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121 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Unidade III 7 AÇÕES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DIRECIONADAS AOS ESCOLARES Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as principais causas de morbimortalidade da população brasileira desde a década de 1970. A alimentação inadequada é um dos fatores causais das principais DCNT, tais como doenças cardiovasculares e alguns tipos de neoplasias. Essas patologias, além de aumentar a mortalidade e diminuir a qualidade de vida do indivíduo, prejudica a capacidade produtiva de um país porque estão relacionadas a questões como maior percentual de aposentadorias precoces, invalidez e absenteísmo no trabalho, além dos altos custos gerados para o setor público para tratamento e reabilitação, que envolvem ações realizadas por longos períodos (CORTEZ et al., 2019). Portanto, a formação de bons hábitos alimentares desde as idades mais tênues é essencial para o controle desse grupo de doenças e, consequentemente, para a promoção da qualidade de vida da população e progresso de uma nação. Todo cidadão brasileiro tem o direito a uma alimentação adequada e saudável, isso é assegurado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988). É necessário garantir o acesso a alimentos saudáveis e informações para que os indivíduos possam ter escolhas alimentares mais adequadas. Assim, a educação alimentar e nutricional se torna uma ferramenta útil para promover conhecimento sobre alimentação saudável. Hábitos alimentares são formados ao longo da vida e diversos fatores influenciam nesse processo, tais como cultura, religião, escolaridade, contexto social, renda e tradições familiares. Os alimentos são apresentados à criança a partir do seu nascimento, e quem determina o tipo de alimento ofertado nesse momento, em geral, é a própria família, especialmente a mãe. E assim as preferências alimentares são determinadas, a partir dos alimentos que a criança conhece e da frequência do consumo durante a infância. A família tem uma grande importância na consolidação dos hábitos alimentares, mas a partir do momento que a criança é inserida no ambiente escolar, outros fatores influenciarão. À medida que aumenta a idade, a criança se tornará mais independente em suas escolhas alimentares de acordo com suas próprias preferências e com o ambiente no qual está inserida. Há uma grande probabilidade de o hábito alimentar praticado durante a infância se manter para os demais ciclos de vida. Uma alimentação saudável durante a infância e a adolescência contribui para o desenvolvimento, o crescimento, a aprendizagem e o rendimento escolar. A escola é um ambiente propício para ações de educação alimentar e nutricional assim como para a oferta de alimentos adequados e saudáveis, considerando que crianças e adolescentes permanecem nesses locais cinco dias da semana, de quatro a oito horas por dia. 122 Unidade III Observação No Brasil, a educação básica é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade, sendo dever dos pais ou responsáveis matricular crianças em escolas a partir dos 4 anos. 7.1 PNAE 7.1.1 Histórico No Brasil, as primeiras ações de fornecimento de alimentação no âmbito escolar ocorreram nas primeiras décadas do século XX, por iniciativa particular e de instituições beneficentes, responsáveis pelas Caixas Escolares (reservas financeiras advindas de doações). Naquela época, a fome e a desnutrição predominavam no país assim como em outras partes do mundo. No final da década de 1930, movimentos sociais, liderados por intelectuais, pressionavam o Estado para que assumisse a responsabilidade da oferta de alimentos nas escolas de todo o território brasileiro. Entretanto, naquela época não foi possível o início de um programa nacional de alimentação escolar devido à falta de recursos financeiros (FNDE, 2020). Entre 1953 e 1954, a CNA elaborou o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, primeiro documento público oficial que apresentava, entre outras ações, a concepção e a estruturação de um programa de oferta de alimentos em escolas de todo o território nacional. Já existiam algumas iniciativas de caráter governamental relacionadas ao financiamento da alimentação escolar, mas eram limitadas a alguns municípios e escolas (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019). Conforme o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE, 2020), a oferta de alimentos nas escolas se tornou uma ação pública federal em 31 de março de 1955, com o Decreto n. 37.106, que criou a Campanha da Merenda Escolar (CME), subordinada ao Ministério da Educação e Cultura. Em 1956, passou a denominar-se Campanha Nacional de Merenda Escolar (CNME), em 1965 modificou-se para Campanha Nacional de Alimentação Escolar (CNAE) e somente em 1979 denominou-se PNAE. Para viabilizar a execução da Campanha de Merenda Escolar, o Fundo Internacional de Socorro à Infância (Fisi), atualmente denominado Unicef, financiou a merenda escolar, enviando para o país o excedente da produção de alimentos dos EUA, incluindo leite em pó desnatado (alimento inadequado para o consumo de crianças devido ao seu valor nutricional). Alguns alimentos provenientes dos EUA tinham baixa aceitação, pois não pertenciam ao hábito alimentar do brasileiro, além de chegarem sem condições sanitárias para consumo (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019). Apesar de ter cobertura nacional, a abrangência da CNME não era efetiva e a frequência do fornecimento dos alimentos nas escolas não era regular. Além disso, não havia preocupação com a adequação nutricional e com a aceitabilidade dos alimentos ofertados (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019; HAMERSCHIMIDT; OLIVEIRA, 2014). 123 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Desde sua criação até 1970, o financiamento da alimentação ofertada nas escolas pelo programa público federal foi caracterizado pela significativa participação de órgãos internacionais, como o Programa Alimentos para a Paz, da United States Agency for International Development (USAID), e o Programa Mundial de Alimentos, da ONU. Esses órgãos eram responsáveis pela doação do excedente da produção de alimentos em países desenvolvidos, especialmente EUA (HAMERSCHIMIDT; OLIVEIRA, 2014). A partir da década de 1970, os gêneros alimentícios passaram a ser adquiridos no Brasil e iniciou-se uma grande pressão da indústria brasileira de alimentos para vender seus produtos ao setor público a fim de serem ofertados nas escolas. A partir desse período, observou-se grande utilização de alimentos formulados na alimentação escolar (VASCONCELOS, 2005). Ressalta-se que naquela época a fome e a desnutrição ainda eram predominantes e que para muitas crianças os alimentos oferecidos nas escolas constituíam a única refeição do dia. Em 1976, o PNAE passou a integrar o II Pronan, com a função de suplementar a alimentação de crianças de 7 a 14 anos através da oferta de alimentos no ambiente escolar que suprisse, no mínimo, 15% das recomendações nutricionais diárias (HAMERSCHIMIDT; OLIVEIRA, 2014). Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, ficou assegurado o direito à alimentação escolar aos alunos matriculados no Ensino Fundamental, sendo estendido para todos os alunos da Educação Básica em 2009 (MARTINEZ; PINHO, 2016). Lembrete O PNAE é o programa de alimentação e nutrição vigente mais antigo no país e diretamente relacionado ao DHAA. Até 1993, a gestão do PNAE era centralizada, ou seja, o Ministério da Educação (MEC) era responsável pela elaboração de cardápios, aquisição e distribuição de gêneros alimentícios e pelo controle de qualidade das refeições produzidas em escolas de todas as regiões do país. Essa forma de gestão apresentava uma complexa logística, considerando o grande tamanho territorial brasileiro, e não respeitava as diferentes culturas alimentares regionais. No início da década de 1990, começou o processo de descentralização da gestão do PNAE para estados e municípios com o objetivo de garantir a regularidade da oferta dos alimentos nas escolas, diversificação e adequação dos cardápios de acordo com hábitos alimentareslocais, incentivo à produção de alimentos regionais, diminuição dos custos operacionais e maior participação social na execução e na fiscalização do programa por meio dos conselhos estaduais e municipais de alimentação escolar (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019). Inicialmente, o repasse financeiro do órgão federal ocorria após celebração de convênio com as secretarias municipais e estaduais de educação. Em 1999, o repasse financeiro pelo governo federal passou a ser automático, sem a necessidade de convênios ou acordos, agilizando o processo. No período de 1994 a 1998, a adesão à descentralização foi voluntária para municípios com população maior de 50 mil habitantes, e no final desse período 70% dos municípios brasileiros já haviam iniciado essa nova forma de gestão (FNDE, 2020). 