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Daniel V. Rodrigues-M33 1. Discutir a Epidemiologia da hipertensão, da diabetes e das causas externas Hipertensão A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não transmissível (DCNT) definida por níveis pressóricos, em que os benefícios do tratamento (não medicamentoso e/ ou medicamentoso) superam os riscos. Trata-se de uma condição multifatorial, que depende de fatores genéticos/ epigenéticos, ambientais e sociais, caracterizada por elevação persistente da pressão arterial (PA), ou seja, PA sistólica (PAS) maior ou igual a 140 mmHg e/ou PA diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg, medida com a técnica correta, em pelo menos duas ocasiões diferentes, na ausência de medicação anti-hipertensiva. A hipertensão arterial pode ser primária ou secundária, ao qual nesta, se tem uma doença como causa. A hipertensão arterial (HA) é uma doença altamente prevalente em indivíduos idosos, tornando- se fator determinante na morbidade e na mortalidade elevadas dessa população (II Diretriz Brasileira de Cardiogeriatria, 2010). A hipertensão arterial, presente em mais de 60% dos idosos, encontra-se frequentemente associada a outras doenças também altamente prevalentes nessa faixa etária, como a arteriosclerose e o diabetes melito (DM), conferindo a essa população alto risco para a morbimortalidade cardiovascular e exigindo, portanto, uma correta identificação do problema e uma apropriada abordagem terapêutica. Aproximadamente 50 milhões de mortes/ano ocorrem no mundo, sendo 30% desses óbitos, ou seja, 15 milhões, causados por doenças cardiovasculares; 4 milhões ocorrem em países desenvolvidos, 2 milhões, nos países de economia em transição ou subdesenvolvidos, e a maioria, cerca de 9 milhões, em países em desenvolvimento, entre os quais se situa o Brasil. Vários estudos epidemiológicos demonstraram claramente que a hipertensão arterial está relacionada, direta ou indiretamente, à ocorrência de muitas doenças, destacando-se especialmente o acidente vascular encefálico (AVE), a doença coronariana, a insuficiência cardíaca congestiva e a insuficiência renal crônica. O Framingham Heart Study (Franklin et al., 1999), em um acompanhamento por 34 anos, mostrou que o risco de desenvolver insuficiência cardíaca foi 2 a 4 vezes maior nos indivíduos com pressão arterial mais alta do que naqueles com pressão mais baixa. Em todos esses estudos, a associação de outros fatores de risco como sobrepeso/obesidade, DM, dislipidemia, tabagismo e hipertrofia ventricular esquerda aumentava progressivamente, de forma absoluta, o risco para as doenças cardiovasculares. Portanto, não há a menor dúvida de que a relação entre a pressão arterial e a doença cardiovascular é muito consistente, para ambos os sexos e para todas as classes populacionais. Na população brasileira, estimativas do Datasus apontam quase 650 mil óbitos em indivíduos com idade superior a 60 anos em 2007. Deste total, cerca de 230 mil são causados por doenças do sistema circulatório, com 66 mil por doença isquêmica do coração e 75 mil por doença cerebrovascular, duas condições intimamente relacionadas com a hipertensão. As VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (2010) consideravam o limite de normalidade para PAS valores abaixo de 130 mmHg e para PAD valores abaixo de 85 mmHg. A partir desses valores, seguem-se o normal limítrofe, a hipertensão leve, a moderada e a grave e a hipertensão sistólica isolada. Houve mudança com a Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2020). Daniel V. Rodrigues-M33 Classificação da pressão arterial de acordo com a medição no consultório a partir de 18 anos de idade Do ponto de vista clínico, a hipertensão arterial no idoso é avaliada como a do adulto jovem, das seguintes formas: (1) hipertensão sistodiastólica; (2) hipertensão sistólica isolada; (3) hipertensão diastólica isolada; (4) pressão de pulso. Fatores de risco para Hipertensão arterial • Genética Os fatores genéticos podem influenciar os níveis de PA entre 30-50%. No entanto, devido à ampla diversidade de genes, às variantes genéticas estudadas até o momento e à miscigenação em nosso país, não foram identificados dados uniformes com relação a tal fator. • Idade Com o envelhecimento, a PAS torna-se