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2016 Fundamentos FilosóFicos do direito Profª Ivone Fernandes Morcilo Lixa Copyright © UNIASSELVI 2016 Elaboração: Profª Ivone Fernandes Morcilo Lixa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 340.1 Lixa; Ivone Fernandes Morcilo Fundamentos filosóficos do direito/ Ivone Fernandes Morcilo Lixa: UNIASSELVI, 2016. 158 p. : il. ISBN 978-85-515-0003-3 1.Teoria e filosofia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. L693f III apresentação Vivemos um tempo alucinado e alucinante! As distâncias são cada vez menores, a comunicação nos une em escala planetária em tempo real, mas paradoxalmente nunca estivemos tão sem esperanças e com medo. Nosso cotidiano é dominado por um crescente medo desenraizado que se alimenta pelo anúncio do fim das grandes utopias. Estamos perto do fim da segunda década do século XXI sem que tenhamos definido os rumos dessa etapa da história vista por alguns como uma autêntica “encruzilhada” que nos obriga a pensar acerca de qual caminho seguir: civilização ou barbárie. Tempos difíceis e inéditos em que saberes são redefinidos, formas de poder são reinventadas, maneiras pouco éticas de controle e de geração de riqueza vão ampliando e aprofundando novas formas de exclusão e perversidades. É nesse cenário que te convidamos a filosofar sobre o direito e a justiça! Talvez você esteja se perguntando: restaria ainda algo a ser repensado e reinventado? Para quê? Por quê? Aceitando o desafio de responder algumas dessas perguntas é que apresentamos este caderno de estudos. Viajando pelo mundo da filosofia iniciamos nossa primeira conversa. Na primeira unidade, vamos ter a oportunidade de compreendermos melhor qual a função da Filosofia e de que maneira a Filosofia pode nos ajudar a compreender melhor os fundamentos e elementos que constituem o Direito Moderno. Na segunda unidade, juntos vamos percorrer a história do pensamento filosófico ocidental buscando individualizar o legado de cada momento para as reflexões acerca do justo e do direito. Finalmente, na terceira unidade, retornamos ao mundo contemporâneo descortinando por sob o véu de nossa ingenuidade a criticidade e os desafios para o jurista brasileiro nos dias atuais. Sem dúvidas é um convite para sairmos do lugar comum, do nosso conforto e aparente segurança. O caminho é difícil, mas necessário, afinal é preciso nos mantermos apaixonados pelo Direito e com esperança para que possamos acreditar na transformação. É isso que nos mantém vivos e nos humaniza. Precisamos amar o saber, e é assim que nasce a Filosofia! Bons Estudos! Profª Ivone Fernandes Morcilo Lixa IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 – DIREITO E FILOSOFIA ............................................................................................1 TÓPICO 1 – FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL .........................................................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 O QUE É E PARA QUE FILOSOFIA? .............................................................................................4 3 FILOSOFIA: UM SABER CIENTÍFICO E METÓDICO .............................................................7 4 A FILOSOFIA NA TRADIÇÃO OCIDENTAL .............................................................................9 4.1 POR QUE ATENAS E EM ATENAS? ..........................................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................20 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................21 TÓPICO 2 – FILOSOFIA DO DIREITO ............................................................................................23 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................23 2 A ESPECIFICIDADE DA FILOSOFIA DO DIREITO .................................................................26 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................30 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................31 TÓPICO 3 – O PARADIGMA DOMINANTE DE DIREITO MODERNO E SEUS ELEMENTOS EDIFICADORES ...................................................................................33 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................33 2 O PARADIGMA MODERNO DE LEGALIDADE: FUNDAMENTOS....................................39 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................42 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................43 TÓPICO 4 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO POSITIVISMO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO E DA SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ..........................................................................................................45 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................45 2 VERTENTE HISTORICISTA DO DIREITO MODERNO..........................................................51 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................54 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................58 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................59 UNIDADE2 –A CONSTRUÇÃO FILOSÓFICA DO DIREITO MODERNO NO MARCO DA TRADIÇÃO ..................................................................................61 TÓPICO 1 – O LEGADO GRECO-ROMANO .................................................................................63 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................63 2 DO MITO AO LOGOS ......................................................................................................................66 3 PLATÃO – FILOSOFIA, POLÍTICA E JUSTIÇA ..........................................................................74 4 ARISTÓTELES: UM ESPÍRITO MODERADO ............................................................................79 5 O HELENISMO ROMANO ..............................................................................................................86 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................89 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................90 sumário VIII TÓPICO 2 – O PENSAMENTO MEDIEVAL ..................................................................................91 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................91 2 A PATRÍSTICA E O PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO ............................................93 3 A CULTURA JURÍDICA MEDIEVAL .............................................................................................99 4 A HERANÇA CULTURAL PARA A MODERNIDADE ..............................................................101 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................102 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................104 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................105 UNIDADE 3 – FILOSOFIA MODERNA DO DIREITO E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS ...............................................................................................107 TÓPICO 1 – OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO MODERNO.....................................................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 HANS KELSEN E A PURIFICAÇÃO DO DIREITO ...................................................................111 3 CRISE E CRÍTICA: OS LIMITES DA RACIONALIDADE JURÍDICA MODERNA ...........118 4 A REVISÃO DOS FUNDAMENTOS DO DIREITO NO BRASIL: CRISE E CRÍTICA .......124 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................132 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................133 TÓPICO 2 – DIREITO CONTEMPORÂNEO – DESAFIOS E DILEMAS ..................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................135 2 A NOVA CONDIÇÃO NO COTIDIANO......................................................................................137 3 PALEOPOSITIVISMOS, JUSCONSTITUCIONALISMOS E RENOVAÇÃO CRÍTICA NO BRASIL .......................................................................................................................137 4 PENSAMENTO CRÍTICO CONSTITUCIONAL: RENOVAÇÃO POLÍTICA, JURÍDICA E FILOSÓFICA ...............................................................................................................142 5 NOVOS MARCOS FILOSÓFICOS DO DIREITO .....................................................................145 CONTEMPORÂNEO ............................................................................................................................145 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................149 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................151 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................152 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................153 1 UNIDADE 1 DIREITO E FILOSOFIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Os objetivos desta unidade são: • definir o que é Filosofia; • compreender o que é Atitude Filosófica; • diferenciar a Atitude Filosófica do mero ato de pensar; • identificar os objetivos da Filosofia; • conceituar Filosofia Jurídica, bem como seus objetivos específicos; • refletir acerca dos elementos históricos, políticos e filosóficos que construíram o Direito Moderno. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles você encontrará atividades que auxiliarão no seu aprendizado. TÓPICO 1 – FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL TÓPICO 2 – FILOSOFIA DO DIREITO TÓPICO 3 – O PARADIGMA DOMINANTE DE DIREITO MODERNO E SEUS ELEMENTOS EDIFICADORES TÓPICO 4 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO POSITIVISMO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO E DA SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 1 INTRODUÇÃO Às vezes temos a sensação de que vivemos em um mundo que precisamos e queremos compreender, e é por isso que iniciamos nosso estudo com um convite. O mesmo tipo de convite com o qual se inicia o famoso romance filosófico “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, que já foi traduzido em mais de 50 idiomas. Você já ouviu falar sobre esse livro? É uma interessante estória através da qual uma menina inquieta e curiosa chamada Sofia, nome que (como você verá) não é escolhido por acaso, é conduzida pela história e o mundo dos grandes filósofos. Ela, assim como você, é convidada a “olhar o fundo da cartola do mágico”. Há um trecho interessante no início do livro com o qual você poderá se identificar: Para muitas pessoas, o mundo é tão incompreensível quanto o truque do mágico que tirou um coelhinho de uma cartola que estaria vazia. No caso do coelhinho, sabemos que o mágico apenas nos iludiu. E é justamente porque ele conseguiu nos iludir que queremos descobrir como fez seu truque. Quando nos referimos ao mundo, é um pouco diferente. Sabemos que o mundo não é um truque nem uma ilusão, pois vivemos aqui e fazemos parte dele. No fundo, nós é que somos como o coelhinho que foi tirado da cartola. A diferença entre nós e o coelhinho branco é que ele não sabe que está participando de um número de mágica. Conosco é outra história. Temos consciência de que somos parte de algo misterioso e ansiamos por descobrir como tudo pode ser explicado (GAARDER, 2012, p. 15). DICAS O livro O Mundo de Sofia está disponível na internet em: <file:///C:/Users/ Usuario/Downloads/O%20Mundo%20de%20Sofia%20-%20Jostein%20Gaarder%20(1).pdf>. Leia!!! Será recompensador!! Andressa Sublinhar UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 4 Você deve estar se perguntando por que e para que estudar Filosofia, se seu interesse é Direito? Filosofia não é perda de tempo ou coisa de gente que “viaja” e vive nas nuvens? É natural que você pense assim, aliás, muitos perguntam para que serve a Filosofia. Estamos habituados a nos preocuparmos com o que nos traga recompensas materiais ou financeiras, afinal, temos apelos todos os dias pela mídia, por exemplo,a sermos utilitaristas e colocarmos nossa felicidade, bem como o sentido de nossa existência, na quantidade de coisas e bens que podemos comprar e acumular. Através da Filosofia aprendemos a conquistar uma felicidade muito particular: descobrir o sentido das coisas e de nossa própria existência para sermos donos de nosso próprio destino. A Filosofia está presente em nosso cotidiano mais do que pensamos e tem influenciado ideias, discursos, ações políticas, conceitos de justiça, por exemplo, sem percebermos que é a Filosofia que nos permite ter a capacidade de escolhermos e valorarmos nosso agir, não apenas individualmente, mas com os demais com quem convivemos. E é isso, afinal, que nos torna civilizados. Iniciamos um estudo particular que nos vai ajudar a compreender que não existe nada “natural” no mundo jurídico. Vamos aprender que, embora sendo difícil, devemos conhecer a origem e a finalidade dos valores que regem o mundo do Direito, para nos tornar menos ingênuos e com mais certezas. 2 O QUE É E PARA QUE FILOSOFIA? Vivemos um cotidiano marcado por discursos e práticas que costumamos rotular de “justas/injustas” ou “certas/erradas”; e não raras vezes nos vemos exigindo “o que nos é de Direito”. O que exatamente estamos colocando em questão? O que é o justo e injusto em um mundo marcado por tão profundas contradições e aparente desesperança? Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças em toda a face da Terra. O mundo torna-se unificado – em virtude das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da humanidade como uma globalização perversa. Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas, fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas. A competitividade, sugerida pela produção e pelo consumo, é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão dos espíritos que se instalam. Tem as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários (SANTOS, 2011, p. 18). TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 5 Frases como “isso é uma verdade” já não são ditas com tanta facilidade. As verdades parecem provisórias. É um tempo em que tudo parece se transformar com rapidez alucinante. Mal temos tempo de compreender conceitos, valores, ideias ou comportamentos que repentinamente já são ultrapassados. Como nós, que pensamos o Direito, podemos lidar com esse aparente “pós tudo” sem cairmos na cilada do senso comum, dos dogmas ou das verdades midiáticas criadas todos os dias? NOTA Dogma é uma “verdade a priori” aceita sem questionamentos. O dogmatismo ao longo da história resultou em intolerância e opressão. Em sentido contrário, o pensar crítico é uma postura que visa rever os dogmas e os contextos teóricos, fáticos, ideológicos e culturais que os sustentam e os legitimam. Há uma realidade na qual estamos inseridos que exige uma explicação! Diariamente fazemos escolhas e julgamentos de valores, pois somos movidos por crenças, valores, preconceitos, enfim, um conjunto de idealizações e representações tanto individuais como coletivas que nos permite viver em sociedade. Como diz a filósofa Marilena Chauí (2000, p. 8): Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade. No esforço de ir além das “verdades postas” é preciso uma atitude reflexiva metódica, ou seja, é necessário um “distanciamento” da realidade e dos fatos para que possamos interrogar a nós mesmos e aos conceitos que parecem inquestionáveis. Neste momento podemos sentir que nossas certezas são questionadas e tudo parece possível de ser redefinido ou repensado. É desde aí, desta “atitude reflexiva”, que falamos em “Filosofia”. Desde uma atitude que permite discutir o que parece óbvio e natural. Claro que refletir sobre as verdades e a realidade que nos cerca é uma dura escolha. Pode ser que sejamos mais felizes ou mais otimistas com o superficial, afinal, ser inquieto é não se deixar levar tão facilmente. É não aceitar passivamente o que nos é oferecido como “alternativa possível”. Desde a atitude reflexiva descobrimos que não podemos ser felizes a vida toda e todo o tempo. E essa é talvez a tarefa mais urgente de nosso tempo. Enfrentar o medo das incertezas é o grande desafio que se coloca diante de nós quando decidimos assumir uma atitude reflexiva. Devemos ter a coragem de sair do nosso “agradável e confortável” senso comum. “Acontece que tendemos a descobrir algo agradavelmente reconfortante quando ouvimos melodias que sabemos de cor” (BAUMAN, 2008, p. 29). UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 6 Esse distanciamento das “melodias que sabemos de cor”, das verdades cotidianas, a fim de assumirmos uma atitude questionadora de si mesmo e desejar conhecer por que e para que são nossas crenças e sentimentos é que podemos chamar de atitude filosófica. A atitude filosófica é o ato de reflexão questionadora própria do filósofo, daquele que, tendo a consciência de que o saber é sempre provisório e também infinito, renova e reinventa sempre as perguntas que formula. É assumir o risco de viver sem verdades. Para o jusfilósofo brasileiro Miguel Reale (2002, p. 5-6): Filósofo autêntico, e não o mero expositor de sistemas, é, como o verdadeiro cientista, um pesquisador incansável, que procura sempre renovar as perguntas que formula, no sentido de alcançar respostas que sejam ‘condições’ das demais. A filosofia começa com um estado de inquietação e de perplexidade, para culminar numa atitude crítica diante do real e da vida. E é aí que nasce a Filosofia. Um saber metódico e rigoroso que possibilita chegar à raiz das coisas na interminável e incessante busca do sentido do “ser” e universo existencial. • Atitude reflexiva: é o ato de pensar as crenças, verdades e sentimentos de nosso cotidiano de forma profunda e com desejo de conhecer a essência das coisas. • Atitude filosófica: é a reflexão própria dos que não se cansam de admirar as coisas, e são capazes de se distanciar do cotidiano e de si mesmos. • Por que e para que a reflexão filosófica? Para um agir pessoal e social intencional e consciente, sabendo o por que, para que e como são as coisas, crenças e sentimentos em sua essência. • A finalidade da reflexão filosófica é permitir um pensar e crer de forma crítica e livre de preconceitos. • O filósofo é inimigo de fanatismos e dogmatismos. ATENCAO Andressa Destacar Andressa Destacar TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 7 FIGURA 1 - LE PENSEUR – O PENSADOR FONTE: <https://artelocalizada.wordpress.com/tag/o-pensador/>. Acesso em: 15 ago. 2016. Le Penseur – O Pensador – é uma famosa escultura de 1902 do artista francês Auguste Rodin. Retrata uma difícil e sofrida atitude humana: a de refletir profundamente. A atitude do filósofo! 