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Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Sp5 - Anemia? Mas eu me alimento tão bem... Objetivos: 1. Definir anemia e entender seus tipos (contagem de reticulócitos). 2. Estudar os principais parâmetros a serem observados no eritrograma. 3. Identificar as alterações laboratoriais nos diferentes tipos de anemia. 4. Discutir os diagnósticos diferenciais da anemia. 5. Compreender anemia falciforme, sua fisiopatologia e QC. 6. Caracterizar o aconselhamento genético e o acompanhamento multidisciplinar nas doenças genéticas familiares. Definir anemia e seus tipos A anemia é uma condição comum, principalmente em determinadas faixa-etárias. É normalmente uma doença encontrada como secundária há uma condição clínica pré- existente, sendo, quase sempre, uma consequência de uma anormalidade genética ou adquirida - sendo que, a grande maioria das doenças encontradas na prática clínica podem cursar com anemia. A anemia causada por deficiência de ferro é a mais comum, seguida por aquela causada por doenças crônicas. O termo “Anemia” pode ser definido, clinicamente, como um estado de queda de hemoglobina no sangue - anemia NÃO é uma doença, e sim um SINAL de que existe uma doença. Esta definição, ignorada por muitos médicos, causa diversos problemas na prática uma vez em que é deixado de lado a verdadeira fonte por traz dessa anemia; sendo, na maioria das vezes, doenças que encontradas em sua fase inicial, teriam uma maior chance de cura, como o câncer de cólon - a exemplo. Muitos médicos, no entanto, contentam-se em apenas corrigir os níveis de hemoglobina e hematócrito, utilizando-se, em especial, da hemotransfusão (expondo o paciente, ao invez de tratar a causa primária). Relembrando... Hematopoese é o processo fisiológico dado a produção de células presentes no sangue periférico, sendo elas os glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e as plaquetas. Apesar desta diversidade, essas células são geradas a partir de progenitores pluripotentes na medula óssea: as células tronco hematopoéticas - dessa forma, caracteriza-se como uma das funções da medula óssea ser responsável por esse processo de hematopoese em um ser humano adultos (já que na vida intra- uterina, a hematopoese ocorre no saco vitelínico, depois na região mesodérmica, depois na placenta, depois no fígado, depois do baço e, finalmente, na medula). A proliferação e a sobrevida dessas células são comandadas por dois mecanismos: o padrão de expressão genética das células e o equilíbrio entre sinais externos provenientes do meio ambiente e da medula óssea. Já por sua vez, a eritropoese é, dentro da hematopoese, o nome dado ao processo de produção de eritrócitos (células vermelhas) a partir da célula progenitora. Os precursores dessa linhagem constituem cerca de 1/3 das células da medula. Em condições normais, um adulto produz cerca de 200 hemácias por dia - compensando o número de células destruídas. Este processo funciona nas seguintes etapas: Obs. na vida adulta, esse processo de eritropoese só pode acontecer fora da medula óssea em duas circunstâncias: resposta a um estímulo proliferativo intenso ou como parte de um quadro de proliferação neoplásica do tecido mieloide. Voltando... Os eritrócitos tem uma vida média de 100 a 120 dias, sendo os glóbulos vermelhos senis retirados da circulação pelos macrófagos do fígado, baço (também conhecido como cemitério de hemácias) e medula óssea. A anemia irá ocorrer quando a massa de globulos vermelhos no sangue é insuficiente para oxigenar os tecidos de forma adequada. Cabe ter em mente que definir uma quantidade de hemoglobina ideial é difícil, uma vez que essa quantidade deve ser adequada a massa muscular do indivíduo, ou ao seu tecido metabólico ativo, sendo os valores de referência nada mais que um padrão epidemiológico. Do ponto de vista clínico, a classificação das anemias deve ser feita através da associação entre a classificação morfólogica e fisiopatológica, juntamente aos dados do hemograma e da contagem de reticulócitos, chegando a conclusão mais verdadeira. Classificação morfológica É utilizada na prática clínica juntamente com a classificação fisiopatológica, sendo que está se baseia nos valores de VCM encontrados no eritrograma - mas não esclarece a causa, sendo seu objetivo mostrar o aspecto morfológico do eritrócito. São divididas em: 1. Microcíticas - VCM < 80fl: tem-se a diminuição de hemoglobina dentro do eritrócito, tornando as hemácias hipocrômicas e microcíticas. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG 2. Normocíticas - VCM entre 80-100fl 3. Macrocíticas - VCM > 100fl: hemácias de grande volume e, geralmente, hipercrômicas - não é indicativo de anemia, necessariamente. Estas, são divididas em megaloblásticas e não megaloblásticas. Classificação fisiopatológica É baseada na contagem de reticulócitos e pode ser dividida em três grupos: Por deficiência de produção ou hipoproliferativa São caracterizadas por contagem absoluta de reticulócitos abaixo de 50.000mm3. Essa contagem absoluta de reticulócitos é feita através da porcentagem de reticulócitos vezes o número de eritrócitos). Essa fisiopatologias são sempre instaladas a partir da baixa produção de globulos vermelhos por algum acometimento - seja ele primário ou secundário - na medula óssea OU por falta de fator estimulante (ambiental) da eritropoese OU pela carência de elementos essenciais ao processo (ferro, vitamina B12 e ácido fólico). Além disso, podem estar acompanhados de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. → Redução do tecido hematopoético normal (questão medular) Por aplasia: alteração em que ocorre a substituição do tecido hematopoético por tecido gorduroso. Podem ocorrer sem causa definida e podem ser induzidas por agentes químicos, físicos, toxinas ou medicamentos. Cabe lembrar que, além da anemia, essa substituição tecidual trará consequências para todas as formas celulares, uma vez que irá afetar as células progenitoras primitivas pluripotentes. Por aplasia pura da série vermelha: é um subgrupo da aplasia medular, na qual o acometimento é apenas dos eritrócitos. As causas variam desde doenças imunes, infecções virais, exposição a fármacos e agentes tóxicos, há anomalias congénitas. Pode ser aguda ou crônica. A forma aguda é, normalmente, associada a infecção pelo parvovírus B19, mas pode ser associada à outros - contudo, o parvovírus tem destaque uma vez que, sua infecção junto a anemia hemolítica crônica, a aplasia pura da séria vermelha é grave! Sua forma crônica tende a acontecer em doenças lipoproliferativas, timomas, doenças autoimunes e lupus eritematosos sistêmico. Síndrome miolodisplásica: Esta síndrome é resultado de um defeito clonal que afeta a stem cell (células primitivas) e se caracterizam por ter um quadro de anemia refratária com pancitopenia - ma redução do número de eritrócitos, leucócitos e plaquetas no sangue periférico e maturação anormal destas três linhagens celulares, geralmente acompanhando uma medula óssea hipercelular e um grau aumentado de apoptose intramedular. Fraquentemente evolui para leucemia, mas as vezes o paciente vem a óbito antes. Infiltração na medula óssea por tumores hematológicos ou metastásticos e substituição do tecido por fibrose: Tanto as infiltrações da medula óssea como a mielofibrose produzem um quadro de insuficiência medular e anemia por falta de produção de globulos vermelhos. A infiltração celular, assim como a presença de fibrose, causam distúrbios na barreira medula/sangue fazendo com que células imaturas sejam liberadas, além de alterações morfológicas - sendo uma característica dessa situação a hemácia em lágrima. → Falta de fatores estimulantes: A enzima Epo, ou eritropoetina, é secretada pelos rins em resposta à hipoxia e age nas células precussoras da medula, estimulando a eritropoese. Quando ocorre a insuficiência renal, a produção de Epo cai e a anemia hiporregenerativa se instala. → Falta de fatores essenciais para a produção: Em condições de hemólise aumentada, a eritropoese é acelerada pela Epo, ocorrendoa substiutuição de até 1 trilhão de eritrócitos/dia. Essa alta atividade proliferativa torna a eritropoese muito sensível às deficiências nutricionais, como ferro, B12 e ácido fólico. →Doenças crônicas Anemia em associação a qualquer tipo de infecção, câncer ou com doenças autoimunes. A inflamação crônica pode causar anemia por três mecanismos diferentes: Interferência no metabolismo do ferro, interferência na produção e nos receptores de Epo e interferência no nível dos precursores eritroides - causando a diminuição na produção Por excesso de destruição ou hiperproliferativas São caracterizadas por ser uma anemia com alta contagem de reticulócitos (acima de 100.000mm3). São mais típicas em anemias hemolíticas. Ao sofrer estimulação máxima, a medula óssea pode aumentar sua produção entre 6 a 8 vezes. Ocorre um estado de reticulocitose (aumento na contagem dos reticulócitos circulantes), e, através de uma compensação medular, a sobrevida dos glóbulos vermelhos encurta para 15 a 20 dias, sem o desenvolvimento de anemia. Contudo isso muda quando a taxa de destruição supera a taxa de produção que a medula óssea tem, instalando-se o quadro de anemia hemolítica. A destruição, ou hemólise, pode acontecer na Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG circulação (intravascular) ou, na maioria das vezes, no interior dos macrófagos teciduais (extravascular). Aos exames laboratoriais, as anemia hemolíticas caracterizam-se por reticulocitose, aumento da bilirrubina indireta, aumento da desidrogenase lática (DHL), redução da haptoglobina. Essa situação pode ser causada por defeitos instrísecos ou podem ser secundárias a agressões aos globulos vermelhos por agentes extrinsecos - normalmente, as intrísecas são hereditárias. Obs. A bilirrubina indireta está ligada com a primeira parte da destruição das hemácias, uma vez que ela vai circular no plasma com a albumina (que nada mais é do que o grupo heme sem ferro) - em sua fisiologia, a bilirrubina