja, o avesso total da experiência dos vivos. 
Entretanto, não são apenas diferentes, uma vez que 
viveriam em uma espécie de antissociedade, hostil 
à sociedade dos vivos, uma vez que roubam seus 
membros. Diz Cunha que “os mortos configuram-
-se assim duplamente como ‘outros’ enquanto es-
trangeiros, isto é, bárbaros, e enquanto inimigos” 
(CUNHA, 1978, p. 3).
A morte requer rituais e cerimônias específicas, sen-
do que cada grupo social estabelece o seu próprio 
meio de lidar com esse momento. A antropóloga, 
dessa forma, distancia-se de uma visão redutora que 
identifica o significado social da morte. Em outras 
palavras, se a morte biológica é um processo natural, 
a morte social não é. Nas palavras de Cunha:
23
Não existe [...] um modo de se pensar os 
mortos que de tão natural seria de cer-
ta foram ‘universal’. Na realidade, vivos e 
mortos podem ou não serem concebidos 
como antônimos, par de opostos em uma 
classificação, ou melhor, não é na realidade 
tanto a existência da oposição que interessa 
– provavelmente sempre se poderá, em certo 
contexto, opor vivos e mortos – mas antes 
a precedência desta classificação sobre as 
outras. Se por exemplo a linhagem onde ela 
exista for um operador classificatório mais 
importante do que a distinção vivo-morto, 
esta esmaecerá e passará a um segundo 
plano (CUNHA, 1978, p. 3).
Adentrando as representações coletivas dos Krahô, a 
autora inicia uma busca sobre os sentidos existentes 
nas questões básicas de orientação da própria iden-
tidade dos integrantes do grupo, uma vez que a com-
preensão da morte indica uma certa orientação a 
respeito da própria experiência de vida. Desse modo, 
Cunha (1978) compreendeque os ritos funerários 
são permeados por um conjunto de mitos muito 
particulares e diferentes dos nossos. Enquanto o 
sentido que atribuímos à morte está muito arraigado 
às descobertas científicas – e que, de algum modo, 
fazem parte dos mitos em que acreditamos –, para 
os Krahô a origem da morte está relacionada a duas 
forças antagônicas: a origem da morte, como de to-
dos os males que afligem a humanidade, remonta a 
24
Pëdleré, Lua, que forma com seu amigo formal, Pëd, 
o Sol, o par de demiurgos, cujas andanças são lon-
gamente contadas em um ciclo de episódios míticos. 
Trata-se do próprio sentido que orienta a morte e, 
desse modo, também a vida. A análise desse grupo 
indígena ainda traz outras elucidações que podem 
contribuir para compreendermos como a noção de 
pessoa varia de acordo com os contextos culturais 
em que são apresentadas.
Conforme Julio Cézar Mellati constatou em seu es-
tudo também sobre os índios Krahô, o sistema de 
atribuição dos nomes segue regras que para nós 
talvez sejam pouco compreensíveis em um primeiro 
momento. Segundo Mellati:
O indivíduo do sexo masculino recebe nome 
daqueles parentes consanguíneos a que apli-
ca o termo keti, o qual engloba, entre outras 
categorias de parentesco, o irmão da mãe, o 
pai da mãe, o pai do pai e seus primos para-
lelos. Já o indivíduo do sexo feminino recebe 
o nome pessoal das parentas consanguíneas 
a que aplica o termo de parentesco tïi, que 
abrange, entre outras categorias de paren-
tesco, as de irmã do pai, filha da irmã do 
pai, mãe do pai, mãe da mãe e suas primas 
paralelas (MELLATI, 1968, p. 4).
25
Conforme o trecho anterior, os nomes destinados 
aos Krahô estão relacionados de maneira ampla 
com a totalidade do grupo, uma vez que o processo 
de nomeação traz consigo uma complexa rede de 
afirmações interrelacionais. A criação do nome e, 
por conseguinte, das identidades dentre os Krahô 
possibilita uma série de obrigações formais entre as 
diferentes pessoas do grupo, mesmo entre aquelas 
que, de outro modo, não se relacionam – ou entre as 
formas de amizade e as estruturas sociais.
Distingue-se, desse modo, os chamados amigos 
formais (ikhuanare), que são evitados de maneira 
respeitosa (não se pronuncia os seus nomes, não 
se tem relações sexuais, evita-se caminhar pe-
los mesmos lugares), dos amigos não formais, ou 
companheiros.
A propósito da chamada amizade formal, pode-se 
compreendê-la como um “complexo que abrange 
ao mesmo tempo uma estrita relação de evitação 
(com os amigos formais) e uma relação prazenteira 
(com certos parentes seus)” (CUNHA, 1978, p. 83). 
