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08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 1/48 Services on Demand Journal SciELO Analytics Google Scholar H5M5 (2020) Article Article in xml format How to cite this article SciELO Analytics Automatic translation Indicators Related links Share More More Permalink Brazilian Journal of Poultry Science Print version ISSN 1516-635XOn-line version ISSN 1806-9061 Rev. Bras. Cienc. Avic. vol.3 no.2 Campinas May/Aug. 2001 https://doi.org/10.1590/S1516-635X2001000200001 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos Avian Influenza: A Review of the Last Ten Years Autor(es) / Author(s) Martins NRS1 1-Medico Veterinário, MSc e PhD em Microbiologia Veterinária (1987 e 1990, University of Surrey, UK), Prof. Adjunto do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva (Doenças das Aves), Escola de Veterinária da UFMG. Correspondência / Mail Address Nelson Rodrigo da Silva Martins Escola de veterinária - UFMG Av. Antônio Carlos 6627 - Caixa Postal 567 Belo Horizonte - MG - Brasil E-mail: rodrigo@vet.ufmg.br Unitermos / Keywords Influenza aviária, vírus, aves (Aves), frangos de corte, RESUMO A influenza aviária é doença exótica no Brasil. O sistema de vigilância implementado pelo Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA) mantém monitoração permanente das aves das principais espécies domésticas, tanto do material genético importado para a indústria avícola, por exemplo, da espécie das galinhas (Gallus gallus formadomestica), perus (Meleagris gallopavo formadomestica), codornas (Coturnix coturnix japonica), patos (Anas), primários (elite), bisavós e avós para postura ou corte, como aves de espécies de exploração mais recente, exóticas, por exemplo avestruzes (Struthio camelus) ou nativas, por exemplo emas (Rhea americana). Os plantéis de reprodutores em produção são também acompanhados por amostragens periódicas, conforme previsto no PNSA, além da monitoração das respostas aos programas de vacinação, por exemplo, contra bronquite infecciosa e doença infecciosa bursal. O PNSA estabelece as normas de atuação para o controle e erradicação da doença de Newcastle (ND) e Influenza Aviária (AI) (Projeto de Vigilância, 2001), a saber: I - Notificação de focos da doença (e confirmação laboratorial no LARA-Campinas); II - Assistência a focos; III - Medidas de desinfecção; IV - Sacrifício sanitário; http://analytics.scielo.org/?journal=1516-635X&collection=scl https://scholar.google.com/citations?view_op=list_hcore&venue=Eecvn5ORKS0J.2020&hl=pt-BR http://www.scielo.br/scieloOrg/php/articleXML.php?pid=S1516-635X2001000200001&lang=en javascript:void(0); javascript:void(0); http://analytics.scielo.org/?document=S1516-635X2001000200001&collection=scl javascript:%20void(0); http://www.mendeley.com/import/?url=http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext%26pid=S1516-635X2001000200001%26lng=en%26nrm=iso%26tlng=pt http://www.addthis.com/bookmark.php?v=250&username=xa-4c347ee4422c56df http://www.addthis.com/bookmark.php?v=250&username=xa-4c347ee4422c56df javascript:void(0); http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=1516-635X&lng=en&nrm=iso https://doi.org/10.1590/S1516-635X2001000200001 mailto:rodrigo@vet.ufmg.br http://www.scielo.br/scielo.php?lng=en http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1516-635X20010002&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200002&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edrbca&index=AU&format=iso.pft&lang=i&limit=1516-635X http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edrbca&index=KW&format=iso.pft&lang=i&limit=1516-635X http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edrbca&format=iso.pft&lang=i&limit=1516-635X http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=1516-635X&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_alphabetic&lng=en&nrm=iso 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 2/48 vacina Avian influenza, virus, avian (Aves), broilers, vaccine V - Vazio sanitário; VI - Vacinação dos plantéis ou esquemas emergenciais; VII - Controle e fiscalização dos animais susceptíveis; VIII - Outras medidas sanitárias; A vigilância e atenção ao foco exige o diagnóstico laboratorial e diferencial de AI e ND, que segue as normas do PNSA, conforme o sumário abaixo: 1- Interdição e coleta de materiais para exame laboratorial oficial; 2- Registro das aves: espécie(s), categoria(s), número(s), manutenção de aves; utensílios e produtos no local; proibição de trânsito de e para a(s) propriedade(s) em um raio de 10 km; controle de todos os animais e materiais possíveis fontes de propagação; desinfecção de vias de entradas e saídas à(s) propriedade(s); inquérito epidemiológico. 3- Confirmação laboratorial: isolamento de agente letal hemaglutinante em ovos embrionados de galinhas SPF, não inibido (inibição da hemaglutinação) ou não neutralizado (soroneutralização) por soro específico para o vírus da doença de Newcastle; caracterização do agente como vírus da influenza aviária (AIV) por detecção de antígenos da nucleoproteína e/ou matriciais de AIV e de seu subtipo por ensaios específicos para a caracterização da hemaglutinina e neuraminidase (imunodifusão, imunoenzimáticos ou moleculares). 4- Abate e destruição imediata (cremação) de todas as aves, resíduos, carnes e ovos da(s) propriedade(s) atingida(s) e vizinhas (raio de 3 km); limpeza e desinfecção das instalações; vazio sanitário (mínimo 21 dias); 5- Permitir o transporte para o abate ou incubação dentro da zona de vigilância (raio de 10 km). 6- Proibir feiras, exposições, mercados na zona de vigilância (10 km). 7- Aplicar estas medidas por mínimo de 21 dias após a destruição das fontes de propagação e desinfecção das instalações, proibir a retirada de aves e produtos na zona de proteção (3 km) por 21 dias e 15 dias na zona de vigilância (10 km). A certificação de área livre segue as normas da OIE e PNSA, considerando AI exótica no Brasil (país livre), e exige: 1- AI de alta patogenicidade não diagnosticada pelo sistema de vigilância pelos últimos 3 anos; 2- Um período de 6 meses após o abate, destruição das aves e resíduos e desinfecção após surto; O sistema de criação da avicultura predominante no Brasil (galinhas e perus) emprega a mais atual tecnologia e conhecimento científico na produção, no qual os plantéis são gerenciados com biossegurança, avaliação permanente dos pontos críticos, sistema de qualidade total e programas de vacinações que garantem a prevenção de inúmeros problemas 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 3/48 sanitários. A prevenção de influenza aviária é especialmente favorecida por essas características. O sistema e tipo de construção (galpões) para o alojamento dos plantéis dessas espécies dificultam também o desafio eventualmente imposto pelas aves de vida livre. A localização geográfica da avicultura nacional, localizada fora das rotas migratórias das aves- reservatório, pode também exercer papel importante na ausência de focos de influenza no Brasil. Além disso, o baixo índice de replicação dos AIV nas aves migratórias durante a estada na região subtropical também influi para a menor ocorrência. As espécies de aves domésticas de importância comercial mais sensíveis à infecção e potencialmente envolvidas no papel de fonte de infecção, conforme citadas na literatura internacional, perus e patos, são mantidas em galpões industriais com sistema de biossegurança e de distribuição geográfica bastante restrita, em contraste com as criações dos países com relatos permanentes de surtos, em que se associam as condições de desafio naturais geográficasditadas pelas rotas migratórias, mais alta replicação na ave na estação (países temperados) e a criação em campo aberto. ABSTRACT Avian influenza is an exotic disease in the Brazilian poultry. The National Avian Health Surveillance Program (PNSA) maintains permanent monitoring of AVES of all domestic species, including imported genetic material for the poultry industry, for example chickens (Gallus gallus formadomestica), turkeys (Meleagris gallopavo formadomestica), quail (Coturnix coturnix japonica), ducks (Anas), elite, grand grandparent and grandparent stocks for layers and broilers, as well as species more recently exploited for production, for example, the exotic ostriches (Struthio camelus) or native rheas (Rhea americana). The breeding stocks are monitored by regular sampling for serology, virology and bacteriology, principally looking for Newcastle disease, influenza, salmonellas and mycoplasmas, as established by the PNSA, in addition to monitoring vaccination responses to, for example, infectious bursal disease and infectious bronchitis. The PNSA establishes the rules for the control and eradication of Newcastle disease and avian influenza (Projeto de Vigilância..., 2001), including the need for differential diagnosis, according to the following major actions: I. Notification of outbreaks (and laboratory confirmation at the LARA-Campinas); II. Sanitary assistance to the outbreaks; III. Disinfection and sanitation measures; IV. Sanitary slaughter; V. Sanitary depopulation; VI. Vaccination of flocks and emergency strategies; VII. Control and monitoring of susceptible flocks; VIII. Other sanitary measures; The active surveillance and outbreak attention policies require the diagnosis and differential diagnosis of ND and AI, following the code described by OIE and the PNSA, as follows: 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 4/48 1- Zoning, interdiction and sampling for laboratory confirmation; 2- Registry of AVES, including species, category and numbers; applicable to a 10 km radius: restriction to transportation of animals and materials possible source of infection and propagation; disinfection of sites of entry and exit to affected properties; epidemiological surveillance; 3- Laboratory confirmation by isolating and characterizing AIV: hemagglutinating agent isolated in SPF eggs not inhibited by NDV specific serum, characterized as AIV by detecting antigens of the nucleoprotein and/or matrix and subtyped by assaying for hemagglutinin and neuraminidase subtypes (immunodiffusion, enzyme immunoassays or molecular methodology); 4- Slaughter and cremation of all avian individuals, residues, meats and eggs of all affected and neighboring properties (3 km radius), cleaning and disinfection of premises; sanitary depopulation for 21 days (minimum). 