um problema mais significante, resultante do enrijecimento progressivo e da perda de complacência das grandes artérias. Em torno de 65% dos indivíduos acima dos 60 anos apresentam HA, e deve-se considerar a transição epidemiológica que o Brasil vem sofrendo, com um número ainda maior de idosos (≥ 60 anos) nas próximas décadas, o que acarretará um incremento substancial da prevalência de HA e de suas complicações. • Sexo Em faixas etárias mais jovens, a PA é mais elevada entre homens, mas a elevação pressórica por década se apresenta maior nas mulheres. Assim, na sexta década de vida, a PA entre as mulheres costuma ser mais elevada e a prevalência de HA, maior. Em ambos os sexos, a frequência de HA aumenta com a idade, alcançando 61,5% e 68,0% na faixa etária de 65 anos ou mais, em homens e mulheres, respectivamente. • Etnia A etnia é um fator de risco importante para a HA, mas condições socioeconômicas e de hábitos de vida parecem ser fatores mais relevantes para as diferenças na prevalência da HA do que a implicação étnica propriamente dita.7,8 Dados do Vigitel 2018 mostraram que, em nosso país, Daniel V. Rodrigues-M33 não houve uma diferença significativa entre negros e brancos no que diz respeito à prevalência de HA (24,9% versus 24,2%). • Sobrepeso/Obesidade Parece haver uma relação direta, contínua e quase linear entre o excesso de peso (sobrepeso/obesidade) e os níveis de PA. Apesar de décadas de evidências inequívocas de que a circunferência de cintura (CC) fornece informações independentes e aditivas ao índice de massa corpórea (IMC) para predizer morbidade e risco de morte, tal medida não é rotineiramente realizada na prática clínica. Recomendasse que os profissionais de saúde sejam treinados para realizar adequadamente essa simples medida e considerá-la como um importante “sinal vital” na prática clínica. • Ingestão de Sódio e Potássio A ingestão elevada de sódio tem-se mostrado um fator de risco para a elevação da PA, e consequentemente, da maior prevalência de HA. A literatura científica mostra que a ingestão de sódio está associada a DCV e AVE, quando a ingestão média é superior a 2 g de sódio, o equivalente a 5 g de sal de cozinha.10 Estudos de medida de excreção de sódio mostraram que naqueles com ingestão elevada de sódio, a PAS foi 4,5 mmHg a 6,0 mmHg maior e a PAD 2,3 mmHg a 2,5 mmHg em comparação com os que ingeriam as quantidades recomendadas de sódio. Cabe destacar, ainda, que o consumo excessivo de sódio é um dos principais fatores de risco modificáveis para a prevenção e o controle da HA e das DCV e que, em 2013, US$ 102 milhões dos gastos do SUS com hospitalizações foram atribuíveis ao consumo excessivo de sódio. De maneira inversa, o aumento na ingestão de potássio reduz os níveis pressóricos. Deve ser salientado que o efeito da suplementação de potássio parece ser maior naqueles com ingestão elevada de sódio e entre os indivíduos da raça negra. A ingestão média de sal no Brasil é de 9,3 g/dia (9,63 g/dia para homens e 9,08 g/dia para mulheres), enquanto a de potássio é de 2,7 g/dia para homens e 2,1 g/dia para mulheres. • Sedentarismo Há uma associação direta entre sedentarismo, elevação da PA e da HA. Chama a atenção que, em 2018, globalmente, a falta de atividade física (menos de 150 minutos de atividade física por semana ou 75 minutos de atividade vigorosa por semana) era de 27,5%, com maior prevalência entre as mulheres (31,7%) do que nos homens (23,4%). No Brasil, o inquérito telefônico Vigitel de 2019 identificou que 44,8% dos adultos não alcançaram um nível suficiente de prática de atividade física, sendo esse percentual maior entre mulheres (52,2%) do queentre homens (36,1%). • Álcool O impacto da ingestão de álcool foi avaliado em diversos estudos epidemiológicos. Há maior prevalência de HA ou elevação dos níveis pressóricos naqueles que ingeriam seis ou mais doses ao dia, o equivalente a 30 g de álcool/dia = 1 garrafa de cerveja (5% de álcool, 600 mL); = 2 taças de vinho (12% de álcool, 250 mL); = 1 dose (42% de álcool, 60 mL) de destilados (uísque, vodca, aguardente). Esse limite deve ser reduzido à metade para homens de baixo peso e mulheres. • Fatores socioeconômicos Entre os fatores socioeconômicos, podemos destacar menor escolaridade e condições de habitação inadequadas, além