124 Unidade III Observação A descentralização da gestão do PNAE foi fundamental para a garantia do acesso regular a uma alimentação adequada aos hábitos alimentares locais no ambiente escolar. Desde 1997, o FNDE, autarquia vinculada ao MEC, gerencia o PNAE no âmbito federal, sendo responsável pela “assistência financeira em caráter complementar, normatização, coordenação, acompanhamento, monitoramento e fiscalização da execução do programa, além da avaliação da sua efetividade e eficácia” (FNDE, 2020). Em julho de 2000, foi aprovada a medida provisória que estabeleceu a composição e as atribuições do CAE. Outro importante avanço na concepção do PNAE foi a medida provisória aprovada em 2001, que estabeleceu que 70% dos recursos repassados pelo governo federal deveriam ser utilizados para a aquisição de alimentos básicos, respeitando hábitos alimentares regionais e a vocação agrícola local (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019). Observação Em 2005, o PNAE foi inserido na PNSAN como um dos eixos estruturantes de acesso aos alimentos. Em 2006 foram criados os Centros Colaboradores de Alimentação e Nutrição Escolar (Cecanes), com o objetivo de apoiar as atividades de pesquisa, ensino e extensão que envolvem o PNAE (FNDE, 2020). Ao longo de sua história, diversos dispositivos legais foram elaborados, aprovados e revogados para a gestão do PNAE, estabelecendo princípios, beneficiários, responsabilidades de cada setor envolvido, formas de gestão, valores e formas dos repasses financeiros, critérios para elaboração de cardápios, entre outras questões primordiais para execução do PNAE. Neste livro-texto será apresentado o funcionamento do PNAE de acordo com a Lei n. 11.947, de 16 de junho de 2009 (BRASIL, 2009a) e a Resolução CD/FNDE n. 6, publicada em 8 de maio de 2020 (BRASIL, 2020h). Saiba mais A resolução do ano de 2020 sobre o funcionamento do PNAE está disponível em: BRASIL. Resolução CD/FNDE n. 6, de 8 de maio de 2020. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Brasília, 2020h. Disponível em: https://bit.ly/3yOS5uZ. Acesso em: 31 maio 2021. 125 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA 7.1.2 Normas para execução do PNAE: objetivos, diretrizes, beneficiários, gestão e participação social A alimentação escolar refere-se a todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo. Esse é um direito dos alunos da Educação Básica de escolas públicas e dever do Estado, considerando as três esferas de governo (federal, estadual e municipal). As duas figuras a seguir mostram, respectivamente, os objetivos e as diretrizes do PNAE. Contribuir para o crescimento e o desenvolvimento Objetivos do PNAE Melhorar a aprendizagem e o rendimento escolar Formação de práticas alimentares saudáveis Figura 52 – Objetivos do PNAE Adaptada de: Brasil (2020h). Assegurar o direito à alimentação escolar Apoio ao desenvolvimento sustentável Educação alimentar e nutricional Universalidade do atendimento de alunos em escolas públicas Emprego de alimentação saudável e adequada Controle social Diretrizes do PNAE Figura 53 – Diretrizes do PNAE Adaptada de: Brasil (2020h). 126 Unidade III O emprego da alimentação saudável e adequada contribui para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar. A alimentação deve ser variada, segura, de acordo com as necessidades do público-alvo, respeitando a cultura e as tradições alimentares. Ações educativas sobre alimentação saudável auxiliam na promoção de bons hábitos alimentares. A sociedade deve acompanhar as ações realizadas por órgãos públicos (controle social). O PNAE promove o desenvolvimento sustentável, pois incentiva a aquisição de gêneros alimentícios de pequenos produtores locais, preferencialmente da agricultura familiar, e empreendedores familiares rurais, priorizando comunidades mais vulneráveis à insegurança alimentar como indígenas e quilombolas. Os beneficiários do programa são alunos matriculados na Educação Básica das redes públicas de ensino das três esferas de governo. Entidades filantrópicas ou comunitárias que prestam atendimento gratuito para alunos da Educação Básica, incluindo educação especial, poderão ser vinculadas ao PNAE. O quadro a seguir apresenta os participantes do programa e respectivas responsabilidades. Quadro 12 Participantes Responsabilidades FNDE Coordenação do PNAE. Estabelece normas de funcionamento, avalia e monitora as ações realizadas e transfere recursos financeiros Entidade Executora (EEx): Secretarias de Estado da Educação (Seduc), prefeituras e escolas federais Recebem e complementam o repasse financeiro proveniente do governo federal para execução do programa na sua área de abrangência. Organizam a oferta de alimentos nas escolas segundo objetivos e diretrizes estabelecidos e realizam prestação de contas CAE Órgão colegiado fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento, sendo instituído nas três esferas governamentais Unidade Executora (UEx): entidade privada sem fins lucrativos Recebe e complementa o repasse financeiro realizado pela EEx, com posterior prestação de contas Adaptado de: Brasil (2020h). A fiscalização da gestão e do uso dos recursos financeiros é de responsabilidade do FNDE e do CAE. Órgãos públicos de controle interno, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU), podem realizar auditorias e/ou análise de processos caso seja necessário. Irregularidades ou ilegalidades poderão ser denunciadas por qualquer pessoa física ou jurídica, com a garantia do anonimato do denunciante. O FNDE monitora as ações por meio da análise de informações coletadas no local ou provenientes de dados inseridos em sistema informatizado pela EEx. Em 2019, o FNDE realizou monitoramento in loco de 424 EEx, sendo 407 municípios e 17 secretarias estaduais de educação, que, juntas, atendiam 42% dos beneficiários (FNDE, 2020). A EEx tem autonomia para selecionar a forma de administração do PNAE na sua área de abrangência, podendo ser centralizada, descentralizada (ou escolarizada) ou semidescentralizada (ou parcialmente escolarizada), conforme descrito no quadro a seguir. 127 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Quadro 13 – Descrição dos modelos de gestão do PNAE Gestão Forma de funcionamento Centralizada A EEx adquire os alimentos e a distribuição nas unidades escolares é realizada pela EEx ou por fornecedores. É possível manter cozinhas centrais para produção de refeições que, posteriormente, serão transportadas para as unidades escolares Descentralizada (ou escolarizada) A EEx repassa os recursos financeiros para as unidades escolares adquirirem os alimentos, de acordo com as normas estabelecidas para a compra (licitação ou chamada pública) e prestação de contas Semidescentralizada (ou parcialmente escolarizada) Parte dos alimentos são adquiridos pela EEx e a outra parte pelas unidades escolares, com o repasse parcial de recursos Adaptado de: Brasil (2020h). O modelo de gestão centralizada é o mais adotado por estados e municípios brasileiros e suas principaisvantagens são: a escola não precisa ter grandes espaços para estoque, maior controle de desperdícios e maior possibilidade de negociação dos preços de alimentos comprados devido ao maior volume necessário. Em geral, nesse modelo de gestão é necessário ter um amplo local para armazenamento de alimentos que serão distribuídos para as escolas. A comunicação entre as escolas e a EEx deve ser constante e permanente para o adequado controle de entrega e estoque de alimentos na unidade escolar (SANTOS; COSTA; BANDEIRA, 2016; MACHADO et al., 2018). Nas formas de gestão descentralizada e semidescentralizada, é de responsabilidade da EEx a formalização do termo de convênio e monitoramento dos recursos repassados às unidades escolares. Nesses casos, é necessário que alguma entidade represente a escola, como associação de pais e mestres ou instituição filantrópica (UEx), que ficará responsável pelo recebimento e uso dos recursos financeiros. Em locais que adotam a gestão semidescentralizada, geralmente o órgão governamental adquire e distribui alimentos não perecíveis e os alimentos perecíveis são adquiridos pelas unidades escolares (SANTOS; COSTA; BANDEIRA, 2016). As secretarias estaduais de ensino poderão delegar a gestão do PNAE das escolas públicas estaduais para as secretarias municipais de educação, que receberão repasse direto do FNDE referente à oferta de alimentação nessas unidades escolares. No entanto, a esfera estadual de governo permanecerá responsável pelas ações de educação alimentar e nutricional, estrutura física, recursos humanos e complementação financeira para aquisição de alimentos. Para a operacionalização do programa, a EEx poderá contratar empresas do ramo de alimentação coletiva (terceirização do serviço), desde que sejam respeitados os atos normativos relacionados ao PNAE. A aquisição de gêneros alimentícios permanece como responsabilidade da EEx, assim como a elaboração do cardápio e fiscalização da execução do programa. A empresa contratada pode elaborar as preparações culinárias na própria escola ou em unidades produtoras de alimentos centralizadas, com posterior transporte da produção para as unidades escolares (SANTOS; COSTA; BANDEIRA, 2016). 128 Unidade III O repasse do recurso financeiro, feito com base no censo escolar do ano anterior, é de caráter complementar, provém do Tesouro Nacional e está assegurado no orçamento da União. É destinado para aquisição de gêneros alimentícios e sua transferência sistemática e tempestiva de dez parcelas que contemplam vinte dias de atendimento cada uma delas supre, no seu objetivo de ser complementado pelos outros entes federados, os 200 dias letivos (NOGUEIRA; ESPERANÇA; VILLAR, 2019, p. 188). O valor per capita por dia repassado pela União foi de R$ 0,13 para alunos do Ensino Fundamental por mais de dez anos, sem reajustes até 2004. Ressalta-se que o valor repassado pela União deve ser complementado por estados e municípios e se restringe para a compra de alimentos, portanto outros custos relacionados à produção de alimentos (estrutura física, equipamentos, utensílios, recursos humanos, produtos de limpeza e manutenção, água, luz, gás) não estão inclusos nesse orçamento. A tabela a seguir mostra os valores per capita/dia repassados pela União em 2020. Tabela 8 – Valores per capita repassados às EEx para a operacionalização do PNAE em 2020 Etapas de ensino Valor per capita por dia (R$) Creches e escolas de tempo integral (mínimo de 7h/dia) 1,07 Pré-escola 0,53 Ensino Fundamental e Médio 0,36 Educação de Jovens e Adultos (EJA) 0,32 Escolas localizadas em áreas indígenas e quilombolas 0,64 Adaptado de: Brasil (2020h). Observação O valor repassado para escolas de áreas indígenas e quilombolas é maior, pois, geralmente, esses grupos sociais têm maior risco para insegurança alimentar e nutricional. Os recursos financeiros são transferidos pelo FNDE em conta-corrente específica para essa finalidade, em até dez parcelas anuais (fevereiro a novembro), e o valor total (VT) é calculado conforme apresentado a seguir (BRASIL, 2020h): VT = n. de alunos X n. de dias de atendimento X valor per capita/dia Do total de recursos financeiros repassados, no mínimo 75% devem ser destinados para a compra de alimentos in natura ou minimamente processados, até 20% podem ser utilizados para a compra de alimentos processados e ultraprocessados, e no máximo 5% podem ser destinados para a compra de ingredientes culinários processados. 