5- Allow transportation for slaughter or incubation within the vigilance area (10 km radius). 6- Prohibit fairs, markets, expositions etc., within the vigilance area (10 km radius). 7- Apply these measures for a minimum of 21 days after disinfection (which follows slaughter, cremation and cleaning) and prohibit transportation of animals and residues/products of properties within the protection area (3 km radius) and for 15 days within the vigilance area (10 km radius). The certification of HPAIV area is according to OIE and PNSA regulations and considers Brazil as a free country, applicable as follows: 1- HPAIV is not diagnosed by the active surveillance for the last 3 years; 2- 6 months after an outbreak of HPAIV is diagnosed, birds and residues/products are destroyed. The major species (chickens and turkeys) maintained in the Brazilian poultry industry employ the state-of-the-art production technology. Flocks are managed with the forefront knowledge in biosecurity, housing, permanent evaluation of critical points and quality and vaccination programs, which guarantee the prevention of most health problems. The geographic localization of the Brazilian poultry industry may also play a role in the absence of influenza outbreaks, in addition to the lower rate of replication of AIV in migratory birds during their subtropical season. Migratory routes may also concentrate in areas not occupied by poultry industry. Added to that, the biosecurity/housing and quality system of the industry may represent the step further to prevent health problems caused by transmissible infectious diseases such as influenza, considering that, for instance, all chicken and turkey industrial flocks are kept in houses, in contrast to open field 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 5/48 farming, especially for ducks, geese and turkeys, kept on migratory routes of countries facing influenza problems. INTRODUÇÃO A influenza aviária (AI) inclui amplitude de síndromes que se manifestam desde infecção subclínica, doença suave respiratória das vias superiores ou doença fatal generalizada em aves domésticas. Inúmeros diferentes isolados do vírus da influenza aviária (AIV) circulam entre diversas espécies animais ao redor do mundo. Embora AIV possa infectar enorme diversidade de espécies das classes de aves e mamíferos, são tidas como reservatórios naturais as aves aquáticas, aves habitantes das praias e gaivotas, sendo consideradas aberrantes as infecções em galinhas, perus, suínos, eqüinos e humanos (Suarez, 2000). O alto nível de recombinação genética, observado especialmente entre integrantes dos AIV do tipo A, é conseqüência do genoma segmentado, que permite permutações de genes, em contraste com integrantes de Paramyxoviridae, por exemplo o vírus da doença de Newcastle, que não apresentam recombinação detectável por apresentar genoma não segmentado (Kingsbury, 1990.) A baixa incidência dos AIV nos períodos migratórios sub-tropicais das aves aquáticas (Murphy & Webster, 1996) pode explicar a baixa ou rara ocorrência no Brasil. As conceituações e procedimentos do Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA) descrevem a AI como doença causada por Orthomyxoviridae Influenza A, com patogenicidade intravenosa em aves de 6 semanas de idade maior que 1,2, ou infecções com AIV dos subtipos H5 ou H7 ou AIV cujas seqüências do sítio de clivagem da hemaglutinina contém múltiplos aminoácidos básicos, de acordo com o manual da O.I.E. ((Projeto de Vigilância, 2001). Influenza como zoonose A influenza em humanos parece ocorrer desde os primórdios da humanidade, segundo a literatura antiga, que data, por exemplo 2000 a.C., com o registro de doença respiratória aguda com duração de poucos dias ou semanas (Toniolo Neto, 2001). A evolução de variantes de AIV capazes de apresentar caráter zoonótico é constante e tem sido demonstrada experimentalmente. As etiologias pelo menos das últimas duas pandemias (1918-1919 e 1968) foram caracterizadas como estirpes híbridas que continham genoma recombinante de AIV de aves e humanos. A ameaça de pandemia por AIV em humanos é preocupação permanente dos agentes de saúde pública, uma vez que há evidências dos vírus H5N1 e H9N2 terem sido transmitidos de aves para humanos nos mercados de aves de Hong Kong (Horimoto & Kawaoka, 2001). Alguns subtipos de AIV têm importância direta em saúde humana. O AIV H5N1, que ocasionou o óbito de 6 pessoas em Hong Kong em 1997, foi transmitido diretamente de galinhas para humanos. A adaptação a novo hospedeiro significa principalmente alteração rápida das glicoproteínas da superfície, especialmente da hemaglutinina (HA), embora o H5N1 tenha apresentado mudanças de aminoácidos em outras proteínas e não em HA, indicando que sua HA está altamente adaptada às aves, não necessitando mudar e que os outros genes podem advir de outras origens por recombinação genética, inclusive com seqüências internas de consenso previamente encontradas em humanos, a exemplo de H5N1. As seqüências de aminoácidosde origem humana obtidas por recombinação podem ter importância como determinantes do aspecto zoonótico (Zhou et al., 1999b). A recombinação genética entre influenza de aves, suínos e humanos foi demonstrada, após episódios de doença respiratória em plantéis de suínos na Carolina do Norte (NC), Texas (TX), Minnesota (MN) e Iowa (IO) em 1998. O isolado da NC resultou de recombinação entre H3N2 de humanos com o clássico H1N1 de suínos e os demais de H3N2 humano, H1N1 clássico suíno e genes de vírus de aves (AIV). A hemaglutinina dos quatro isolados obtidos derivou-se de H3N2 humano em circulação em 1995 (Zhou et al., 1999a). 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 6/48 Uma estirpe de AIV classificada como A/Hong Kong/156/97 (H5N1) de alta patogenicidade foi descrita em episódio fatal de influenza em criança com faringite, tosse seca e febre, estirpe que apresentava múltiplos aminoácidos básicos no sítio de clivagem da HA, caráter associado à alta patogenicidade para galinhas, nas quais resultou na mortalidade de 15/16 aves inoculadas. Em mais 12 casos humanos com estirpes de AIV semelhantes essas foram isoladas, 3 obtidas de casos fatais (Subbarao et al., 1997). Na China, o surgimento de AIV H1N1 em suínos alertou para o papel da espécie como intermediária de todos os oito genes de origem primariamente aviária, funcionando ainda como fonte de genes para a recombinação genética de subtipos de AIV. Os suínos podem assim representar uma importante espécie na transmissão para humanos na China. (Guan et al., 1996.). Novas estirpes de influenza vírus estão constantemente emergindo na população humana. Três pandemias em humanos (1918-19 – H1N1 - Espanhola, 1957 – H2N2 – Asiática e 1968 – H3N2 – Hong Kong) estão descritas na literatura, nas quais os subtipos cruzaram as barreiras de espécie hospedeira. Da mesma forma, o surto em Hong Kong em 1997 com H5N1 indica para o risco futuro de pandemia, contra a qual não haveria tempo suficiente para estabelecimento de proteção vacinal às populações humanas. Estirpes de AIV em períodos interpandêmicos podem apresentar variação antigênica leve (antigenic drift) e podem evoluir para variação antigênica forte (antigenic shift) e originar surto de doença. A vigilância epidemiológica é base para a determinação de atualizações vacinais e os agentes antivirais anti-neuraminidase devem ser considerados como adjuvantes para vacinas (De Jong et al., 2000). A alta homologia entre os genes internos dos isolados H6N1 indica que esses subtipos são capazes de intercambiar seus genes e são, portanto, fonte potencial de isolados patogênicos para humanos, sendo sugerida a vigilância epidemiológica para aves aquáticas e domésticas, suínos e humanos (Hoffmann et al., 2000). As seqüências dos genes de 18 estirpes de AIV de humanos, que resultaram em óbito de seis pacientes, no surto de Hong Kong, em 1997, evidenciaram que as estirpes desse surto derivaram de influenza vírus de aves e não de humanos (Subbarao & Shaw, 2000). Um estudo dos fatores de risco para AIV em 15 pacientes humanos hospitalizados, relacionado ao isolado H5N1 (Hong Kong), foi conduzido após a morte de uma criança em Hong Kong, em 1997. Fatores como idade, sexo e vizinhança foram considerados. A exposição às galinhas vivas do mercado de aves de Hong Kong foi considerada significativa, enquanto o consumo ou preparação de produtos, bem como a exposição a humanos com doença respiratória, inclusive influenza, não foi associada à doença (Mounts et al., 1999). Impacto econômico O impacto econômico nas espécies domésticas destinadas à produção é enorme em muitos países, sem contar o envolvimento das espécies de vida selvagem e preservação, valor individual de estimação e ainda os investimentos em saúde humana. Surtos de AI causados pela amostra de baixa patogenicidade H7N2 em poedeiras, frangas em recria (Gallus gallus formadomestica) e perus (Meleagris gallopavo formadomestica), na Pennsylvania (EUA), durante 1997 e 1998, foram analisados economicamente (depopulação e lucros cessantes) e extrapolados para a população