da baixa renda familiar, como fatores de risco significativo para HA. Daniel V. Rodrigues-M33 • Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) Há clara evidência que sustenta a relação entre a AOS e a HA e o aumento do risco para HA resistente. Os graus leve, moderado e grave da AOS mantém uma relação dose-resposta com a HA. Existe uma associação mais forte de caucasianos e pacientes do sexo masculino à AOS. • Outros Fatores de Risco Relacionados com a Elevação da PA Além dos fatores clássicos mencionados, é importante destacar que algumas medicações, muitas vezes adquiridas sem prescrição médica, e drogas ilícitas têm potencial de promover elevação da PA ou dificultar seu controle. Entre eles, estão: os inibidores da monoaminaoxidase e os simpatomiméticos, como descongestionantes nasais (fenilefrina), antidepressivos tricíclicos (imipramina e outros), hormônios tireoidianos, contraceptivos orais, anti-inflamatórios não esteroides, carbexonolona e liquorice, glicocorticoides, ciclosporina, eritropoietina, drogas ilícitas (cocaína, cannabis sativa, anfetamina e 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA). Escore de Framingham A utilização de recursos para estratificação do risco cardiovascular como o escore de Framingham facilitou a identificação de indivíduos de alto risco. Entretanto, esses algoritmos não diferenciam adequadamente pessoas de risco moderado, talvez a situação mais frequente no idoso. Além disso, o escore de Framingham é limitado até os 75 anos, após o que não há dados para sua aplicação. Em resumo, é possível identificar, por sexo e faixa etária, sabendo-se o valor da pressão arterial sistólica, do colesterol total, da fração HDL do colesterol, do diagnóstico de diabetes e do conhecimento sobre hábito tabágico, o risco de desenvolvimento de doença coronariana na próxima década de vida. O Escore de Risco de Framingham é utilizado para realizar estimativa de doença cardiovascular em 10 anos. Ele é baseado no estudo da cidade de Framingham (EUA) que foi iniciado em 1948 com 6 mil participantes e se mantém até a atualidade. Daniel V. Rodrigues-M33 São utilizados os seguintes critérios: sexo, idade, Colesterol total, HDL colesterol, Pressão arterial sistólica, uso de medicação para hipertensão arterial, Tabagismo, Diabetes mellitus e doença vascular conhecida Doença coronariana (DAC), AVE ou doença arterial periférica) Diabetes A prevalência e a incidência do diabetes melito (DM) vêm crescendo de maneira acentuada nos últimos 20 anos como consequência do aumento da população idosa, da urbanização e industrialização, do aumento da obesidade e da inatividade física e do aumento de sobrevida dos diabéticos. A estimativa para as próximas duas décadas é a de que esses números continuarão crescendo, passando de aproximadamente 194 milhões em 2003 para 300 milhões em 2030, portanto, com um aumento de 35,3%. Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde estimou que no Brasil 6,2% da população de 18 anos ou mais de idade referiram diagnóstico médico de diabetes, o equivalente a um contingente de 9,1 milhões de pessoas. As mulheres apresentaram diagnóstico de diabetes com percentual (7%) maior do que os homens (5,4%). Em relação aos grupos de idade, quanto maior a faixa etária, maior o percentual, que variou de 0,6%, para aqueles de 18 a 29 anos de idade, a 19,9% para as pessoas de 65 a 74 anos de idade. O envelhecimento está associado ao desenvolvimento de resistência insulínica, uma condição que predispõe os idosos a intolerância à glicose, hipertensão arterial (HA), dislipidemia e síndrome metabólica que aceleram o aparecimento da doença cardiovascular (DCV). No processo fisiológico do envelhecimento ocorrem modificações na composição do corpo que predispõem a essa condição, principalmente devido à grande perda de massa magra, responsável pela distribuição da glicose mediada pela insulina, e aumento de gordura visceral, ligada ao aumento da resistência insulínica. O DM1 é caracterizado pela destruição autoimune celular das células beta das ilhotas pancreáticas, determinando deficiência de insulina. Em cerca de 90% dos pacientes são encontrados um ou mais anticorpos circulantes contra insulina, marcadores dessa destruição. É a forma diagnosticada na infância e na