A quebra dessas regras de distanciamento formal 
encerra igualmente a própria relação entre esse nível 
de interação. Cunha narra brevemente o caso de 
uma mulher que, sem saber que sua interlocutora 
era uma amiga formal, fez certos gracejos com ela. 
Posteriormente, descobriu que se tratava de uma 
amiga formal, embora já fosse tarde demais, uma 
vez que a amizade foi desfeita. Em outro texto, ainda 
sobre os Krahô, Cunha afirma que:
26
A amizade formal, em seu duplo aspecto de 
evitação e de relações prazenteira, é uma 
modalidade de um processo de construção 
da pessoa. Vimos que o amigo formal é con-
ceitualmente o estranho, o outro, e enquanto 
tal, ele pode ser o mediador, o restaurador 
da integridade física e da posição social 
(CUNHA, 1978, p.37).
De outro lado estariam os chamados ikhuionõ, con-
siderados companheiros com os quais se compar-
tilha as liberdades que não se tem com os amigos 
formais, incluindo-se a troca de mulheres nos rituais 
de encerramento das estações chuvosas e estações 
secas (CUNHA, 1978, p.88).
Tem-se, a partir dessa complexa trama, funções 
sociais atribuídas a cada uma das pessoas: aos 
amigos formais atribui-se o papel de outros e aos 
companheiros (ikhuionõ) o papel de semelhante.
Para além do caráter – aos nossos olhos, possivel-
mente exótico – dessas representações, importa 
compreender que a noção de pessoa considerada 
como possuidora de autonomia e liberdade não é 
algo universalmente constatável. Fundamentada 
em seus estudos, a autora afirma que:
27
Embora cada cultura tenda a perceber sua 
noção de pessoa como sendo por assim di-
zer natural, cada uma elabora no entanto 
representações específicas sobre o ser hu-
mano enquanto indivíduo inserido no grupo 
(CUNHA, 1978, p. 89).
SAIBA MAIS: 
Conheça a Enciclopédia dos povos indígenas do 
Brasil: http://pib.socioambiental.org/
Imagem 3: Página inicial do site Povos indígenas 
no Brasil. Fonte: http://pib.socioambiental.org/. 
(Acesso em 12 jun. 2019).
O Instituto SocioAmbiental, organização sem 
fins lucrativos que conta com a participação de 
diversos antropólogos e lideranças indígenas ao 
redor do Brasil, desenvolveu uma importante pla-
taforma com dados e informações diversas so-
bre os vários povos que permanecem resistindo 
na luta pelos direitos de populações originárias. 
28
http://pib.socioambiental.org/
http://pib.socioambiental.org/
 
Contando com vasta gama de documentos 
produzidos desde a década de 1970 pelo Cen-
tro Ecumênico de Documentação e Informação 
(CEDI), é possível encontrar informações deta-
lhadas sobre povos como os Araweté, Cinta Lar-
ga, Tikuna, Pataxó, Kalapalo, Bororo, Ashaninka, 
além de muitos outros.
Podcast 2 
29
https://famonline.instructure.com/files/86486/download?download_frd=1
ANALISANDO 
A SOCIEDADE 
CAPITALISTA 
POR ÓCULOS 
ANTROPOLÓGICOS
Até aqui notamos o predomínio das análises antro-
pológicas voltadas aos grupos não ocidentais, que, 
via de regra, organizam-se às margens das socie-
dades capitalistas, embora não estejam totalmente 
apartadas destas. Embora a Antropologia tenha se 
consagrado como uma disciplina que procura in-
vestigar o outro, em suas formas de organizações 
específicas, diversos antropólogos voltaram suas 
análises para suas próprias sociedades, ou seja, 
para as sociedades urbanas e industrializadas. De 
fato, consagrou-se, ao longo do tempo, a vertente 
denominada Antropologia urbana, que busca com-
preender a produção das identidades nas grandes 
cidades.
A propósito dos fundamentos das sociedades ca-
pitalistas, o antropólogo Marshall Sahlins (1930–) 
desenvolveu uma série de reflexões profundas sobre 
as dinâmicas de produção de comportamentos e de 
disposições referentes às identidades formuladas 
nessas sociedades, em estudo intitulado La pensée 
bourgeoise: a sociedade ocidental enquanto cultura.
30
Distanciando-se das representações comuns a 
respeito das motivações econômicas presentes 
nas sociedades capitalistas – ou burguesas, como 
prefere o autor –, a análise de Sahlins focaliza a 
dimensão cultural. Diz o autor que a própria noção 
de produção material de bens corresponde a uma 
intencionalidade cultural. Dessa forma, as pessoas, 
nas sociedades burguesas, tenderiam a pensar seus 
hábitos e valores como o único modo de existência 
possível. Ou seja, Sahlins inverte o senso comum a 
respeito da lógica estritamente utilitarista. Segundo 
ele, o mecanismo de oferta, demanda e preço que 
caracteriza as sociedades capitalistas é proveniente 
de um código simbólico de objetos próprio de uma 
cultura particular que é a nossa:
Essa visão da produção como a substancia-
lização de uma lógica cultural deveria impe-
dir-nos de falar ingenuamente da geração 
de demanda pela oferta, como se o produto 
social fosse a conspiração de uns poucos 
“tomadores de decisão”, capazes de impor 
uma ideologia da moda através dos enganos 
da publicidade (SAHLINS, 2003, p. 232).
