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Gliconeogênese A gliconeogênese é uma via metabólica que converte em glicose o piruvato e os compostos relacionados, com três e quatro carbonos. Os precursores importantes da glicose em animais são compostos de três carbonos como o lactato, o piruvato e o glicerol, assim como certos aminoácidos. Em mamíferos, a gliconeogênese ocorre principalmente no fígado, e em menor extensão no córtex renal e nas células epiteliais que revestem internamente o intestino delgado, produzindo glicose que é lançada no sangue. Após exercícios vigorosos, o lactato produzido pela glicólise anaeróbia no músculo esquelético retorna para o fígado e é convertido a glicose, que volta para os músculos e é convertida a glicogênio (ciclo de Cori). A gliconeogênese e a glicólise não são vias idênticas correndo em direções opostas. Sete das 10 reações enzimáticas da gliconeogênese são o inverso das reações glicolítica, entretanto três reações da glicólise são irreversíveis e não podem ser utilizadas na gliconeogênese: a conversão de glicose em glicose-6-fosfato pela hexocinase, a fosforilação da frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bifosfato pela fosfofrutocinase-1 e a conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato pela piruvato-cinase. Nas células, essas três reações são caracterizadas por uma grande variação negativa da energia livre, enquanto outras reações glicolíticas têm ΔG próximo de zero. Na gliconeogênese, as três etapas irreversíveis são contornadas por um grupo distinto de enzimas, catalisando reações suficientemente exergônicas para serem efetivamente irreversíveis no sentido da síntese de glicose. Em animais, as duas vias ocorrem principalmente no citosol, necessitando de regulação recíproca e coordenada. A regulação separada das duas vias é realizada por meio de controles exercidos nas etapas enzimáticas existentes em apenas uma das vias. Reações contornadas A primeira reação de contorno da gliconeogênese é a conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato (PEP). Essa reação não pode ocorrer por uma simples inversão da reação da piruvato-cinase da glicólise, que tem uma grande variação negativa da energia livre e é, portanto, irreversível em condições que prevalecem nas células intactas. Assim, a fosforilação do piruvato é alcançada por uma sequência de reações de desvio que, em eucariotos, requer enzimas existentes tanto no citosol como nas mitocôndrias. 1- O piruvato é, primeiramente, transportado do citosol para a mitocôndria. 2- A seguir, a piruvato-carboxilase, uma enzima mitocondrial que requer a coenzima biotina, converte o piruvato a oxaloacetato. Piruvato + HCO3 + 1 ATP = Oxaloacetato + ADP + Pi A piruvato-carboxilase é a primeira enzima de regulação na via gliconeogênica, necessitando de acetil-CoA como efetor positivo. 3- Como a membrana mitocondrial não tem transportador para o oxaloacetato, antes de ser exportado para o citosol o oxaloacetato formado a partir do piruvato deve ser reduzido a malato pela malato-desidrogenase mitocondrial, com o consumo de NADH. Oxaloacetato + NADH + H+ = L-malato + NAD+ 4-O malato deixa a mitocôndria por meio de um transportador específico presente na membrana mitocondrial interna, e no citosol ele é reoxidado ao oxaloacetato, com a produção de NADH citosólico. 5-O oxaloacetato é então convertido a PEP pela fosfoenolpiruvato- carboxicinase, a qual depende da presença de Mg2+ e de GTP (responsável por doar o grupo fosforil). Malato + NAD+ = oxaloacetato + NADH + H+ 6-O CO2 adicionado ao piruvato na etapa catalisada pela piruvato-carboxilase é a mesma molécula perdida na reação da PEP-carboxicinase. Essa sequência de carboxilação-descarboxilação representa uma forma de “ativação” do piruvato, em que a descarboxilação do oxaloacetato facilita a formação de PEP. Oxaloacetato + GTP = PEP + CO2 + GDP 7 - Balanço geral: Piruvato + ATP + GTP + HCO3- = PEP + ADP + GDP + Pi + CO2 A segunda reação glicolítica que não pode participar da gliconeogênese é a fosforilação da frutose-6-fosfato pela PFK-1. A geração de frutose-6-fosfato a partir de frutose-1,6-bifosfato é catalisada por uma enzima diferente, dependente de Mg2+ , a fructose-1,6-bifosfatase (FBPase-1), que promove a hidrólise irreversível do fosfato em C1. Frutose-1,6-bifosfato + H2O = Frutose-6-fosfato + Pi O terceiro contorno é a reação final da gliconeogênese, a desfosforilação da glicose-6-fosfato para formar glicose. A reação catalisada pela glicose-6-fosfatase não requer a síntese de ATP, sendo a hidrólise simples de uma ligação éster fosfato. Essa enzima ativada