adolescência, habitualmente devido à destruição autoimune de células beta do tipo 1A. Quando diagnosticado, já apresenta cerca de 85% das células beta destruídas, com controle metabólico lábil e tendência ao desenvolvimento de cetoacidose e coma. Requer dose diária de insulina para o seu tratamento. Embora possa ocorrer em qualquer idade, é mais comum na infância e na adolescência, com diagnóstico firmado, em geral, antes dos 30 anos. Representa cerca de 15% de todos os casos de DM, mostrando tendência à cetoacidose. O DM2 é definido como um grupo de distúrbios metabólicos caracterizado por hiperglicemia resultante da deficiência na secreção ou ação da insulina ou ambos. Essa é a forma mais comum de diabetes, de alta prevalência nos idosos, apresentando graus variáveis de deficiência e resistência à ação da insulina. A resistência pode preceder o aparecimento da deficiência insulínica que se acentua com a evolução da doença. Os pacientes afetados apresentam tipicamente hiperglicemia sem tendência habitual à cetoacidose que, entretanto, algumas vezes ocorre devido à presença de infecções ou de outras comorbidades que contribuem para o aumento de resistência insulínica, exacerbando a produção de hormônios antirregulatórios. O DM2 é uma das doenças crônicas mais comuns que afetam as pessoas idosas. Os cálculos de prevalência para as pessoas de 60 anos e mais oscilam entre 15 e 20%, com taxas maiores relacionadas com as pessoas de mais de 75 anos. Recentes estatísticas revelam que aproximadamente 1 em cada 4 indivíduos com idade superior a 60 anos é portador de DM2. Por sua vez, mais da metade de todas as pessoas com diabetes têm mais de 60 anos; sendo assim, a doença está associada ao aumento de prevalência de problemas micro e macrovasculares no Daniel V. Rodrigues-M33 idoso, o que representa um grande desafio para a saúde pública, pois envolve a capacidade de equipe multiprofissional para atender a todas as necessidades de um tratamento ideal. Além disso, aproximadamente 50% desses indivíduos não têm consciência de serem portadores da doença, o que chama a atenção para a necessidade de melhores estratégias de investigação e diagnóstico. O DM2 está associado à obesidade, especialmente visceroabdominal, surgindo muitas vezes após ganho de peso associado ao envelhecimento caracterizado por menor tolerância à glicose. Os diabéticos frequentemente apresentam diversas e graves complicações que criam a demanda por procedimentos complexos, além de serem responsáveis por alta taxa de permanência hospitalar e mortalidade hospitalar. Os fatores genéticos parecem ser os determinantes mais importantes do DM2. Contudo, ainda não foi demonstrada associação fenotípica ou anticorpos citoplasmáticos específicos de células das ilhotas. Apesar de poder ser de origem genética, na maioria das vezes é decorrente de causas adquiridas como, por exemplo, adiposidade abdominal, obesidade e sedentarismo. Os idosos apresentam tendência ao acúmulo de gordura abdominal e à obesidade, além de reduzirem sua atividadefísica, tendo em muitos casos também história de maus hábitos alimentares por muitos anos. Essa insulinorresistência é compensada pelo aumento da secreção de insulina fundamental para a manutenção dos níveis de glicose normais. A evolução da doença leva à deficiência da produção de insulina, com consequente intolerância à glicose, levando à hiperglicemia de jejum e ao estabelecimento do diagnóstico de DM. Com o aumento da idade, mais insulina é requerida para manter a glicose normal, considerando- se a presença de adiposidade central, vida sedentária e caracteristicamente a presença de comorbidades que frequentemente exigem grande variedade de medicamentos, como, por exemplo, os corticoides. Idosos com DM têm altas taxas de morte prematura, incapacidade funcional e presença de comorbidades como HA, doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular encefálico (AVE). Além disso, idosos com DM têm risco maior para o desenvolvimento de diversas síndromes geriátricas, tais como depressão, distúrbios cognitivos, incontinência urinária, quedas e dor persistente. Fatores de risco para diabetes mellitus • Idade ≥ 45 anos • História familiar de DM (pais, filhos e irmãos) • Excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2) • Obesidade central (cintura abdominal >102 cm para homens e >88 cm para mulheres, medida na altura das cristas ilíacas); • Sedentarismo • HDL-colesterol baixo (>35mg/DL) ou triglicerídeos elevados (<150mg/DL) • Hipertensão arterial (>140/90 mmHg) • Doença coronariana • DM gestacional prévio • Macrossomia ou história de abortos de repetição ou mortalidade perinatal • Uso de medicação hiperglicemiante (por exemplo, corticosteroides, tiazídicos, beta- bloqueadores) 2. Descrever e diagnosticar possíveis causas da sarcopenia O conceito atual define sarcopenia como não apenas o processo de perda de massa muscular relacionada com o envelhecimento, mas também inclui a perda da força e da função muscular. Daniel V. Rodrigues-M33 Diversos estudos epidemiológicos têm mostrado associação entre baixo peso ao nascer e menor força de preensão palmar ao envelhecer. Além disso, indivíduos com picos de massa muscular mais baixos na fase jovem têm maior probabilidade de apresentar sarcopenia, fragilidade e incapacidade à medida que a idade avança. Elevada prevalência na população idosa, múltiplos fatores etiológicos (diminuição da ingesta alimentar, estilo de vida sedentário, alterações hormonais e doenças crônicas) e consequências ruins para a saúde do idoso (prejuízo nas atividades instrumentais de vida diária, aumento do risco de quedas e fraturas, perda da independência e aumento do risco de morte) são fatores que justificam a inclusão da sarcopenia como uma síndrome geriátrica. Etiologia da sarcopenia Múltiplos fatores de risco e vários mecanismos contribuem para o desenvolvimento da sarcopenia. Entre os principais fatores de risco estão a falta de atividade física, a baixa ingesta calórica e proteica, assim como modificações hormonais e alterações nos níveis de citocinas que ocorrem a partir do envelhecimento. Alterações no remodelamento do tecido muscular, perda de neurônios motores-alfa, além de alterações no recrutamento de células musculares e apoptose são mecanismos que contribuem para a patogênese da sarcopenia. Fatores genéticos podem ter papel importante na explicação das diferenças entre força e desempenho muscular de cada indivíduo. • Falta de atividade física Em qualquer idade, trata-se de fator contribuinte importante na perda de massa e força muscular. Estudos realizados em pacientes que pararam de fazer atividade física por estarem restritos ao leito mostraram que a diminuição da força muscular ocorre antes da diminuição da massa muscular. Idosos que fazem pouca atividade física apresentam fraqueza muscular e, consequentemente, redução maior na capacidade de realizá-la, além de perderem de massa e força nos músculos. • Baixa ingesta calórica e proteica A taxa de síntese de proteína muscular sofre redução de aproximadamente 30% no idoso. Fatores nutricionais, doenças e inatividade são os principais fatores responsáveis por essa redução. Baixa ingesta calórica e proteica em pessoas idosas está associada ao desenvolvimento de fragilidade. Diversos mecanismos levam à diminuição da ingesta alimentar pelo idoso (anorexia do envelhecimento), como diminuição do apetite, redução da função de órgãos sensoriais como paladar e olfato, alteração na dentição e saciedade precoce (em decorrência do aumento da liberação de colecistocinina e elevação da leptina). • Modificações hormonais Há evidências de que alterações hormonais relacionadas com o envelhecimento estão ligadas à perda de massa e força muscular. Insulina, estrógeno, testosterona, deidroepiandrosterona (DHEA), hormônio do crescimento (GH), fator de crescimento insulina-símile (IGF-1), vitamina D e paratormônio (PTH) estão envolvidos na etiopatogenia da sarcopenia Elevados níveis de citocinas a) Insulina A sarcopenia pode ser acompanhada por aumento progressivo da gordura corporal total e da gordura intramiocelular, as quais estão associadas a risco elevado de resistência à insulina. O aumento dos níveis de insulina após ingestão de glicose e aminoácidos resulta em menor taxa Daniel V. Rodrigues-M33 de síntese proteica quando comparados aos jovens. Além disso, a hiperinsulinemia pode estar associada à redução da função mitocondrial no idoso. b) Estrógeno Estudos epidemiológicos sugerem que o estrógeno previne a perda de massa muscular, já que, com o seu declínio associado à idade, aumentam