Em outras palavras, o que Sahlins procura enfati-
zar é a relação necessária entre os símbolos que 
estão presentes em nossa cultura e nosso próprio 
pensamento. Dessa forma, deixa-se de se inter-
pretar nossas ações como relacionadas apenas às 
necessidades materiais, o que significa dizer que o 
31
cultural não está subordinado ao econômico, sendo 
que este sim é subsidiário dos padrões produzidos 
por nossa cultura:
A explicação positivista de certas práticas 
culturaiscomo efeitos necessários de al-
guma circunstância material, seja para uma 
técnica específica de produção, seja para um 
grau de produtividade ou diversidade produ-
tiva, ou para uma insuficiência de proteínas 
ou escassez de adubo — qualquer proposta 
científica desse tipo seria falsa (SAHLINS, 
2003, p.232).
A essas observações, o antropólogo procura inserir a 
importância dos símbolos sobre a própria relação de 
trocas existentes no capitalismo. Abaixo podemos 
observar uma pequena amostra da imagem sobre 
a qual Sahlins trabalha em seu texto, extraída da 
obra de Stephen Baker, que procurava orientar os 
publicitários estadunidenses na década de 1960:
32
Figura 4: O sexo dos objetos na publicidade. Orientação para publi-
citários em Visual Persuasion, de Stephen Baker (1961), citado por 
Marshall Sahlins em La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental 
enquanto cultura, Sahlins Fonte: Marshall Sahlins (2003, p.250), tra-
dução de Sérgio Tadeu de Niemayer Lamarão.
Como podemos observar na imagem anterior, re-
cortada de uma imagem mais extensa contida no 
referido texto de Marshall Sahlins, a própria ins-
trução dada aos publicitários está de acordo com 
formas culturais que predominam em determinados 
períodos históricos de nossa sociedade. A imagem 
original datava de 1961, o que evidentemente deve 
33
ser levado em consideração, uma vez que os padrões 
de gêneros estão em constante modificação nas 
sociedades contemporâneas.
Essas relações propriamente culturais também exer-
cem poder sobre a formatação dos nossos gos-
tos. Desse modo, podemos dizer que, sim, para a 
Antropologia, gosto é algo que se discute. Entretanto, 
essa discussão se torna mais profunda quando res-
paldada por estudos rigorosos, a exemplo da pesqui-
sa clássica realizada pelo sociólogo e antropólogo 
francês Pierre Bourdieu.
Em A Distinção: crítica social do julgamento, publi-
cado em 1979, Pierre Bourdieu parte do problema de 
se compreender como os gostos e os julgamentos 
são produzidos. Assim, mobilizando extenso mate-
rial proveniente de pesquisas qualitativas e quanti-
tativas, Bourdieu procura desvelar os mecanismos 
sociais que definem nossas preferências estéticas 
e éticas.
Ao iniciar sua pesquisa sobre o assunto, Bourdieu 
partiu do ponto zero em relação às nossas percep-
ções estéticas. Antes de mais nada, o autor procura 
se distanciar da noção de senso comum segun-
do a qual a arte e a estética estão relacionadas a 
instâncias superiores e sublimes – cristalizada na 
expressão “arte pela arte”. Ou seja, propõe que o 
reconhecimento oferecido por nossa sociedade a 
respeito do que é e do que não é uma obra de arte 
deve ser colocado sob análise crítica:
34
A ciência do gosto e do consumo cultural 
começa por uma transgressão que nada tem 
de estético: de fato, ela deve abolir a fronteira 
sagrada que transforma a cultura legítima 
em um universo separado para descobrir 
as relações inteligíveis que unem ‘escolhas’, 
aparentemente incomensuráveis, tais como 
as preferências em matéria de música e de 
cardápio, de pintura e de esporte, de litera-
tura e penteado (BOURDIEU, 2006, p. 14).
A obra de Bourdieu tornou-se um clássico imedia-
to junto às ciências sociais, pois trouxe dados que 
comprovavam como os gostos estão relacionados 
a certas posições que as pessoas ocupam nas so-
ciedades em que vivem. Embora não seja necessa-
riamente uma regra, tem-se a tendência de que as 
pessoas que vivem nas frações dominadas com-
partilham de certos gostos relacionados a vestuá-
rio, comida e arte, enquanto as frações dominantes 
desenvolvem gostos particulares que lhes conferem 
atributos distintivos.