avícola total deste estado, indicando um custo total de US$ 3,5 milhões (Davison et al., 1999). Os episódios em Minnesota nos EUA, entre 1979 e 1981, foram monitorados economicamente e indicaram despesas anuais em torno de 1 milhão de dólares (Poss et al., 1982), relacionadas com perdas de produtividade em ganho de peso e produção de ovos. Os custos relacionados às indenizações, diagnóstico, suporte técnico e comando tático (Pennsylvania - sacrifício de mais de 11,2 milhões de aves – mais de 7,2 milhões de poedeiras e 3,6 milhões de frangos de corte em 278 propriedades) no programa de erradicação da AI, estabelecido a partir de novembro de 1983 na Pennsylvania e Virginia, foram US $ 30.140.574,00 e 2.328.317, respectivamente (Avian Influenza Task Force, 1984), incluindo isolamento de vírus de aves de vida livre da região de quarentena (patos preto- Anas anas e Mallard-Anas platyrhynchos, gansos canadenses-Branta canadensis, faisões de pescoço anelado-Phasianus, gaivota de bico anelado-Larus) e sorologia (inibição da hemaglutinação e inibição da neuraminidase) em aves e mamíferos (patos-Anas e gansos domésticos-Branta e selvagens, gaivotas marinhas-Larus, corvos-Corvus, estorninhos- Sturnus, pássaros pretos de asa vermelha-Agelaius phoeniceus, pardais-Passer, pombos- 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 7/48 Columba, faisões-Phasianus, camundongos-Mus e ratos-Rattus) (Avian Influenza Task Force, 1984.), totalizando ao final US $ 60 milhões ao governo e 15 milhões aos proprietários, que poderiam chegar a US $ 1,5 bilhões aos avicultores e 5 bilhões aos consumidores, caso não houvesse a decisão de erradicação. Os consumidores dispenderam mais de US $ 300 milhões em custos aumentados dos produtos (Lasley, 1987). Os efeitos negativos dos surtos de AIV de alta patogenicidade (HPAIV) na província de Guangdong (China) foram sentidos nos mercados de produtos e aves, repercutindo nos estabelecimentos rurais. Um sistema de informação entre instituições de pesquisa, ensino e indústria de processamento com o manejo animal e mercado foi recomendado para minimizar os prejuízos (Wei-Hua, 1998). ETIOLOGIA A influenza aviária é causada por vírus da família Orthomyxoviridae. As propriedades físicas, químicas e biológicas dos vírus da influenza aviária (AIV) serão descritas a seguir. Os vírions dos AIV são aproximadamente esféricos de até 200nm de diâmetro ou pleomórficos, quando observados os replicados pelos hospedeiros naturais. Estirpes propagadas em ovos têm morfologia mais regular (circular) e em média entre 80 e 120nm de diâmetro. O envelope contém projeções rígidas (spikes) de hemaglutinina e neuraminidase, que formam um halo característico ao redor das partículas em coloração negativa e observadas por microscopia eletrônica (Fig. 1 e 2; ©Copyright Linda M Stannard, 1995 e Fig. 3 e 4, ISTOÉ 1561/01/09/1999). O genoma viral é composto de oito segmentos de RNA de fita simples. A estrutura de RNA-proteína (nucleoproteína – NP) do cerne não é comumente observável, apenas poucas partículas íntegras evidenciam o conteúdo helicoidal interno. Entretanto, partículas rompidas liberam o conteúdo de NP, que é longa e apresenta um aspecto de zíper ou espinha de peixe (estrutura helicoidal). Maiores detalhes da estrutura, composição e biologia dos influenza vírus em geral são encontrados nos capítulos Orthomyxoviruses (Murphy & Webster, 1996) e Orthomyxoviridae: The Viruses and Their Replication (Lamb & Krug, 1996) 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 8/48 Dados da estrutura e composição dos AIV podem ser conferidos na Tabela 1. O cerne dos AIV contém o material genético formado por RNA divididoem 8 segmentos de fita simples enrolados em si próprios e revestidos por unidades da proteína do capsídeo, a nucleoproteína (NP), formando uma hélice. A NP, embora exerça o revestimento do RNA, permite espaço entre essas unidades estruturais e o RNA, com exposição das ligações fosfo-diester do RNA, rapidamente acessíveis à digestão por ribonucleases (Kingsbury, 1990.). Dez genes estão localizados nos 8 segmentos do RNA. As proteínas estruturais compreendem, de acordo com os genes codificadores, como produto do gene 4, a hemaglutinina (HA) e do gene 6 a neuraminidase (NA). Ambas são glicoproteínas que formam as grandes projeções superficiais do envelope. O gene 7 codifica a glicoproteína da membrana (M1) ou matriz, a proteína menor da membrana (M2) e o polipeptídeo M3, todos estes 3 componentes inseridos na dupla camada lipídica do envelope. O gene 5 codifica a nucleoproteína (NP), as unidades que revestem o RNA, formando o nucleocapsídeo. As 3 enzimas polimerases virais, PA – codificada pelo gene 3, PB1 – codificada pelo gene 2 e PB2 – codificada pelo gene 1 estão todas localizadas na extremidade de cada unidade do nucleocapsídeo. O gene 8 codifica as proteínas não estruturais NS1 e NS2, de função desconhecida. A HA é responsável pela adsorção ao receptor celular. Este receptor é composto de glicoproteína siálica, contendo o ácido N-acetil neuramínico terminal (COOH-C=O-CH2-CH- OH-CH-NH-C=O-CH3-CH-OH-CH-OH-CH2-OH), proteína que necessita maturação pós tradução para poder intermediar a fusão com a membrana da célula sendo infectada (Kingsbury, 1990.). A HA reconhece receptores com cadeias de açúcares da série lacto-sialil tipos I e II (ácido siálico) nas células, determinando a amplitude de hospedeiros (Suzuki, 2000). O sítio de conexão da HA ao receptor celular forma uma cavidade em cada uma das três subunidades do trímero de HA, cujos resíduos de aminoácidos tirosina 98, triptofânio 153, histidina 183, ác. glutâmico 190 e leucina 194, inacessíveis aos anticorpos, são muito conservados entre os subtipos (Lamb & Krug, 1996). A HA confere também capacidade de aglutinação ao muco do sistema respiratório. Classificação A classificação dos integrantes da família Orthomyxoviridae é muito precisa. O nome do vírus compõe-se de informações separadas por barras verticais, que incluem o tipo (A, B ou C)/ espécie animal/ localização geográfica/ número de referência do laboratório/ ano de isolamento/ subtipo de HA/ subtipo de NA. Entretanto, as informações sobre virulência não estão incluídas na nomenclatura. Geral A família Orthomyxoviridae contém três tipos antigênicos ou gêneros A, B e C de vírus influenza, distingüíveis pela composição da unidade estrutural protéica do nucleocapsídeo (NP) e da proteína não glicosilada do envelope (M1). Desses, B e C são principalmente https://www.scielo.br/img/fbpe/rbca/v3n2/a01tab01.gif 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 9/48 patógenos humanos e A são isolados de muitas espécies animais, incluindo humanos. As glicoproteínas da superfície das estirpes integrantes do tipo A apresentam muito maior variabilidade antigênica se comparadas àquelas de integrantes de B e C. Os tipos A e B apresentam maior semelhança morfológica entre si e são diferentes de representantes do tipo C, que contém as glicoproteínas do envelope dispostas em disposição hexagonal (Kingsbury, 1990.). Todos os AIV de aves são integrantes do tipo A e são divididos em subtipos pela análise da hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA) (Easterday et al., 1997). Atualmente, 15 HA e 9 NA antigenicamente distintas são conhecidas. Subtipos de influenza A aviários As hemaglutininas H1 a H15 e neuraminidases N1 a N9 são reconhecidas (Easterday et al., 1997). Quaisquer combinações entre HA e NA são possíveis na natureza. Alguns exemplos de estirpes de aves classificadas incluem: H5N2 (Pennsylvania e Virginia, EUA, Nov 1983-Jan 1984 – alta patogenicidade; H5N1 (Hong Kong, China, A/Environment/Hong Kong/437/99, 1997 – alta patogenicidade); H5N1 (Inglaterra, A/turkey/England/91 – alta patogenicidade); H7N2 (Pennsylvania, EUA, Jan 1997 – Mar 1998 – média patogenicidade); H8N4 (Wisconsin, EUA, 1968, A/turkey/Wisconsin/1/68 – média patogenicidade); H5N3 (Hokkaido, Japão – A/duck/Hokkaido/4/96 – não patogênico). A doença causada por AIV nas espécies de aves pode variar grandemente com a estirpe de vírus e a espécie hospedeira. A infecção produzida pela maioria das estirpes é subclínica, embora algumas resultem em doença que envolve o sistema nervoso central com mortalidade alta em uma semana de curso clínico. Essas estirpes estão classificadas principalmente nos subtipos de hemaglutinina H5 e H7, como por exemplo A/fowlplaguevirus/dutch/27 (H7N7-galinha) e A/Tern/SouthAfrica/1/61 (H5N3-Chlidonias). Em perus, as infecções resultam em problemas muito importantes (de H1 a H15), pois é uma espécie em que as infecções respiratórias crônicas causam sérios problemas econômicos. As infecções em perus parecem estar associadas periodicamente pela transmissão de aves migratórias. Doença por AIV ocorre com menos freqüência em Gallus gallus formadomestica (galinha industrial), especialmente pelas características de manejo, que aplica noções de biossegurança, com afastamento de aves domésticas e selvagens, especialmente Anatidae. Entretanto, episódios importantes em galinhas estão relacionados na literatura. Um exemplo é H5N2 na Pennsylvania, Estados Unidos, em 1983, que tornou-se virulento e custou US$ 60 milhões para a erradicação. A infecção em patos (Anatidae), geralmente subclínica, inclui a replicação pulmonar e intestinal. Os AIV mais importantes que ocorrem em humanos (H1N1, H2N2 e H3N2) ocorrem também em patos, nos quais produzem infecção respiratória superior e não intestinal (Murphy & Webster, 1996). Os subtipos H5 e H7 comumente estão associados a estirpes de alta patogenicidade para certas aves selvagens e domésticas. A HA dessas estirpes é clivada (haste da HA2- glicoproteína da fusão) e infecta diretamente os cultivos em monocamada, não requerendo tratamento enzimático com proteases exógenas (tripsinas). Essas estirpes contêm múltiplos aminoácidos básicos na região carboxi-terminal de HA1, o que possivelmente está relacionado ao reconhecimento pelas proteases endógenas celulares, permitindo clivagem imediata pós- tradução e infecciosidade in vitro e in vivo, com caráter transmissível (Tabela 2). O seqüenciamento dos oito segmentos do genoma de uma estirpe do subtipo H5N1 de humanos, considerado como original de aves e comparado com uma estirpe de galinhas de alta patogenicidade (H5N1, A/Environment/Hong Kong/437/99 - Hong Kong, China, 1997), revelou 99% de identidade das seqüências, mas ambos não foram relacionados a nenhuma informação genética de influenza acessível no GenBank, com quatro clusters relacionados com isolados da Eurásia. A análise filogenética da HA revelou múltiplos aminoácidos básicos no sítio de clivagem da HA (Tabela 2), fenótipo presente em isolados de alta patogenicidade para galinhas (Suarez et al., 1998). A heterogeneidade no gene da hemaglutinina e a emergência de fenótipo de alta virulência entre estirpes do subgrupo H5N2 foram descritas no México. Estirpes obtidas no surto de AIV no México Central foram comparadas no gene codificador e sítios de clivagem da HA, estudo que demonstrou que nenhuma das 18 estirpes apresentou seqüências de aminoácidos previstas (predicted) idênticas em HA1, com mudanças não restritas a uma região. Duas linhagens filogenéticas foram estabelecidas com https://www.scielo.br/img/fbpe/rbca/v3n2/a01tab02.gif https://www.scielo.br/img/fbpe/rbca/v3n2/a01tab02.gif 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 10/48 variações de 10,5% para a seqüência de aminoácidos e 6,2% para os nucleotídeos. As estirpes patogênicas (HPAIV) que causaram alta mortalidade emgalinhas apresentaram a substituição do ácido glutâmico por lisina na posição 324 da HA e inserção de arginina e lisina nas posições 325 e 326, sendo que essa inserção pareceu ser uma duplicação da seqüência AAAGAA da posição 965-970 dos nucleotídeos de HA1, possivelmente duplicada pela polimerase (Garcia et al., 1996). Estrutura e Composição Química Os vírions completos dos integrantes de Orthomyxoviridae são compostos de 0,8 a 1% de RNA, 70% de proteína, 20% de lipídio e 5 a 8% de carboidratos. O envelope é derivado da membrana plasmática da célula hospedeira replicadora. Partículas virais replicadas em hospedeiros naturais humanos ou animais são pleomórficas (morfologia heterogênea), principalmente arredondadas, de até 200nm de diâmetro, mas incluindo também formas longas em bastão, enquanto que partículas propagadas em ovos ou cultivos de células têm morfologia mais regular (80-120nm). O caráter para maior uniformidade morfológica é determinado geneticamente e associado principalmente ao gene de M1 e menos associado aos genes das principais projeções superficiais hemaglutinina e neuraminidase (Lamb & Krug, 1996; Murphy & Webster, 1996). Os vírions de todas as estirpes de AIV não são morfologicamente distingüíveis de outros vírus influenza dos tipos A e B. As projeções do envelope conferem aspecto característico aos vírions dos tipos A e B e distingüíveis de C (neste dispostas em arranjo hexagonal) (Kingsbury, 1990.) A hemaglutinina (HA), juntamente com a neuraminidase (NA), determina o impressionante aspecto do envelope viral (Figura 1, 2, 3 e 4), caracterizado por aproximadamente 500 projeções radiais de HA que se projetam para fora. A proporção HA:NA é de 4 a 5 HA para cada NA. A HA é codificada pelo segmento 4 do RNA genômico, sendo sintetizada no retículo endoplasmático rugoso (RER) como um polipeptídeo único HAo (peso molecular 76.000). O segmento 4 do RNA constitui-se de 1742 a 1778 nucleotídeos e codifica um polipeptídeo de 562 a 566 resíduos de aminoácidos, sendo a cadeia HA1 de 319 a 326 e HA2 de 221 a 222 resíduos de aminoácidos. Um peptídeo de sinalização direciona a cadeia nascente para a membrana do RER, onde é clivada por peptidase de sinal que a transforma em proteína protótipo tipo 1 HA, integrante da membrana viral (Figura 6). A clivagem pode resultar em perda de um a seis resíduos. A HA é pós-maturada pela adição de sete cadeias de oligossacarídeos, adicionados à cadeia principal e três resíduos de palmitato adicionados por ligação tio-éter aos três carbonos terminais das cisteinas proximais. A anexação de cinco cadeias de carboidratos na estrutura lateral da HA1 e uma na cadeia lateral de HA2 resulta aparentemente na conformação tridimensional adequada da HA. Apenas uma cadeia de açúcar é anexada à região globular de HA1, para estabilização das associações dos oligômeros entre as unidades globulares do topo da estrutura. A estrutura ancorada no envelope viral é um trímero homogêneo de monômeros não ligados covalentemente entre si. A clivagem da HA em duas cadeias ligadas por pontes dissulfídricas, HA1 (~47.000) e HA2 (~29.000), depende da estirpe viral, tipo de célula hospedeira e condições de replicação, necessária para a infecciosidade, é determinante da patogenicidade e disseminação da infecção. A HA estende-se por 135 Å para fora do envelope. Três moléculas de HA2 formam um trímero espiralizado que está ancorado e se projeta do envelope (76 Å), na extremidade distal do qual conecta-se a HA1, a subunidade globular mais externa. Uma região hidrofóbica de HA2, que é embebida na haste da HA e torna-se exposta em pH ácido, forma o peptídeo da fusão (Lamb & Krug, 1996; Wiley & Skehel, 1990). A homologia dos aminoácidos da HA entre duas estirpes uma do grupo A e outra do grupo B foi de 24% em HA1 e 39% em HA2, sugerindo relacionamento evolutivo entre os grupos A e B do vírus influenza (Lamb & Krug, 1996). 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 11/48 As três principais funções ou propriedades da HA são: 1. Ligar-se ao receptor contendo ácido siálico na superfície da célula hospedeira, proporcionando a adsorção da partícula viral à célula; 2. Responsável pela penetração do vírus através da membrana citoplasmática, intermediando a fusão do envelope da partícula endocitada com a membrana endosomal, resultando na liberação dos nucleocapsídeos no citoplasma; 3. É o principal antígeno do vírus contra o qual o hospedeiro desenvolve anticorpos neutralizantes e pandemias de influenza estão associadas a mudanças em sua estrutura 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 12/48 antigênica. Todos os tipos de hemaglutininas (H1 a H15) reconhecem cadeias de açúcares da série sialil- lactose tipo I e II (ácido siálico alfa 2-3 (6)Gal beta 1-3 (4) GlcNAc beta 1-) em glicoproteínas e glicolipídeos nas células alvo como moléculas receptoras. Diferentes ácidos siálicos nas membranas das células resultam em diferentes permissividades à replicação de AIV. As estirpes de aves e eqüinos ligam preferencialmente ao receptor 2-3Gal (SA2-3Gal) do ácido siálico terminal, enquanto as estirpes humanas ligam-se ao receptor SA2-6Gal. A distribuição do ácido siálico nas membranas celulares das espécies animais influencia o espectro de hospedeiros. As traquéias de suinos têm ambos receptores para vírus de aves (SA2-3Gal) e de humanos (SA2-6Gal). HA que reconhecem Neu5Gc2-3Gal, abundantes nas células epiteliais da traquéia de eqüinos, são capazes de infectar eqüinos, enquanto um AIV com HA que reconhece Neu5Ac2-6Gal mas não Neu5Ac2-3Gal é incapaz de infectar eqüinos. AIV que reconhece Neu5Ac2-3Gal é replicado nos intestinos de patos, principalmente nas células epiteliais das criptas. Os suínos podem representar, por essa permissividade, hospedeiros para a recombinação de estirpes de aves e humanos (Suzuki, 2000). Uma estirpe humana de AIV do subtipo H3, apesar de origem aviária, não é replicada no intestino de patos, para a qual o reconhecimento do glicoconjugado que possui ácido N-gliconeuramínico ligado à galactose por ligação a2,3 é relacionado com a habilidade de replicação no epitélio do colon de patos e o reconhecimento de NeuGcalfa2,3-Gal determina o enterotropismo (Suzuki et al., 2000). Determinantes antigênicos comuns podem ser encontrados nas HA de diferentes subtipos. Um estudo com anticorpos monoclonais detectou duas regiões conservadas conformacionais na haste da HA, uma em HA1 e outra em HA2, dos subtipos H1, H2, H5 e H6 (Smirnov et al., 1999). Cinco sítios antigênicos (A, B, C, D e E) estão localizados na região globular mais externa (HA1) de cada monômero (Figura 5). O sítio de ligação ao receptor celular (ácido siálico) corresponde à localização B e forma uma bolsa em cada subunidade de HA1. As bolsas são inacessíveis aos anticorpos e os aminoácidos (tirosina 98, triptofânio 153, histidina 183, ácido glutâmico 190 e leucina 194) componentes são muito conservados entre as estirpes. As especificidades entre os sítios de ligação e os receptores celulares diferem de acordo com os hospedeiros. Por exemplo, humanos, aves e cavalos podem apresentar restrições às infecções inter-específicas (Lamb & Krug, 1996). Glicoproteína da fusão: Ativação por da HA e relação com patogenicidade As estratégias para a fusão das duplas camadas lipídicas do envelope viral e célula hospedeira incluem: 1. A mudança conformacional da HA deve ocorrer no momento e local certo para evitar que o peptídeo de fusão da HA produza auto-aglutinação dos monômeros; 2. O peptídeo de fusão pode intercalar dentro das duas camadas lipídicas; 3. Vários trímeros de HA devem adsorver para assegurar a formação do poro de fusão competente; 4. A HA requer o sítio trans-membrana para a completa fusão. HA de engenharia genética ancora às membranas, com âncora de fosfatidilinositol glicosil, e promove fusãoapenas parcial (hemifusão); Uma região hidrofóbica de HA2 torna-se exposta em pH ácido e forma a glicoproteína da fusão. As mudanças conformacionais na HA em pH baixo resultam na exposição de alguns sítios e no