os níveis de citocinas pró-inflamatórias (fator de necrose tumoral [TNF-α] e interleucina 6 [IL-6]) envolvidas no processo da sarcopenia. Contudo, nenhum dos ensaios clínicos recentes relatou aumento da massa muscular após terapia de reposição hormonal. c) Hormônio do crescimento e fator de crescimento insulina-símile Tanto o GH quanto o IGF-1 declinam com a idade e estão entre os prováveis contribuintes para o desenvolvimento da sarcopenia. Reposição de GH diminui a gordura corporal, aumenta a massa magra e melhora o perfil lipídico. O IGF-1 ativa a proliferação e a diferenciação de células satélites, além de aumentar a síntese de proteína nas fibras existentes. Estudos apresentam resultados controversos quanto ao efeito de aumento na força muscular. d) Testosterona Os níveis de testosterona declinam lentamente no homem idoso a uma taxa de 1% ao ano. Estudos epidemiológicos sugerem uma relação entre baixos níveis de testosterona no idoso e perda de massa, de força e de função muscular. A testosterona provoca aumento no número de células satélites musculares. Quando indicada para indivíduos hipogonádicos ou para idosos com baixos níveis séricos de testosterona, ela aumenta a massa, a força muscular e a síntese proteica. e) Deidroepiandrosterona Os níveis de DHEA, outro hormônio esteroide anabolizante, diminuem consideravelmente com a idade. Apesar de evidências mostrando que a suplementação de DHEA resulte em aumento nos níveis de testosterona na mulher e em aumento de IGF-1 no homem, poucos estudos relatam efeito positivo na massa e na força muscular f) Vitamina D e paratormônio Os níveis de 25(OH) vitamina D diminuem com a idade. Estudo epidemiológico recente evidenciou associação entre a sarcopenia e os baixos níveis de vitamina D, a qual exerce provável efeito no anabolismo muscular. Baixos níveis séricos podem influenciar o turnover das proteínas musculares a partir da redução da secreção de insulina. Baixos níveis de vitamina D são frequentemente associados à elevação do PTH, porém estudos sugerem que o aumento do PTH é fator independentemente associado à sarcopenia e ao aumento no risco de quedas. O PTH pode modular a função muscular a partir do aumento do cálcio intracelular ou pela indução de uma via pró-inflamatória. • Elevados níveis de citocinas O envelhecimento está associado a aumentogradual e crônico da produção de citocinas pró- inflamatórias (IL-6, TNF-α). Há evidências de que o aumento da massa gordurosa e a diminuição nos níveis de hormônios sexuais circulantes decorrentes do envelhecimento colaborem para isso. A elevação de citocinas constitui um estímulo catabólico e pode estar relacionada com o aumento da quebra das proteínas das fibras musculares. Estudos longitudinais mostram associação entre altos níveis de TNF-α, IL-6 e proteína C reativa (PCR) e risco elevado para diminuição da força muscular. O aumento das citocinas estimula a ubiquitina protease, elevando a degradação de proteínas e, além disso, diminui a produção do fator de crescimento insulina- Daniel V. Rodrigues-M33 símile (IGF-1), o que constitui um desequilíbrio entre a síntese e a degradação de proteínas musculares. O TNF-α estimula a perda de massa muscular por meio da ativação da via apoptótica. • Perda da função neuromuscular A contribuição neurológica para a sarcopenia ocorre com a perda de neurônios motores-alfa. Esse declínio tem início após a sétima década de vida, com uma perda de cerca de 50% dos neurônios motores-alfa, o que afeta principalmente os membros inferiores. Os neurônios motores remanescentes aumentam o seu território de controle por meio da captura de fibras denervadas. No entanto, o aumento do tamanho das unidades motoras e a redução no número de neurônios-alfa e de unidades motoras resulta em declínio na ativação da coordenação muscular e diminuição da força muscular. Durante o envelhecimento, o número de células satélites e sua habilidade para recrutamento são reduzidos, com maior prejuízo para as fibras tipo II. • Disfunção mitocondrial O papel da disfunção mitocondrial na sarcopenia é controverso. A função mitocondrial pode ser afetada pelo dano cumulativo ao DNA mitocondrial do músculo que é observado com o envelhecimento. Esse fato pode resultar em redução da taxa de síntese de proteína muscular