Em linhas gerais, de acordo com o sociólogo e antro-
pólogo, os indivíduos na sociedade francesa da dé-
cada de 1970 orientavam seus padrões de consumo 
conforme as disposições – ou, como prefere o autor, 
o habitus – que foram engendradas socialmente. 
Essas disposições, por sua vez, podem ser com-
preendidas como matrizes geradoras de padrões de 
gostos, de maneira tal que acabam por definir um 
35
certo espaço ordenado de acordo com as classes 
sociais das quais fazem parte.
A grande inovação da análise empreendida por 
Bourdieu se deve ao fato de que ele conseguiu 
demonstrar, diferentemente de Marshall Sahlins, 
através de dados, essas tendências de gosto re-
lacionadas com as classes sociais. Nesse senti-
do, as identidades individuais estariam sujeitas às 
características especificas do espaço e do tempo 
em que as pessoas se situam. Dito de outra forma, 
os gostos passam por transformações – o que as 
classes dominadas consomem nos dias atuais é 
diferente do que consumiam na década de 1970 –, 
porém a distinção entre as classes através de seus 
gostos permanece como um marcador de desigual-
dades sociais.
Por fim, cabe ressaltar que os gostos trazem consigo 
símbolos culturais que tornam possível identificar a 
quais classes as pessoas tendem a pertencer. Esses 
símbolos, por sua vez, são reproduzidos por institui-
ções como a família e a escola, uma vez que atuam 
como agentes capazes de definir o que é considera-
do legítimo para cada grupo e para cada indivíduo.
36
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Ao longo das páginas anteriores, fizemos um per-
curso que procurou indicar algumas importantes 
análises que os antropólogos fizeram desde que 
passaram a compreender a cultura como elemento 
fundamental dos grupos humanos. Evidentemente, 
muitos outros textos igualmente importantes foram 
deixados de lado, mas espera-se que a apresenta-
ção dessas questões fomente o interesse do leitor 
pela produção antropológica contemporânea. Para 
isso, recomenda-se a busca por fontes reconhecidas 
pela comunidade de antropólogos, bem como suas 
revistas de divulgação científica.
Além disso, o objetivo desta unidade também foi 
o de apresentar para o leitor como a identidade é 
formada de acordo com condicionantes que ini-
cialmente estão situados externamente aos indiví-
duos. Escolhemos as pesquisas de Margaret Mead, 
E. E. Evans Pritchard, Manuela Carneiro da Cunha, 
Marshall Sahlins e Pierre Bourdieu pois elas indicam 
que questões, mesmo categorias muito naturaliza-
das por nós, estão sujeitas a processos de elabora-
ções e reelaborações culturais: a divisão sexual do 
trabalho, o reconhecimento de nós e dos outros, as 
noções de vida e morte, nossos padrões de consumo 
nas sociedades capitalistas e nossos gostos.
37
De maneira mais abrangente, observamos que a 
identidade, enquanto noção de pessoa, é algo sus-
cetível a diversas comparações entre culturas dife-
rentes. Dessa forma, podemos afirmar que, a des-
peito da base biológica que os indivíduos carregam 
consigo e que são nitidamente diferentes, a cultura 
molda os comportamentos e as percepções que tais 
indivíduos têm sobre si mesmos e sobre os outros.
No próximo módulo, refletiremos sobre como surgem 
as identidades nacionais e como são construídos 
os afastamentos e as aproximações entre comu-
nidades ocidentais e não ocidentais, segundo uma 
perspectiva antropológica e histórica.
SAIBA MAIS:
Ailton Krenak e a luta pelos direitos indígenas no 
Brasil
Escritor e professor da Universidade Federal de 
Juiz de Fora, Ailton Krenak se tornou uma das 
principais lideranças na luta pelos direitos indí-
genas no Brasil. Abaixo estão os links para dois 
vídeos que apresentam um pouco a perspectiva 
que ele possui a respeito da identidade dos ín-
dios no Brasil contemporâneo, marcado por dis-
putas políticas de reconhecimento da origem ét-
nica dos povos originários. O primeiro vídeo, de 
1987, mostra o discurso de Krenak na Câmara 
dos deputados, durante o contexto de redemo-
cratização do país. O segundo, mais recente, traz 
38
algumas ideias compartilhadas por Krenak para 
a compreensão da relação entre identidade, sus-
tentabilidade e consumo, através da perspectiva 
indígena.
Discuso histórico no Plenário da Câmara dos 
Deputados, em 04 de setembro de 1987:
https://www.youtube.com/
watch?v=kWMHiwdbM_Q (Acesso em 08 jun. 
2019).

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