3 FILOSOFIA: UM SABER CIENTÍFICO E METÓDICO Muitas vezes usamos a palavra “Filosofia” para querer significar muitas coisas, como, por exemplo: “filosofia de vida”, no sentido de uma forma pessoal de agir e pensar; “mera filosofia”, querendo dizer que se trata de especulação, de tão somente uma “teoria” sem fundamento. Mas Filosofia não é mera opinião,é um pensar de maneira sistemática, ou seja, a partir de critérios e métodos. É um trabalho intelectual. Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidas por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de dizer ‘eu acho que’, mas de poder afirmar ‘eu penso que’. O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de ideias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente (CHAUÍ, 2000, p. 13). A origem etimológica da palavra “Filosofia” nos esclarece bem seu sentido: • “Filosofia” é uma palavra grega que resulta da união de dois termos: filos (o que ama, o que gosta) e sofia (saber, sabedoria), portanto, Filosofia é o “amor pela sabedoria”, e o filósofo é o que tem paixão pela verdade que se quer conhecer. • Filosofia é um saber racional, rigoroso e sistemático que se diferencia de religião, ou seja, de convicção pela fé. Andressa Destacar Andressa Destacar Andressa Sublinhar Andressa Destacar UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 8 QUADRO 1 - SABERES QUE PERMITEM COMPREENDER E EXPLICAR A REALIDADE Senso comum São informações que nos ajudam a descrever e identificar a realidade que nos cerca, porém, tratam-se de saberes que não resultam de uma sólida base teórica e metodológica. Sua força de convencimento é produto do costume e/ou aceitação cultural. Muitas vezes, se tais conhecimentos são submetidos ao rigor crítico e científico, nem sempre são mantidos ou validados. Religião (Teologia) Trata-se de uma forma de saber que estabelece padrões de conduta e concepções de acordo com a fé em determinados princípios transcendentais. São formas de convencimento ou convicções originárias de crenças – de fé – racionalizadas de forma lógica que deve ser distante de fanatismo cego. Ciência Racionalização de determinadas temáticas através de métodos e técnicas que busca demonstrar a correção de certas prescrições ou proposições. Trata-se de uma elaboração de pensadores europeus como Copérnico, Descartes, Galileu, Newton, dentre outros, dos séculos XVI a XVIII, que acreditam que a realidade pode ser compreendida, explicada e dominada através de metodologias específicas – métodos e técnicas – que possibilitam a sistematização, controle, previsão e disseminação de saberes válidos, demonstráveis e seguros. A ciência tradicional é uma contraposição ao senso comum, misticismo, mitos e superstições. Filosofia Saber reflexivo, racional, metódico e crítico sobre algo. Pode ser aplicada a diferentes campos do conhecimento com a finalidade de questionar, esclarecer e tornar compreensíveis os pressupostos que fundamentam distintas temáticas. É ramificada em vários campos. Assume-se como atitude prévia de problematizar uma determinada questão sob distintas perspectivas, sempre aberta a rever e inovar conceitos e verdades prévias. Entre outras coisas, é a atitude própria daquele que se espanta (estranhamento) com o mundo a seu redor – seu cosmos –, todo o universo existencial. FONTE: A autora Filosofia é um dos saberes humanos que se define por sua especificidade, métodos e objetivos, sendo composta por distintos “saberes”. Ao longo da construção histórica do pensamento filosófico, distintos campos e subdivisões foram sendo definidos. De modo geral, o saber filosófico se estende por campos que colocam questões e problemáticas que as ciências da natureza – tais como matemática, física, biologia e química – não conseguem responder, dizem respeito ao permanente “problema das escolhas”. DICAS Assista à clássica cena do filme “Matrix”. O herói é obrigado a escolher entre permanecer na ignorância ou conhecer a dura realidade. Disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=Bb86zhbBTAU>. Acesso em: jul. 2016. Andressa Destacar TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 9 É sobre os seguintes campos que se estende o saber filosófico: • Ética: do grego “ethos” – bons costumes –, diz respeito a escolhas inevitáveis e inadiáveis quando nos deparamos com condutas e hierarquia de valores que definem os caminhos a serem seguidos e os que devem ser evitados, levando em conta os fins a que se destina a justificativa do próprio agir. A Filosofia Ética tem como objeto de problematização a atitude humana em relação ao coletivo e suas consequências históricas, sociais e políticas. Em outras palavras, é um campo filosófico preocupado com o valor do bem e do agir humano que o tem como finalidade última. • Lógica: tem como preocupação as estruturas do pensamento e seus encadeamentos racionais que permitem conhecer o ser humano e seu mundo circundante. Através da lógica se discute se as inferências – deduções, as conclusões obtidas pela relação entre uma coisa e outra – são verdadeiras ou falsas. • Estética: do termo grego aisthetiké, significa “aquele que percebe”. É o campo da filosofia que se dedica ao estudo do belo nas manifestações artísticas e naturais; ao sentimento que desperta no indivíduo quando da sua contemplação. • Epistemologia: termo de origem grega, “episteme”, relacionado com a natureza e limites do conhecimento humano. Normalmente definida como “Teoria do Conhecimento” ou “gnosiologia”, que no sentido mais restrito refere-se às condições – metodológicas e técnicas – sob as quais se produz o conhecimento. Como campo filosófico relaciona-se às possibilidades de alcançar a verdade no conhecimento. • Metafísica: do grego “metà” – além de – e “physis” – natureza, física – é um campo filosófico que discute questões para além do agir e conhecer, envolvendo discussão acerca da natureza do que se conhece, sobre o que permite indagar acerca da coisa em si. Metafísica indica o permanente esforço para atingir uma causa válida e racional para o sentido da existencialidade humana, que tem como ramo principal a ontologia – que investiga sobre as categorias ou essências do ser. 4 A FILOSOFIA NA TRADIÇÃO OCIDENTAL Filosofia, como saber sistemático e rigoroso acerca dos fundamentos últimos das coisas, do “o quê”, “para que”, “porquê”, “como” dos fenômenos que nos cerca e sobre nós mesmos, é um campo do conhecimento que, como conhecido atualmente, surgiu na antiga Grécia há mais de dois mil e quinhentos anos. Andressa Destacar UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 10 FIGURA 2 - PITÁGORAS DE SAMOS FONTE: <http://www.ahistoria.com.br/pitagoras/>. Acesso em: 15 ago. 2016. Pitágoras de Samos (570-495 a.C.), fi lósofo e fundador da teoria que entendia serem os números, as relações matemáticas, a essência de todas as coisas. A ele se atribui a invenção da palavra Filosofi a para designar a sabedoria, que, apesar de pertencer aos deuses, pode ser desejada pelos homens, pelos fi lósofos. Evidente que não signifi ca que outras culturas e civilizações, como os orientais, africanos e povos latino-americanos, não se dedicaram a refl etir e/ou compreender o mundo ao seu redor. Entretanto, “Filosofi a” com as características que se tornaram modelo na cultura ocidental é resultado da tradição grega. Vejamos um exemplo: Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de coisas, seres e ações contrárias ou opostas, que formam a realidade. Deram às oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se combinam e formamtodas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de oposições. O mundo, portanto, é feito da atividade masculina e da passividade feminina (CHAUÍ, 2000, p. 20). A extraordinária genialidade grega para a Filosofi a é o chamado “Milagre Grego”. Claro que essa afi rmação chega a ser exagerada e despreza as demais culturas, chamadas pelos antigos gregos de “bárbaros”. Na verdade, entre fi ns do século VII a.C. e VI a.C., uma soma de fatores contribuiu para a criação, consolidação e expansão da Filosofi a grega. Segundo historiadores do helenismo, a criação de um modo específi co de pensar o mundo dos homens e da natureza se dá através de: • As viagens marítimas – que contribuíram para a desmistifi cação da visão de mundo dominante, uma vez que os mitos já não podiam explicar as origens e diferenças descobertas. • A invenção do calendário – uma nova abstração sobre o tempo na qual os deuses não encontram lugar. • Invenção da moeda – que exige nova forma de raciocinar e relacionar as coisas e os bens. • O surgimento da vida urbana – contribuindo para a formação de uma categoria de sujeitos enriquecidos que coletivamente passaram a pensar e discutir coletivamente, criando uma espécie de espaço público de decisão. Andressa Destacar Andressa Destacar TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 11 • Invenção do alfabeto – fazendo com que se desenvolva a sofisticação da literatura, arte e capacidade de abstração. • Criação da política – resulta da busca de equilíbrio entre a convivência dos homens e o poder. Entretanto, se em sua origem, na antiguidade grega, significou uma forma possível de humanização, momentos da trajetória histórica conferiram-lhe um sentido inverso. O nascimento da reflexão política resultou das condições específicas do modo de vida grego ateniense: a existência da pólis – Cidade-Estado – e o logos – racionalização do mundo circundante; ambas constituindo distintas dimensões da liberdade e pluralidade humana. FIGURA 3 - MUNDO HELÊNICO – CIVILIZAÇÃO E CULTURA GREGA ANTIGA FONTE: <http://pt.slideshare.net/patriciagrigorio3/a-grcia-antiga-51320286>. Acesso em: 15 ago. 2016. IMPORTANT E Embora não se possa afirmar que foram os gregos os únicos “filósofos” do mundo antigo, os primeiros nomes históricos da Ciência e da Filosofia são: Tales de Mileto (623 a.C. ou 624 a.C.