e de trifosfato de adenosina (ATP) e, finalmente, na morte das fibras musculares e perda de massa muscular. Contudo, a falta de atividade física desempenharia papel fundamental no início do processo de disfunção mitocondrial. Alguns estudos evidenciam que o exercício físico pode atenuar esse processo • Apoptose Mutações acumuladas no DNA mitocondrial do tecido muscular são associadas a apoptose acelerada dos miócitos, a qual pode ser a via de ligação entre a disfunção mitocondrial e a perda de massa muscular. Estudos recentes sugerem que as fibras tipo II são mais suscetíveis à morte pela via apoptótica. Duas vias apoptóticas têm sido descritas: a caspase-dependente e a caspase-independente. Caspases são grupos de proteases com papel fundamental na apoptose e na morte celular programada. O processo de envelhecimento tem sido associado ao aumento dos níveis de várias caspases. Outros mecanismos – como estresse oxidativo, diminuição de fatores de crescimento e imobilidade – também podem resultar em apoptose pelas duas vias • Influência genética Fatores genéticos são os principais fatores relacionados com a variabilidade da força muscular de um indivíduo. Estudos epidemiológicos genéticos sugerem que entre 36 e 65% da força muscular individual, 57% do desempenho da atividade dos membros inferiores e 34% da habilidade para realizar atividades básicas de vida diária são explicados pela hereditariedade. Sarcopenia e baixo desempenho físico no idoso também estão associados a baixo peso ao nascimento em homens e mulheres, independentemente do peso e da estatura alcançados na idade adulta. Diagnóstico de sarcopenia Sarcopenia é uma síndrome caracterizada por progressiva e generalizada perda de massa e função muscular com risco de eventos adversos como incapacidade física, perda da qualidade de vida e morte. A recomendação do EWGSOP (European Working Group on Sarcopenia in Older People) é que se utilizem a diminuição da massa muscular e a diminuição da função muscular (força ou desempenho) como critérios para o diagnóstico da sarcopenia. De forma resumida, Daniel V. Rodrigues-M33 os critérios para diagnóstico da sarcopenia segundo o EWGSOP, são diminuição da massa muscular; diminuição da força muscular e diminuição do desempenho físico. Na maioria dos casos é difícil identificar uma causa única como responsável pelo processo de sarcopenia. Contudo, classificá-la como primária ou secundária pode ser útil na prática clínica. A sarcopenia pode ser considerada primária quando não se encontra nenhuma causa identificável, além do próprio envelhecimento. É considerada secundária quando uma ou mais causas são evidentes. Em muitos idosos a causa é multifatorial, tornando muito difícil a classificação da sarcopenia em primária ou secundária. Identificação da sarcopenia em pesquisas e na prática clínica Os parâmetros para identificação da sarcopenia são a quantidade de músculo e suas funções. As variáveis mensuráveis são a massa, a força e o desempenho físico. Serão apresentados a seguir métodos que podem ser utilizados nas medidas dessas variáveis e sua aplicabilidade na prática clínica e em pesquisas. 1) Massa muscular • Métodos de imagem corporal Tomografia computadorizada, ressonância magnética nuclear e densitometria de corpo inteiro são os três métodos de imagem utilizados para estimar massa muscular. A tomografia e a ressonância são métodos de muita precisão e são considerados padrão-ouro para estimativa da massa muscular em pesquisa. A densitometria é um método alternativo atrativo para diferenciar gordura, músculo e osso tanto na prática clínica como em pesquisa. • Bioimpedância A bioimpedância estima o volume de gordura e a massa muscular do indivíduo. O método tem custo mais baixo que os métodos de imagem corporal e tem, dentre outras características, o fato de ser um recurso portátil e de fácil manuseio, que pode ser utilizado em idosos ambulatoriais ou acamados. Estudos mostram boa correlação entre os dados fornecidos pela bioimpedância e pela ressonância magnética. • Medidas antropométricas Cálculos baseados na circunferência do braço e na espessura de dobras cutâneas têm sido utilizados para estimar a massa muscular em idosos ambulatoriais. A circunferência da panturrilha se relaciona com a massa muscular; essa