indireta será retirada da circulação pelos hepatócitos e se transformará em bilirrubina direta que será secretado. →Alterações intrínsecas São geralmente hereditárias e podem acontecer por: Defeito na membrana eritrocitária: a doença mais frequente nesse grupo é a esferocitose, uma doença familiar caracterizada por anemia, icterícia, esplenomegalia e resposta favorável a esplenectomia. A anemia pode estar presente ou não, mas a reticulocitose ocorre em todos os casos. Eritroenzimopatias: deficiências de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) e de piruvatoquinase (PK). a G6PD tem como uma de suas funções a proteção da célula contra a ação de substâncias oxidantes. Em sua deficiência, a hemoglobina pode se tornar oxidada e desnaturar, formando o corpúsculo de Heinz, que lesiona a membrana eritrocitária, causando uma retirada precoce e forçada das hemácias de circulação pelo baço. É uma herança ligada ao cromossomo X, mais comum em homens. A segunda deficiência mais comum é a deficiência de PK, uma enzima do ciclo da glicose. Em sua falta, menos ATP é formado, encurtando a vida média das hemácias, causando anemia. Obs. Corpúsculo de Heinz: Defeitos da hemoglobina: pode ser um defeito na estrutura ou de síntese de uma ou mais cadeias globínicas. A mais frequente é a anemia falciforme. Ela é causada por uma mutação no gene da cadeia globínica beta, que leva à substituição, na 6ª posição, de ácido glutâmico por valina, corroborando para a produção de hemoglobina S em vez de hemoglobina A. O estado homozigotivo HbSS corresponde a essa mutação. Essa substituição na 6ª posição causa profundas alterações na solubilidade das moléculas de hemoglobina quando estas estarem em um estado desoxigenado, fazendo com que ocorra uma polimerização da mesma e organização em longos filamentos (ao invês de sua estrutura habitual), ocasionando uma lesão na membrana e destruição precoce da hemácia. Além desse fenômeno de hemólise, tem-se o fenômeno de vaso-oclusão, que é a marca registrada dessa doença e a responsável por grande parte da mortalidade proveniente deste tipo de anemia; os principais lugares comprometidos são: baço, medula, rins, SNC e pulmões. Outra anemia decorrente de defeitos na hemoglobina é aas talassemias, que é causada por um defeito na síntese das cadeais globilínicas. Hemoglobina paroxística noturna: é uma doença clonal, das células tronco hematopoíeticas, que se caraceteriza por hemólise, tendencia a trombose e graus variáveis de insuficiência medular. É causada por uma mutação do gene PIG-A, localizada no cromossomo X, que leva a ausência ou diminuição de GPI. →Alterações extrínsecas Podem ser afetados por: exposição de venenos e toxinas, parasitas, agentes infecciosos, agentes físicos, traumas, hipofosfatemia, certos medicamentos e por anticorpos. Síndrome de fragmentação eritrocítica: causadas por anormalidades do coração, de grandes vasos ou de pequenos vasos. Anemias hemolíticas imunológicas: são causadas por anticorpos contra os eritrócitos que podem ser auto-anticorpos ou aloanticorpos. Os primeiros causam as anemias hemolíticas imunológicas, que podem ocorrer como doença primária ou secundária ao uso de determinados medicamentos. Já os aloanticorpos são dirigidos contra hemácias que não são próprias do paciente (gravidez, após transfusão de sangue e transplante de orgãos). Por perdas sanguíneas Situação instaurada pela perda, seja aguda ou crônica, de sangue. As perdas agudas, que caracterizam um quadro de anemia pór-hemorrágica, podem representar uma situação de emergência e são compensadas pela medula óssea normal, desde que os estoque de ferro estejam preservados. As perdas crônicas tendem a causar uma espoliação de ferro, e consequentemente, anemia por falta de produção. FONTE: Clínica médica da USP Principais parâmetros a serem observados no eritrograma No hemograma de um paciente com anemia devem ser observados os itens presentes na tabela abaixo: O primeiro ponto a ser avaliado são os índices hematométricos - eles são partes fundamentais para o diagnóstico etiológicos das anemias e, quando associados ao quadro clínico apresentado, podem trazer uma forte suspeita diagnóstica, algumas vezes sendo o suficiente para fechar o diagnóstico e começar a terapia. Os constituintes são: VCM (volume corpuscular médio), HCM (hemoglobina corpuscular média e o CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média). O VCM indica o volume médico das hemácias, enquanto o HCM indica a massa de hemoglobina média das hemácias. Estes parâmetros são usados para a classificação morfológica. Outro ponto a ser avaliado é índice de anisocitose (RDW) que é o indicador de variação de tamanho das hemácias, sendo o parâmetro normal até 14%. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG A investigação laboratorial complementar é fundamental para a confirmação do diagnóstico etiológico das anemias, podendo serem divididos em exames inespecíficos: hemograma completo, contagem de reticulócitos, esfregaço do sangue periférico, bioquímica sérica convencional, e exames específicos: ferro, TIBC e ferritina séricas, LDF, bilirrubinas, haptoglobina, hepatograma, hormônios tireoidianos, teste do ACTH – cortisol, teste de Coombs, teste da fragilidade osmótica, eletroforese de hemoglobina, teste de Ham, aspirado/biópsia de medula óssea. Lembrando que o hemograma completo deve incluir os itens abaixo, e sua faixa aproximada de normalidade: Hematimetria (contagem de hemácias) – 4- 6MI/mm³ Concentração de hemoglobina – 12 a 17g/dl Hematócrito – 36-50% VCM (volume corpuscular médio) – 80-100fL HCM (hemoglobina corpuscular média) – 28-32pg CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) – 32-35g/dl RDW (red cell distribution width – índice de anisocitose) – 10-14% Leucometria (contagem de leucócitos) – 5- 11x10³/mm³ Plaquetometria (contagem de plaquetas) – 150- 400x10³/mm³ Índices Hematimétricos: são “peças” fundamentais na avaliação inicial do diagnóstico etiológico das anemias e, quando associados ao quadro clínico, podem trazer forte suspeitadiagnóstica, algumas vezes suficiente para o início da terapia. São eles: (1) VCM ou VGM: Volume Corpuscular (ou Globular) Médio, isto é, o volume médio das hemácias, medido em fentolitros; (2) HCM ou HGM: Hemoglobina Corpuscular (ou Globular) Média, isto é, a massa de hemoglobina média das hemácias, medida em picogramas; e (3) CHCM ou CHGM: Concentração de Hemoglobina Corpuscular (ou Globular) Média, medida em g/dl. Esses índices são automaticamente determinados pelo Coulter (hemograma de automação), mas também podem ser calculados através da hematimetria, hematócrito e hemoglobinemia: VCM = Ht x 10/hematimetria HCM = Hg x 10/hematimetria CHCM = HCM/VCM x 100 Índice de Anisocitose (RDW): indica a variação de tamanho entre as hemácias, sendo normal até 14%. Vários tipos de anemia podem elevar o RDW, porém uma causa comum de anemia cursa com este parâmetro caracteristicamente normal: beta-talassemia minor. A anemia ferropriva possui RDW aumentado, portanto, este parâmetro pode ser útil (mas nunca definitivo) para diferenciar, diante de uma anemia microcítica, entre ferropriva e talassemia minor. Na anemia ferropriva, o RDW encontra-se em torno de 16%, enquanto na talassemia minor, está próximo a 13%. Leucócitos e Plaquetas: a presença de pancitopenia (anemia + leucopenia + plaquetopenia) sugere anemia aplásica ou leucemia aguda. Uma pancitopenia leve a moderada pode ocorrer na anemia megaloblástica, mielodisplasias, neoplasias hematológicas ou não hematológicas metastáticas. A anemia autoimune pode cursar com plaquetopenia (também autoimune), levando a uma bicitopenia (síndrome de Evans). O achado de anemia microcítica hipocrômica com trombocitose (aumento da contagem plaquetária) é muito sugestivo de anemia ferropriva. Um aumento extremo dos leucócitos (> 25 mil/mm3 ) pode estar presente nas infecções bacterianas graves, na hepatite alcoólica, na hemorragia aguda, nas síndromes mieloproliferativas e nas leucemias. A associação de anemia com leucocitose e trombocitose está presente no sangramento agudo e nas síndromes mieloproliferativas. O diferencial de leucócitos pode revelar achados importantes para o diagnóstico (ver FIGURA 3). O exemplo mais marcante é a presença de formas jovens da linhagem granulocítica (bastões, metamielócitos e mielócitos) associada a eritroblastos (hemácias nucleadas) na periferia, um achado denominado leucoeritroblastose, que tem como significado clínico a ocupação medular por algum processo patológico (mielofibrose idiopática, neoplasia metastática ou mesmo uma infecção disseminada). Contagem de Reticulócitos: os reticulócitos são as células imediatamente precursoras das hemácias representando normalmente 0,5- 2% do total de células vermelhas circulantes. São reconhecidos pela análise do esfregaço do sangue periférico (corado pelo azul de metileno novo ou azul brilhante de cresil), aparecendo com um reticulado azul em seu interior, material correspondente ao RNA ribossômico. Alguns aparelhos são capazes de contar os reticulócitos de forma automática. A presença de reticulocitose indica dois grandes grupos de anemias: (1) anemias hemolíticas; (2) anemia por hemorragia aguda. Essas são as duas únicas formas de anemia que se originam por “perda” periférica de hemácias, sem nenhum comprometimento da medula óssea (direto ou indireto). Como a capacidade de produção dessas células está intacta, há, na tentativa de corrigir a anemia, intensa proliferação medular da linhagem vermelha, com consequente aumento de hemácias jovens (reticulócitos) na corrente sanguínea. Ou seja, a presença de reticulocitose indica que a medula está hiperproliferativa: um mielograma mostraria intensa hiperplasia eritroide. Pela contagem reticulocitária, classificamos as anemias em HIPOPROLIFERATIVAS (carenciais, distúrbios medulares) – aquelas sem reticulocitose – e HIPERPROLIFERATIVAS (hemolítica ou sangramento agudo) – aquelas com reticulocitose. FONTE: Medcurso Alterações laboratoriais nos diferentes tipos de anemia Em teoria, acredita-se que, as 3 medidas de concentração presentes no eritrograma poderiam ser utilizadas para a quantificação dos eritrócitos com hemoglobina por mm3, que são: a busca pela própria hemoglobina, pelo hematócrito ou pelo número de glóbulos vermelhos. Contudo, existem limitações. O pior a ser utilizado é a contagem através dos globúlos vermelhos, pois a concentração em mm3 irá depender do tamanho dessas células - podendo haver, por exemplo, muitos globulos vermelhos, contudo, com pouca quantidade de hemoglobina e, assim, com menos transportador de O2 (microcitose), e vice versa (macrocitose), onde têm-se poucos globulos vermelhos, sendo que estes possuem uma concentração normal de hemoglobina, não constituindo um quadro anêmico do ponto de vista funcional. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Contudo, tanto a concentração de hemoglobina como o hematócrito são parâmetros laboratoriais úteis para realizar o diagnóstico na maioria dos pacientes. Porém, estas não são perfeitas, pois sua concentração depende do volume plasmático (sendo que esté pode estar alterado em gravidez ou esplenomegalia), causando uma “falsa anemia”. O contrário também pode acontecer, em situações nas quais ocorrem a diminuição do volume plasmático, como em queimadas e desidratações, existe uma hemoconcentração que pode atuar mascarando uma falta de hemoglobina nessas células, disfarçando uma anemia. Um dos exames inespecíficos para a confirmação das anemias é o hemograma completo e, em especial, o eritrograma. O eritrograma é a parte do hemograma que avalia os eritrócitos. A abordagem inicial do paciente com anemia deve acontecer da seguinte forma: 1. História clínica completa: a) Questionar quanto aos sintomas da síndrome anêmica e ao tempo de evolução; b) Investigar história nutricional, incluindo ingestão alcoólica; c) Questionar sobre sintomas de doenças que, sabidamente, cursam com anemia (sangue nas fezes, dor epigástrica, artrite, características da diurese); d) Pesquisar comorbidades e medicamentos em uso; e) Investigar história familiar de anemia e origem étnica, considerando alterações hereditárias da Hb e do metabolismo do eritrócito (talassemias, anemia falciforme, deficiência de G6PD etc.); f) Investigar história ocupacional, à procura de exposição a agentes tóxicos. 2. Exame físico: realizar exame físico completo, além de estar atento para sinais de anemia, como glossite, queilite angular, icterícia (sinal de hemólise ou hepatopatia), sinais de neuropatia, esplenomegalia (hemólise ou outra doença de base) e sinais de doenças associadas como causa da anemia (adenomegalia, esplenomegalia, petéquias); 3. Exames laboratoriais na investigação inicial: a) Hemograma: é importante para a análise dos índices eritroides, auxiliando na classificação morfológica da anemia e na avaliação dos outros componentes celulares sanguíneos; b) Contagem de reticulócito: avalia a função medular, importante na classificação funcional das anemias; c) Avaliação do esfregaço de sangue periférico: contém informações importantes quanto à alteração na produção eritroide e nos mostra diferenças no tamanho e na forma das hemácias. A avaliação da anemia depende da avaliação fisiopatológica, que compreende a contagem de reticulócitos e classifica a anemia pela produção medular, e a avaliação morfológica, que inclui os elementos do hemograma e do esfregaço periférico e classifica a anemia conforme as características dos exames laboratoriais. Classificação fisiopatológica (hemograma e contagem de reticulócitos) O número de reticulócitos (precursores das hemácias) ajuda a estimar a função medular e deve ser pedido na avaliação das anemias. A contagem normal de reticulócitos varia de 0,5 a 2%, e sua contagem absoluta de 25.000 a 75.000 µL, podendo ser utilizada como marcador da eritropoese eficaz, pois eles são formas jovens da hemácia recentemente liberados pela medula óssea. Diante do quadro de anemia, se a EPO e a função medular estiverem preservadas, a produção eritroide aumentaráem 2 a 3 vezes o valor normal dentro de 10 dias do início da anemia. Desta forma, se o valor normal da contagem não for ampliado dessa maneira, será indício de resposta medular inadequada. O valor do reticulócito pode ser expresso em número absoluto ou relativo (em porcentagem). Como geralmente é referido em porcentagem, para utilizá-lo como indicador de função medular, são necessários ajustes, descritos a seguir. Ajustar para o grau de anemia Na anemia, a porcentagem de reticulócitos pode estar aumentada, enquanto o número absoluto pode estar baixo. Exemplo: em um caso em que o valor de reticulócitos é de 5%, em uma contagem de eritrócitos de 1.000.000/µL, o número absoluto é de 50.000/µL; isto é, infere-se que não há reticulocitose. Para corrigir esse efeito, utiliza-se o seguinte cálculo: Ambos, o hematócrito (Htc) e o reticulócito são mensurados em porcentagem. A maturação depende do nível de Htc: 1 para Htc > 40%; 1,5 para Htc entre 30 e 39,9%; 2 para Htc entre 20 e 29,9%; e 2,5 para Htc < 20%. Um índice de reticulócito > 3 representa uma reação medular normal, e um índice < 2 representa uma resposta medular inadequada (insuficiente). Outra fórmula que pode ser utilizada é o cálculo do número de reticulócitos absolutos, como segue: Quando o reticulócito é expresso em número absoluto, esse cálculo não é necessário. Índice reticulocitário O reticulócito está presente na circulação pelo período de 1 a 2 dias, tempo suficiente para o catabolismo final dos resíduos de RNAs. Em situações com grande estímulo da eritropoese, o reticulócito pode sair precocemente da medula e ficar mais dias no sangue periférico, fato identificado pelo encontro de policromasia (variação de cor na análise do sangue periférico). Portanto, nessas situações, pode-se ter uma estimativa excessiva da eritropoese. Para corrigir esse efeito, utiliza-se o índice reticulocitário. Calcula-se, de forma prática, dividindo o reticulócito corrigido por 2 (ou o valor absoluto), pois a maioria dos pacientes se apresenta com hematócrito entre 20 e 30%. Porém, quanto mais intensa for a anemia, mais precocemente o reticulócito cairá na circulação e ali ficará por maior tempo. Desta forma, o método correto de calcular o índice é correlacionar com o hematócrito. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Com a avaliação dos reticulócitos, pode-se dividir a função medular em: 1. Medula hipoproliferativa: apresenta contagem de reticulócito corrigida < 2% ou < 100.000/mm3; 2. Medula hiperproliferativa: quando a contagem atinge valores ≥ 2% ou ≥ 100.000/mm3, indicando resposta medular normal à perda de sangue ou à destruição excessiva dos eritrócitos. Com esses dados, pode-se estabelecer a classificação fisiopatológica das anemias: 1. Anemias hipoproliferativas: diagnosticadas pela reticulocitopenia, resultam da baixa taxa de produção de hemácia. As causas mais comuns são: a) Deficiência nutritiva (em crianças e adultos) por falta de absorção, ingesta inadequada ou perda crônica (especialmente de ferro, folato e vitamina B12); b) Falta de estímulo com diminuição de hormônios estimulantes da eritropoese – EPO (disfunção renal), hormônio tireoidiano, androgênio; c) Doenças da célula-tronco (anemia aplásica, mielodisplasia) ou infiltração medular tumoral; d) Supressão medular: quimioterápicos, medicamentos; e) Anemia de doença crônica secundária a processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos. 2. Anemias hiperproliferativas: diagnosticadas pela reticulocitose, ocorrem em razão da perda ou destruição excessiva dos eritrócitos, com resposta adequada da medula óssea. Hemólise é a destruição prematura de hemácias e pode ser de causa congênita ou adquirida. Avaliação da morfologia (hemograma e esfregaço do sangue periférico) A avaliação morfológica das anemias baseia-se, principalmente, na hemoglobina corpuscular média, no volume corpuscular médio e no red cell distribution width (RDW). O VCM (que mostra o tamanho médio dos eritrócitos) e a HCM (que mostra o valor médio de Hb nas hemácias – representado morfologicamente pela cor do eritrócito) podem ser calculados com base nos valores de hematócrito, número de eritrócitos e Hb. Baseia-se na cor (CHCM) e no tamanho (VCM) das hemácias (Quadro 2.3). Hipocrômicas e microcíticas Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG São caracterizadas por células pequenas e de coloração menos intensa, pelo pouco conteúdo de Hb, que pode ser decorrente de: 1. Diminuição da disponibilidade do ferro: deficiência de ferro, anemia de doença crônica, deficiência de cobre; 2. Diminuição da síntese do heme: intoxicação por chumbo, anemia sideroblástica; 3. Diminuição na síntese de globinas: talassemia, outras hemoglobinopatias. Normocrômicas e normocíticas A média do tamanho e da coloração das hemácias é normal. Nessa situação, a análise do sangue periférico é importante, pois pode tratar-se de estágio inicial de anemia microcítica ou macrocítica. Pode também ocorrer pela falta de estímulo da eritropoese (insuficiência renal, endocrinopatia), pela anemia de doença crônica ou pelas anemias por infiltração medular, entre outros. Normocrômicas e macrocíticas Trata-se de hemácias grandes e de coloração normal, maiores que a média, porém com conteúdo globínico normal. Ocorrem frequentemente em: a) Anemias com metabolismo anormal do ácido nucleico – megaloblásticas por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, medicamentos (zidovudina, hidroxiureia); b) Reticulocitose importante, pois o reticulócito é uma célula grande – anemia hemolítica, resposta à perda sanguínea aguda; c) Alteração da maturação do eritrócito (mielodisplasia); d) Outras causas, como hepatopatia, hipotireoidismo, alcoolismo. Podem-se ainda classificar as anemias, além dos pontos de vista fisiopatológico e morfológico: 1. Quanto à massa eritrocitária: a) Relativas: aumento do volume plasmático, sem alteração da massa eritrocitária (gestante, macroglobulinemia); b) Absolutas: diminuição real da massa eritrocitária. 