-546 a.C. ou 548 a.C.), Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.), Anaximandro de Mileto (610- 546 a.C.), Xenófanes de Colofon (570-475 a.C.) e Parmênides de Eleia (530-460 a.C.). Por que quando pensamos ou ouvimos falar em Filosofia, imediatamente lembramos da cidade de Atenas? Por que lá houve o florescer de uma magnífica cultura que imortalizou nomes como os dos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, os autores trágicos Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, historiadores como Heródoto e Tucídides? Andressa Destacar UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 12 "A Escola de Atenas" é um afresco de Raffaello (1506-1510), de 5,00m x 7,00m, pintado no Palácio Apostólico, Vaticano. Retrata um grupo de filósofos de várias épocas históricas ao redor de Aristóteles e Platão, ilustrando a continuidade histórica do pensamento filosófico ateniense. Vamos então a um breve estudo histórico que nos permite compreender por que, quando são reunidas algumas condições políticas, sociais, econômicas e culturais, pode ocorrer um “milagre” em uma civilização. FIGURA 4 - A ESCOLA DE ATENAS FONTE: <https://filosofiaefilosofiasnorenascimento.wordpress.com/2013/08/17/delimitando-o- campo-i/>. Acesso em: 15 ago. 2016. 4.1 POR QUE ATENAS E EM ATENAS? De todas as cidades gregas, em nenhuma outra havia tão estreito laço entre o cidadão e a pólis – cidade autônoma/cidade-Estado - como o que existia em Atenas, uma cidade que se afirmou como superior militar, política, cultural e economicamente em relação às demais, culminando com uma dolorosa experiência: A Guerra do Peloponeso (431-401 a.C.). Em meio à derrota surge a necessidade de uma reflexão política interna, o que se tornou fator decisivo para a rápida e surpreendente superação da profunda crise em que aquela sociedade havia mergulhado. Em nenhum outro momento da história o povo ateniense havia se dado conta de que sua maior força estava na cultura. Uma corrente geral arrastava poetas, oradores e, sobretudo, jovens, buscando exaltar o ideal consciente da cultura e da educação grega. A clara consciência do “espírito grego”, que se traduzia como distinção em relação aos demais povos, e a realização da democracia no século anterior, ofereciam maior capacidade de superação aos entraves políticos, sociais e econômicos dos séculos V e IV a.C. Neste momento, o processo histórico rompe com a estabilidade da ordem social até então instituída. Assiste-se um avanço cultural decisivo que criou um fértil terreno para o pensamento político e filosófico. É superado o antigo paradigma cosmológico no qual ao homem cabia apenas aceitar o destino de Andressa Destacar TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 13 nascer, viver e morrer sob a ordem do inevitável e imutável, desaparecendo o sentido de vivência como mágico círculo natural de ordem fora do qual apenas existia o caos. Assim, abre-se o campo para os debates onde é ressaltada a capacidade de pensar como forma de convencimento público, destacando-se pensadores influentes e eloquentes que defendiam valores humanos. Este movimento intelectual crítico das autoridades e das convenções acaba por criar um abismo entre as velhas crenças – preocupadas com o mundo da natureza – e os assuntos da pólis. Os sofistas lideram estes novos debates, auxiliando seus discípulos a obter mais sucesso na vida pública do que na especulação teórica. Sophistes era uma expressão genericamente utilizada para designar pessoas ao mesmo tempo hábeis e sábias, e, por volta de 450 a.C., passou a ser usada para identificar “professores viajantes” que ensinavam por meio de conferências públicas a arte da eloquência e da sabedoria “prática” (areté). Estes intelectuais constituíam uma nova classe de profissionais que, apesar de não partilharem nenhuma escola filosófica, possuíam um traço comum: afastaram definitivamente o pensamento grego das preocupações naturais e centraram-se nos assuntos relativos à conduta humana. Consolida-se uma forma de pensar onde a filosofia passa a ser a fonte primordial de conhecimento e poder. Na medida em que a capacidade de contemplação – adquirida pelo ato de filosofar – confere legitimidade racional ao discurso e à prática política, é rompida a submissão injustificável ao nomos: agora é necessário compreendê-lo racionalmente. Neste cenário é que surge uma figura que será imortalizada como a encarnação de todas as virtudes ideais de um cidadão: Sócrates (469-399 a.C.). Um homem atormentado pela consciência do saber, que carregava o insuportável fardo de conhecer a redenção de uma sociedade decadente e criminosa, não poderia fugir da missão política que deveria cumprir. Sua conhecida escolha pela morte, quando acusado de corromper a juventude e ser um subversivo, representa o conflito político entre o pensador e a pólis. Embora não desejando desempenhar nenhum papel político, queria, acima de tudo, que a filosofia tivesse algum sentido para a cidade. Seu julgamento e morte é antes de mais nada uma atitude humana diante da esfera política. A partir de então, os filósofos se sentiram mais responsáveis pela cidade, seus seguidores – destacadamente Platão e Aristóteles – definiram conceitos éticos a fim de conferir validade à ação política. Este foi o ponto de partida para a reflexão política: a racionalização de uma conduta ética como sinônimo de sabedoria e as bases de toda tradição filosófica ocidental. UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 14 DICAS Leia a obra clássica: JAEGER, Werner. Paideia – A Formação do Homem Grego. Tradução de Artur M. Lima. São Paulo: Martins Fontes, 1989. Há uma História da Filosofia? Ao falarmos Filosofia nomarco da tradição ocidental, ou seja, das ideias, conceitos, métodos e teorias que se consolidaram e são repetidas no meio acadêmico, o eixo central é, normalmente, a História da Filosofia. Como tradição e mesmo como disciplina universitária, a filosofia ganha profundidade, porque conhece a fundo a sua própria história. As grandes ideias, resenhadas e sistematizadas, impedem que constantemente aquele que trabalha com a filosofia tenha que inventar a roda. Isto é, o conhecimento da história da filosofia facilita a bagagem filosófica na medida em que desnuda a amplitude do conhecimento filosófico e se abre às suas minúcias (MASCARO, 2012, p. 3). Filosofia implica em método de reflexão e pode-se dizer que a cada momento histórico há “uma Filosofia” porque há um método, uma forma específica de sistematização, desafios e questionamentos específicos de cada época e contexto para os quais serão elaboradas respostas a partir da acumulação de saberes filosóficos legados, portanto, historicamente, convencionou-se as seguintes etapas do pensamento filosófico ocidental: • Filosofia Antiga: entre os séculos VI a.C. ao V Refere-se a uma etapa bastante diversificada, envolvendo problemáticas das mais diversas. Pode-se agrupar entre: o pré-socráticos ou cosmológico – período e pensadores que antecederam a Sócrates e interrogavam acerca das questões da natureza, physis, e o princípio organizador, arché, do mundo e da própria natureza; o socrático ou antropológico – entre os séculos V e fins do século IV a.C., representado pelas imortais figuras de Sócrates, Platão e Aristóteles, quando a preocupação da Filosofia desloca-se para o eixo humano, a vida política e moral; bem como a capacidade humana de conhecer a essência e razão das coisas; o helenístico ou greco-romano – de fins do século III a.C. ao II, quando se dá o início da consolidação do pensamento cristão, destacadamente com o pensamento de Santo Agostinho. Nesta etapa, as grandes questões passam a orbitar em torno da busca da virtude individual e da fundamentação da ética cristã. Predominam as doutrinas dos estoicos, epicuristas e os céticos. TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 