medida, porém, pode ser atrapalhada pela gordura subcutânea ou pela presença de edema. Portanto, a diminuição da medida da Daniel V. Rodrigues-M33 circunferência da panturrilha tem maior correlação com perda de massa muscular em idosos frágeis quando comparados a idosos saudáveis ou obesos. Consórcio Orientado de Mestrado para a Valorização da Atenção ao Idoso, definiu circunferência da panturrilha ≤ 34 cm e ≤ 33 cm, respectivamente para homens e mulheres como as medidas mais acuradas para identificar idosos com baixa massa muscular. Caderneta de Saúde da pessoa idosa: A medida do perímetro da panturrilha esquerda é um bom parâmetro de avaliação da massa muscular no idoso. Medidas menores que 31 cm são indicativas de redução da massa muscular (sarcopenia) e estão associadas a maior risco de quedas, diminuição da força muscular e dependência funcional. 2) Força muscular • Força de preensão palmar A força isométrica de preensão palmar é fortemente relacionada com a potência muscular dos membros inferiores, com a amplitude de extensão dos joelhos e com a área de secção transversal da musculatura da panturrilha. Força de preensão palmar diminuída é melhor marcador clínico de comprometimento da mobilidade do que baixa massa muscular. Na prática, há uma relação linear entre a força de preensão palmar e a ocorrência de incapacidade nas atividades de vida diária. • Flexão e extensão do joelho A avaliação da força muscular por meio da flexão e extensão do joelho pode ser realizada por diversos equipamentos. Contudo, sua utilização na prática clínica é limitada, uma vez que são necessários equipamentos especiais de custo elevado.• Pico de fluxo expiratório Em idosos sem doença pulmonar, o pico de fluxo expiratório é determinado pela força dos músculos respiratórios. Apesar de ser um método de baixo custo, faltam estudos que o correlacionem com a sarcopenia. Portanto, não é recomendado utilizá-lo como medida isolada. 3) Desempenho físico • Short Physical Performance Battery (SPPB) O SPPB é um instrumento que avalia o desempenho físico por meio de testes de equilíbrio, velocidade da marcha, além de força e resistência dos membros inferiores. Avalia habilidades, como capacidade de permanecer com os pés juntos, lado a lado, com o calcâneo do pé da frente encostado no hálux do pé de trás, e com o calcâneo do pé da frente encostado em todos os dedos do pé de trás. Avalia também tempo que o idoso leva para caminhar 3 metros e tempo gasto para levantar de uma cadeira e retornar à posição sentada após 5 movimentos. Portanto, trata-se de instrumento completo, o qual tem sido recomendado como medida padrão de desempenho físico, tanto em pesquisas quanto na prática clínica. • Velocidade da marcha A velocidade da marcha faz parte do SPPB, mas pode ser utilizada como parâmetro isolado para avaliar desempenho físico, tanto em pesquisas quanto na prática clínica. Nesse teste, é medido o tempo, em segundos e milésimos de segundo, que o indivíduo leva para percorrer 3 ou 4 metros. A velocidade é calculada a partir da média obtida após 3 tentativas. Vários trabalhos mostram que a velocidade da marcha pode ser utilizada para predizer ou refletir o estado ou a funcionalidade do indivíduo. Daniel V. Rodrigues-M33 • Timed Up and Go Test (TUGT) O TUGT, muito aplicado na avaliação geriátrica ampla, também pode ser utilizado como instrumento de medida do desempenho físico. O teste avalia o tempo que o indivíduo leva para se levantar de uma cadeira, andar 3 metros, retornar e sentar. Esse teste também avalia o equilíbrio dinâmico do indivíduo. • Stair Climb Power Test (SCPT) O SCPT tem sido proposto como medida clínica relevante de avaliação de potência muscular dos membros inferiores. Os resultados do SCPT são comparáveis a métodos mais complexos de avaliação da potência muscular das pernas, como a realizada por aparelho de leg press pneumático. O teste avalia o tempo que o indivíduo gasta para subir 6 lances de escadas de 12 degraus. Antes de iniciar a avaliação, o indivíduo é orientado a realizá-lo no menor tempo possível. Referência Tratado de Geriatria e Gerontologia. Freitas, E.V.; Py, L.; Neri, A. L.; Cançado, F. A. X.C.; Gorzoni, M.L.; Doll, J. 4ª. Edição. Grupo Editorial Nacional (GEN), 2016.
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