129 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Os valores investidos no PNAE pela União aumentaram ao longo do tempo, assim como o número de beneficiários (figura a seguir). O aumento significativo de recursos federais investidos e alunos atendidos no PNAE a partir de 2009 ocorreu porque foram inseridos no programa alunos de toda a Educação Básica, incluindo instituições filantrópicas, e não apenas os matriculados no Ensino Fundamental, como ocorria antes. Entre 1995 e 2019, o aumento percentual dos recursos financeiros (581%) foi maior que o de alunos atendidos (23,1%). 19 95 19 95 0 0 0,5 5 1 15 10 1,5 20 2 25 2,5 30 3 35 3,5 40 4 45 4,5 50 20 01 20 0120 07 20 0720 13 20 1319 97 19 9720 03 20 0320 09 20 0920 15 20 1519 99 19 9920 05 20 0520 11 20 11 20 17 20 1720 19 20 19 Re cu rs os fi na nc ei ro s ( bi lh õe s) Al un os a te nd id os (m ilh õe s) Figura 54 – Recursos financeiros investidos no PNAE pela União e o número de beneficiários. Brasil: 1995-2019 Adaptada de: FNDE (s.d.)a. Os Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), instituídos nas três esferas de governo, também fazem parte da gestão do PNAE e têm a responsabilidade de assessorar, fiscalizar e monitorar as atividades desenvolvidas pela EEx. Para isso, os cardápios devem ser apresentados ao CAE com antecedência, assim como relatórios de controle de qualidade higiênico-sanitária e registros de treinamentos dos colaboradores. A prestação de contas é analisada periodicamente pelos membros do CAE e qualquer irregularidade constatada deve ser comunicada ao FNDE ou a outros órgãos reguladores da União. A participação social será garantida na composição do CAE, que contemplará, no mínimo: • um representante do Poder Executivo; • dois representantes de entidades de trabalhadores da educação, indicados por órgãos representativos; • dois representantes de pais de alunos matriculados na rede escolar de abrangência da EEx, indicados pelos conselhos escolares, associações de pais e mestres ou entidades similares; • dois representantes indicados por entidades civis organizadas. 130 Unidade III A critério da EEx, a quantidade de membros titulares e suplentes no CAE poderá ser ampliada duas ou três vezes, mantendo a proporcionalidade entre os representantes de cada setor. Os membros não serão remunerados e terão mandato de quatro anos, podendo ser reeleitos. O representante do Poder Executivo não poderá assumir a presidência ou vice-presidência do CAE. Estados e municípios devem garantir ao CAE infraestrutura necessária para o desenvolvimento de suas ações, como local apropriado para reuniões, equipamentos de informática, transporte de seus membros para locais relacionados ao exercício de sua competência e disponibilidade de recursos financeiros e humanos para as atividades previstas. Para fortalecer o exercício do CAE, o FNDE promove cursos a distância e encontros presenciais, além de disponibilizar materiais específicos de orientação. Para a efetiva atuação do CAE, é necessário o estabelecimento de uma rotina de trabalho, que inclui reuniões periódicas e visitas às unidades escolares, descritas no plano de ação encaminhada à EEx no início do ano letivo. O repasse financeiro proveniente da União poderá ser suspenso caso o CAE não esteja instituído ou realize suas atividades de forma irregular. Outros motivos para a suspensão da transferência financeira são a inadimplência da prestação de contas (falta de envio ou não aprovação) e a ausência de cadastro doresponsável técnico. 7.1.3 Normas para execução do PNAE: responsabilidades técnicas, planejamento de cardápios e teste de aceitabilidade Cabe ao nutricionista assumir a responsabilidade técnica das atividades que envolvem alimentação e nutrição no âmbito de cada EEx. Nutricionistas que compõem o quadro técnico (QT), inclusive o responsável técnico (RT), devem estar regularizados no Conselho Regional de Nutricionistas (CRN) e cadastrados no FNDE. A Resolução n. 465 do CFN, de 23 de agosto de 2010 (CFN, 2010), fixa parâmetros numéricos mínimos de nutricionistas atuantes nos programas de alimentação escolar, por entidade executora, conforme apresentado na tabela a seguir. Tabela 9 – Parâmetros numéricos mínimos de nutricionistas por EEx para a Educação Básica Número de alunos Número de nutricionistas* Até 500 1 RT 501 a 1.000 1 RT + 1 QT 1001 a 2.500 1 RT + 2 QT 2.501 a 5.000 1 RT + 3 QT Acima de 5.000 1 RT + 3 QT e + 1 QT a cada 2.500 alunos *Todos os nutricionistas com carga horária mínima semanal de 30 horas Adaptada de: CFN (2010). 131 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Na Educação Infantil, a EEx deverá ter um nutricionista para cada 500 alunos ou fração. Apesar da determinação da quantidade de nutricionistas segundo número de alunos atendidos na rede pública de ensino, há evidências de que essa resolução não é contemplada em alguns locais (CORRÊA et al., 2017; RAPHAELLI et al., 2018; FAGUNDES; GABRIEL; MENDONÇA, 2018). Em 2011, 5,7% dos municípios inseridos no PNAE atuavam sem a presença de um nutricionista RT, principalmente os localizados na região Norte (MACHADO et al., 2018). As atividades obrigatórias desenvolvidas pelo nutricionista na alimentação escolar estão relacionadas à produção de preparações culinárias e saúde pública, a fim de garantir a segurança alimentar e nutricional (figura a seguir). Realizar diagnóstico nutricional da população atendida Coordenar ações de educação alimentar e nutricional Coordenar ações de controle de qualidade das refeições produzidas Identificar alunos com necessidades nutricionais específicas Elaborar cardápios e fichas técnicas de preparações culinárias Supervisionar processo de compra, produção, distribuição e armazenamento de alimentos Identificar e interagir com produtores rurais locais Elaborar plano anual de trabalho e assessorar o CAE Coordenar testes de aceitabilidade Figura 55 – Atribuições obrigatórias dos nutricionistas inseridos em programas de alimentação escolar Adaptada de: CFN (2010). O plano anual de trabalho deve conter detalhadamente as atividades previstas, incluindo metas, justificativas, estratégias, cronograma, órgãos executores, orçamento e instrumentos avaliativos. As intervenções propostas devem ser baseadas no diagnóstico da população atendida e do serviço prestado, com o objetivo de aprimorar as ações já realizadas. A Educação Alimentar e Nutricional (EAN), uma das responsabilidades do nutricionista inserido na alimentação escolar, foi pouco valorizada como estratégia política até meados de 1990, sendo inserida como diretriz do PNAE em 2009. A educação alimentar e nutricional será sempre uma busca compartilhada, entre educadores e educandos, de novas formas e novos sentidos para o ato de comer, por meio do qual as pessoas possam construir valores e conhecimentos, ressignificar práticas e desenvolver estratégias que lhes 132 Unidade III proporcionem condições para alimentar-se saudavelmente, mas também transgredir regras sobre práticas saudáveis, com responsabilidade e temperança, de maneira a não privar o sabor da vida (BOOG, 2013, p. 32). Segundo o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas, EAN é definida como “um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis” (BRASIL, 2012c, p. 23). A escola é um ambiente propício para ações educativas em alimentação e nutrição, direcionadas para toda a comunidade escolar, utilizando recursos pedagógicos adequados para cada faixa etária, perpassando por diversas disciplinas do currículo escolar. Cardápios que atendam aos preceitos de uma alimentação saudável, adequados à cultura alimentar local, são parte do processo sistemático de educação em alimentação e nutrição. Muitas vezes, é na escola que os alunos terão a oportunidade de experimentarem novos alimentos, expandindo seu conhecimento e possibilitando mudanças de valores, atitudes e práticas que se estabelecem em torno da alimentação. Entre as atribuições da equipe técnica de nutricionistas, destaca-se o adequado planejamento de cardápios ofertados aos escolares, assim como o acompanhamento de sua execução e avaliação, considerando diversos fatores, conforme a figura a seguir. Idade, estado nutricional e hábitos alimentares da população-alvo Infraestrutura física, orçamentária e de recursos humanos Tipos de alimentos provenientes de agricultura familiar Tempo de permanência do aluno na escola e tipo de refeição servida Aceitação e caracteristicas organolépticas das preparações culinárias Sazonalidade dos alimentos Aspectos higiênico- sanitários da matéria-prima Cardápios Figura 56 – Fatores que influenciam na elaboração, no planejamento e na execução de cardápios oferecidos na alimentação escolar 133 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Observação Alunos que necessitam de alimentação específica devido a algum problema de saúde terão cardápios diferenciados, planejados por nutricionistas. A previsão de compras de alimentos será determinada pelo cardápio, e é importante que seja elaborado com antecedência para que não atrase o processo de aquisição de alimentos, que deverá ser por licitação ou chamada pública. Para cada preparação culinária inserida no cardápio deverá haver uma ficha técnica de preparo, um instrumento de apoio para gestão de compras