por Mg2+ é encontrada no lúmen do retículo endoplasmático de hepatócitos, de células renais e das células epiteliais do intestino delgado. Glicose-6-fosfato + H2O = glicose + Pi Balanço geral da gliconeogênese A síntese de glicose a partir de piruvato é um processo que gasta muita energia, para assegurar que seja irreversível. Para cada molécula de glicose formada a partir do piruvato, seis grupos fosfato de alta energia são consumidos, quatro na forma de ATP e dois na forma de GTP. Além disso, duas moléculas de NADH são necessárias para a redução de duas moléculas de 1,3-bifosfoglicerato. Isso faz com que a gliconeogênese não seja o inverso da glicólise. Regulação coordenada da glicólise e gliconeogênese Em cada um dos três pontos onde as reações glicolíticas são desviadas por reações gliconeogênicas alternativas, a operação simultânea de ambas as vias consome ATP sem realizar nenhum trabalho químico ou biológico Se estas duas reações prosseguirem simultaneamente em uma velocidade alta na mesma célula, uma grande quantidade de energia será dissipada na forma de calor. Esse processo antieconômico é denominado ciclo fútil. Regulação sob a hexocinase e glicose-6-fosfatase A hexocinase, que catalisa a entrada da glicose na via glicolítica, é uma enzima reguladora. Os humanos têm quatro isoenzimas (designadas de I a IV), codificadas por quatro diferentes genes. As isoenzimas são proteínas diferentes que catalisam a mesma reação, sendo a hexocinase II predominante nos miócitos. A hexocinase I do músculo e a hexocinase II são inibidas alostericamente por seu produto, a glicose-6-fosfato, de forma que, sempre que a concentração intracelular de glicose se eleva acima do seu nível normal, essas enzimas são temporária e reversivelmente inibidas, levando a velocidade da formação da glicose-6-fosfato ao equilíbrio com a velocidade de sua utilização e reestabelecendo o estado estável. A isoenzima da hexocinase predominante no fígado é a hexocinase IV (glicocinase), que difere das hexocinases I-III de músculo em três importantes aspectos. -Em primeiro lugar, a concentração de glicose na qual a hexocinase IV atinge a metade da saturação (10 mM) é maior do que sua concentração normal no sangue. -Em segundo lugar, a hexocinase IV não é inibida pela glicose-6-fosfato e, por isso, pode continuar agindo quando o acúmulo do substrato inibe completamente as hexocinases I-III. Finalmente, a hexocinase IV está sujeita à inibição pela interação reversível com uma proteína reguladora específica do fígado. A ligação é muito mais forte na presença do efetor alostérico frutose-6-fosfato. A glicose compete com a frutose-6-fosfato e causa a dissociação da proteína reguladora da hexocinase, removendo a inibição. A hexocinase também é regulada ao nível de síntese proteica. As condições que demandam uma produção maior de energia (baixa [ATP], alta [AMP], contração muscular vigorosa) ou maior consumo de glicose (p. ex., glicose sanguínea alta) causam aumento na transcrição do gene da hexocinase IV. A glicose-6-fosfatase, a enzima gliconeogênica que faz o desvio da etapa da hexocinase na glicólise, é regulada no nível da transcrição por fatores que demandam aumento na produção de glicose (glicose sanguínea baixa, sinalização por glucagon). Regulação da fosfofrutocinase-1e da frutose-1,6-bifosfatase A reação metabolicamente irreversível catalisada pela PFK-1 é a etapa que compromete a glicose com a glicólise. Essa enzima complexa tem, além dos seus sítios de ligação ao substrato, vários sítios reguladores aos quais se ligam os ativadores ou os inibidores alostéricos. Quando a concentração celular alta de ATP sinaliza que ele está sendo produzido mais rapidamente do está sendo consumido, o mesmo inibe a PFK-1 por se ligar a um sítio alostérico da enzima, o que reduz sua afinidade pelo substrato frutose-6-fosfato. ADP e AMP, cujas concentrações aumentam à medida que o consumo de ATP suplanta a produção, atuam alostericamente para liberar a inibição pelo ATP. Esses efeitos se combinam para produzir atividade enzimática mais elevada quando o ADP e o AMP se acumulam e mais baixa quando o ATP se acumula. O citrato (a forma ionizada do ácido cítrico), intermediário-chave na oxidação aeróbia do piruvato é também um regulador alostérico da PFK-1, uma vez que a concentração alta de citrato aumenta o efeito inibidor do ATP, reduzindo ainda mais o fluxo de glicose pela glicólise. A etapa correspondente na gliconeogênese é a conversão da frutose-1,6-bifosfato em frutose-6-fosfato. A FBPase-1, a qual catalisa essa reação, é fortemente inibida (alostericamente) pelo AMP. Quando o