15 • Filosofia Medieval: entre os séculos V ao XIV/XV Etapa histórica em que a Filosofia se torna “serva da Teologia”, uma vez que ocorre uma indissociável relação entre Filosofia e Teologia, mais especificamente, a Teologia Cristã, que nasce e se consolida associada à cultura greco-romana, porém, com forte influência do pensamento aristotélico, sobretudo em Tomás de Aquino, após uma breve aproximação inicial com o platonismo, particularmente em Santo Agostinho. A Filosofia medieval foi edificada por pensadores europeus, árabes e judeus. Naquele momento, a Igreja dominava política e ideologicamente a Europa e se expandia, ao mesmo tempo em que fundava universidades, edificava catedrais e coroava reis. Em síntese, a Igreja Católica Romana era o poder em múltiplas dimensões, tendo como uma das questões filosóficas centrais a prova da existência de Deus e da alma imortal. Há que se destacar que se o pensamento conhecido de Platão e Aristóteles chegou até à Idade Média e, por via de consequência, à Modernidade, os grandes responsáveis foram os árabes, uma vez que não apenas mantiveram magníficas bibliotecas, mas eram estudiosos metódicos dos antigos textos gregos, a exemplo de Avicena (980-1037), que buscou conciliar o pensamento de Platão e Aristóteles, e Averróis (1126-1198), um dos maiores conhecedores de Aristóteles que o mundo já conheceu. Sem dúvida, graças aos árabes foi possível a aproximação entre o materialismo aristotélico e o cristianismo. Dentre a complexa e profunda discussão filosófica levada a cabo pelos medievais, dois momentos costumam ser assinalados: o Patrística – o termo “patrística” vem do latim pater (pai) e se refere aos “pais” da teologia da Igreja, tem seu início durante o período de decadência do Império Romano, durante o século III. As principais questões filosóficas são relacionadas com fé e razão; a natureza de Deus, a alma e a vida moral. A fundamentação será dada pelo platonismo, sobretudo no que se refere à concepção do “suprassensível”, para a justificação do controle racional das paixões, no sentido platônico, renúncia do mundo terreno e o rigor ético. O maior nome é o do Bispo de Hipona, Santo Agostinho (354-430), que desde Platão crê que a verdade é produto da iluminação divina dada por Deus a todo espírito humano. Dentre suas obras destacam-se as que irão ser relevantes para nosso futuro estudo sobre Filosofia do Direito: “As Confissões” (396- 397) e “Cidade de Deus” (411-426) – seu maior escrito sobre ética e política. o Escolástica – período posterior ao século XIII, quando Tomás de Aquino (1225- 1274), a partir das obras de Aristóteles, garante a sobrevivência do cristianismo frente ao avanço do racionalismo que irá marcar os séculos posteriores. Inúmeras são suas obras, dentre as quais destaca-se a “Suma Teológica”, escrita entre os anos de 1265-1273. Desde a metafísica aristotélica são elaboradas as bases racionais e filosóficas para a separação entre fé e razão, harmonizando as distintas e maiores esferas da verdade que podem ser atingidas. UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 16 A Filosofia Medieval, marcada por profundidade e grande vigor teórico, é um período que não pode ser considerado “de trevas”, como erroneamente costuma ser compreendida, ou enfadonhas e inúteis discussões sobre cristianismo, como o “sexo dos anjos” e “umbigo de Adão”. DICAS A popular expressão “discutir sexo dos anjos” tem sua origem em um curioso episódio ocorrido no ano de 1453, durante a tomada de Constantinopla pelos turcos. Narra a história que enquanto o imperador, que acabou morto, resistia junto com os cristãos contra a queda da cidade de Istambul (na época chamada Bizâncio), que estava sendo queimada e incendiada e sua população morta, as autoridades da Igreja mantinham uma acalorada discussão sobre qual seria o sexo dos anjos e se Adão tinha ou não umbigo. A Idade Média foi o momento histórico de elaboração dos pilares da Modernidade. Na etapa medieval, a vida intelectual, política e filosófica atinge novos e altos níveis de sofisticação. Por essa razão afirma Richard Tarnas (2011, p. 244) que “a gestação medieval da cultura europeia atingira um novo limiar, além do qual ela já não se conteria nas antigas estruturas. A maturação de dois mil anos do Ocidente estava a ponto de afirmar-se em uma série de tremendas convulsões culturais que dariam à luz ao mundo moderno”. • Filosofia Moderna: entre os séculos XV/XVI ao XIX O pensamento filosófico moderno possui uma marca: a completa inovação do mundo e do homem. Como resultado de uma soma de fatores, a Modernidade inaugura um inédito estágio civilizatório de múltiplas e complexas faces. Dentre os fatores que se entrelaçam, o Renascimento, a Reforma e a Revolução Científica serão os propulsores de uma nova lógica de vida e, como veremos, de Direito. As transformações mais do que nunca são aceleradas e alucinantes: o “mundo” se expande para além da Europa, a visão unitária de cristianismo e de verdade é rompida pela Reforma Protestante com Calvino e Lutero; o conceito de conhecimento passa a ser definido pela Ciência por pensadores como Leonardo da Vinci, Copérnico, Galileu, Bacon e Kepler; a política passa a ser definitivamente assunto humano e científico com Bodin e Maquiavel; a arte renasce com Miguel Ângelo, Rafael, El Greco e outros. Enfim, Modernidade torna-se sinônimo de permanente mudança. Definitivamente o homem torna-se dono de seu destino e de suas escolhas políticas, é livre para se autodeterminar. Afinal, o homem é o “centro” do universo existencial. Andressa Destacar Andressa Destacar TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 17 FIGURA 5 - HOMEM VITRUVIANO Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci é uma obra de 1490 baseada em um trabalho do arquiteto Vitrúvio e quer significaras proporções perfeitas de um ideal de ser humano. É uma figura repleta de simbolismos, demonstrando a relação do homem com o universo. FONTE: <http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/o-que-e-o-homem-vitruviano-de-da- vinci.html>. Acesso em: 15 ago. 2016. O pensamento moderno possui duas faces indissociáveis: o Racionalismo e o Iluminismo. O Racionalismo moderno é fundado na inabalável crença na autonomia e autoconsciência do ser humano em si, muito menos dependente de um Deus onipotente e onipresente. A fé na razão humana triunfa sobre as religiões, as antigas autoridades e a Ciência como uma nova forma de redenção, e conduz o homem a um novo olhar para a realidade objetiva verificável, quantificável e comprovável. A busca pela verdade era agora conduzida na base da cooperação internacional, no espírito de curiosidade disciplinada, com o desejo mesmo de transcender cada vez mais os limites do conhecimento. Oferecendo uma nova possibilidade de certeza epistemológica e consenso objetivo, novos poderes de previsão experimental, invenção técnica e controle da Natureza, a Ciência apresentava-se como a graça salvadora da cultura moderna (TARNAS, 2011, p. 305). Munido de uma nova racionalidade, independente dos dogmas da Igreja e das gloriosas e eternas ideias greco-romanas, agora havia condições que estabeleciam um novo modelo civilizatório, novas formas de ordem política alicerçadas nos direitos racionalmente definidos em contratos sociais mais benéficos, que iriam servir de linha divisória entre o estado de natureza selvagem e bárbaro e a sociedade civil. Lembre-se de que a era moderna é a era das Revoluções Burguesas, que fundaram uma nova forma de poder: os Estados Liberais. ATENCAO UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 18 Outra face do pensamento moderno é o Iluminismo (Aufklãrung em alemão, que pode ser traduzido como Esclarecimento, ou Lumières, Luzes, no dizer francês). Para os iluministas, todo desconhecido pelo estado de ignorância pode ser conhecido, “iluminado” pela razão humana. Pensadores iluministas como Locke, Leibniz, Spinoza, Bayle, Voltaire, Montesquieu, Diderot, Hume, Adam Smith, Kant, dentre muitos outros mais, fundaram uma nova visão de mundo. FIGURA 6 - REPRESENTAÇÃO DA LIBERDADE A Liberdade Guiando o Povo – Le liberte guidant le peuple –, pintura de Eugène Delacroix de 1830, é um dos grandes símbolos da civilização moderna e representa a liberdade empunhando a bandeira da Revolução Francesa triunfando sobre os mortos. FONTE: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/01/06/903132/conheca- liberdade-guiando-povo-eugne-delacroix.html>. Acesso em: 15 ago. 2016. • Filosofia Contemporânea: da metade do século XIX até os dias atuais É muito difícil definir com clareza o período histórico em que se vive. São muitas as correntes filosóficas com variadas percepções de mundo, entretanto, algo têm em comum: o desencanto com a razão e a descrença na ciência. Estamos em uma etapa em que “tudo parece desmanchar-se no ar”. Tempos líquidos, no entender de Bauman (2008, p. 38), ao que parece “[...] não podemos mais tolerar o que dura. Não sabemos mais fazer com que o tédio dê frutos [...]”