e procedimentos operacionais (padronização das receitas). Todas as unidades produtoras de alimentos deverão conter essa documentação, com acesso facilitado, especialmente, pelas merendeiras. Na ficha de técnica de preparo deverão constar ingredientes, modo de preparo, valores nutricionais, rendimento, porção per capita, tempo de preparo, entre outras informações. Os cardápios devem ser divulgados nas unidades escolares, nas secretarias de educação e em sites oficiais. Serão identificadas as preparações culinárias ofertadas e o horário das refeições segundo etapa de ensino, bem como informações nutricionais (energia e macronutrientes), com a identificação e assinatura do nutricionista responsável. Nos cardápios das creches também serão apresentadas a consistência das preparações e a quantidade de micronutrientes prioritários (vitaminas A e C, cálcio e ferro). A Resolução CD/FNDE n. 6/2020 contém critérios específicos para planejamento de cardápios a fim de atender aos objetivos e às diretrizes do PNAE (BRASIL, 2020h). A alimentação escolar deverá ser baseada em alimentos in natura ou minimamente processados e a porção ofertada deverá ser diferenciada por faixa etária a fim de atender determinado percentual das necessidades nutricionais de acordo com a etapa de ensino, o tempo de permanência na escola e o número de refeições ofertadas (tabela a seguir). Tabela 10 – Percentual mínimo das necessidades nutricionais que deverá ser suprido pela alimentação oferecida nas escolas no âmbito do PNAE Etapa de ensino Período Número mínimo de refeições diárias Percentual mínimo das necessidade de energia e macronutrientes Creches Parcial 2 30%* Creches** Integral 3 70%* Escolas indígenas e quilombolas Parcial – 30% por refeição Educação Básica Parcial 1 20% Educação Básica Parcial 2 30% Educação Básica Integral 3 70% *Além de energia e macronutrientes, a alimentação escolar deve atender esse percentual das necessidades de micronutrientes prioritários (vitaminasA e C, cálcio e ferro). **Incluindo creches localizadas em comunidades indígenas e quilombolas. Adaptada de: Brasil (2020h). 134 Unidade III Para que os cardápios do PNAE sejam diversificados, recomenda-se uma quantidade mínima por semana de diferentes alimentos in natura ou minimamente processados de acordo com o número de refeições ofertadas (10 alimentos para unidades escolares que ofereçam uma refeição ao dia; 14 alimentos para escolas que ofereçam duas refeições ao dia; e 23 alimentos para as que ofereçam três ou mais refeições ao dia). Os cardápios devem conter frutas in natura e hortaliças, sendo, no mínimo, 280 g/estudante/semana para escolares em período parcial e 520 g/estudante/semana para aqueles em período integral. A oferta de frutas deve ocorrer, no mínimo, dois dias na semana; de hortaliças, no mínimo, três dias na semana para alunos matriculados em período parcial. Em unidades escolares que atendem alunos em período integral, a oferta de frutas deve ser, no mínimo, quatro dias na semana; de hortaliças, no mínimo, cinco dias na semana. Bebidas à base de frutas não substituem a obrigatoriedade da oferta de frutas in natura. Alimentos fontes de ferro heme devem ser ofertados, no mínimo, quatro dias na semana nas escolas atendidas pelo PNAE. Alimentos fontes de ferro não heme devem ser acompanhados por alimentos fontes de substâncias que facilitam a absorção deste micronutriente, a exemplo da vitamina C. É obrigatória a oferta de alimentos fonte de vitamina A em pelo menos três dias da semana. É proibida a aquisição de alimentos e bebidas ultraprocessados com recursos advindos do PNAE, tais como refrigerantes e refrescos artificiais, bebidas à base de guaraná ou groselha, chás prontos, cereais adoçados, balas, pirulitos, chocolates, biscoitos ou bolachas recheadas, gelatina, temperos com glutamato de sódio ou sais sódicos, maionese e alimentos em pó ou para reconstituição. Para crianças menores de 3 anos, é proibida a adição de mel e açúcar nas preparações culinárias. Quadro 14 – Alimentos com oferta limitada nos cardápios do PNAE e frequência máxima de oferta Alimentos Frequência máxima de oferta nos cardápios Produtos cárneos (ex. embutidos) Duas vezes por mês Legumes e verduras em conserva Duas vezes por mês Bebidas lácteas adoçadas ou com aditivos Período parcial: uma vez por mês Período integral: duas vezes por mês Doces Uma vez ao mês Preparações regionais doces Período parcial: duas vezes por mês Período integral: uma vez por semana Biscoito, bolacha, pão ou bolo Período parcial (1 refeição): duas vezes por semana Período parcial (2 refeições): três vezes por semana Período integral: sete vezes por semana Margarina ou creme vegetal Período parcial: duas vezes por mês Período integral: uma vez por semana Adaptado de: Brasil (2020h). 135 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Com o intuito do fornecimento de refeições balanceadas, é proibida a oferta de alimentos contendo gorduras trans e recomenda-se que os cardápios elaborados para crianças maiores de 3 anos contenham, no máximo: • 7% da energia total proveniente de açúcares de adição; • 15 a 30% da energia total proveniente de gorduras totais; • 7% da energia total proveniente de gorduras saturadas; • 600 mg de sódio ou 1,5 g de sal per capita quando ofertada uma refeição ao dia (período parcial); • 800 mg de sódio ou 2 g de sal per capita quando ofertadas duas refeições ao dia (período parcial); • 1.400 mg de sódio ou 3,5 g de sal per capita quando ofertadas três ou mais refeições ao dia (período integral) (BRASIL, 2020h). A Resolução CD/FNDE n. 26/2013 (BRASIL, 2013d) foi revogada pela Resolução CD/FNDE n. 6/2020 (BRASIL, 2020h), sendo que as principais modificações referem-se aos critérios para elaboração de cardápio. Quadro 15 – Principais mudanças da Resolução CD/FNDE n. 6/2020 comparada à Resolução CD/FNDE n. 26/2013 em relação ao planejamento de cardápios oferecido pelo PNAE Aumento da quantidade obrigatória de frutas e hortaliças Diminuição do limite máximo de doces Proibição de açúcares de adição e mel para menores de 3 anos Maior limitação da aquisição de produtos ultraprocessados e processados Aumento do percentual do recurso financeiro a ser utilizado para a aquisição de alimentos básicos (in natura ou minimamente processados) Aumento da quantidade de alimentos proibidos no cardápio escolar Inserção obrigatória de alimentos com fonte de ferro e vitamina A Exclusão das gorduras trans e redução da quantidade máxima de açúcares de adição e gordura saturada Valores nutricionais de referência limitaram-se à energia e a macronutrientes, à exceção da alimentação escolar oferecida às crianças matriculadas em creches (até 3 anos), que também deve suprir parcialmente as necessidades de micronutrientes prioritários (vitaminas A e C, cálcio e ferro) Adaptado de: Brasil (2013d) e Brasil (2020h). Boaventura et al. (2013) avaliaram qualitativamente cardápios oferecidos ao longo de 19 dias em creches de quatro cidades da grande São Paulo, incluindo a capital. Concluíram que os cardápios estavam adequados em relação à oferta de frutas, verduras e legumes, porém com alta oferta de doces e baixa frequência de peixes. 136 Unidade III No município de Aracaju (SE), observou-se que os cardápios da rede pública de ensino estavam adequados em relação ao conteúdo de frutas, hortaliças e alimentos regionais (macaxeira, batata doce, cuscuz, arroz-doce e munguzá). No entanto, nos dias que eram servidos lanches, os valores nutricionais recomendados não eram atendidos (FAGUNDES; GABRIEL; MENDONÇA, 2018). Com o intuito de avaliar qualitativamente os cardápios oferecidos em creches inseridas no PNAE, Souza e Castro (2020) realizaram um estudo transversal em 2018 com 1.700 municípios das cinco regiões brasileiras. Constatou-se que, apesar da oferta de frutas e hortaliças na maioria dos dias avaliados, houve alta frequência de alimentos ultraprocessados nos cardápios (achocolatado, margarina, biscoitos/bolachas, cereais infantis, embutidos, bebidas lácteas, pães industrializados, doces, entre outros) (figura a seguir). 6 5 Fr eq uê nc ia m éd ia se m an al (d ia s) 4 3 2 1 0 Frutas Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Hortaliças Alimentos ultraprocessados Figura 57 – Frequência média semanal de grupos alimentares nos cardápios planejados para creches atendidas no PNAE segundo região. Brasil: 2018 Adaptada de: Souza e Castro (2020). Exemplo de aplicação Faça uma pesquisa em sites oficiais governamentais de diferentes municípios e estados brasileiros sobre cardápios vigentes oferecidos na rede pública escolar e avalie as diferenças e similaridades. Para uma boa aceitação da alimentação escolar, é importante adequar os cardápios de acordo com as preferências alimentares dos alunos, evitando o desperdício de alimentos e, consequentemente, de recursos públicos. Os testes de aceitabilidade devem ser aplicados para avaliar a aceitação dos cardápios vigentes assim como para verificar a aceitação de novos alimentos ou preparações culinárias. 137 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA O FNDE recomenda duas metodologias para medir o índice de aceitação: avaliação de restos (ou resto-ingesta) e teste de aceitação por escala hedônica. O índice de aceitação mínimo deve ser de 90% na avaliação de restos e 85% na metodologia que utiliza escala hedônica (BRASIL, 2017a). Na avaliação de restos, consideram-se os pesos da alimentação produzida, das sobras (preparações prontas, mas não distribuídas) e dos restos (preparações que restaram nos pratos). O percentual de aceitação será calculado conforme demonstrado a seguir. Peso da refeição distribuída = peso dos alimentos preparados – peso das sobras Percentual de rejeição = Peso dos restos x 100 Peso da refeição distribuída Índice de aceitação (%) = 100 – percentual de rejeição Na metodologia que adota a escala hedônica, o aluno responde a uma ficha para indicar o grau de satisfaçãoem relação ao alimento ou preparação culinária avaliada. O índice de aceitabilidade será baseado no percentual de alunos que selecionaram os itens “adorei” ou “gostei” (itens 4 e 5 da ficha de escala hedônica facial). As figuras a seguir mostram os modelos de fichas com escala facial e facial mista (indicadas para alunos até o primeiro ciclo do Ensino Fundamental). Diga o que você mais gostou na preparação:___________________________ Diga o que você menos gostou na preparação: _________________________ Nome: __________________________________ Série: _____ Data: _____ Marque a carinha que mais represente o que você achou do ______________ Teste de aceitação da alimentação escolar Figura 58 Fonte: Brasil (2017a, p. 20). 