seqüestramento de outros. Por exemplo, os sítios de clivagem por tripsina do peptídeo da fusão exposto tornam-se sensíveis à digestão pela termolisina e a ponte dissulfídrica única que liga HA1 e HA2 torna-se exposta. Apesar das modificações, a molécula mantém a estrutura trimérica e os sítios de combinação com o receptor mantêm os resíduos de ligação ao ácido siálico. As pontes dissulfídricas entre as subunidades HA1 e HA2 protegem 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 13/48 a cabeça globular da HA de mudança conformacional em pH ácido, que impediria a associação ao receptor celular (Lamb & Krug, 1996). A clivagem da molécula HAΟ em HA1 e HA2 é um pré-requisito para a mudança conformacional, que ocorre em pH ácido e, portanto, uma condição para infecciosidade (Figura 6). As HA que possuem resíduo único do aminoácido básico arginina no peptídeo de conexão entre HA1 e HA2 não são clivadas in vitro, ou seja, não são clivadas por maturação no complexo de Golgi, mas podem ser clivadas pela adição de tripsina exógena (Klenk et al., 1975), enquanto HA com múltiplos resíduos de aminoácidos básicos no mesmo peptídeo de conexão são clivadas pela furina, uma protease residente na rede trans-Golgi (Tabela 2). A existência de motivos reconhecidos e clivados pela furina tem sido relacionada à virulência, aspecto especialmente caracterizado para os influenza de aves (Klenk et al., 1994). A patogenicidade dos AIV está relacionada à ativação dos novos vírions pela furina. O sítio de clivagem está localizado em seqüência de múltiplos aminoácidos básicos e a clivabilidade máxima foi observada com pelo menos 5 resíduos básicos no sítio que contenha carboidratos associados. A substituição da arginina carboxi-terminal por lisina em HA1 inibe a clivagem (Walker & Kawaoka, 1993). As proteases de diversas células em cultivo in vitro foram comparadas com a furina purificada, confirmando o papel da furina como ativadora da HA para fusão (Walker et al., 1994). Além da ativação da HA pela furina (endoprotease relacionada a subtilisina; do complexo trans-Golgi) há outras enzimas descritas com papel maturador da HA. A protease PC6, também relacionada a subtilisina e muito disseminada, pode também ativar AIV virulentos in vitro, indicando que outras enzimas de clivagem da HA podem estar presentes nos animais (Horimoto et al., 1994). Neuraminidase A neuraminidase (NA) é uma das glicoproteínas do envelope que qualifica, juntamente com a HA, o subtipo das estirpes dos vírus influenza. A estrutura física da NA é de uma haste com uma porção globular (cabeça) na extremidade, tomando a forma de um cogumelo. A NA é um tetrâmero homogêneo de peso molecular aproximado de 220.000 (proteína integrante da membrana da classe II) e pode ser removida do envelope viral com protease, condição em que aglutinam formando rosetas entre a haste e a cabeça. A NA removida enzimaticamente do vírion retém a atividade enzimática e as propriedades antigênicas. É um tetrâmero em forma de cubo, cada monômero composto de 6 folhas b antiparalelas de 4 fitas cada (Bossart-Whitaker et al., 1993). A NA é produto do gene 6 do RNA e, para o subtipo A/PR/8/34, por exemplo, o segmento 6 do RNA tem 1413 nucleotídeos e codifica um polipeptídeo de 453 aminoácidos. A atividade biológica da NA está envolvida com a catálise de remoção dos açúcares de ácido siálico da HA. A NA (acetil neuramil hidrolase) está, também como a HA, sujeita à variação antigênica e atua na hidrólise da ligação a-cetosídica entre o ácido siálico terminal e uma D-galactose ou D-galactosamina adjacente. Anticorpos específicos contra a NA não são neutralizantes, embora reduzam o tamanho das placas de efeito citopático (Lamb & Krug, 1996). A atividade enzimática da NA sobre os sítios de ácido siálico dos receptores celulares é mediada por dois sítios na superfície superior (distal) e outro na superfície inferior (proximal) da cabeça globular. Na extremidade globular, 11 sítios conservados apresentam ligação ao ácido siálico. Embora as atividades biológicas e enzimáticas estejam confinadas à cabeça, mesmo quando removida do vírion, o papel da NA no ciclo biológico de influenza vírus está ainda obscuro. A remoção do ácido siálico da HA, NA e superfície celular permite o transporte do vírus pela camada de mucina, o que permite ao vírus encontrar o seu receptor na membrana celular das células da mucosa. Algumas NA (N1 e N9) têm atividade hemaglutinante além de enzimática, um receptor que não se conhece o papel (Lamb & Krug, 1996). Todos os subtipos de NA de origem aviária exibem atividade de hemadsorção, embora a ausência dessa não impeça a replicação desses em hospedeiros aviários (patos de Pequim) (Kobasa et al., 1997). Conforme descrito para os subtipos N1 e N9, a região hidrofóbica da NA (resíduos 7 a 35 N-terminais) na base da haste tem o papel de direcionar a molécula para a membrana do RER e sua ancoragem estável no envelope e, tem sua seqüência embebida https://www.scielo.br/img/fbpe/rbca/v3n2/a01tab02.gif 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 14/48 na membrana citoplasmática (cauda trans-membrana) e conservada (N-Met-Asn-Pro-Asn-Gli- Lis). A haste tem grandes variações em seqüência e número de aminoácidos (62 a 82), enquanto a cabeça pode apresentar homologia entre 42 e 57% entre subtipos de influenza A, com os resíduos de cisteína conservados e conformação tridimensional semelhante. O sítio de combinação com o substrato forma uma grande bolsa em cada um dos quatro monômeros, cada um com a configuração de hélice de avião determinada por seis dobras de quatro fitas protéicas cada. Mutações dos resíduos conservados da região podem resultar em perda da atividade enzimática. Há cinco sítios potenciais para incorporação de carboidratos por ligações nitrogenadas (Lamb & Krug, 1996; Bossart-Whitaker et al., 1993). Mutação antigênica em HA e NA: Drift e shift antigênico A mutação antigênica dos AIV está caracterizada por alterações leves ou sutis (drift) ou grandes alterações (shift) na seqüência de aminoácidos da HA e NA. A acumulação de mutações de ponto na HA ou NA resulta em alterações detectáveis como antigenic drift (mudança leve), cuja taxa de acumulação varia com a taxa evolutiva dos AIV, sendo menor entre os AIV que os demais influenza A vírus. As taxas de mutação mais altas são encontradas entre os influenza A humanos, enquanto influenza A de eqüinos e suínos são intermediários. Substituições de aminoácidos não foram detectadas em um período de 50 anos entre alguns AIV. Os AIV representam, assim, influenza vírus conservados antigenicamente, com acumulações de mutações ao acaso, indicando a não participação da seleção imune nas mudanças antigênicas leves, em contraste com o que ocorre em humanos. Antigenic drift foi detectado em influenza vírus de eqüínos e suínos, mas os resultados podem confundir comparações com diferentes linhagens filogenéticas (Murphy & Webster, 1996). Os caminhos da evolução de estirpes de H1N1 humanos entre 1997 e 1986 foram determinados pelo mapeamento de oligonucleotídeos e estudos de seqüenciamento, que evidenciaram que os influenza A podem evoluir por dois ou mais caminhos evolutivos simultaneamente nos casos estudados, confirmando a mutação média de 4 a 6 oligonucleotídeos por ano (Cox et al., 1989). As mutações que resultam em mudanças na especificidade do sítio da HA de ligação ao receptor celular ocorrem logo após a transmissão de AIV de aves para suínos ou humanos, sendo altamente associadas à capacidade do novo vírus em desencadear epidemias. Os vírus de aves e focas ligaram-se de forma fraca ao polímero sintético sialilglicopolímero(6'SLN-PAA), uma indicação de pouca afinidade ao receptor celular, enquanto as primeiras estirpes humanas e de suínos detectadas pós-transmissão ligaram-se ao 6'SLN-PAA com grande afinidade (Matrosovich et al., 2000). Nucleoproteina A nucleoproteína (NP) é o principal componente estrutural em contato direto com o RNA (Figura 5), revestindo e dando forma à estrutura da ribonucleoproteina (RNP). As diferenças na composição antigênica da NP permitem a classificação em influenza vírus tipos A, B e C. Todos os AIV estão classificados no tipo A. O segmento 5 de 1565 nucleotídeos do RNA codifica a síntese de um polipeptídeo de 498 aminoácidos rico em resíduos de arginina. Embora reaja com o fosfato (ácido) do RNA, nenhuma seqüência básica foi reconhecida para a interação, o que sugere múltiplos sítios de interação RNA-NP. As NP recém-sintetizadas no citoplasma são transportadas ao núcleo por informações dos resíduos de aminoácidos 327 a 345. O RNA do vírion (fita negativa) e o molde (fita positiva) mantém associações com a NP, enquanto os RNAm não (Lamb & Krug, 1996). A fosforilação da NP ocorre, mas não está claro o seu papel ou função. Uma proporção das NP recém- sintetizadas é fosforilada imediatamente após a tradução, estando a fosfolização associada à migração ao núcleo e a quinase envolvida na fosforilação parece ser influenciada pela temperatura de incubação (in vitro) das células infectadas (Almond & Felsenreich, 1982). Proteínas da Membrana M1 e M2 A proteína matriz do envelope viral M1 (Figura 5) é o mais abundante polipeptídeo da partícula de AIV, com 3.000 unidades por vírion, localiza-se na face interna da dupla camada lipídica e representa um antígeno tipo ou gênero-específico (influenza vírus A, B ou C) altamente conservado dentro de cada tipo. Ao revestir a face interna do envelope, confere a esse rigidez e interage com as caudas citoplasmáticas de HA, NA, M2 do envelope e no cerne 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 15/48 com a RNP, todas essas interações, entretanto, sem confirmação experimental. Ao interagir com a RNP, M1 inibe a transcrição e direcionamento ao núcleo celular, enquanto