. As categorias filosóficas passaram a desconfiar do otimismo técnico e científico do século XIX, afinal, as guerras mundiais desnudaram a crueldade que pode ser produzida pelo conhecimento científico. Desde aí, por exemplo, a Escola de Frankfurt, formada por um grupo de intelectuais fundadores da Teoria Crítica, fez a distinção entre razão instrumental e razão crítica. A razão instrumental, a técnico-científica, não foi capaz de promover a libertação e emancipação humanas, ao contrário, tornou-se instrumento de opressão e extermínio. Como contraposição à razão crítica, desde uma revisão da razão instrumental, propõe uma forma de conhecimento libertador e emancipatório. As utopias modernas foram destroçadas pelas experiências totalitárias do fascismo, nazismo e stalinismo. Instalou-se um desencanto com os discursos e ideais legados da modernidade. Desgraçadamente descobrimos que não somos iguais, tampouco livres e muito menos fraternos. A universalidade e hegemonia TÓPICO 1 | FILOSOFIA: UM ESTUDO INICIAL 19 da civilização eurocêntrica já não pode ser mais defendida. São tempos de relativismos e saberes provisórios. Estaríamos no fim da Filosofia? No fim da história? Se para alguns a Modernidade acabou, para outros, como Jürgen Habermas, é um projeto inacabado (HABERMAS, 2013). Em discurso proferido em setembro de 1980 em Frankfurt, Habermas denuncia que as promessas do Iluminismo não se cumpriram e ainda seria possível, apesar das patologias e males vividos na Modernidade, melhorar a condição humana, e, assim, não teria sentido o discurso pós-moderno. Talvez o que ainda nos restaria seria o luto pelo fracasso de um projeto civilizatório. FIGURA 7 - RETRATO DO HORROR Guernica – de Pablo Picasso, obra produzida em 1937, atualmente no Museu Rainha Sofia (Madri-ES). Retrata o horror do bombardeio alemão sobre a cidade espanhola de Guernica com o aval do ditador Francisco Franco. FONTE: <http://www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/guernica>. Acesso em: 15 ago. 2016. Desde os centros tradicionais da Filosofia se anuncia a pós-modernidade. A entrada para o século XXI não foi tão triunfal como se esperava. Desde as três últimas décadas do século XX, as lutas contra os regimes ditatoriais, os movimentos sociais, a luta pela afirmação de direitos humanos, a perversa miséria e exclusão produzida pela globalização neoliberal, fizeram ressurgir a aproximação entre a Filosofia, Ética, Política e Ideologia. DICAS Mais adiante retomaremos alguns dos pensadores modernos e pré-modernos para melhor compreendermos o próprio Direito e seus fundamentos filosóficos modernos. Para melhor aprofundar esse momento de estudo, sugere-se a leitura do livro: “Convite à Filosofia”, de Marilena Chauí, disponível em: <http://www.filosofia.seed.pr.gov.br/arquivos/ File/classicos_da_filosofia/convite.pdf>, especialmente o Capítulo I. 20 Neste tópico, você viu: • Os elementos essenciais que irão servir de referência permanente em nossos estudos. • O sentido e especificidade do estudo da Filosofia. • A Filosofia como saber prévio e necessário a qualquer campo do conhecimento. • A origem do pensamento filosófico na tradição do pensamento ocidental. • O processo histórico de construção da Filosofia ocidental. • Os desafios da reflexão filosófica no mundo contemporâneo. RESUMO DO TÓPICO 1 21 Considere o texto a seguir: Uma definição precisa do termo “filosofia” é impraticável. Tentar formulá-la poderia, ao menos de início, gerar equívocos. Com alguma espirituosidade, alguém poderia defini-la como “tudo e nada, tudo ou nada...”. Melhor dizendo, a filosofia difere das ciências especiais na medida em que procura oferecer uma imagem do pensamento humano – ou mesmo da realidade, até onde se admite que isso possa ser feito – como um todo. Contudo, na prática, o conteúdo de informação real que a filosofia acrescenta às ciências especiais tende a desvanecer-se até parecer não deixar vestígios. Acreditamos que esse desvanecimento seja enganoso, mas devemos admitir que até aqui a filosofia não tem conseguido realizar suas grandes pretensões. Tampouco tem logrado êxito em produzir um corpo de conhecimentos consensual comparável ao elaborado pelas diversas ciências. Isso se deve, em parte, embora não integralmente, ao fato de que, quando obtemos conhecimento verdadeiro a respeito de determinada questão situamos essa questão como pertencente à ciência e não à filosofia. O termo “filósofo” significava originariamente “amante da sabedoria”, tendo surgido com a famosa réplica de Pitágoras aos que o chamavam de “sábio”. Insistia Pitágoras em que sua sabedoria consistia unicamente em reconhecer sua ignorância, não devendo, portanto, ser chamado de “sábio”, mas apenas de “amante da sabedoria”. Nessa acepção,“sabedoria” não se restringia a qualquer dos domínios particulares do pensamento e, de modo similar, “filosofia” era usualmente entendida como incluindo o que hoje denominamos “ciência”. Esse uso sobrevive ainda hoje em expressões como “filosofia natural”. Na medida em que uma grande produção de conhecimento especializado em um dado campo ia sendo conquistada, o estudo desse campo se desprendia da filosofia, passando a constituir uma disciplina independente. As últimas ciências que assim evoluíram foram a psicologia e a sociologia. Dessa forma, poderíamos falar de uma tendência à contração da esfera da filosofia na própria medida em que o conhecimento se expande. Recusamo- nos a considerar filosóficas as questões cujas respostas podem ser dadas empiricamente. Não desejamos com isso sugerir que a filosofia poderá acabar sendo reduzida ao nada. Os conceitos fundamentais das ciências, da figuração geral da experiência humana e da realidade (na medida em que formamos crenças justificadas a seu respeito) permanecem no âmbito da filosofia, visto que, por sua própria natureza, não podem ser determinados pelos métodos das ciências especiais. É sem dúvida desencorajador que os filósofos não tenham logrado maior concordância com respeito a esses assuntos, mas não devemos concluir que a inexistência de um resultado por todos reconhecido signifique que esforços foram realizados em vão. Dois filósofos que discordem entre si podem estar contribuindo com algo de inestimável valor, embora ambos não estejam em condição de escapar totalmente ao erro: suas abordagens rivais AUTOATIVIDADE 22 podem ser consideradas mutuamente complementares. O fato de filósofos distintos necessitarem dessa mútua complementação torna evidente que o ato de filosofar não é unicamente um processo individual, mas também um processo que possui uma contrapartida social. Um dos casos em que a divisão do trabalho filosófico se torna bastante proveitosa consiste na circunstância de que pessoas distintas usualmente enfatizam aspectos diferentes de uma mesma questão. Contudo, boa parte da filosofia volta-se mais para o modo pelo qual conhecemos as coisas do que propriamente para as coisas que conhecemos, sendo essa uma segunda razão pela qual a filosofia parece carecer de conteúdo. No entanto, discussões a respeito de um critério definitivo de verdade podem determinar, na medida em que recomendam a aplicação de um dado critério, quais as proposições que na prática deliberamos serem verdadeiras. As discussões filosóficas da teoria do conhecimento têm exercido, ainda que de modo indireto, importante efeito sobre as ciências. FONTE: <http://filosofia.paginas.ufsc.br/files/2013/04/O-que-%C3%A9-Filosofia-e-por-que-vale- a-pena-estud%C3%A1-la.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2016. Após a leitura e reflexão sobre o texto acima responda a seguinte questão: Por que a não concordância dos filósofos sobre determinada problemática é considerado um ganho? As discussões filosóficas não devem conduzir a uma verdade? 23 TÓPICO 2 FILOSOFIA DO DIREITO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Vamos retomar o mesmo questionamento inicial: por que e para que o estudo da Filosofia para quem deseja ser um jurista? Qual a relação entre Direito e Filosofia? Como já vimos, a atitude reflexiva, ação ou processo através do qual a pergunta retorna ao sujeito que pergunta, resulta da permanente inquietação frente ao que nos rodeia, e este é o ponto de partida para a Filosofia. Também já sabemos que a problematização das questões mais radicais, no sentido daquelas que estão “na raiz”, nos coloca diante de um universo infinito de desafios e novos questionamentos que, de início, sequer imaginávamos serem relevantes. Diante da tentativa de estabelecer a relação entre Direito e Filosofia, inúmeras são as dificuldades e “caminhos” que se colocam, porém, decidindo pela escolha mais elementar, neste primeiro momento propomos definir o que é Filosofia do Direito. Como conhecimento sistematizado e rigoroso, a Filosofia é o estudo preliminar de inúmeras áreas do saber, particularmente das Ciências Sociais e Humanas. Como você já deve saber, há uma diferença nas áreas do conhecimento definida em função de seu objeto e métodos. Sem querer entrar na mesma discussão que tomou conta do debate científico dos séculos XVIII e XIX acerca do conceito de Ciência e seus distintos campos, o campo do Direito é um campo de estudo social e valorativo, uma