suprimento de ATP da célula está baixo (correspondendo a uma alta [AMP]), diminui a síntese de glicose que requer ATP. Em geral, quando há concentração suficiente de acetil-CoA ou de citrato (produto da condensação da acetil-CoA com oxaloacetato) ou quando uma alta proporção do adenilato da célula está na forma de ATP, a gliconeogênese é favorecida. Quando o nível de AMP aumenta, isso promove a glicólise pela estimulação da PFK-1. Controle regulado pela insulina e glucagon Quando o nível de glicose no sangue diminui, o hormônio glucagon sinaliza para o fígado produzir e liberar mais glicose e parar de consumi-la para suas próprias necessidades. Uma das fontes de glicose é o glicogênio armazenado no fígado; outra fonte é via gliconeogênese, usando piruvato, lactato, glicerol ou determinados aminoácidos como material de partida. Quando a glicose sanguínea está alta, a insulina sinaliza para o fígado usar o açúcar como combustível e como precursor na síntese e no armazenamento de glicogênio e triacilglicerol. A regulação hormonal rápida da glicólise e da gliconeogênese é mediada pela frutose-2,6-bifosfato, efetor alostérico das enzimas PFK-1 e FBPase-1. Quando a frutose-2,6-bifosfato se liga ao seu sítio alostérico na PFK-1, ela aumenta a afinidade dessa enzima pelo seu substrato, frutose-6-fosfato, e reduz a afinidade pelos inibidores alostéricos ATP e citrato. Em concentrações fisiológicas de seus substratos, ATP e frutose-6-fosfato, e de seus efetores positivos ou negativos (ATP, AMP, citrato), a PFK-1 está praticamente inativa na ausência da frutose-2,6-bifosfato, que tem efeito oposto sobre a FBPase-1: ela reduz a afinidade pelo seu substrato, reduzindo a gliconeogênese. A concentração celular do regulador alostérico frutose-2,6-bifosfato é ajustada pelas taxas relativas de sua formação e degradação. Ela se forma pela fosforilação da frutose-6-fosfato, catalisada pela fosfofrutocinase-2 (PFK-2) e é degradada pela frutose-2,6-bifosfatase (FBPase-2). Obs: PFK-2 e FBPase-2 são duas atividades enzimáticas separadas de uma única proteína bifuncional. O glucagon estimula a adenilil-ciclase do fígado a sintetizar 39,59-AMP cíclico (cAMP) a partir de ATP. O AMP cíclico ativa a proteína-cinase dependente de cAMP, a qual transfere um grupo fosforil do ATP para a proteína bifuncional PFK-2/FBPase-2. A fosforilação desta proteína aumenta sua atividade de FBPase-2 e inibe a atividade de PFK-2. Dessa forma, o glucagon reduz o nível celular de frutose-2,6-bifosfato, inibindo a glicólise e estimulando a gliconeogênese. A produção de mais glicose permite ao fígado repor a glicose sanguínea em resposta ao glucagon. A insulina tem o efeito oposto, estimulando a atividade de uma fosfoproteína-fosfatase que catalisa a remoção do grupo fosforil da proteína bifuncional PFK-2/FBPase-2, ativando sua atividade de PFK-2, aumentando o nível de frutose-2,6-bifosfato, estimulando a glicólise e inibindo a gliconeogênese. Regulação sob a piruvato-cinase e piruvato-carboxilase Altas concentrações de ATP, acetil-CoA e ácidos graxos de cadeia longa (sinais de suprimento abundante de energia) inibem alostericamente todas as isoenzimas da piruvato-cinase. A isoenzima do fígado (forma L), mas não a do músculo (forma M), está sujeita à regulação adicional por fosforilação. Quando a redução da glicose sanguínea causa a liberação de glucagon, a proteína-cinase dependente de cAMP fosforila a isoenzima L, inativando-a. Isso causa uma redução no uso da glicose como combustível no fígado, poupando-a para exportá-la para o cérebro e outros órgãos. No músculo, o efeito do aumento da [cAMP] é bem diferente. Em resposta à adrenalina, o cAMP ativa a degradação do glicogênio e a glicólise e fornece o combustível necessário para a resposta de luta ou fuga. A acetil-CoA é um modulador alostérico positivo da piruvato-carboxilase e negativo da piruvato-desidrogenase, por meio de uma proteína-cinase que inativa a desidrogenase. Quando as necessidades energéticas da célula estão satisfeitas, a fosforilação oxidativa é reduzida, a concentração de NADH aumenta em relação à de NAD+ e inibe o ciclo do ácido cítrico, e a acetil-CoA se acumula. A concentração aumentada da acetil-CoA inibe o complexo da piruvato-desidrogenase, diminuindo a formação de acetil-CoA a partir de piruvato, e estimula a gliconeogênese pela ativação da piruvato-carboxilase, permitindo a conversão do excesso de piruvato em oxaloacetato (e no final, em glicose). O oxaloacetato assim formado é convertido em fosfoenolpiruvato (PEP) na reação catalisada pela PEP-carboxicinase.
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