2. Quanto à velocidade de instalação: a) Agudas: de instalação rápida; b) Crônicas: de instalação lenta. Após a avaliação e a classificação inicial das anemias, muitas vezes são necessários exames específicos para confirmação diagnóstica, como na anemia hipocrômica e microcítica com RDW alto – analisar perfil de ferro; anemia macrocítica com RDW alto – analisar dosagem de vitamina B12 e folato; anemia normocrômica e normocítica com reticulócito baixo e RDW normal – dosar nível sérico de EPO, avaliar funções renal e tireoidiana e solicitar mielograma. FONTE: Medcell Laboratório Os achados laboratoriais acompanham a evolução do quadro clínico, pois a deficiência de ferro se instala por etapas. Inicialmente, ocorre depleção dos estoques de ferro, com redução dos níveis de ferritina sérica abaixo de 30 ng/mL. A ferritina é o indicador mais confiável do status do ferro no organismo, por ser menos sensível às variações distributivas do que o ferro sérico e seus indicadores de transporte. Contudo, é uma proteína “de fase aguda” , ou seja, aumenta perante quadros inflamatórios, devendo ser considerada com cautela quando há concomitância da anemia com infecções ou inflamações severas. Para dosagens de ferritina extremamente baixas (< 15 ng/mL), a especificidade do teste é de 99%. Devido à falta de ferro, a formação de hemoglobina é deficiente, fazendo que o conteúdo das hemácias seja pequeno, acarretando volumes corpusculares médios mais baixos e anisocitose importante, o que eleva o valor do red cell distribution width (RDW). Posteriormente, a formação dos eritrócitos continua, porém os níveis de ferro circulante e a saturação da transferrina caem, Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG mostrando que não resta mais ferro para ser mobilizado. A Capacidade Total de Ligação do Ferro (CTLF) e a quantidade de receptor de transferrina solúvel aumentam, mostrando que os receptores do ferro estão “vazios. A falta de ferro para formar Hb leva à formação de hemácias com pouco conteúdo (hipocromia:Hemoglobina Corpuscular Média – HCM – baixa), que, ao se adaptarem a essa situação, alcançam volumes corpusculares mais baixos (microcitose: Volume Corpuscular Médio – VCM – baixo), resultando em anisocitose importante e RDW aumentado. Nas formas mais severas, podem ser notadas formas bizarras das hemácias, apresentando poiquilocitose intensa. A contagem de reticulócitos está diminuída, pois a eritropoese também está. A contagem de plaquetas pode elevar-se em razão do aumento da secreção de eritropoetina (EPO) pela anemia. O padrão- ouro para a avaliação direta do estoque de ferro é a análise da medula óssea com pesquisa do ferro medular, por meio da coloração com azul da Prússia (Perls). Dessa forma, é possível avaliar semiquantitativamente o estoque de ferro nos macrófagos; porém, como sua aplicabilidade é limitada, opta- se por medidas indiretas; Deve-se sempre lembrar de investigar a causa: diante de ferropenia ou anemia ferropriva, sem causa aparente (hipermenorreia, gestação, adolescência ou infância), avaliar inicialmente: endoscopia digestiva alta e colonoscopia, caso não seja identificada nenhuma anomalia, avaliar intestino delgado (exame de imagem – tomografia de abdome e cápsula endoscópica). FONTE: Medcurso Diagnósticos diferencias de anemia ANEMIA FERROPRIVA 1- Hemograma O hemograma na anemia ferropriva passa por duas fases evolutivas... Na primeira fase, temos uma anemia leve a moderada, com índices hematimétricos normais, ou seja, uma anemia do tipo normocítica normocrômica. Porém, numa segunda fase, a anemia torna-se moderada a grave, convertendo-se para o tipo microcítica e hipocrômica. A hipocromia costuma se instalar depois da microcitose. De uma forma geral, a hemoglobina varia entre 4-11 g/dl (média: 8 g/dl), o VCM varia entre 53-93fL (média: 74fL), e o CHCM, entre 22-31 g/dl (média: 28 g/dl). Não podemos esquecer que a anemia ferropriva se associa frequentemente à anemia megaloblástica (“anemia multicarencial”), podendo ter um VCM desde microcítico até macrocítico, na dependência de qual carência é mais grave... Em casos de VCM normal, o RDW costuma estar bastante alterado, o que sugere a coexistência de ambas as carências! A anemia ferropriva cursa caracteristicamente com trombocitose, isto é, aumento de plaquetas na periferia, com contagem geralmente em torno de 500.000 a 600.000/mm3 . A leucometria em geral está dentro dos limites da normalidade. O RDW é classicamente elevado (> 14%), sendo em média 16%. Isso ajuda a diferenciar a anemia ferropriva da talassemia minor (também microcítica), que tem RDW normal (em torno de 13%). Diante de uma anemia com acentuada microcitose (VCM < 72 fL), a dúvida deve ficar entre anemia ferropriva ou talassemia. Não se espera um VCM nessa faixa com outras formas de anemia. O índice de produção reticulocitária é usualmente normal, já que se trata de uma anemia hipoproliferativa. 2- Ferro Sérico Deve sempre ser interpretado junto com os valores de ferritina e TIBC. Encontra-se baixo na anemia ferropriva (geralmente < 30 mg/dl), mas eleva-se imediatamente após a reposição oral e parenteral, permanecendo, neste último caso, elevado por semanas. Na anemia de doença crônica o ferro sérico também está baixo, geralmente < 50 mg/dl. Nas talassemias e na anemia sideroblástica, o ferro sérico geralmente está normal ou elevado!! 3- Ferritina Sérica A dosagem da ferritina no soro é o teste indicado para documentar a deficiência de ferro. É o primeiro parâmetro a se alterar na anemia ferropriva! Sabemos que os níveis de ferritina sérica refletem os estoques de ferro corporal, presentes no sistema reticuloendotelial. Níveis abaixo de 15 ng/ml são típicos da anemia ferropriva, enquanto valores acima de 60 ng/ml praticamente afastam este diagnóstico. Na anemia de doença crônica, a ferritina sérica costuma estar entre 50-500 ng/ml. Na associação anemia ferropriva + anemia de doença crônica, a ferritina sérica encontra-se entre 20-60 ng/ml (raramente, entre 60-100 ng/ml). Nas talassemias e na anemia sideroblástica, ela fica acima de 200 ng/ml. A reposição de ferro afeta os valores de ferritina e, em alguns casos, pode atrapalhar a nossa interpretação. Quando queremos diagnosticar a etiologia correta de uma anemia em indivíduos utilizando ferro oral, devemos suspendê-lo e aguardar cerca de uma semana para obtermos um valor de ferritina mais confiável. A administração de ferro parenteral eleva a ferritina em vinte e quatro horas e a mantém assim por quatro a seis semanas. Dessa forma, em pacientes que utilizaram o preparado parenteral, só teremos um nível de ferritina confiável cerca de um mês após a última dose!!! 4- TIBC e Saturação da Transferrina O TIBC, como já explicado, reflete os sítios totais de ligação da transferrina e, portanto, varia de acordo com a concentração da transferrina sérica. Nos casos de ferropriva, o TIBC encontra-se elevado, acima de 360 mg/dl e quase sempre acima de 400 mg/dl, em função de um aumento na produção de transferrina pelo fígado, em resposta à carência de ferro (Tabela 1). Na anemia de doença crônica, o TIBC encontra-se abaixo de 300 mg/dl. A saturação da transferrina (Fe/TIBC), como o próprio nome diz, espelha a porcentagem de receptores de ferro em todas as moléculas de transferrina circulante que se encontram saturados. O valor normal da saturação está em torno de 30- 40%. Valores abaixo de 15% são consistentes com o diagnóstico de anemia ferropriva! No entanto, na anemia de doença crônica, às vezes também se encontra uma saturação de transferrina igualmente baixa, na faixa entre 10-20%. 5- Hematoscopia Nas fases iniciais da deficiência de ferro, observa-se apenas anisocitose. Se a anemia piora, podemos encontrar microcitose e hipocromia. A poiquilocitose (neste caso marcada por hemácias em forma de charuto e micrócitos bizarros – Figura 4) é um achado que acompanha a anemia grave. A anemia ferropriva é aquela que mais se relaciona ao achado de anisopoiquilocitose. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Os achados laboratoriais observados nesta fase incluem uma ferritina persistentemente baixa (< 15 ng/ml), uma queda ainda mais acentuada do ferro sérico (< 30 µg/dl) e da saturação da transferrina (< 15%) além de francas alterações na morfologia das hemácias. Essas modificações incluem primeiramente microcitose, com níveis de hemoglobina em torno de 8-10 g/dl, e, finalmente, hipocromia e poiquilocitose, quando a anemia se agrava. O esfregaço do sangue periférico mostra intensa anisocitose, com predomínio de células microcíticas e hipocrômicas, com alguns pecilócitos (poiquilócitos) em forma de charuto (Figura 4). A anisocitose intensa vista na periferia pode ser quantificada pelo RDW, que se encontra caracteristicamente alto, em torno de 16%. Quando os níveis de hemoglobina caem abaixo de 8 g/dl, a medula está “cheia” e com diminuição na relação mieloide/eritroide, devido à hiperplasia do setor eritrocítico – uma tentativa “desesperada” da M.O. de recuperar o deficit hematológico! O problema agora não é mais hipoproliferação, e sim um distúrbio de maturação (eritropoese ineficaz) pela grave deficiência na síntese do heme... Ocorre, então, acentuação da anisocitose, aumento do percentual de pecilócitos no sangue periférico e agravamento da microcitose e da hipocromia IMPORTANTE!! Em suma: quando leve/moderada, a anemia ferropriva é classificada apenas como HIPOPROLIFERATIVA (índice de produção reticulocitária baixo; relação mieloide/eritroide normal ou alta). No entanto, quando grave, a anemia ferropriva assume o padrão de ERITROPOIESE INEFICAZ, isto é, o índice de produção reticulocitária continua baixo, mas a relação M/E se torna reduzida, por hiperplasia do setor eritroide. Segundo a chamada “classificação fisiológica da anemia” (que divide as anemias em hipo ou hiperproliferativas), a eritropoiese ineficaz é um subtipo especial de anemia hipoproliferativa! O que acontece é que o excesso de hemácias disformes recém-formadas acaba sendo destruído antes mesmo de deixar a medula óssea... “ANEMIADE DOENÇA CRÔNICA Embora possa ser normocítica-hipocrômica, ou mesmo microcítica-hipocrômica, a