vez que lidamos com conceitos como deveres, obrigações, justo e injusto etc. Para iniciarmos uma aproximação com a Filosofia do Direito, podemos afirmar que Direito é um saber específico, ao mesmo tempo uma ciência normativa e aplicada que se aproxima de muitos outros conhecimentos relacionados à ação humana e aos valores que a regem. UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 24 NOTA “Ciência” é um termo de origem latina “scientia”, que significa conhecimento ou saber. De forma bastante simples, se pode afirmar que atualmente se entende por Ciência todo o conhecimento produzido através da sistematização metodológica acerca de um determinado objeto com base em determinados pressupostos ou princípios. Ciência comporta vários conjuntos de saberes elaborados a partir de teorias que respondem de maneira eficiente a um determinado problema. Por esta razão, “espírito investigativo” é sempre problematizador e aberto ao “novo”. De acordo com o objeto são definidos campos distintos do conhecimento, dentre os quais as Ciências Sociais e Humanas, que estudam o comportamento e as relações humanas. Nelas se incluem áreas como a Antropologia, o Direito, a História, a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia Social, a Economia Social, a Política Social, o Direito Social. Já as Ciências Naturais são ciências que descrevem, ordenam e comparam os fenômenos que independem das relações humanas, como, por exemplo, as ciências exatas (como a Física e a Química) e as geociências (Biologia, incluindo a Microbiologia e a Paleontologia, Geografia, Geologia, Cristalografia etc.). FIGURA 8 – OBSERVAÇÃO CIENTÍFICA Gravura de Maurits Cornelis Escher (1898- 1972) que nos sugere o que é a observação científica: um olhar para o “mistério” do mundo e de nós mesmos. FONTE: <http://www.mcescher.com/gallery/italian-period/hand-with-reflecting-sphere/>. Acesso em: 15 ago. 2016. Por sua particularidade, o Direito possui distintas dimensões, dentre as quais a dogmática jurídica, definida como premissas ou pressupostos válidos, segundo os valores, finalidades e princípios do Direito, cuja finalidade é a de orientar uma decisão de forma a limitar a discricionariedade – poder de escolha – do órgão julgador. A dogmática jurídica preocupa-se com possibilitar uma decisão e orientar a ação, estando ligada a conceitos fixados, ou seja, partindo de premissas estabelecidas. Essas premissas ou dogmas estabelecidos TÓPICO 2 | FILOSOFIA DO DIREITO 25 (emanados da autoridade competente) são, a priori, inquestionáveis. No entanto, conformadas as hipóteses e o rito estatuídos na norma constitucional ou legal incidente, podem ser modificados de tal forma a se ajustarem a uma nova realidade. A dogmática, assim, limita a ação do jurista condicionando sua operação aos preceitos legais estabelecidos na norma jurídica, direcionando a conduta humana a seguir o regulamento posto e por ele se limitar, desaconselhando, sob pena de sanção, o comportamento contra legem, mas não se limita "a copiar e repetir a norma que lhe é imposta, apenas depende da existência prévia desta norma para interpretar sua própria vinculação (ADEODATO, 2002, p. 32). Uma das finalidades da dogmática jurídica é a de possibilitar o que tradicionalmente se define como segurança jurídica, ou seja, garantir um mínimo de previsibilidade das decisões que definem as relações e o comportamento social, porém, dogmática jurídica não deve ser compreendida como conceitos, ideias e concepções estagnadas e imutáveis. É exatamente a dimensão valorativa do Direitoque lhe confere permanente dinâmica, e aqui podemos visualizar uma outra face do saber jurídico: a Zetética. Zetética do Direito tem como característica ser especulativa e problematizadora acerca da Dogmática Jurídica (COELHO, 1991). É o campo do Direito de discussão acerca dos fundamentos e justificativas dos conceitos com os quais operamos o Direito, rompendo com as verdades postas, especulando acerca do que é e não do que deve ser de direito. ESTUDOS FU TUROS Na última unidade iremos aprofundar o estudo acerca da Teoria Crítica do Direito e discutir as distintas correntes e proposições. Não é difícil perceber que no Direito, embora este possua conceitos técnicos operacionais dados, por exemplo, pela norma jurídica, há uma permanente mutabilidade e problematização dos parâmetros mais duradouros e institucionalizados do saber jurídico a fim de que o Direito cumpra sua função social, que é a de dar uma solução adequada a interesses e necessidades sociais de acordo com a dinâmica que rege a vida social. Para tanto é necessário um comportamento crítico e atualizador por parte dos juristas, em outras palavras, uma atitude filosófica. A Filosofia do Direito é um dos instrumentos através dos quais é possível a abstração crítica dos conceitos e pressupostos jurídicos que constroem e legitimam as práticas jurídicas e os discursos jurídicos, funcionando como espaço privilegiado para, de forma livre, refletir radicalmente. UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 26 Para pensadores clássicos do Direito, como Giorgio Del Vecchio, o Direito ultrapassa o limite de sua logicidade interna, uma vez que é produto da natureza humana, fazendo com que exista a necessidade de alargar e aprofundar a dimensão do fenômeno jurídico de forma a permitir compreender as contingências sob as quais se construiu uma lei ou um costume; e esse fundamento não pode ser investigado pela ciência jurídica stricto sensu, ou seja, em sua dimensão técnica normativa. Esta investigação define o campo da Filosofia do Direito: “disciplina que define o Direito na sua universalidade lógica, investiga os fundamentos e os caracteres gerais do seu desenvolvimento histórico, avalia-o segundo o ideal de justiça traçado pela razão pura” (DEL VECCHIO, 1979, p. 306). Como veremos, ao longo da história a Filosofia do Direito se tornou um saber autônomo, independente da Filosofia, uma vez que possui particularidades, objeto específico e objetivo diferenciado. Agora já estamos preparados para conversar sobre Filosofia do Direito e assim “retirar a venda dos olhos”. FIGURA 9 – A JUSTIÇA É CEGA FONTE: <http://chebolas.blogspot.com.br/2013/05/blog-post_4012.html>. Acesso em: 15 ago. 2016. A charge acima faz menção à tradicional figura da deusa Themis, que na mitologia grega era a guardiã dos juramentos dos homens e das leis. Era representada empunhando a balança – com a qual equilibra seu raciocínio para julgar – e a espada – que é a força necessária para ser obedecida. Sua imparcialidade e cegueira não devem ser entendidas literalmente, uma vez que necessita estar de “olhos abertos” às injustiças e formas de dominação entre os homens. 2 A ESPECIFICIDADE DA FILOSOFIA DO DIREITO Já tendo compreendido a relação entre Direito e Filosofia, passamos agora a uma aproximação maior com nosso objeto principal: a Filosofia do Direito. O TÓPICO 2 | FILOSOFIA DO DIREITO 27 ponto de partida para a compreensão de um campo do saber é a definição de suas características nucleares, quais sejam: seu objeto, métodos e finalidades e/ou funções. Tendo a Filosofia como preocupação a problematização acerca da essência das coisas, a questão do “ser”, ao voltarmos nosso olhar como filósofos para o Direito, nosso objeto particular é o Direito que, de acordo com o “olhar” metodológico, comporta distintas definições. Direito é um termo “vazio”, sob o ponto de vista do rigor científico, ou seja, exige previamente uma definição, e exatamente esse tem sido o grande desafio dos juristas ao longo da história do pensamento jurídico. Direito não é um termo uníssono, não possui uma única definição, e buscar defini-lo é uma das tarefas mais desafiadoras da Filosofia do Direito. E ainda, depende daquele que o define segundo os parâmetros que adote, das relações que são estabelecidas com os demais campos da Filosofia, como Ética e Moral ou com a Ideologia. Para Marilena Chauí (2000), a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado. Definir “o que é Direito” para delimitar o objeto da Filosofia do Direito não é uma tarefa simples e fácil e, dependendo da corrente teórica adotada, pode- se chegar a conceitos diversos. Nós mesmos, em nosso cotidiano, usamos a palavra “Direito” com sentidos bem distintos. Quer tentar verificar? Ótimo!!! Então considere as seguintes frases: • “No Direito brasileiro não há pena de morte para crimes comuns”. • “Tenho o direito a professar uma crença religiosa”. • “O Direito é uma ciência social aplicada”. UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA 28 Na primeira frase a palavra “Direito” é usada para referir-se ao sistema normativo – conjunto de normas jurídicas hierarquicamente sistematizadas e legitimadas pelo Estado – que de forma geral rotulamos de “Direito Objetivo”, ou de “Direito Positivo”. Na segunda, usada como “Direito Subjetivo”, como “permissão”, “exercício de liberdade” ou “ faculdade”. Já na terceira, como estudo ou campo do conhecimento, um saber sistemático acerca do Direito Objetivo e do Subjetivo. Como você pôde perceber, não é possível usar a palavra “Direito” sem que se dê a ela uma