após sua síntese é enviada ao núcleo para permitir a saída da RNP do núcleo (Lamb & Krug, 1996). A M1 contém um motivo (motif) de zinco que promove interação proteína-proteína (Elster et al., 1994). Purificações da RNP contêm M1, demonstrável com anticorpos monoclonais anti- M1. A interação entre M1 e a proteína não estrutural NS2 foi demonstrada em vírions purificados (Yasuda et al., 1993.). Ambas proteínas M1 e M2 são produto da tradução do segmento 7 do RNA, que contém 1027 nucleotídeos os quais codificam para M1 um polipeptídeo de 252 aminoácidos (PM 27.801) e, para M2, 97 aminoácidos (PM 11.010) (Lamb & Krug, 1996). A proteína M2 (Figura 7) está presente em pequeno número no vírion (20 a 60 unidades), embora seja muito expressada na membrana plasmática da célula infectada. Localiza-se atravessando a dupla camada lipídica, formando o canal iônico do vírion. (Lamb & Krug, 1996). A proteína M2 é um tetrâmero homogêneo que consiste de um par de dímeros ou tetrâmeros ligados por pontes dissulfídricas. Um anticorpo monoclonal (14C2) anti-M2 restringe o tamanho das placas de efeito citopático por interferir nas interações entre M1 e M2 durante montagem e brotamento. A partir dos estudos do efeito de amantidina, utilizada na profilaxia e tratamento de infecções por influenza A, propôs-se a função da proteína M2 como canal iônico que permite íons Na+ e principalmente H+ entrarem no vírion durante a desnudação e modulação do pH de compartimentos intracelulares, uma vez que está expressa de forma abundante na membrana celular. Produto do gene PB2 Um AIV recombinante com o gene PB2 derivado do AIV A/Mallard/NY/78 e os demais derivados do influenza humano A/Los Angeles/2/87 apresenta expressão do fenótipo de restrição na amplitude hospedeira, que resulta em eficiente replicação em tecidos de aves, mas incapacidade para produzir placas em monocamadas de células de mamíferos (MDCK), fenótipo que está associado à capacidade de replicação no trato respiratório de humanos e esquilos. Entretanto, a substituição de apenas um aminoácido na posição 627 do produto do gene PB2 (de Glu para Lis) resulta em restauração da infecciosidade aos hospedeiros mamíferos (Subbarao et al., 1993). A proteína é um tetrâmero homogêneo, em que cada cadeia tem 97 aminoácidos, com 24 resíduos expostos para fora da célula, 19 resíduos na região trans-membrana (poro propriamente dito) e 54 resíduos como caudas intracitoplasmáticas. A função do canal é ativada por pH baixo e bloqueada por amantadina, uma droga antiviral. A atividade do canal 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 16/48 iônico é essencial para o desnudamento dos influenza vírus nos compartimentos endossomais da célula infectada (Lamb et al., 1985 apud Lamb & Krug, 1996). Replicação Ilustrações sobre a replicação podem ser observadas nas figuras 8 a e b. Adsorção, Fusão e Desnudamento A adsorção, fusão e desnudamento podem ser observadas na Figura 8. Os vírions dos influenza vírus têm afinidade química e colam aos receptores celulares que contêm ácido siálico, atividade mediada no vírion pela extremidade mais externa da HA. O sítio de combinação entre a HA e o receptor celular é uma estrutura tridimensional em forma de bolsa, com diferenças de especificidade variável com a seqüência de aminoácidos do segmento protéico, cuja interação com o ácido siálico é mediada pela galactose a2,6 em humanos ou a2,3 em aves (Lamb & Krug, 1996). As glicoproteΝnas e glicolipídios dos receptores celulares reconhecidos pela HA de todos os subtipos de AIV contêm cadeias de 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 17/48 açúcares (ácido siálico- a2-3(6)Gal b1-3 Glc NAc b 1-) (Suzuki, 2000). Embora a interação química seja fraca e de baixa avidez individualmente, uma alta avidez total é obtida por múltiplas interações de baixa afinidade (Lamb & Krug, 1996). A endocitose mediada pelo receptor é a denominação atual para penetração na célula por englobamento (viropexis). A alta capacidade de internalização é mediada por vesículas recobertas por clatrina, a principal proteína das vesículas recobertas e mediadora de endocitose, associadas à membrana celular. A endocitose envolve receptores de manose, os quais são considerados os principais receptores de endocitose para os influenza vírus, para a internalização em macrófagos de camundongos (Reading et al., 2000). Uma invaginação forma-se em sítios tipo bolsa, recobertos pela clatrina na membrana. Após a internalização, o revestimento de catrina é removido e a vesícula funde com endossomos que formam a série de organelas celulares de pH ácido crescente, cujo ambiente gerado por H+-ATPases, promove o desnudamento das partículas virais. Compostos que alcalinizam o pH dos endossomos (cloreto de amônia; cloroquina) impedem o desnudamento viral dos influenza vírus e outros vírus que utilizam a rota de endocitose, embora não tenham atividade antiviral. O papel da proteína M2 como canal iônico é essencial para o desnudamento dos influenza vírus. A droga amantadina tem atividade antiviral nesse processo inicial da infecção, impedindo a liberação da ribonucleoproteína RNP presa à proteína M1 e caudas citoplasmáticas da HA, a RNP não é assim transportada ao núcleo e bloqueia-se a replicação viral. O pH baixo do endossomo ativa o canal iônico de M2 e o fluxo de íons para o interior do vírion rompe as interações proteína- proteína entre RNP e M1. O pH neutro da membrana celular permite, ao contrário, a associação RNP-M1 e montagem do vírion na saída da célula. O canal iônico mediado pela proteína M2 permite o pH ácidocorreto no interior da partícula viral para permitir a fusão do envelope do vírion com a membrana da célula (Murphy & Webster, 1996; Lamb & Krug, 1996). Transcrição e Replicação do RNA A introdução do RNA no núcleo celular dá-se através dos poros da membrana nuclear ainda como complexo RNP. O RNA (13.588 nucleotídeos para a estirpe A/PR/8/34) liberado para o núcleo celular é composto de 8 segmentos lineares e de fita simples e contém 10 genes. Cada segmento contém uma seqüência conservada de 12 ou 13 nucleotídeos nas extremidades 3' e 5', respectivamente. O RNA viral (RNAv) é transcrito em RNA mensageiro (RNAm) por estimulação pelo dinucleotídeo ApG, que é complementar à extremidade 3' de cada segmento de RNAv (3'-UpCpG-..........5') e é incorporado ao novo RNA transcrito na extremidade 5'. A iniciação da síntese do RNAm ocorre por fragmentos 5' capeados derivados de recém-formadas transcrições de RNA polimerase II da célula. A cópia é efetuada até que resíduos de uridina são encontrados, 15-20 bases antes da extremidade 5' do RNAv, quando se encerra a transcrição e é adicionada a terminação poli-A (poliadenilada) ao RNAm. A replicação do RNAv ocorre primeiramente com a síntese dos RNA moldes (cópias de tamanho total do RNAv) e cópia desse molde para RNAv. Para ocorrer a replicação, são necessárias cópias de extensão completa do RNAv. Os RNA transcritos ou moldes são copiados sem iniciadores e não são terminados em poli-A durante a síntese do RNAm. A replicação ou cópias a partir desse molde, sem iniciadores, dá origem a RNAv, que contém terminações 5' trifosforiladas. Os três tipos de RNA que existem durante a replicação (RNAv, RNAmolde e RNAm) são todos sintetizados no núcleo da célula. O processamento celular do RNAm viral utiliza os mesmos mecanismos dos precursores celulares, permitindo a metilação do RNAm em resíduos de adenosina e dois segmentos de RNAm atuarem como precursores, que são processados resultando em fragmentos de RNAm menores. Iniciadores da célula, fragmentos de RNA derivados de transcrições de RNA polimerase II especificamente capeadas iniciam a síntese de RNAm no núcleo. Esse mecanismo exige o suprimento continuado de RNA polimerase II celular plenamente funcional e justifica a inibição da síntese de RNAm por actinomicina D e Α-amantadina. A transcrição do RNAm é comandada pelo penúltimo resíduo de citosina do RNAv e é alongada até atingir os 5 a 7 resíduos de uridina 15-22 nucleotídeos do final 5' do RNAv, quando a cauda poli-A é adicionada à extremidade 3' do RNAm. Wsta cauda é relacionada com a "alça-de-panela" que determinaria o encerramento da transcrição. Esse encerramento também poderia ser causado pela própria RNA polimerase atuando como barreira física (Lamb & Krug, 1996). Replicases (complexo enzimático) podem ser 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 18/48 catalizadoras diferentes das transcriptases, envolvidas nas cópias de RNAv e síntese dos moldes. As transcriptases estariam envolvidas na síntese de RNAm. Papel da Proteína Não Estrutural NS1 A NS1 está envolvida na regulação da exportação de RNAm (viral) clivado do núcleo (e RNAm celulares), inibindo essa exportação e também a clivagem do pre-RNAm. Tradução Durante a infecção pelos influenza vírus ocorre uma dramática mudança de síntese protéica, de proteínas celulares para proteínas virais, comandada por processos nucleares e citoplasmáticos. Embora haja no núcleo a degradação das transcrições de RNAm celular, esse mecanismo não explica suficientemente a interrupção da tradução de RNAm celular, pois há muitos RNAm celulares funcionais no citoplasma. A interrupção da tradução dos RNAm celulares ocorre em 3 horas após a infecção de diversos tipos celulares. Não ocorre por degradação ou modificação do RNAm celular, mas se deve à interrupção da iniciação e alongamento das traduções. A iniciação da tradução é seletiva e privilegia RNAm viral por serem muito eficientes os iniciadores desses (Lamb & Krug, 1996). Brotamento Observações de células infectadas ao microscópio eletrônico permitem a visualização dos influenza vírus na membrana plasmática, as quais evidenciam proteínas estruturais presentes na membrana celular, independentemente