ADC é, em sua forma mais característica de apresentação, normocítica-normocrômica. Quando existe microcitose, esta é discreta e quase nunca o VCM fica < 72 fL. Sem dúvida a hipocromia é mais comum e mais acentuada do que a microcitose, diferenciando esta anemia da ferropriva, na qual a microcitose é mais proeminente e se instala antes da hipocromia. O índice de produção reticulocitária encontra-se normal. Os exames do metabolismo do ferro encontram-se da seguinte forma: (1) ferro sérico baixo (< 50 mg/dl) e ferritina sérica normal ou alta (situando-se entre 50-500 ng/ml) – essa combinação caracteriza a doença; (2) TIBC normal ou baixo (< 300 mg/dl); e (3) saturação de transferrina levemente baixa (10-20%). A Protoporfirina Livre Eritrocitária (FEP) encontra-se elevada, mas em menor grau quando comparada à anemia ferropriva. A TRP (Proteína Receptora de Transferrina), ao contrário da ferropriva está baixa. Reparem: o TIBC está normal ou até baixo porque, na anemia de doença crônica, há uma redução da transferrina sérica (lembrar que o TIBC não é influenciado pela quantidade de ferro no sangue ou mesmo pela porcentagem de sítios livres da transferrina – ele é útil porque traduz, em última análise, a concentração sérica de transferrina). A anemia ferropriva é tipicamente microcítica- - hipocrômica, mas, eventualmente, em especial no início do quadro, pode ser normocítica- -normocrômica... Como ela é de longe a forma mais comum de anemia, acaba sendo responsabilizada como principal causa tanto de anemia microcítica-hipocrômica quanto de anemia normocítica- normocrômica!!! ANEMIA DA IRC – INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA A anemia da síndrome urêmica é progressiva, chegando a valores de hematócrito entre 15-30%. Tipicamente é normocítica-normocrômica, e sua gravidade tende a ser proporcional ao grau de disfunção renal (exceções: na doença renal policística, a anemia tende a ser MENOS intensa, enquanto na IRC por diabetes e mieloma múltiplo a anemia tende a ser MAIS intensa do que em outras etiologias de IRC). O índice de produção reticulocitária na maioria das vezes é normal. Quando a ureia se encontra muito elevada (> 500 mg/dl), pode haver aumento dos reticulócitos. O esfregaço de sangue periférico pode revelar múltiplos equinócitos (ou hemácias crenadas) – Figura 2 – e alguns poucos esquizócitos em capacete (fragmentos de hemácia). Os parâmetros do metabolismo do ferro são muito variáveis, com a ferritina sérica em geral superior a 100 ng/ml. Nos renais crônicos a cinética do ferro deve ser monitorada periodicamente. ANEMIA DA HEPATOPATIA CRÔNICA Como, na maioria das vezes, a anemia é leve ou moderada, o quadro clínico é marcado pelos sinais e sintomas da hepatopatia crônica. Os achados laboratoriais característicos são de uma anemia normocítica ou macrocítica, com índice de produção reticulocitária elevado, em torno de 8,5% (variação entre 2,5- 24%). A macrocitose ocorre em 30-50% dos casos, geralmente não excedendo o limite de 110 fL O esfregaço do sangue periférico pode mostrar uma série de alterações sugestivas: (1) macrócitos finos – hemácias com diâmetro aumentado, porém, volume corpuscular normal – este achado é comum, ocorrendo em cerca de 60% dos casos; (2) hemácias em alvo– idênticas àquelas encontradas nas hemoglobinopatias e na esplenectomia – o mecanismo é o aumento da superfície da hemácia, em razão do acúmulo de lipídeos na membrana, em relação ao volume corpuscular; (3) acantócitos – 5% dos pacientes. Pancitopenia ou bicitopenia (leve a moderada) pode ocorrer, em virtude do hiperesplenismo frequentemente coexistente. ANEMIA DAS ENDOCRINOPATIAS Hipotireoidismo É bastante variável a ocorrência de anemia no hipotireoidismo – oscilando entre 20-60% dos casos. A anemia é leve, o hematócrito quase sempre superior a 30%. Valores inferiores indicam outras causas de anemia, em especial a ferropriva (ex.: hipermenorreia associada). A tireoidite de Hashimoto pode estar associada à anemia perniciosa, uma vez que ambas são doenças autoimunes. Neste caso, teremos os achados clássicos da anemia megaloblástica por carência de B12. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Caracteristicamente, a anemia do hipotireoidismo é normocítica- -normocrômica ou discretamente macrocítica. A macrocitose também pode ocorrer sem anemia, como uma resposta fisiológica à redução do consumo de O2 pelos tecidos, típica do estado hipometabólico. A menor necessidade de O2 leva à queda dos níveis de eritropoietina. O efeito direto da queda do T3, reduzindo a eritropoiese medular, também pode contribuir. A reposição hormonal melhora a anemia vagarosamente, sem haver um pico reticulocitário. Hipertireoidismo Cerca de 10-25% dos pacientes com hipertireoidismo apresenta anemia. A anemia é discreta, e seu mecanismo é desconhecido. Um componente de hemodiluição parece contribuir. Classicamente, é do tipo normocítica- normocrômica ou microcítica. A microcitose não responde à reposição de ferro. Com o tratamento da doença, a anemia é corrigida. ANEMIA POR OCUPAÇÃO MEDULAR O quadro clínico da anemia por ocupação medular é marcado pelos sinais e sintomas da doença neoplásica metastática, da neoplasia hematológica ou da infecção disseminada. É comum a pancitopenia. A anemia (normocítica, ou, menos frequentemente, macrocítica) é o achado mais precoce (e mais comum) na mielofibrose secundária. O achado característico no sangue periférico é, como já dito, a leucoeritroblastose, definida pela presença de eritroblastos e granulócitos jovens (mielócitos, metamielócitos e bastões) em grande quantidade, na vigência de anemia e leucopenia. Também podem estar presentes hemácias em lágrima (dacriócitos). ANEMIA MEGALOBLÁSTICA Achados Laboratoriais 1- Hemograma O VCM está caracteristicamente aumentado, podendo atingir valores de até 140 fL. Embora existam outras causas de macrocitose que não a anemia megaloblástica, quando nos deparamos com um VCM superior a 110 fL, o diagnóstico é bem provável, quando além de 120 fL, praticamente não há outro diagnóstico. O CHCM encontra-se com valores normais, uma vez que a síntese da hemoglobina continua e muitas vezes preenche toda a célula. É comum a anisocitose, com aumento do RDW. Uma análise dos hemogramas anteriores frequentemente revela aumento progressivo do VCM ao longo de meses ou anos. É importante salientarmos que o VCM pode permanecer elevado por um longo período (meses a anos), sem que tenhamos anemia propriamente dita. Por outro lado, é possível também que um paciente com anemia megaloblástica apresente VCM normal (entre 80-100 fL). Este último fenômeno pode ser observado na coexistência de deficiência de ferro com deficiência de vit. B12 e/ou ácido fólico, ou então na associação entre anemia megaloblástica e talassemia... A neutropenia e a trombocitopenia podem se associar à anemia (pancitopenia), mas geralmente são de intensidade leve a moderada. 2- Sangue Periférico A alteração mais característica de anemia megaloblástica no esfregaço de sangue periférico é a chamada hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos (Figura 1A), que pode ser definida pelos seguintes critérios: (1) achado de apenas um neutrófilo contendo seis ou mais lobos; e (2) presença de pelo menos 5% de neutrófilos com cinco lobos. O achado desses neutrófilos plurissegmentados é quase patognomônico de anemia megaloblástica. Outras alterações incluem presença de anisocitose e poiquilocitose e dos macroovalócitos, que são eritrócitos grandes e ovais, completamente hemoglobinizados. Os macrócitos das outras anemias não possuem essa característica. 3- Medula Óssea (mielograma) A medula geralmente é hipercelular, com uma diminuição da relação mieloide/eritroide. Podemos identificar ferro corável em teores expressivos. As alterações morfológicas megaloblásticas (nucleares) costumam ser vistas em todos os tipos celulares, porém são mais intensas e frequentes na linhagem vermelha. Os eritroblastos estão aumentados devolume, com importante assincronia núcleo/citoplasma, isto é, um atraso na maturação do núcleo quando comparado ao citoplasma. O núcleo imaturo apresenta uma cromatina granulada, ou com aspecto “em peneira”, enquanto que o citoplasma encontra-se desproporcionalmente hemoglobinizado (“avermelhado”). 4- Dosagem de Cobalamina e Folato Séricos Os teores de vitamina B12 e folato no sangue devem ser solicitados. Níveis normais de vitamina B12 encontram-se entre 200 e 900 pg/ml. Uma B12 sérica acima de 300 pg/ml torna improvável o diagnóstico de carência da vitamina, enquanto que uma dosagem abaixo de 200 pg/ml praticamente o confirma. Entre 200- -300 pg/ml (normal baixa) é a faixa de incerteza. A dosagem da B12 pode sofrer influência de artefatos provocados pelo radioimunoensaio e por hepatopatia crônica – valores falsamente elevados. A presença de mieloma, gravidez, deficiência concomitante de folato, anemia aplástica e altas doses de vitamina C nos fornecem valores falsamente baixos. Outros Achados Os níveis de LDH e bilirrubina indireta encontram-se aumentados, pois estamos diante de uma destruição aumentada de precursores das células vermelhas no interior da medula óssea (eritropoiese ineficaz). Devemos tomar cuidado na interpretação desses dados e não confundi-los com aqueles da anemia hemolítica, já que esta última pode ser também macrocítica, caso a medula lance muitas formas jovens de hemácia (reticulócitos) na periferia. Por incrível que pareça, a anemia megaloblástica é aquela que mais eleva os níveis de LDH, mais do que a própria hemólise periférica. Enquanto nas anemias hemolíticas a média está em torno de 580 U/ml, na megaloblastose encontra-se um LDH ao redor de 3.800 U/ml (normal = até 240 U/ml). Embora tenha níveis elevados de LDH e de bilirrubina indireta, a anemia megaloblástica possui contagem de reticulócitos normal ou baixa, diferenciando-a definitivamente das anemias hemolíticas macrocíticas. ANEMIA SIDEROBLÁSTICA Antes de descrevermos separadamente os tipos de anemia sideroblástica, vamos apresentar algumas características comuns a