138 Unidade III Diga o que você mais gostou na preparação:___________________________ Diga o que você menos gostou na preparação: _________________________ Nome: __________________________________ Série: _____ Data: _____ Marque a carinha que mais represente o que você achou do ______________ Teste de aceitação da alimentação escolar Detestei Não gostei Indiferente Gostei Adorei Figura 59 Fonte: Brasil (2017a, p. 20). Não há necessidade da apresentação de “carinhas” nas fichas dos testes de aceitabilidade aplicados para alunos matriculados no segundo ciclo do Ensino Fundamental em diante, mantendo-se apenas o texto. As amostras deverão ser aleatórias, compostas de 100 ou mais alunos, podendo ser estratificadas por características dos alunos (idade e nível socioeconômico) e da escola (região e faixa etária atendida). Estão dispensados dos testes de aceitabilidade crianças menores de 3 anos, frutas, hortaliças e preparações culinárias constituídas, em sua maioria, por esses alimentos (BRASIL, 2017a). O índice de adesão avalia o funcionamento do PNAE, sendo calculado pela razão do número de estudantes que consumiram a refeição pelo número de alunos presentes na escola no dia da avaliação. Esse índice é classificado em quatro categorias: alto (superior a 70%), médio (50 a 70%), baixo (30 a 50%) e muito baixo (inferior a 30%) e os dados para o seu cálculo devem ser obtidos no mesmo dia do teste de aceitabilidade (BRASIL, 2017a). Amorim et al. (2020) realizaram revisão sistemática da literatura para avaliação da aceitabilidade da alimentação escolar em escolas públicas brasileiras. Constataram que a maioria dos estudos utilizou escala hedônica facial e que demonstrou índice de aceitabilidade superior a 50% e inferior a 85%, portanto, abaixo do critério estabelecido para uma boa aceitação (85%). 7.1.4 Normas para execução do PNAE: intersetoralidade com o Pronaf Segundo a Lei n. 11.947 (BRASIL, 2009a) e a Resolução n. 6 (BRASIL, 2020h), no mínimo 30% dos recursos financeiros repassados aos municípios e estados devem ser utilizados para a compra de alimentos provenientes da agricultura familiar e empreendedores familiares rurais ou de suas organizações. A prioridade deve ser para alimentos orgânicos e/ou agroecológicos produzidos na 139 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA mesma cidade das unidades escolares (ou regiões próximas) por comunidades de assentados da reforma agrária, indígenas e remanescentes de quilombos. Os objetivos da intersetorialidade entre o PNAE e o Pronaf estão explicitados na figura a seguir. Mapeamento da produção Análise da demanda do PNAE e elaboração da chamada pública Divulgação em jornais de grande circulação e sites Sessão pública presencial Resultado final e contrato Figura 60 – Objetivos da intersetoralidade entre o PNAE e o Pronaf Adaptada de: Brasil (2016b). É considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria família, renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento pela própria família. Também são considerados agricultores familiares: silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária [...] O agricultor familiar é reconhecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário por meio da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Este documento é o instrumento de identificação do agricultor familiar utilizado para o acesso às políticas públicas (BRASIL, 2016b, p. 8-9). Há dispensa de licitação para compra de alimentos advindos da agricultura familiar e empreendedores familiares rurais, pois a compra será por chamada pública, desde que mantidos os preços compatíveis com o mercado local. O preço dos produtos a serem adquiridos deverão ser previamente estabelecidos pela EEx (após pesquisa de preços) e publicado no edital da chamada pública. O procedimento para essa modalidade de compra pública é apresentado na figura a seguir. Valorizar o pequeno produtor Diminuir custos da cadeia produtiva Gerar renda para famílias rurais mais vulneráveis Incentivar hábitos alimentares regionais Potencializar o comércio local Aumentar a qualidade dos alimentos oferecidos nas escolas Figura 61 – Etapas para a compra de alimentos advindos da agricultura familiar ou empreendedores familiares rurais por chamadas públicas no âmbito do PNAE Adaptada de: Brasil (2016). 140 Unidade III A identificação da diversidade, época de colheita e quantidade da produção agrícola de base familiar da região é fundamental para a boa execução do programa. Para isso, é importante a interação entre a EEx e Secretaria da Agricultura (ou equivalente) de cada ente federado, assim como com organizações representativas da agricultura familiar, a fim de mapear os gêneros alimentícios advindos desse tipo de cultivo e adequado planejamento dos cardápios escolares. Os editais das chamadas públicas deverão ser amplamente divulgados e permanecer abertos por, no mínimo, vinte dias. Os projetos de vendas elaborados por agricultores familiares ou suas organizações serão apresentados em sessão pública presencial e devem conter, entre outras informações, descrição do produto, quantidades, cronograma e locais de entregas. Observação É permitido acrescer 30% do valor dos produtos convencionais para a aquisição de produtos orgânicos ou agroecológicos provenientes da agricultura familiar ou empreendedores rurais. A parceria entre programas de alimentação escolar e a produção local de alimentos por pequenos produtores existe também em outros países como EUA, Dinamarca, Reino Unido, Itália, Bolívia e Colômbia, no entanto, não assumem o caráter universal, sendo restrito a alguns municípios, regiões ou escolas (MACHADO et al., 2018). Em 2011, 78,5% dos municípios brasileiros realizaram a aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar. Municípios de médio e pequeno porte, com gestão centralizada, da região Sul e com nutricionista como responsável técnico apresentaram maior frequência de aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar. Dos municípios que realizaram compra da agricultura familiar, 44,4% aplicaram 30% ou mais do valor recebido da União para essa finalidade, indicando que a maioria dos municípios não conseguiu investir o mínimo estipulado (MACHADO et al., 2018). Pizzi et al. (2020), em pesquisa com 21 nutricionistas responsáveis pelo PNAE de diferentes municípios do Sul do país, identificaram que as principais dificuldades para a compra de alimentos orgânicos provenientes da agricultura familiar são baixa produção, pouca variedade de alimentos, pequena quantidade de produtores com certificação de produção orgânica e falta de assistência técnica a esses produtores. Portanto, nem sempre os gestores do PNAE conseguem atender a essa exigência legal por enfrentarem dificuldades na compra de produtos da agricultura familiar devido à inexistência de nota fiscal dos produtores, irregularidade na frequência de entrega e/ou inadequadas condições higiênico-sanitárias dos produtos (GREGOLIN et al., 2018). Se comprovada pela EEx uma dessas situações,o cumprimento do percentual de compra de alimentos da agricultura familiar no PNAE poderá ser dispensado (BRASIL, 2020h). 141 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA A alta demanda existente para o atendimento de toda a rede escolar local e a entrega diária ou semanal dos alimentos em diversos locais são importantes desafios para os pequenos produtores. Cooperativas ou outras organizações representativas desse grupo de produtores poderão auxiliar a superar tais dificuldades. Além do mais evidente – a garantia da Segurança Alimentar e Nutrição e o apoio do desenvolvimento econômico local –, o PNAE é uma estratégia de transformação social e especialmente de mudança e construção de um novo padrão de produção e consumo de alimentos, devido à inserção de alimentos básicos e locais no cardápio escolar, bem como pela exigência de educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem (GREGOLIN et al., 2018, p. 53). 7.2 A escola como promotora de hábitos saudáveis No ambiente escolar há a construção ou manutenção de valores e crenças que determinam comportamentos individuais, inclusive aqueles relacionados ao estado de saúde. A solidificação de hábitos de vida ocorre durante a infância, portanto criar um ambiente favorável à saúde nas unidades escolares, contemplando toda a comunidade envolvida, contribuirá para a promoção da saúde de uma população, desde que seja realizado um trabalho direcionado, sistemático e permanente (MONT’ALVERNE; CATRIB, 2013). Educação em saúde promove a formação de cidadãos mais conscientes sobre as consequências de suas decisões, aumentando a probabilidade para que tenham escolhas que determinem melhores condições de saúde. Além do conhecimento sobre estilos de vida saudáveis, é necessário que o indivíduo esteja inserido em ambientes (moradias, escolas, locais de trabalho e áreas de lazer) que promovam saúde e onde as melhores escolhas também sejam as mais acessíveis. Escolas Promotoras da Saúde (EPS) baseiam-se na dimensão multidimensional da definição de saúde e, portanto, são norteadas por diretrizes que utilizam ações intersetoriais e multiprofissionais para melhorar as condições de saúde e bem-estar, promovendo o desenvolvimento sustentável da população. Trata-se da aproximação dos setores da saúde e educação, em processos participativos, com o compartilhamento de saberes e experiências, fortalecendo o empoderamento e a autonomia dos sujeitos. Em 1995, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) lançou a proposta das EPS como estratégia de apoio para melhoria da saúde e contribuição para a garantia de direitos sociais, como saúde e educação de crianças, adolescentes e jovens adultos (BRASIL, 2007c). Nas EPS, atividades de promoção da saúde são inseridas no plano pedagógico, com a descrição dos objetivos, conteúdos e os meios a serem utilizados. Dessa forma, educadores e gestores da educação devem ser sensibilizados e capacitados para aplicarem tais atividades de forma integrada à rotina do escolar, com o apoio de profissionais da saúde e participação de toda comunidade, incluindo as famílias dos escolares. 