de outros componentes estruturais, estrutura híbrida de membrana celular e proteína viral precursora do envelope viral e relacionada ao brotamento dos novos vírions para fora da célula. As proteínas da célula hospedeira não são incluídas na estrutura do envelope viral e, a exemplo de algumas proteínas virais não transportadas para a membrana, parecem ser excluídas ou seletivamente impedidas (por exemplo, a proteína viral M2 está expressa na membrana celular em concentração 4 vezes menor que a HA). As associações protéicas envolvidas no brotamento viral (Figura 8) incluem contatos entre M1, ligada à dupla camada lipídica e a nucleoproteína (NP). É atraente a noção de que as caudas citoplasmáticas das HA teriam o papel de permitir essas interações entre o envelope viral e seus componentes internos, embora tenha sido demonstrado que vírions sem as caudas citoplasmáticas executam brotamento normal. Os sítios citoplasmáticos da HA (caudas citoplasmáticas), pelo menos em parte, pareceram necessários para o processo de seleção das proteínas a serem montadas no vírion (Naim & Roth, 1993). A liberação dos vírions após o envelopamento pelas associações de NP-M1 parece necessitar da ação da neuraminidase (NA), uma vez que vírions com NA defectiva formam agregados e se reduz a liberação (e título) desses em cultura (Lamb & Krug, 1996). Classificação de Isolados Os líquidos alantóides (LA) de ovos SPF inoculados com material suspeito via cavidade alantóidea aos 10-11 dias de embriogênese são testados para atividade hemaglutinante (HA) frente a hemácias de galinhas SPF. LA reagentes para HA devem ser titulados (microteste em diluição dupla seriada), padronizados para 4 e 8 unidades hemaglutinantes e avaliados em provas de inibição da hemaglutinação (HI) com soro monovalente contra o vírus da doença de Newcastle (NDV). LA com HA não neutralizada no HI para NDV deve ser testado para a presença de antígenos da nucleoproteína (NP) ou proteína da matriz do tipo A, para confirmação de AIV. Os testes mais comuns para identificação da NP ou proteína da matriz de AIV são imunodifusão dupla ou teste de hemólise simples radial em gel, na qual reagem o AIV sendo identificado e um soro monoespecífico contra AIV. ELISA foram desenvolvidos empregando anticorpo monoclonal específico para a NP ou proteína da matriz e representam ensaios rápidos, sensíveis e específicos (Walls et al., 1986.). A subtipificação da HA e NA é a seguir obtida em testes com um painel de 15 soros contra as 15 HA e 9 NA diferentes, não podendo haver reação cruzada entre elas, sendo fundamental a identificação prévia do AIV pela detecção de NP ou proteína da matriz, por haver possibilidade de reação negativa por surgimento de nova HA. Testes de inibição da neuraminidase, especialmente os microtestes, 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 19/48 detectam subtipos de NA, com soros específicos contra cada uma das nove neuraminidases (Easterday et al., 1997). Aves domésticas comercializadas nos mercados de aves vivas em Hong Kong foram monitoradas desde 1997, após o surto de HPAIV H5N1 em humanos, sendo que foram detectados gansos sorologicamente reagentes ao AIV H5N1 em 1999 e os vírus isolados, denominados coletivamente A/Environment/Hong Kong/437/99, por swabbing das gaiolas. A/Env/HK/437/99 foram caracterizados como uma mistura de quatro isolados, muito relacionados aos isolados A/Goose/Guangdong/1/96 (Cauthern et al., 2000). As seqüências de estirpes de AIV do surto de Hong Kong em 1997 foram examinadas evidenciando que derivaram de influenza vírus de aves e não de humanos (Subbarao & Shaw, 2000). Estudos filogenéticosde isolados de AIV contendo H7, obtidos de aves dos mercados de aves vivas do nordeste dos EUA indicaram para múltiplas recombinações de genes, em que o gene da HA pareceu ter sido o único gene novo introduzido (Suarez et al., 1999.). As hemaglutininas de isolados de oito surtos de AIV H5N2 de alta patogenicidade no norte da Itália foram estudadas, sendo os isolados considerados semelhantes ao A/HK/156/97 (H5N1 de Hong Kong - 1997), agrupando filogeneticamente com esse, mas distingüíveis deste. A HA de uma amostra não patogênica H5N9 isolada durante o período dos surtos foi considerada semelhante à amostra altamente patogênica A/turkey/England/91 (H5N1) (Donatelli et al., 2001). EPIDEMIOLOGIA Ocorrência Somente o tipo A de AIV causa infecção natural em aves, embora todos os 15 subtipos de HA e nove de NA tenham sido isolados de aves, nas quais dois grupos distintos podem ser divididos, considerando a virulência. Os isolados muito virulentos causam a influenza de alta patogenicidade (HPAIV), com mortalidade que atinge 100% das aves. Os HPAIV apresentam geralmente HA dos subtipos H5 e H7, embora nem todos isolados desses subtipos sejam de alta patogenicidade. Todos os outros subtipos são menos patogênicos para aves, resultando em doença respiratória leve, embora possa ser agravada por infecções concomitantes, imunodepressão e/ou condições de ambiência desfavoráveis às aves. Surtos primários de HPAIV têm sido descritos desde 1959, cinco em perus e 12 em galinhas. Subtipos causadores de HPAIV são raramente isolados de aves silvestres. Por exemplo, HPAIV representam 15% dos isolados de patos e gansos e 2% de outras espécies. Em silvestres, entretanto, é mais comum o isolamento de amostras de baixa virulência para aves domésticas. O contato das aves domésticas com aves silvestres é determinante para a ocorrência de surtos nas primeiras. O papel da transmissão mecânica é também importante, principalmente por trabalhadores e técnicos ao transferir fezes infectadas para lotes susceptíveis (Alexander, 2000). As informações sanitárias do Office International des Epizooties (http://www.oie.int/esp/info/hebdo/EIS_01.HTM) registram os focos de influenza aviária por HPAIV em janeiro e fevereiro de 2000 na Itália, em galinhas, perus, codornas e galinhas da Angola e várias outras espécies nas regiões de Fruili, Venezia, Giulia, Lombardia, Sicilia, Trento, Veneto e Piemonte, com maior número de focos na província de Brescia (65 em janeiro e 33 em fevereiro) e Mantova (28 em janeiro e 3 em fevereiro) na região da Lombardia, Verona (65 em janeiro e 21 em fevereiro) e Vicenza (19 em janeiro e 1 em fevereiro) em Veneto, envolvendo um total de 5.932.622 aves em janeiro e 1.777.777 em fevereiro. Na Itália, HPAIV parecem ser enzoóticos desde o século 19 e relatos de isolamentos de AIV de baixa patogenicidade de vários subtipos têm sido publicados (Franciosi et al., 1981; Petek, 1982; Papparella et al., 1994; 1995), isolados de aves domésticas, especialemente perus e aves aquáticas selvagens (Capua & Marangon, 2000). De acordo com o relatório da O.I.E. de 1997 (O.I.E. Bulletin, 1997), formas de alta patogenicidade de AIV ocorreram em Hong Kong (um em abril e dois em maio), na Itália (3 surtos em novembro e 4 em dezembro) e Austrália (um surto). http://www.oie.int/esp/info/hebdo/EIS_01.HTM 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 20/48 AIV foram isolados da água (onde podem ser preservados durante o congelamento de inverno, aguardando o retorno das aves) e de fezes da margem de lagos que abrigam comunidades de patos selvagens migratórios no Canadá. O estudo canadense concluiu que 20% dos patos selvagens jovens estão infectados com muitos subtipos (enzoóticos) quando se agrupam para a migração, embora não apresentando sinais clínicos. Os patos podem excretar AIV por 30 dias, mas infecção persistente não foi demonstrada. A contínua circulação dos AIV nas populações de aves aquáticas migratórias ocorre, entretanto em baixa incidência nos períodos migratórios subtropicais (Murphy & Webster, 1996), possivelmente explicando a baixa ou não ocorrência no Brasil. A baixa virulência dos AIV em patos garante a preservação do vírus na natureza, por adaptação da infecção durante muitos séculos, perpetuando os AIV nesses reservatórios naturais, dos quais disseminam-se mutantes e/ou recombinantes capazes de infectar as diversas espécies animais, incluindo focas, baleias, suínos, cavalos e aves domésticas, especialmente perus (Murphy & Webster, 1996), além de humanos (Figura 9). A hipótese atual considera as aves aquáticas, especialmente da ordem Anseriformes, incluindo patos, marrecos e gansos como reservatórios principais de influenza A na natureza. Dessas espécies haveria a transmissão para todas as demais espécies de aves, por exemplo aquáticas da ordem das procelárias (Procellariidae, Puffinus sp.; Diomedeidae; Hydrobatidae; Pelecanoididae) e gaivotas (Laridae, Larus sp.), passeriformes e mamíferos. A transmissão de AIV foi demonstrada entre suínos e humanos (linhas sólidas). Há inúmeras evidências da transmissão entre patos e outras espécies com base nas informações de análises filogenéticas do gene da nucleoproteína de grande número de estirpes de influenza vírus dos cinco diferentes grupos de hospedeiros. O intercâmbio de AIV entre suínos e humanos tem sido demonstrado (seta em negrito). Alta homologia entre os genes internos foi detectada nos isolados H9N1, H6N1 e H5N1 indicando que esses subtipos são capazes de fazer intercâmbio de genes e, portanto, figurar como fonte potencial de isolados patogênicos para humanos, sendo necessária a vigilância epidemiológica para esses em aves aquáticas e domésticas, suínos e humanos (Hoffmann et al., 2000). As etiologias das pandemias humanas de 1957 e 1968 foram caracterizadas como estirpes híbridas que continham genoma recombinante de AIV de aves e humanos (Horimoto & Kawaoka, 2001). O pool genético de AIV em aves aquáticas migratórias e de praia sugere que uma transmissão de baixo nível ocorre entre essas aves por todo o ano, caracterizando dois grupos reservatórios com intersecção geográfica em todo o