todos os tipos... Por exemplo, as hemácias circulantes, provenientes dos sideroblastos em anel da medula óssea, caracterizam-se por microcitose e hipocromia, o que reflete a produção inadequada de hemoglobina (existe pouco Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG heme). Entretanto, o que frequentemente observamos na prática são duas populações de eritrócitos: uma hipocrômica e microcítica e outra normocítica e, eventualmente, macrocítica. A isso denominamos dimorfismo eritrocitário. Esse dimorfismo (ou bimorfismo) pode ser identificado por um RDW aumentado, pela curva de anisocitose “bífida”, ou na própria hematoscopia do sangue periférico. “Um momento! Afinal de contas, a anemia sideroblástica é micro ou macrocítica?” Na verdade, a anemia sideroblástica se caracteriza por apresentar, no esfregaço de sangue periférico, tanto hemácias microcíticas quanto macrocíticas – ocorre que, na forma herdada de doença, predominam os micrócitos (típica redução do VGM), enquanto que, na forma adquirida, geralmente predominam os macrócitos (aumento do VGM). Os macrócitos são decorrentes da eritopoiese acelerada dos eritroblastos não afetados pela doença, por estímulo da eritropoietina. Um outro aspecto importante é a cinética do ferro. Como há um estímulo à absorção intestinal de ferro, ele se acumula no organismo (hemocromatose eritropoiética). Como consequência, teremos ferro sérico alto (> 150 µg/dl), ferritina sérica normal alta ou alta (> 100-200 ng/ml), TIBC normal e saturação de transferrina alta (30-80%). Quando devemos suspeitar da presença de anemia sideroblástica? Guardem esta dica, especialmente para as provas: devemos suspeitar de anemia sideroblástica sempre quando houver a coexistência paradoxal de hipocromia com ferro sérico alto, saturação da transferrina elevada e ferritina elevada. As talassemias (major e intermedia) também podem determinar esse padrão. Uma eletroforese de hemoglobina pode excluir esta última entidade. O que são os corpúsculos de Pappenheimer? Em alguns pacientes com AS, as hemácias circulantes podem reter as mitocôndrias sideróticas por um breve período. Nesses casos, um esfregaço de sangue periférico identifica precipitados de ferro conhecidos como corpúsculos de Pappenheimer (figura 1B). Note: os sideroblastos em anel aparecem no aspirado de medula; enquanto os corpúsculos de Pappenheimer, no sangue periférico. 1- Anemia Sideroblástica Hereditária Esta anemia é mais comum em homens (herança ligada ao X), tal como a hemofilia e o daltonismo. O grau de anemia é variável, podendo ser leve, moderada ou grave (Hg < 7 g/dl). Os casos leves a moderados podem ser descobertos somente na idade adulta, já quando existe hemossiderose, representada por hepatoesplenomegalia ao exame físico. A anemia é microcítica (o VCM podendo chegar na faixa entre 50-60 fL) e hipocrômica, com intensa anisocitose (aumento do RDW) e poiquilocitose. Os casos mais graves podem evoluir com as lesões orgânicas da hemossiderose (cardiomiopatia, cirrose hepática, hiperpigmentação, diabetes mellitus secundário). Mulheres heterozigotas podem apresentar uma leve anemia ou apenas uma curva de anisocitose “bífida” no hemograma. 2- Anemia Sideroblástica Adquirida Idiopática O hemograma mostra anemia normocítica ou levemente macrocítica. Pode ser normocrômica ou hipocrômica. A macrocitose vem do predomínio dos macrócitos sobre os micrócitos no sangue periférico, dentro de uma população eritrocitária dimórfica. Os micrócitos são derivados dos sideroblastos em anel, enquanto que os macrócitos são provenientes de progenitores normais, mas que possuem um tempo de maturação reduzido num ambiente de hiperplasia eritroide medular (níveis aumentados de eritropoietina). Podemos dividir os pacientes com AS adquirida idiopática em dois subgrupos: (1)“Anemia sideroblática pura”, em que as demais alterações displásicas medulares são inexistentes. (2)“Forma verdadeiramente mielodisplásica”, também chamada de “anemia refratária com sideroblastos em anel”, nas quais a displasia medular é encontrada em sua forma típica. Na primeira, a sobrevida média é semelhante à da população hígida e a chance de transformação leucêmica é praticamente nula. Na segunda, a sobrevida média está reduzida e há risco para transformação leucêmica (em torno de 5%). 3- Anemia Sideroblástica Adquirida Reversível A anemia geralmente é microcítica e hipocrômica. O cloranfenicol, mesmo em concentrações terapêuticas, pode inibir diretamente a eritropoiese e levar ao surgimento de sideroblastos em anel na medula óssea. Este último efeito se deve à sua ação inibitória sobre a ALA sintetase. A anemia induzida pela deficiência de cobre (ou intoxicação pelo zinco) costuma ser grave. É caracteristicamente microcítica e hipocrômica. ANEMIA APLÁSICA A pancitopenia é a regra. A anemia geralmente é moderada ou grave, sendo frequentes valores de hematócrito abaixo de 25%. A anemia pode ser normocítica ou macrocítica. A macrocitose é comum, porém, os valores do VCM são inferiores a 115 fL. A plaquetometria pode estar baixa ou muito baixa, na maioria das vezes < 50.000/mm3 e algumas vezes < 10.000/mm3 . A contagem de leucócitos está reduzida, variando de 150/mm3 a 1.500/mm3 . O diferencial da série branca revela predomínio de linfócitos, com queda expressiva de neutrófilos. Consideramos neutropenia quando temos neutrófilos <1.000/mm3 e neutropenia grave quando temos neutrófilos < 500/mm3 . O esfregaço do sangue periférico é “inocente”, mas é um exame importantíssimo para afastar diagnósticos diferenciais! O encontro de blastos indica leucemia aguda, e o encontro de granulócitos jovens e eritroblastos ou hemácias nucleadas (leucoeritroblastose) indica uma anemia por ocupação medular (“mieloftise”). O aspirado de medula geralmente é aquoso, revelando hipocelularidade, com predomínio de linfócitos ou ausência de células nucleadas. FONTE: Medcurso Outras causas de anemia hipocrômica microcítica devem ser consideradasna avaliação clínica. Contudo, a história e o exame físico geralmente são suficientes para confirmar o diagnóstico. São diagnósticos diferenciais: a) Anemia de doença crônica; b) Talassemia; c) Anemia sideroblástica; d) Hemoglobinopatia C; e) Intoxicação por chumbo. É importante ressaltar que, no hipotireoidismo e na deficiência de vitamina ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE ÁCIDO FÓLICO Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG O quadro é semelhante ao da deficiência de vitamina B12, com as mudanças megaloblásticas e as alterações de mucosa, porém não se apresenta quadro neurológico associado. Acontece também a elevação da desidrogenase láctica e das bilirrubinas, porém a dosagem de B12 é normal. O AF sérico está abaixo de 3 ng/mL. Os níveis eritrocitários são mais específicos do que a dosagem no soro, contudo esse é um exame de maior complexidade e menor disponibilidade. Em caso de dúvida diagnóstica, pode-se observar aumento da homocisteína sérica e urinária, mas, diferentemente do que ocorre na deficiência de vitamina B12, a dosagem do ácido metilmalônico está normal. ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA A anemia é de intensidade variável. Muitos pacientes apresentam valor de Hb entre 10 e 11 g/dL, mas alguns casos podem ter anemia grave, com Hb < 8 g/dL (até 30% dos casos). Em pacientes com esse tipo de anemia, é sempre importante afastar outras causas de anemia concomitante: insuficiência renal, carência nutricional ou sangramento. A prevalência e a severidade estão relacionadas ao estágio da doença de base e à idade do paciente. A morfologia eritrocitária é normocítica/normocrômica, e a contagem reticulocitária está diminuída como resultado da eritropoese diminuída. Em 30% dos casos, a anemia pode ser hipocrômica e microcítica, especialmente quando em associação à anemia ferropriva. O estudo do perfil de ferro completo demonstra: a) Ferro sérico baixo, às vezes chegando a níveis mínimos; b) CTLF baixa, refletindo o nível de transferrina diminuído; c) Saturação de transferrina normal (mas em 20% dos casos pode estar diminuída); d) Dosagem de receptores de transferrina solúveis diminuída; e) Ferritina normal ou elevada, por tratar-se de proteína de fase aguda e pelo aumento dos estoques de ferro; f) Pesquisa do ferro medular revelando quantidade normal ou aumentada de ferro nos macrófagos e diminuída ou ausente nos precursores eritroides (diminuição ou ausência dos sideroblastos). Substâncias que sugerem atividade inflamatória elevada, como a proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação e fibrinogênio, podem estar elevadas. A ADC é um diagnóstico de exclusão, e sempre se devem investigar outras causas de anemia, principalmente as nutricionais. Diagnóstico diferencial A ADC é uma anemia normocítica e normocrômica, hipoproliferativa e com as demais linhagens celulares normais, tendo como principal diagnóstico diferencial a anemia da insuficiência renal. Outras situações que podem cursar com quadro semelhante são as anemias secundárias às doenças endócrinas graves: hipotireoidismo, hiperparatireoidismo, insuficiência adrenal e mesmo panhipopituitarismo. Nas poucas vezes em que a ADC se apresenta como anemia hipocrômica e microcítica, o diagnóstico diferencial mais difícil é da anemia ferropriva. Há de ressaltar que as 2 entidades apresentam ferro sérico diminuído; na anemia ferropriva, porém, existe déficit absoluto de ferro por depleção; já na ADC, existe menor disponibilidade desse íon, que se encontra sequestrado nos estoques teciduais. Assim, os exames mais fidedignos para diferenciar as 2 situações são pesquisa do ferro medular, que, na carência de ferro, está ausente, e dosagem do receptor de transferrina, que está aumentada na ferropriva e diminuída na ADC. A quantificação da CTLF também é um dado importante, pois está aumentada na ferropriva e diminuída na ADC. Deve-se estar atento para o fato de que as 2 situações podem coexistir. Entretanto, na rotina clínica, lança-se mão da ferritina, que usualmente está aumentada na ADC e diminuída na anemia ferropriva. Outros diagnósticos diferenciais de anemia hipocrômica e microcítica: talassemia, anemia sideroblástica, deficiência de cobre, intoxicação por chumbo e hemoglobinopatia C. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG ANEMIA DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA Coletas de exame frequentes, associadas à perda de hemácias durante a hemodiálise, causam espoliação crônica de sangue e depleção de ferro. Mais raramente, em pacientes com síndrome nefrótica, pode ocorrer perda de transferrina (proteína carreadora do ferro) na urina, comprometendo o ciclo do ferro e contribuindo para a anemia. A diálise pode contribuir para a anemia por meio de depleção de AF (dialisável no procedimento); hemólise por trauma mecânico; presença de alumínio na água do banho de diálise, que pode interferir na incorporação do ferro aos precursores eritroides, causando anemia microcítica, além da perda de pequena quantidade de sangue, que fica retido no circuito a cada sessão. Na avaliação laboratorial, encontra-se anemia normocrômica e normocítica leve, na maioria dos casos, com Hb em torno de 9 a 10 g/dL (apesar da possibilidade, em até 30% dos casos, de anemia mais intensa, abaixo de 8 g/dL), com reticulócito normal ou diminuído. Deve ser feita a dosagem do perfil completo de ferro ao diagnóstico da anemia e na monitorização durante todo o tratamento. ANEMIAS SIDEROBLÁSTICAS Quadros clínico e laboratorial Não há sintomas clínicos além dos relacionados à anemia, que geralmente é moderada, com níveis de Hb entre 7 e 9 g/dL. O diagnóstico é feito por meio do exame da medula óssea, que mostra sinais de eritropoese ineficaz (ou seja, hiperplasia eritroide medular que não se traduz em aparecimento de reticulócitos no sangue periférico) e deficiência na maturação citoplasmática. A coloração de ferro medular pelo corante azul da Prússia, ou coloração de Perls, mostra aumento generalizado nos depósitos de ferro. Em algumas situações, podem-se encontrar sideroblastos “em anel” (depósitos de ferro ao redor do núcleo do eritroblasto). Os níveis séricos de ferro e ferritina e a saturação de transferrina estão elevados, revelando a sobrecarga daquele. Hereditária: A anemia aparece nos primeiros meses de vida; pode haver esplenomegalia. Apresenta microcitose e hipocromia, devendo haver diferenciação da anemia ferropriva e das talassemias. Adquirida: Tende a ser macrocítica, com subpopulação microcítica. Pode apresentar leucopenia e/ou plaquetopenia. No caso da intoxicação por chumbo, o pontilhado basófilo eritroide é característico, e os níveis séricos desse metal estão acima do normal. ANEMIA PÓS- HEMORRAGIA A anemia pós-hemorrágica apresenta 2 mecanismos: a) Perda direta de eritrócitos; b) Em sangramentos crônicos, depleção gradual dos estoques de ferro, resultando em deficiência. A perda aguda de sangue varia, em suas manifestações hematológicas, ao longo das horas, desde o evento sangrante até a realização dos exames, podendo ser identificadas 3 etapas. 1. Primeira etapa: os primeiros sintomas estão relacionados à hipovolemia e, nesta fase inicial, os níveis de hemoglobina (Hb) detectados no exame podem manter-se normais, uma vez que tanto o conteúdo plasmático quanto o celular são perdidos de maneira proporcional, e ainda não ocorreram os mecanismos compensatórios; 2. Segunda etapa: diante da liberação de vasopressina e outros peptídios, o fluido extravascular é mobilizado para o intravascular, levando à reposição volumétrica e à hemodiluição. Nessa situação, evidenciam-se queda dos níveis de Hb e consequente anemia, cujo grau reflete a quantidade de sangue perdida. O processo de expansão plasmática é lento: em uma perda de 20% da volemia, são necessárias de 20 a 60 horas para restaurá-la, por exemplo; 3. Terceira etapa: finalmente, diante do quadro de anemia e hipóxia, a produção de eritropoetina (EPO) aumenta, iniciando o estímulo da produção de eritrócitos. A reticulocitose demora de 2 a 3 dias para ser detectada, atingindo o pico em 8 a 10 dias após o quadrode hemorragia. Nessa fase, é importante o diagnóstico diferencial com anemias hemolíticas, apesar de não haver aumento dos metabólitos da Hb (bilirrubina indireta) nem redução da haptoglobina. As pessoas com reserva baixa de ferro, após manifestações hemorrágicas, não conseguem realizar eritropoese adequada, sem reticulocitose e recuperação eritrocitária no tempo esperado, necessitando de suplementação de ferro para que isso ocorra. ANEMIAS HEMOLÍTICAS As anemias hemolíticas se estabelecem por redução do tempo de sobrevida eritrocitário, que pode decorrer de alterações estruturais na molécula de hemoglobina, como na anemia falciforme e na esferocitose hereditária. A classificação das anemias hemolíticas pode ser feita em relação ao local do glóbulo afetado (intracorpusculares ou extracorpusculares) ou quanto ao local predominante da hemólise (intravasculares ou extravasculares). Com raras exceções (hemoglobinúria paroxística noturna), as hemólises intracorpusculares são congênitas e as extracorpusculares são adquiridas (Quadro 4.1). As hemólises intravasculares acontecem quando a alteração da membrana eritrocitária é muito abrupta e intensa ou há trauma direto da hemácia (microangiopatia, trauma mecânico, queimaduras), e as extravasculares, quando a lesão da membrana é menos intensa, pois o eritrócito alterado é captado pelo sistema macrofágico e levado ao baço, onde ocorrerá sua destruição, o que justifica, em muitos casos de hemólise crônica, a esplenomegalia. A presença de Hb livre no plasma e na urina e a presença de esquizócitos em sangue periférico são indicativas de hemólise intravascular. As características laboratoriais da hemólise estão relacionadas aos processos de destruição globular (aumento dos níveis de desidrogenase láctica – DHL), resposta medular (aumento dos reticulócitos) e eliminação dos metabólitos da Hb (aumento da bilirrubina indireta, diminuição do nível sérico da haptoglobina). Essas alterações podem ou não ser acompanhadas de queda no nível de Hb, conforme explicado. A haptoglobina é uma proteína capaz de carrear a Hb livre, e a queda de seus níveis traduz a presença de hemólise. Porém, quando a haptoglobina é completamente saturada, a Hb livre pode estar presente no plasma e ser filtrada nos glomérulos, Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG aparecendo na forma de hemoglobinúria. Quadros como esses são mais comuns em situação de hemólise intravascular. ANEMIA FALCIFORME As alterações morfológicas do sangue periférico são características, com a presença de hemácias “em foice” , reticulocitose, eritroblastos circulantes e, quando ocorrer autoesplenectomia, presença de corpúsculos de Howell-Jolly. As hemácias são normocíticas e normocrômicas, exceto quando há alfa ou betatalassemia associada, em que são encontradas microcitose e hipocromia. A leucometria de base geralmente está elevada, entre 12.000 e 15.000/mm3, e pode ocorrer trombocitose (nos asplênicos). Entre os pacientes com doença falciforme (HbSC, S-betatalassemia), a leucometria é normal, e pode haver trombocitopenia (por hiperesplenismo, quando há grande esplenomegalia). As bilirrubinas estão elevadas, com evidente predomínio da indireta, e pode haver elevações crônicas e não severas das enzimas hepatocelulares. Elevações da fosfatase alcalina, da gamaglutamiltranspeptidase (gama-GT) e da bilirrubina direta podem ser evidências de colestase por cálculos de bilirrubinato de cálcio. A confirmação diagnóstica é feita pela eletroforese de Hb, também chamada de cromatografia líquida de alta eficiência. Nesse exame, a Hb fetal está em torno de 5 a 15%, e níveis de HbS entre 85 e 98% nos indivíduos SS. A associação de outras hemoglobinopatias pode reduzir os níveis de HbS, porém a HbA estará ausente (exceto na S-alfatalassemia, em que a HbA pode chegar a 70 ou 75%, porém sem oferecer proteção alguma contra a falcização). Os níveis de HbF são pouco a moderadamente elevados, e os casos com HbF mais alta costumam ter quadros clínicos mais brandos. Exames, como o teste de solubilidade da Hb e o teste de falcização, são excelentes provas para triagem, porém estão positivos nos heterozigotos (traço falciforme), que são assintomáticos, não sendo importantes para o diagnóstico. Para o seguimento clínico dos pacientes com AF, devem ser realizados exames periódicos em que se avaliem não só a Hb, mas também o índice de hemólise (DHL, BTF – Bilirrubina Total e Frações), a resposta medular (reticulócitos) e, anualmente, verifiquem-se os efeitos sobre órgãos e sistemas (avaliações cardiológica, oftalmológica, neurológica, entre outras). FONTE: Medcel Anemia falciforme: fisiopatologia e quadro clínico Cabe destaque a anemia falciforma por ela ser uma das hemoglobinopatias mais frequentes e destaque em mortalidade, tendo grande importância no meio médico. Caracteriza-se como uma anemia por excesso de destruição, de fator intrínsecos, causado por anormalidades na hemácia. Antes de mais nada, é importante salientar que o perfeito equilíbrio entre os constituíntes do eritrócito como a membrana celular, as enzimas e a hemoglobina são extremamente precários, sendo que a hemoglobina representa um importante fator de controle da integridade do eritrócito, sendo sua concentração elevada, próxima de 30d/dL. A anemia falciforme é um exemplo clássico de como uma mínima alteração na estrutura da hemoglobina é capaz de provocar, em determinadas condições, uma singular interação molecular. Fisiopatologia A causa dessa condição é genética - uma alteração molecular representada pela substituição de uma única base no cóndon 6 do gene da globina Beta: uma adenina é substituída por uma timina (GAG → GTG). O resultado dessa mutação é a substituição, na estrutura da hemoglobina, de ácido glutamil na posição Beta6 por valina (Beta6Glu → Val), resultando em uma hemoglobina anormal, conhecida como Hemoglobina S. A substiutição do ácido por valina na posição Beta6 da cadeia beta da hemoglobina ocorre na área de superfície da molécula, sem provocar grandes alterações em sua conformação, ou seja, a