142 Unidade III 7.2.1 Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) O diagnóstico das necessidades de saúde da população escolar é a primeira etapa para o planejamento das ações de promoção da saúde. Inquéritos populacionais auxiliam na tomada de decisão, pois apontam as questões prioritárias para serem atendidas por políticas públicas. Na rede escolar, o Ministério da Saúde, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e apoio do Ministério da Educação, realizou a PeNSE nos anos de 2009, 2012 e 2015. A amostra desse inquérito é composta de adolescentes matriculados em escolas públicas e privadas das 26 capitais brasileiras, Distrito Federal e municípios das grandes regiões brasileiras. Ao longo do tempo, a amostra ampliou-se em tamanho e abrangência geográfica, e os questionários foram modificados. Nas versões de 2009 e 2012 somente foram avaliados escolares matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental e na versão de 2015 a amostra foi composta de adolescentes de 13 a 17 anos (OLIVEIRA et al., 2017). As informações coletadas na PeNSE referem-se a fatores determinantes da saúde, tais como alimentação, tabagismo, consumo de álcool e outras drogas, atividade física, saúde sexual e reprodutiva, saúde bucal, saúde mental, exposição a acidentes e violência, percepção de imagem corporal etc. Nas versões de 2009 e 2015 foram aferidos peso e altura, a fim de avaliar o estado nutricional pelo IMC. Dados sobre a infraestrutura das escolas e áreas ao seu entorno também foram obtidos, especialmente aspectos que interfiram nas condições de saúde e acessibilidade (OLIVEIRA et al., 2017). Dados da PeNSE 2015 sobre hábitos alimentares indicam que a maioria dos escolares de 13 a 17 anos tem o hábito de tomar o café da manhã, almoçar ou jantar com os pais cinco dias ou mais da semana, costuma comer assistindo televisão e não costuma comer a comida oferecida na escola (IBGE, 2016). A tabela a seguir mostra a frequência de consumo de alguns alimentos marcadores de uma alimentação saudável e não saudável nos sete dias anteriores à pesquisa. Observa-se que a frequência de consumo (≥ 5 vezes/semana) de guloseimas, refrigerantes e alimentos ultraprocessados salgados assemelha-se ao consumo de frutas, legumes e verduras. A maioria dos adolescentes não ingere diariamente ao menos uma porção de frutas, verduras e legumes e consome feijão mais de 5 dias da semana. Tabela 11 – Distribuição percentual de escolares de 13 a 17 anos segundo frequência de consumo alimentar (≥ 5 dias/semana), sexo e faixa etária. Brasil: 2015 Frequência de consumo alimentar (≥ 5 dias/semana) e faixa etária Masculino (%) Feminino (%) Total (%) Feijão 13 a 15 anos 16 a 17 anos 61,5 61,0 55,5 49,9 58,5 55,4 Salgados fritos 13 a 15 anos 16 a 17 anos 13,1 14,2 14,8 13,3 13,9 13,8 Legumes ou verduras 13 a 15 anos 16 a 17 anos 37,0 35,9 37,2 37,5 37,1 36,7 143 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Frequência de consumo alimentar (≥ 5 dias/semana) e faixa etária Masculino (%) Feminino (%) Total (%) Guloseimas 13 a 15 anos 16 a 17 anos 35,4 33,9 45,8 47,1 40,5 40,6 Frutas 13 a 15 anos 16 a 17 anos 34,4 28,6 30,5 28,3 32,5 28,5 Refrigerante 13 a 15 anos 16 a 17 anos 28,7 30,0 26,1 23,9 27,4 26,9 Alimentos ultraprocessados salgados 13 a 15 anos 16 a 17 anos 28,6 33,1 32,4 34,2 30,5 33,7 Adaptada de: IBGE (2016). O percentual de excesso de peso foi maior entre adolescentes de 13 a 17 anos da rede privada de ensino (28,4%) quando comparada à pública (23%). Já a prevalência de baixo peso foi similar entre escolas públicas e privadas, sendo, aproximadamente, 3% (IBGE, 2016). 7.2.2 PSE Foi instituído em 5 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007b), por decreto presidencial, resultante de uma parceria entre os Ministérios da Saúde e Educação. Seus objetivos são ilustrados na figura a seguir. Fortalecer participação social Formação integral dos estudantes Articular ações de saúde e educação Enfrentamento de vulnerabilidades Programa Bolsa Família PSE Promover cidadania e direitos humanos Promover comunicação entre unidades de saúde e escolas Figura 62 – Objetivos do PSE Adaptada de: Brasil (2007b). 144 Unidade III No PSE estão envolvidos estudantes da Educação Básica, comunidade escolar, gestores e profissionais da saúde e educação. O programa é descentralizado, ou seja, a coordenação é local, de acordo com o contexto escolar e social. Os gestores municipais devem elaborar projeto para adesão ao PSE, que, após deferimento da esfera federal, terá o repasse financeiro para a implantação de ações de promoção, prevenção e atenção à saúde realizadas na rede pública de ensino por profissionais das ESF. Ressalta-se que para a construção de um trabalho intersetorial eficiente é necessária a integração entre os gestores dos órgãos envolvidos, em todos os níveis de governo.As ações desenvolvidas no PSE deverão ser adequadas à realidade local, considerando aspectos epidemiológicos e operacionais. O diagnóstico da população-alvo deve preceder à intervenção, e a avaliação dos resultados é essencial para o aprimoramento das ações. Alimentação e nutrição envolvem um dos temas que poderão ser abordados no PSE, de acordo com a necessidade do local (figura a seguir). Sustentabilidade ambiental Saúde bucal e visual Nutrição e atividade física Saúde mental Prevenção de acidentes, violência e uso de drogas Prevenção de doenças transmissíveis Saúde sexual e reprodutiva Figura 63 – Áreas temáticas para ações desenvolvidas no PSE Adaptada de: Brasil (2007b). Nutricionistas inseridos no PNAE e profissionais das ESF e do Nasf, juntamente com o CAE, podem planejar e desenvolver atividades de promoção de hábitos alimentares saudáveis nas escolas, priorizando ações educativas e monitoramento do estado nutricional. Alunos com excesso de peso ou risco nutricional poderão ser encaminhados para atendimento individualizado em serviços de saúde da Atenção Básica. 7.2.3 Programas de promoção e proteção à alimentação saudável no âmbito escolar As mudanças dos padrões de morbidade, mortalidade e estado nutricional da população nas últimas décadas provocaram recentes mudanças de diretrizes de políticas públicas. Até a década de 1970, a fome e a desnutrição eram o foco dos programas de alimentação e nutrição, no entanto, hoje a obesidade se tornou mais prevalente, inclusive entre crianças. O desafio dos gestores é criar programas que atendam às necessidades dessas duas situações extremas: a escassez e o excesso do consumo alimentar e suas consequências biológicas e psicossociais. 145 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Inicialmente, a alimentação oferecida nas escolas tinha como objetivo principal saciar a fome. Com as melhorias das condições de vida e consequentes mudanças do estado de saúde da população, as metas da alimentação escolar foram modificadas e, além de saciar a fome daqueles que ainda permanecem nos grupos mais vulneráveis para a insegurança alimentar, as escolas assumiram um papel importante para a promoção de hábitos alimentares saudáveis através de ações educativas. Em 2006, foi promulgada a Portaria Interministerial n. 1.010, que institui as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas da rede pública e privada. Os eixos prioritários são (BRASIL, 2006f): • ações de educação alimentar e nutricional; • estímulo à produção de hortas escolares e seu uso como ferramenta pedagógica; • estímulo à implantação de boas práticas de manipulação de alimentos nos locais de produção e fornecimento de alimentação escolar; • restrição do comércio e da divulgação de alimentos ricos em gorduras, açúcares e sódio no âmbito escolar; • incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras; • monitoramento da situação nutricional dos escolares. Temas sobre alimentação e nutrição devem ser incorporados ao projeto político-pedagógico da escola, nas diversas disciplinas e séries de estudo, e toda a comunidade escolar deve participar do processo de planejamento e execução das ações (BRASIL, 2006f). Segundo dados da PeNSE 2015, 28,6% e 27,4% dos alunos do 9º ano da rede particular e pública, respectivamente, afirmaram ter na escola hortas para fins educativos e/ou produção própria. Constatou-se também que 89,8% dos estudantes das escolas privadas relataram a presença de cantinas, e esse percentual entre alunos de escolas públicas foi de 33% (IBGE, 2016). A presença de cantina escolar propicia aos estudantes maior diversidade da oferta de alimentos e autonomia para escolha. No entanto, esse fato pode representar um fator de risco para o aumento do excesso de peso dessa população, pois nesses locais de venda há grande oferta de alimentos ricos em sódio, açúcares e gorduras. Desse modo, em escolas que realizam ações educativas em alimentação e nutrição e buscam conscientizar toda a comunidade escolar sobre alimentação saudável e promoção da saúde, a presença de cantinas escolares que ofertam alimentos