globo. Todos os subtipos de HA e NA ocorrem nessas aves. Embora tenham sido detectadas evidentes tendências dos isolados serem geograficamente restritos e hospedeiros específicos, caracterizados pela proteína NP, por exemplo de eqüinos, suínos, gaivotas e outras espécies de aves e isolados de humanos, outros genes apresentam extensiva tendência à recombinação genética. Todas as linhagens de AIV de mamíferos foram originadas do pool genético das aves (possível inclusive 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 21/48 para influenza B). As análises dos segmentos do RNA que codificam as proteínas das espículas (HA, NA e M2) e proteínas internas (RNA transcriptases A, B1 e B2; NP, M e S) de uma grande variedade de hospedeiros e de regiões geográficas distintas permitiram essas conclusões. O compartilhamento genético de AIV entre essas espécies ocasiona surtos e pandemia, indicando a possibilidade de suínos servir como hospedeiros intermediários para intercâmbio genético entre AIV de aves reservatório e humanos (Webster et al., 1992). O último surto de AIV de alta patogenicidade (HPAIV) em galinhas nos Estados Unidos foi causado por representantes do subtipo H5N2 na Pennsylvania e New Jersey, em 1983-1984, que foi controlado pelo esforço federal de erradicação (Avian Influenza Task Force, 1984.). Entretanto, vários AIV H5N2 foram isolados entre 1986 e 1989 em aves de mercados de aves vivas nos Estados Unidos. Para avaliar as relações epidemiológicas entre as estirpes, as seqüências dos genes que codificam a subunidade HA1 da HA e do gene que codifica a proteína não estrutural (NS) foram determinadas para 11 estirpes e comparadas com as seqüências de estirpes conhecidas.As estirpes de 1986-1989 foram todas relacionadas às estirpes de 1983-1984 da Pennsylvania, pela seqüência de bases e de aminoácidos de ambos os genes e proteínas, provando que a linhagem Pennsylvania/83 (Penn/83) não foi completamente erradicada. Outra informação interessante sobre a linhagem Penn/83 é que ela apresentou substituições de aminoácidos exclusivas, não detectadas em outras linhagens de AIV, indicando que Penn/83 pode estar circulando de forma inaparente nas aves antes dos surtos clínicos, representando outro exemplo de manutenção e evolução de longo termo de AIV (Suarez & Senne, 2000). Oito surtos de influenza aviária subtipo H5N2 de alta patogenicidade, com índices de patogenicidade de 2,98 a 3,00, caracterizados por inoculação intravenosa em galinhas de 6 semanas de idade, foram diagnosticados nas regiões de Veneto e Fruili-Venezia Giulia, no nordeste da Itália, entre outubro de 1997 e janeiro de 1998. Em todos os surtos, os riscos caracterizados incluíram movimentação de aves, criações de múltiplas espécies e contato com aves aquáticas migratórias. As medidas de controle previstas pela Comunidade Européia, na lei 92/40/EEC, foram aplicadas e impediram a disseminação para a avicultura industrial (Capua et al., 1999). Surtos de AIV foram diagnosticados em galinhas poedeiras, frangos e reprodutoras da região metropolitana de Islamabad, Murree e Abbatt Abad (Paquistão), entre 1994 e 1995, resultando em mortalidade de mais de 85% das aves. Vírus hemaglutinante de eritrócitos (galinha, ovelha, coelho, cobaio, bovino, papagaio, pombo, codorna e pardal) foi isolado em embriões SPF, ocasionando a morte embrionária 36 horas p.i., não sendo inibido por anticorpos contra o vírus da doença de Newcastle ou bronquite infecciosa. A estirpe foi caracterizada como integrante do subtipo H7 de AIV (Muhammad et al., 1997). Um surto de doença caracterizada por queda súbita na produção de ovos, de 70% para 5%, edema das faces, fraqueza e morte de 2 a 3% ao dia, ocorrido em 1998, também no Paquistão, foi descrito em reprodutores de diferentes idades, principalmente em lotes de 45 semanas, do qual se isolou A/chicken/Pakistan/3/99 (H9N2) (Naeem et al., 1999). Em humanos, há evidências sorológicas que houve pandemias em 1889-1890 causadas por vírus semelhante ao subtipo "asiático" (H2N2), em 1900 (H3N8), 1918 (H1N1 - Espanhola), 1957 (H2N2 – Asiática), 1968 (H3N2 – Hong Kong), 1977 (H1N1 – Russa). A pandemia de 1918 matou entre 20-40 milhões de pessoas e mudou o curso da história, por debilitação do exército alemão. A mortalidade por influenza entre as tropas dos EUA atingiu 80% do efetivo na 1ª Guerra Mundial (Murphy & Webster, 1996). Crianças humanas são a principal fonte de transmissão de vírus influenza A na comunidade, visto que as escolas e salas de aulas fornecem as condições de proximidade e aglomeração que favorecem a disseminação, especialmente por aerossol. Os influenza A resistem nos aerossóis por um inverno inteiro no ambiente de baixa umidade dentro de casa nos climas temperados (dezembro-janeiro a abril- maio nos EUA), contribuindo para a ocorrência estacional de influenza no inverno. A detecção de mutantes de hemaglutinina ao final da primavera tem sido considerada indicação de risco de surto para o próximo inverno (Moriuchi et al., 1991 citados por Murphy & Webster, 1996). Em humanos, embora a morbidade mais alta esteja em pessoas com 20 anos ou menos, a taxa de mortalidade mais alta ocorre entre pessoas com 65 anos ou mais. A mortalidade 08/09/2020 Influenza Aviária: Uma Revisão dos Últimos Dez Anos https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-635X2001000200001 22/48 média de humanos por influenza em adultos de 65 anos de idade ou mais velhos a cada ano é de 1:2200. A pandemia de 1918 ocasionou alta mortalidade em jovens adultos e naqueles acima de 65 anos, característica que não se repetiu em pandemias subseqüêntes. Nos anos de epidemia de 1957 e 1958, 70.000 pessoas morreram e 1 em cada 300 adultos com 65 anos de idade ou mais morreu. Embora a mortalidade humana seja mais alta no primeiro ano de surto com novo subtipo, a mortalidade acumulada nos anos seguintes interpandemia é significativamente mais alta que a do primeiro ano (Murphy & Webster, 1996). Nenhum título de anticorpos circulantes específicos contra AIV foi detectado em 100 pombos (Columba livia) urbanos da cidade de Santiago do Chile avaliados durante 12 meses (março 1996-março 1997). Títulos muito baixos (1 a 3 log2) para PMV-1 (doença de Newcastle) e nenhum título para PMV-7 foram detectados (Toro et al., 1999). Na China, vinte espécies (não citadas) de aves raras em 4 fazendas foram avaliadas sorologicamente para diversos agentes de doença para as aves industriais. Anticorpos para Mycoplasma gallisepticum (Mg), Salmonella pullorum (SP), clamidiose aviária (CA), doença de Newcastle (ND), laringotraqueite infecciosa (LI), doença de Marek (DM), bronquite infecciosa (BI), síndrome da queda da postura (EDS), bouba aviária (FP), leucose aviária, artrite viral e cólera aviária foram detectados em 13 espécies, com Mg ocorrendo como o mais alto índice (25%), seguido de SP (21.5%), CA (16.67%) e ND (15.31%). Anticorpos para doença infecciosa bursal (Gumboro), coriza infecciosa, adenovírus aviários do grupo I e influenza aviária não foram encontrados e testes intradérmicos de tuberculina foram negativos (Zhang et al., 1996). Outro estudo foi desenvolvido em outras 13 granjas de aves industriais e um de aves exóticas, nas quais todas as aves industriais foram negativas para AIV, e 39/50 das amostras de soros das aves exóticas foram positivas para AIV pelo teste de AGP. As aves exóticas tinham histórico de doença clinicamente semelhante à cólera aviária, não resolvida com vacinação contra a cólera aviária e doença de Newcastle ou soroterapia contra a doença infecciosa bursal. A doença causou a mortalidade de 10.000 faisões e o controle de novos episódios foi obtido com a destruição dos faisões sobreviventes e de outras espécies de aves, além da aplicação de limpeza e desinfecção rigorosas (Zhu et al., 1996). Um estudo epidemiológico desenvolvido na Itália investigou a presença de AIV em faisões criados para esporte em fazendas de caça. As amostras de swab cloacal de 200 indivíduos não resultaram em isolamento de agente hemaglutinante (Piccirillo et al., 1999). Outro estudo italiano caracterizou estirpes de alta patogenicidade de AIV (HPAIV) do subtipo H5N2 isolados da avicultura do norte da Itália. As estirpes italianas, embora distingüíveis de A/Hong Kong/156/97 (H5N1), foram consideradas antigenicamente semelhantes. A análise filogenética da HA das estirpes italianas agrupou essas com as estirpes de Hong Kong, embora as análises de HA, NS e NP das estirpes de H5N1 em circulação em Hong Kong e H5 italianas indicarem origens de ancestrais diversos. Na Itália, nenhuma evidência de transmissão de aves para humanos foi detectada para H5N2 (Donatelli et al., 2001), em contraste com as estirpes H5N1 de Hong Kong. Entretanto, estudos anteriores de composição e seqüenciamento da HA de A/duck/Ukraine/1/63 (H7) indicaram que as HA1 e HA2 dessa estirpe estão intimamente relacionadas com o subtipo H3 de Hong Kong (Ward et al., 1981). Influenza aviária no Brasil Há ainda pouquíssimos estudos na literatura científica nacional e internacional sobre a ocorrência de AIV nas aves selvagens e ornamentais da fauna brasileira. Os trabalhos descrevem avaliações de fauna local, com amostragem de algumas espécies. Um estudo da fauna de aves do Rio de Janeiro descreveu a ocorrência e caracterizou estirpes de AIV natural em espécies ornamentais nesse estado (Couceiro et al., 1982). Um estudo sorológico em espécies de aves silvestres foi desenvolvido no Estado de São Paulo por Anraku et al. (1971), estudando anticorpos por gel precipitação. Em avaliações sorológicas de plantéis industriais conduzidas em Minas Gerais, em frangos de corte (Resende et al., 1990), não foram detectados anticorpos para AIV. Após os surtos de 1983-1984
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