hemoglobina S em seu formato oxigenado é isomorfa (de formato igual) a hemoglobina normal, deixando a entender que o formato das duas, com exceção do aminoácido em superfície, são similares. Assim como sua estrutura, a solubilidade das hemoglobinas oxigenadas (ou seja, carregando oxigénio) são similares; com pequenas alterações em solubilidade na presença de solução tampão fosfato concentrado (manter Ph corpóreo). O problema, de fato, começa quando esta hemoglobina S está desoxigenada. In vitro, a hemoglobina S desoxigenada torna-se insolúvel e agrega-se em longos polímeros que são consequência do alinhamento destas hemoglobinas S, unidas através de ligações não covalentes - ou seja, a substituição do ácido pela valina diminui a solubilidade da HbS no estado desoxigenado, fazendo as moléculas de desoxi-HbS se polimerizarem. Essa situação, para ocorrer in vitro, depende de pontos como: concentração de O2, ph, concentração de hemoglobina S, temperatura, pressão, força iônica e presença de hemoglobinas normais. A polimerização da hemoglobina S é o evento fundamental na patogenia da anemia falciforme, tendo como resultado a falcização, onde ocorre a alteração no formato do eritrócito; ele irá se transformar em uma estrutura helicoidal, que se dispõe no eixo longitudinal do eritrócito, distorcendo a molécula, a qual assume o formato de foice. Obs. A hemoglobina Fetal age inibindo a polimerização, fenômeno responsável pela redução de sintomatologia clínica - paciente com elevados níveis de Hb fetal. Dessa mesma maneira, a Hb A participa pouco da formação do polímero, o que acaba escondendo a clínica daqueles pacientes que são heterozigotos para a hemoglobina S. A homeostase de cátions está prejudicada nestas células densas ou em formato falciforme transitório ou definitivo; isto ocorre devido a redução da capacidade de manter o gradiente normal de potássio pela ativação de dois canais: canais de Gardos e de cotransporte K/Cl. Como consequência,os eritrócitos falciformes variam em densidade e deformabilidade. Os indivíduos com maiores quantidades de eritrócitos irreversivelmente falcizados e de células densas têm mais hemólise e mais anemia, mas não têm, necessariamente, maior incidência de eventos vaso-oclusivos. A hemólise nas DF é principalmente extravascular, decorrente da fagocitose, pelas células reticuloendoteliais, dos eritrócitos danificados. Uma proporção dos eritrócitos lesados é destruída no intravascular, com liberação excessiva de hemoglobina na circulação, superando a ca-pacidade de ligação da haptoglobina. Cinética da falcização Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Todas as hemácias que possuírem, em maioria, hemoglobina S podem adquirir a forma falciforme clássica após desosigenação, em decorrência da polimerização intracelular das desoxigenadas hemoglobinas S - processo exclusivo de hemoglobinas sem O2, uma vez que é possível reverter ao normal quando ocorre ligação ao O2. Contudo, essa reversibilidade só ocorre até certo ponto, uma vez que a repetição frequente desse fenômeno provoca lesão de membrana, fazendo com que a rigidez e o formado de foice, adquiridos quando ocorre a polimerização, persistam mesmo após a reoxigenação. Assim, estes eritrócitos denominados “células irreversivelmente falcizadas” ou células densas, retêm permanentemente a forma anormal, mesmo na ausência de polimerização intracelular de hemoglobina. Em decorrência desta rigidez permanente, essas células densas têm meia vida reduzida e são as contribuintes para a instalação do quadro de anemia hemolítica. No entanto, para que seja instalado o quadro clínico específico da anemia falciforme, é necessário a ocorrência de lesões orgânicas causadas pela inflamação e obstrução vascular, além das chamadas crises de falcização. O processo vaso-oclusivo Acredita-se que, o processo de oclusão dos vasos compreende várias etapas, envolvendo interação de hemácias, leucócitos ativos, células endoteliais, plaquetas e proteínas do plasma. É um fenômeno que ocorre, geralmente, na microcirculação; contudo, grandes artérias, como as presentes no pulmão e no cérebro, também podem ser afetadas. Situações como a liberação, dentro dos vasos, de Hb S pelas hemácias fragilizadas somado a vaso-oclusão recorrente (por conta da rigidez característica) e dos processos de isquemia e reperfusão, todos somados e recorrentes, levam a dano e ativação das células endoteliais da parede dos vasos. Em decorrência de tal ativação, a indução de uma resposta inflamatória vascular e a adesão de células brancas e vermelhas à parede do vasos. Esse processo inflamatório, associado a redução da biodisponibilidade de óxido nítrico dentro dos vasos e ao estresse oxidativo sofrido, ocasionam, a redução do fluxo sanguíneo local e, finalmente, a vaso- oclusão definitiva. Vamos dividir por tópicos: Vaso oclusão e endotelio → uma vez que a estrutura esteja imutável, pós danos de membrana, ocorrerá a exposição de proteínas na superfície celular e a produção de espécies reativas de Oxigênio. As células falcizadas e densas somadas aquelas que sofreram hemolise e liberaram Hb S no vaso, podem ocasionar danos as células endoteliais. Esse danos, irão ativas uma cascata de reações, que tem consequências significativas, entre elas a expressão de moléculas de adesão ao vaso, como a VCAM-1 (molécula de adesão vascular -1), ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1) e E-selectina na superfície dessas células machucadas; além da produção de citocinas e quimiocinas como o Interleucina (IL)-8, IL-6 e GM-CSF (fator estimulador de colônias de granulócitos- macrófagos). A ativação dessas células, além dos fatores de adesão e dos fatores imunológicos, ainda libera fatores pró- coagulantes e fatores vasoconstrictores potentes, como Endotelinas 1 e 2 (ET-1, ET-2). Vaso oclusão e inflamação → como exposto anteriormente, um quadro inflamatório irá ser iniciado pela ativação de fatores imunológicos; contudo, cabe ter em mente que isto é um processo que acontece localmente em diversos pontos do corpo, ocasionando um estado inflamatório crônico, sendo que este, por sua vez, também irá ter um papel fundamental na ativação de mais células endoteliais e células sanguíneas, em especial, dessa vez, os leucócitos. Várias moléculas inflamatórias serão encontradas em níveis elevados na anemia falciforme, como TNF-a (Fator de Necrose Tumoral-a), IL-1β, proteína C reativa (todos potentes ativadores do endotélio) além do M-CSF (fator estimulador de colônia de macrófagos), IL-3, GM-CSF, IL-8 e IL-6. Obviamente que, em um estado deste, o corpo tentará restabelecer a normalidade através de algumas proteínas anti-inflamatórias como a Heme- Oxigenase-1 (HO-1) e IL10 também estão aumentadas na anemia falciforme, que se fazem presente tentando limitar a produção de moléculas inflamatórias e a ativação endotelial na doença. Vaso oclusão e adesão celular → além da expressão de moléculas inflamatórias que culminarão no processo inflamatório crônico, outro ponto importante da ruptura das células endoteliais é justamente a liberação de móleculas de adesão. Estas, além de todos os outros fatores, serão de suma importância para o fenómeno de vaso-oclusão. A vaso oclusão é um processo complexo que culmina da adesão dos três tipos celulares - glóbulos vermelhos, plaquetas e leucócitos - ao endotélio, causando a diminuição do fluxo. A liberação das moléculas de adesão VCAM-1, ICAM-1, selectinas e CD36 na superfície das células endoteliais ativadas (ou seja, machucadas), tem por consequência a captura das células brancas e vermelhas, que, por sua vez, como se já não fosse o suficiente, também tem suas propriedades adesivas aumentadas. As células vermelhas - em especial os reticulócitos de pessoas com anemia falciforme - apresentam maior capacidade adesiva devido ao grande número de moléculas de adesão que são expressas anormalmente nestas células, como a a integrina VLA-4 (integrina a4b1), CD36, ICAM-4 e BCAM/Lu e interagem, uma vez que expostas, com as moléculas subendoteliais da parede do vaso ou com as próprias células endoteliais - ou seja, até mesmo sem a ruptura/ativação das células, as hemácias destes indivíduos já tem propriedades adesivas maiores, culminando cade vez mais para a instalação do processo de vaso oclusão - o processo só é acelerado pela ruptura uma vez que possibilita o contato mais forte com as células subendoteliais de adesão, além das endoteliais. Os leucócitos, por sua vez, são encontrados normalmente ativados nos vasos de pessoas com anemia falciforme, também aderem com mais facilidade ao endotelio vascular - contudo, desta vez, a adesão é facilitada na presença da inflamação (fator importante). inclusive, é aceito hoje que o processo vaso-oclusivo é desencadeado pela adesão, em especial, dos leucócitos, uma vez que os neutrófilos são celulas grandes e relativamente rígidas. Os leucócitos aderidos podem, ainda, intermediar a adesão de mais hemácias - ocorrendo, neste momento, o ínicio do episódio de vaso- oclusão: obstrução física da microcirculação. Ademais, ressalta-se que um número elevado de granulócitos circulantes está associada à maior incidência de complicações na anemia falciforme. Por fim, as plaquetas também encontradas em estado ativado na AF, podem aderir ao endotélio vascular, exacerbando a inflamação local pela liberação de mediadores inflamatórios potentes. Assim sendo, as plaquetas também apresentam papel importante no mecanismo de vaso-oclusão. Laura Vieira Gomes de Oliveira - Medicina UNIFG Vaso oclusão e o óxido nítrico → o óxido nítrico é um gás sinalizador produzido pelas células endoteliais que é responsável pela regulação do tônus vasomotor. Na anemia falciforme, o óxido nítrico está reduzido, principalmente por conta do seu consumo pela hemoglobina livre que está sendo liberada na circulação após a hemólise das hemácias. O principal resultado dessa baixa concentração de óxido nítrico é a inibição da vasodilatação dependente de óxido nítrico, contribuindo para a vasocontrição
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