de baixo valor nutritivo é incoerente ao conteúdo transmitido nas atividades educativas. Baseado na Portaria Interministerial n. 1.010 (BRASIL, 2006f) e nos dados da primeira versão da PeNSE 2009, o Ministério da Saúde criou o projeto Cantinas Escolares Saudáveis em 2010, um guia para a transformação de locais de comercialização de alimentos no interior de escolas. A meta é que 146 Unidade III as cantinas escolares ofereçam alimentos mais saudáveis e seguros. Para isso, o manual direcionado aos gestores escolares e cantineiros foi redigido de forma clara e simples, com informações sobre alimentação saudável, dicas de preparações culinárias, orientações sobre higiene e segurança alimentar, estratégias de mudança e cronograma de ação, o que é demonstrado no quadro a seguir. Quadro 16 – Cronograma para a implantação de cantinas escolares saudáveis Período Ações propostas 1º mês – Sensibilizar toda a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, cantineiros, alunos e pais de alunos) sobre a importância de uma alimentação saudável. Sugere-se a abordagem desse tema em diversos momentos, como em salas de aula, reuniões pedagógicas e eventos – Planejar mudanças das opções de alimentos comercializados com pesquisa de mercado, análise de rótulos dos alimentos, teste de novas receitas e degustações 2º mês – Ofertar e evidenciar os alimentos e preparações culinárias mais saudáveis, deixando-os em maior destaque nos pontos de venda, e exposição de materiais de divulgação sobre esses produtos (exemplos: mural e folders) – Diminuir a oferta de alimentos ricos em sódio, gorduras e açúcares e retirar propagandas desses alimentos – Negociar com novos fornecedores – Realizar degustações direcionadas aos pais 3º e 4º meses – Realizar pesquisa com a comunidade escolar sobre as mudanças – Avaliar as mudanças realizadas e aprimorá-las de acordo com os resultados obtidos – Intensificar a divulgação dos alimentos saudáveis ofertados com a realização de promoções e degustações, se possível – Buscar parcerias para treinamento de funcionários 5º mês – Apresentar novas opções de alimentos e preparações culinárias saudáveis – Contatar outros proprietários de cantinas para troca de experiências sobre cantinas escolares saudáveis – Apresentar aos gestores e pais as mudanças ocorridas e os resultados obtidos A partir do 6º mês – Realizar cursos de treinamento e atualização para funcionários de forma constante e permanente – Manter contato com outros proprietários de cantinas que estejam em processo de implantação ou manutenção de cantinas saudáveis – Continuar com as atividades educativas e de divulgação dos alimentos saudáveis em parceria com gestores e funcionários da escola – Considerar sugestões da comunidade escolar e experiências obtidas para o constante aperfeiçoamento Adaptado de: Brasil (2010c). A restrição do comércio e divulgação de alimentos e preparações culinárias com alto teor de sódio, açúcares e gorduras no ambiente escolar é uma proposta implantada desde meados da década de 2000 em alguns municípios e estados brasileiros. É uma ação incentivada pelo Ministério da Saúde para a proteção da alimentação saudável e promoção da saúde, a fim de criar ambientes mais saudáveis para estudantes de instituições de ensino pública e privada. 147 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA Em 2001, o estado brasileiro de Santa Catarina foi pioneiro ao sancionar uma lei que proíbe o comércio de alimentos como salgados fritos, salgadinhos de pacote, refrigerantes, sucos industrializados, balas, pirulitos e gomas de mascar no interior das escolas públicas e privadas. Nos anos seguintes, legislação similar foi aprovada nos estados do Paraná, Goiás e Distrito Federal. Alguns municípios também aderiram a essa medida de proteção, sancionando legislações específicas na esfera municipal. Algumas dessas medidas regulatóriastambém exigem a oferta de frutas nas cantinas e materiais de divulgação sobre alimentação saudável, como mural com cartazes e distribuição de folders (BRASIL, 2012b). Para que qualquer dispositivo legal seja efetivamente cumprido, é necessário fiscalização, orientação e punição em casos mais extremos. Ressalta-se a importância de ações de capacitação e sensibilização sobre promoção de hábitos alimentares saudáveis direcionadas aos responsáveis pelas cantinas. A coordenação geral do Programa de Alimentação Escolar (PAE) emitiu em nota técnica (n. 02/2012) seu posicionamento contrário à existência de cantinas em escolas públicas e, caso seja aprovada legislação específica de regulamentação de cantinas escolares, incluindo para as existentes em escolas particulares, que esta seja abrangente para outros equipamentos públicos que tenham comércio de alimentos em seu interior, tais como UBS e hospitais, sendo coerente às ações intersetoriais de controle da obesidade e sobrepeso (BRASIL, 2012b). Na esfera federal, até meados de 2021 não existiam dispositivos legais aprovados para a restrição de venda de qualquer tipo de alimento em cantinas escolares ou outros pontos de vendas de alimentos, como máquinas de venda, no interior das escolas. Propostas de lei sobre essa temática tramitavam na câmara federal de deputados e senado há alguns anos, sem ainda serem apreciados e votados por essas instâncias. Observação A Opas recomenda a adoção de medidas regulatórias para a venda de alimentos e bebidas nas escolas como estratégia de prevenção da obesidade (OPAS/OMS, 2014). 8 AÇÕES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (APS) O conceito amplificado de saúde, que associa ausência de doença aos fatores sociais, começou a ser adotado no final da década de 1970 como uma crítica às práticas com abordagem apenas prescritiva da medicina, desconsiderando as condições sociais e políticas que estavam intimamente relacionadas com as condições de vida das pessoas. Essa nova forma de entendimento da saúde modificou a estrutura de práticas, serviços e formação dos profissionais. A APS caracteriza-se por ser preventiva, coletiva, territorializada e democrática. A proposta desse modelo de atenção à saúde foi descrita pela primeira vez em um documento do governo inglês 148 Unidade III datado de 1920, conhecido como Relatório Dawson (STARFIELD, 2004). O texto de Dawson deve ser compreendido no contexto histórico a que pertence, mas sugeriu a remodelação da atenção à saúde na Inglaterra em níveis de complexidade, sendo três níveis de atenção: primário – as ações seriam realizadas nos centros de saúde, porta de entrada da população ao sistema de saúde, com ações baseadas nas necessidades locais para prevenção e recuperação da saúde; secundário – seriam desenvolvidas ações vinculadas com a atenção primária, sendo o atendimento realizado com especialistas em ambulatórios; e terciário – caracterizado pelo atendimento com especialistas em nível hospitalar (STARFIELD, 2004). Por mais que essa proposta se assemelhasse com a estrutura do sistema de saúde adotado em alguns países atualmente, não foi adotada por nenhum governo naquele momento. Durante muito tempo, o modelo de saúde praticado era centrado na atenção individual e curativista, com o uso indiscriminado de técnicas para diagnóstico e tratamento de alto custo, mas que não aumentavam a resolutividade para a saúde da população da época. Assim, a sustentação desse modelo, principalmente considerando os aspectos econômicos atrelados, não era favorável, fazendo com que os governos procurassem novas formas de organização da atenção e que trouxessem consigo maior resolutividade e menor custo. Na década de 1970, foi iniciado um movimento a favor da saúde coletiva e da organização dos serviços de atenção à saúde. Em 1978, na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, foi estabelecido o consenso mundial na Declaração de Alma-Ata, que defende a saúde como um direito humano fundamental dos povos e dever do Estado prover condições adequadas para a garantia desse direito. Considera-se que a população tem o direito de participar no planejamento e execução de seus cuidados de saúde (OMS, 1978). Na Declaração de Alma-Ata, a APS era apontada como a principal estratégia para o cumprimento de uma das metas dos países, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial para o ano 2000 – o alcance, por parte de todos os povos do mundo, de um nível de saúde que lhes permitisse levar uma vida social e economicamente produtiva (OMS, 1978). Essa meta é composta de dez itens que enfatizam a APS como essencial para a promoção, prevenção e recuperação da saúde, sendo que em um item está estabelecido que os cuidados primários de saúde constituem: [...] cuidados essenciais baseados em métodos práticos, cientificamente bem fundamentados e socialmente aceitáveis e em tecnologia de acesso universal para indivíduos e suas famílias na comunidade, e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, dentro do espírito de autoconfiança e autodeterminação. Os cuidados primários são parte integrante tanto do sistema de saúde do país, de que são ponto central e o foco principal, como do desenvolvimento socioeconômico geral da comunidade. Além de serem o primeiro nível de contato de indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, aproximando ao máximo possível os serviços de saúde nos lugares onde o povo vive e trabalha, constituem também o primeiro elemento de um contínuo processo de atendimento em saúde (OMS, 1978). 