atribuição, uma vez que há uma autêntica constelação de visões – que mais adiante chamaremos de “cosmovisões” – acerca do Direito, porém, apesar de se poder reconhecer a imprecisão do termo Direito, tanto na linguagem comum como na diversidade dos pensadores jurídicos, devemos nos esforçar para diminuirmos essa vagueza, uma vez que nos cabe determinar pressupostos e fundamentos que nos afastem do senso comum e das imprecisões. Para Miguel Reale (2002, p. 304), a diferença entre Ciência do Direito e Filosofia do Direito é muito evidente, ou seja: • Ciência do Direito, ou Jurisprudência, caracteriza-se como estudo sistemático de preceitos já dados, postos diante do intérprete (administrador, advogado ou juiz) como algo que ele deve apreender ou reproduzir em suas significações práticas, a fim de determinar o âmbito da conduta lícita ou as consequências resultantes da violação das normas reveladas ou reconhecidas pelo Estado. • Filosofia do Direito, ao contrário, em lugar de ir das normas jurídicas às suas consequências, volve à fonte primordial de onde aqueles ditames de ação necessariamente emanam, ou seja, não observa a experiência jurídica, como um dado ou um objeto externo, mas sim in interiore hominis. Na visão do jusfilósofo brasileiro, a Filosofia do Direito vai além do Direito posto pelo poder político, pelo Estado, e do problema de buscar no sistema a resposta jurídicaao caso concreto, mas vai às origens e finalidades da própria norma jurídica, isto porque, explica Reale (2002), o Direito “não é uma coisa”, mas carrega em si as relações sociais. O Direito não se limita à experiência prática. Carrega em si vivências sociais, uma trama de relações de poder, e por essa responsabilidade e compromisso social o jurista deve ter uma preocupação prévia a toda experiência jurídica: por que e para que a norma jurídica? Portanto, não há de se confundir prática científica ou procedimental do Direito com a Filosofia do Direito. A Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico. Provocando, por vezes, fissuras no edifício que por sobre as mesmas se ergue (BITTAR; ALMEIDA, 2001, p. 43). TÓPICO 2 | FILOSOFIA DO DIREITO 29 A atitude filosófica no Direito é um permanente estado de vigilância e atenção às práticas jurídicas e judiciais, à inovação legal, à finalidade das normas jurídicas, é, enfim, uma atitude própria daquele que está permanentemente inquieto com o mundo ao seu redor, e é esse modo de ser que distingue os jusfilósofos dos demais pensadores do Direito: a capacidade e sensibilidade de se admirar com as coisas e com mundo que nos cerca. Independente das concepções teóricas e pressupostos, Bittar e Almeida (2001) delimitam as seguintes tarefas e objetivos da Filosofia do Direito: • Proceder à crítica das práticas, das atitudes e atividades dos operadores do direito. • Avaliar e questionar a atividade legiferante, bem como oferecer suporte reflexivo ao legislador. • Proceder à avaliação do papel desempenhado pela ciência jurídica e o próprio comportamento do jurista ante ela. • Investigar as causas da desestruturação, do enfraquecimento ou da ruína de um sistema jurídico. • Depurar a linguagem jurídica, os conceitos filosóficos e científicos do Direito. • Investigar a eficácia dos institutos jurídicos, sua atuação social e seu compromisso com as questões sociais, seja no que tange a indivíduos, a grupos, a coletividades, a preocupações humanas universais. • Esclarecer e definir a teleologia do Direito, seu aspecto valorativo e suas relações com a sociedade e os anseios culturais. • Resgatar origens e valores fundantes dos processos e institutos jurídicos. • Por meio da crítica conceitual institucional, valorativa, política e procedimental, auxiliando o juiz no processo decisório. Em síntese: Enquanto a Ciência do Direito define conceitos e proposições operacionais limitadas às verdades provisórias e limitadas a uma determinada concepção acerca do Direito, a Filosofia do Direito problematiza os fundamentos, das causas últimas e finalidades do Direito. ESTUDOS FU TUROS A questão que a seguir buscaremos responder diz respeito à delimitação do Direito Moderno. Atualmente, quando nos referimos ao Direito, a que exatamente estamos nos referindo e por quê? 30 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você viu que: • Há uma especificidade na Filosofia do Direito: problematizar a essência e finalidade do agir jurídico. • Não há um consenso acerca do termo “Direito”, devendo ser definido de acordo com os pressupostos ideológicos, políticos e filosóficos estabelecidos. • A atividade do jurista exige uma permanente atitude questionadora. 31 Considere a seguinte afirmação do jusfilósofo Luiz Fernando Coelho: A dogmática jurídica pressupõe algumas crenças aceitas pelo senso comum teórico dos juristas como verdade, independentemente de qualquer discussão ou prova. Eu as chamo de pressupostos ideológicos, porque foram construídas ao longo da história do Direito pela ideologia, inculcadas no inconsciente coletivo e assimiladas pelo senso comum teórico dos juristas. FONTE: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15826/14317>. Acesso em: 15 ago. 2016. Responda a seguinte questão: Como romper com o “senso comum teórico” dos juristas? AUTOATIVIDADE 32 33 TÓPICO 3 O PARADIGMA DOMINANTE DE DIREITO MODERNO E SEUS ELEMENTOS EDIFICADORES UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O conhecimento jurídico, como qualquer outro conhecimento, é uma construção elaborada desde a articulação de elementos que dão origem à compreensão ou solução de um problema ou questionamento que nos permite adquirir determinadas competências. Tendo essa perspectiva, o contexto existencial – histórico, político, social e cultural – do pensador e a “escolha” metodológica dos elementos a serem utilizados permitem identificar as características e objetivos das teorias científicas, portanto, saber científico não é um privilégio, mas produto de uma dinâmica relação com a realidade circundante. Ciência não é feita independente do mundo, não opera de forma autônoma, mas depende de um conjunto de condições para sua elaboração e desenvolvimento e, uma vez elaborada e com condições institucionais, o saber se prolifera e se reproduz. Essa concepção de ciência foi defendida por Thomas S. Kuhn (1922- 1996), cientista e filósofo americano, cujos estudos o conduziram a buscar outro direcionamento intelectual dedicando-se ao estudo da história e filosofia da ciência. No ano de 1940 ele ingressou na Universidade de Harvard para estudar Física, doutorando-se em 1949, e no ano de 1962, com o lançamento da obra The structure of scientific revolutions (A estrutura das revoluções científicas), promove uma autêntica “dessacralização” da ciência. NOTA A seguir levantaremos os conceitos do estudo de Khun. 34 UNIDADE 1 | DIREITO E FILOSOFIA A partir de uma perspectiva histórica demonstra que não é possível sustentar uma “Ciência” como atividade única em todos os momentos históricos nas distintas sociedades, uma vez que, para Khun, o que é um saber científico é um certo consenso e/ou cumplicidades teóricas de uma comunidade autodenominada “científica”. Neste sentido, cientista é o indivíduo que partilha e se compromete com o modelo defendido e reproduzido pela comunidade científica, construindo-se a tradição de pesquisa e teorias científicas. Demonstra, através da sua perspectiva historicista, que apesar de as pesquisas científicas terem por base a lógica e a racionalidade, elas também são regidas pela subjetividade. Segundo ele, a crença em um paradigma não depende necessariamente da razão, mas sim da fé do pesquisador. Traz uma nova concepção de paradigma, o qual pode ser interpretado como um modelo referencial, um conjunto de conhecimentos que já está estabelecido na comunidade científica. Entretanto, com o surgimento de novos fenômenos, alguns paradigmas não conseguem explicar ou responder aos questionamentos que tais fenômenos produzem, o que leva ao surgimento de uma anomalia e, consequentemente, à emergência de uma crise científica. O paradigma inicial, antes de entrar em uma crise, encontrava-se na denominada “ciência normal”, que não pretende trazer inovações, representa o estudo dentro do próprio paradigma, a fim de demonstrar cada vez mais a solidez do mesmo. Diante da aparição de uma crise, existem três possibilidades de solução: a ciência normal conseguiria solucionar a anomalia; o problema seria rotulado e encaminhado às gerações futuras, para que estas, com uma melhor aparelhagem, pudessem resolvê-lo; ou tal anomalia levaria ao surgimento de um novo paradigma, o qual não anularia necessariamente o anterior. Com o surgimento de um novo paradigma, a ciência daria um salto, avançaria. Isto é, ocorreria uma revolução científica através da denominada “ciência extraordinária”, a qual representa o tempo da emergência de novos paradigmas e a competição deles entre si. Tal competição tem como causa a escolha de qual paradigma possuirá o enfoque mais adequado, em relação a resolver as deficiências do paradigma anterior.
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