149 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA A Declaração de Alma-Ata descreve ainda as seguintes ações mínimas necessárias para o desenvolvimento da APS: educação em saúde voltada para a prevenção e proteção; distribuição de alimentos e nutrição apropriada; tratamento da água e saneamento; ações direcionadas para a saúde materno-infantil; planejamento familiar; imunização; prevenção e controle de doenças endêmicas; tratamento de doenças; e fornecimento de medicamentos essenciais (OMS, 1978). Na década de 1970, a América Latina apresentava um perfil de adoecimento e morte que era um dos piores do mundo, com problemas de saúde como: desnutrição, acidentes de trabalho e doenças crônico-degenerativas. No Brasil, essa década foi marcada por constantes debates sobre as relações de saúde e sociedade, a piora dos indicadores econômicos, sociais e de saúde. Além disso, a crise no sistema de saúde brasileiro era marcada por filas em busca de atendimento, falta de leito nos hospitais, falta de pagamento, baixos valores pagos aos serviços e prestadores de serviços, além do uso abusivo dos sistemas privados e aumento de incidência de doenças infectocontagiosas (POLIGNANO, 2015). Essas deficiências do sistema, juntamente com o declínio da economia, começaram a incomodar classes mais abastadas e se tornaram entraves aos interesses políticos. O cenário político, econômico e sanitário brasileiro, com forte repressão política e piora crescente nos indicadores socioeconômicos e de saúde, provocou o descontentamento da sociedade com o modelo operante de saúde pública no país. Nesse contexto, crescia o desejo de mudanças sobre o entendimento da saúde, com um referencial político e social que pudesse trazer novas políticas e práticas no campo da saúde. A luta pela democratização do país trouxe consigo um movimento ideológico e político que teve como eixo norteador as necessidades sociais em saúde e, nesse sentido, buscou propostas de uma nova maneira de organizar os serviços de saúde, destacando a promoção da saúde para minimizar os riscos e agravos, com caráter multiprofissional e interdisciplinar, e que buscasse a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos. Então, o governo passou a se preocupar em elaborar políticas que pudessem auxiliar no desenho de um sistema de saúde mais eficiente. Assim, em 19 de setembro de 1990 foi instituídaa Lei n. 8.080, que criou o SUS. Desde a sua criação, as ações propostas e realizadas nesse campo encontram-se em processo de transformação, subsidiadas, sobretudo, pelos princípios e pelas diretrizes que norteiam a organização do SUS e o reconhecimento da saúde como direito social (BRASIL, 1990). Desde então, norteado por preceitos da Declaração de Alma-Ata, o SUS tem como primeiro nível de atenção de indivíduos, famílias ou comunidade a APS, também conhecida por Atenção Básica. A APS caracteriza-se por um conjunto de práticas em saúde voltado aos indivíduos e à coletividade, que engloba a promoção, a proteção à saúde, a prevenção de doenças, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Tem como premissa oferecer uma atenção integral, favorecendo a saúde e a autonomia das pessoas, e orienta-se pelos princípios do SUS: universalidade, acessibilidade, vínculo, continuidade do cuidado, integralidade da atenção, responsabilização, humanização, equidade e participação social (BRASIL, 2012d). 150 Unidade III Lembrete A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) considera que a APS é equivalente ao termo Atenção Básica. O modelo de atenção adotado pelo Brasil na instituição do SUS foi semelhante ao proposto por Dawson em 1920, ou seja, baseado em níveis de complexidade, um sistema hierarquizado (figura a seguir). Contudo, esse modelo é fundamentado em um conceito que pode induzir a um erro de interpretação, pois a APS mantém-se na base, podendo gerar uma desvalorização desse nível de atenção, que atende de forma resolutiva à maior parte dos usuários de um sistema de saúde (MENDES, 2011). Terciário Secundário Primário - APS-AB Figura 64 – Hierarquia do sistema de saúde Adaptada de: Mendes (2011). Esse modelo hierarquizado foi implementado no Brasil até 1994, quando o Programa Saúde da Família (PSF) foi adotado como principal estratégia de expansão, qualificação e consolidação da APS, que, nos anos subsequentes, foi aperfeiçoado e renomeado para ESF. Esta última visa à reorganização da APS, de acordo com os preceitos do SUS, além de propiciar uma reorientação do processo de trabalho com maior potencial de atender aos princípios, diretrizes e fundamentos da Atenção Básica, de ampliar a resolutividade e o impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar uma importante relação custo-efetividade. Apesar de a APS não possuir uma política e/ou lei específica que a regulasse até 2006, esse nível de atenção à saúde era regulamentado por inúmeras portarias e normas publicadas pelo Ministério da Saúde, destacando-se a publicação da Norma Operacional Básica (NOB/SUS) em 1996, que determinou a implantação das equipes do PSF e também modificou a lógica de financiamento, viabilizando a expansão do PSF pelo país (BRASIL, 1996b). Em 2006, o governo federal publicou a primeira PNAB com o objetivo de estabelecer diretrizes organizacionais, considerando os princípios propostos pelos pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão e a expansão nacional da ESF, modelo de atenção adotado como prioritário na condução da APS (BRASIL, 2006e). 151 NUTRIÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA A PNAB estabeleceu os princípios da APS, como sugerido por Dawson em 1920, devendo ser o primeiro e preferencial contato do usuário com o sistema de saúde, ou seja, a APS deve ser a porta de entrada para o cuidado e a atenção do SUS aos usuários, garantindo a integralidade do cuidado e centralidade na família (BRASIL, 2017c). A PNAB passou por duas revisões, em 2011 e 2017 (BRASIL, 2017c), para adequação aos novos serviços prestados e às demandas de outras políticas públicas. A edição de 2011 incorpora dois conceitos essenciais para o entendimento da organização dos serviços, a RAS e o território adstrito, ou seja, a forma hierarquizada de organização passou por uma reformulação e o sistema se estruturou em uma rede horizontal de atenção (figura a seguir), sendo que a APS se posiciona no centro, como primeiro contato do usuário, e deve ordenar os fluxos e contrafluxos de pessoas, produtos e informações com todos os equipamentos integrantes do sistema. Na RAS não existe hierarquia, apenas uma rede com pontos de diferentes densidades tecnológicas que guardam o mesmo grau de importância entre si, trazendo, dessa forma, um cuidado integral e direcionado às necessidades de saúde da população (BRASIL, 2017c). A integralidade é alcançada quando a RAS atende às necessidades de saúde da população adscrita, preservando sua autonomia. A edição de 2017 mantém as diretrizes das edições anteriores e incorpora os seguintes programas: Equipe de Consultório na Rua, Nasf, PSE e Academia da Saúde. A inclusão desses programas fez com que a PNAB 2017 tivesse o acesso ampliado aos serviços de saúde a fim de aumentar sua resolutividade (BRASIL, 2017c). APS Urgência e emergência Atenção especializada Vigilância e monitoramento Atenção hospitalar Vigilância sanitária Figura 65 – Esquematização das redes de atenção à saúde Adaptada de: Brasil (2012c). O planejamento, a gestão e o atendimento das necessidades de saúde da população na APS exigem delimitação de território, definido na PNAB como “unidade geográfica única, de construção 152 Unidade III descentralizada do SUS na execução das ações estratégicas destinadas à vigilância, promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde” (BRASIL, 2017c). A delimitação da unidade geográfica determinará uma referência para a população e a responsabilização, ou adscrição, da equipe de saúde pelo cuidado, proporcionando o estabelecimento de vínculo com a equipe e a longitudinalidade do cuidado. O território deve ser estabelecido para permitir o planejamento, a programação e o desenvolvimento de ações. O reconhecimento desse território é fundamental para a caracterização da população e de seus problemas de saúde (BRASIL, 2012d). A APS tem a responsabilidade da coordenação do cuidado, ou seja, deve ser a articuladora das RAS e de todas as ações intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais, centralizando o cuidado na Atenção Primária (BRASIL, 2017c). O processo de revisão da PNAB de 2017 ocorreu em um período de crise política e financeira que gerou significativos cortes orçamentários na saúde. Apesar de fortes manifestações de órgãos e conselhos nacionais relacionados à saúde, a reformulação da política era necessária para se adequar à situação atual. Entre os problemas desse momento, destacam-se o financiamento insuficiente da Atenção Básica, a baixa informatização e pouca utilização das informações disponíveis, o baixo acesso aos serviços de saúde e as longas filas de espera para os grupos vulneráveis (BRASIL, 2017c). A PNAB de 2017 prevê algumas medidas de suma importância para o aprimoramento do atendimento, tais como requalificação das UBS, reestruturação do PSE, nova PNAN, Política de Educação Permanente do SUS para os profissionais da Atenção Básica e o Plano Nacional de Educação Médica (BRASIL, 2017c). Ao longo de 2019, uma série de mudanças foram implementadas pelo novo governo vigente, alterando a estrutura e gestão da APS. Foram criados a Saps, o Departamento de Saúde da Família (Desf) e o Departamento de Promoção da Saúde (Daps). Foi instituído o Programa Saúde na Hora Brasil, caracterizado pelo incentivo financeiro para a ampliação de horário de funcionamento dos serviços de Atenção Básica até as 22h, visando ao aumento do acesso de habitantes de municípios de médio e grande porte (BRASIL, 2019c). Nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde publicou a portaria que institui o Programa Previne Brasil, que criou as Equipes de Atenção Primária (EAP) de saúde, compostas minimamente por médicos e enfermeiros, preferencialmente especialistas em saúde de família e comunidade (BRASIL, 2019e). No início de 2020, em nota técnica, o Ministério da Saúde acabou com a obrigatoriedade das equipes multidisciplinares estarem vinculadas ao Nasf (BRASIL, 2020e). 8.1 ESF e Nasf A APS tem
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