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Epistemologia das Relações Internacionais CASTRO, Thales. Teoria das relações internacionais. FUNAG, 2012. Escola Realista Escola mais antiga, baseada principalmente nas teorias de Cardeal Richelieu e em seu conceito de "raison d'État'' (razão de Estado), segundo o qual o funcionamento da política internacional está centrado nos interesses do Estado, sendo estes superiores aos interesses individuais ou de grupos sectários menores. A ideia principal do realismo é de que o cenário internacional não é isonômico, ou seja, os Estados não obedecem às mesmas leis já que cada um age em razão de seus próprios interesses. Portanto, tal cenário é calcado na incerteza, estruturado em assimetrias (desigualdades de todos os tipos), e funciona de acordo com o poder, a força e os interesses dos Estados. Podemos dividir essa escola em dois momentos fundadores, com base em pensadores diferentes: - no mundo antigo: Sun Tzu, Tucídides e Tito Lívio - no pós-renascimento: Maquiavel, Hobbes e Richelieu Todos têm em comum em suas análises a abordagem da segurança, da sobrevivência e da lógica de poder como fundamentais para o funcionamento do Estado e da harmonia internacional Sobre o poder: - as relações internacionais, assim como as relações humanas, são centradas no poder, e a lógica da dominação é seu combustível; - o poder deve ser analisado atrelado ao interesse e à força dos estados, levando em conta as questões de hegemonia e hierarquização; - quando um Estado articula internacionalmente seus interesses (elaborando regras que são aceitas por outros estados, mudando o interesse nacional de outros, influenciando os valores de outros), ele exerce habilmente seu poder; - o cenário internacional vive uma anarquia relativa por não haver um governo central supranacional para aplicar normas de conduta (tal estado de anarquia deve ser repensado, devido à existência de uma ordem mundial vigente que perpassa interesses nacionais específicos). Principais premissas do realismo clássico: - a natureza humana é egoísta e individualista, o que reflete nas articulações estatais; - a guerra é um instrumento de dominação política para maximizar as estratégias nacionais de sobrevivência e segurança; - o Estado nacional utiliza a maximização do cálculo do poder diante de seus constrangimentos endógenos e exógenos; - o militarismo e as políticas de defesa nacional são justificáveis sob o ponto de vista de obtenção e manutenção de capitais de força-poder-interesse; - a relativamente baixa controlabilidade internacional força os atores estatais a tomarem posturas de priorização de suas respectivas agendas; - o Estado nacional é um ator principal do cenário internacional, permitindo a si o acesso a uma extensa gama de ações, de Epistemologia das Relações Internacionais prioridades auto-justificadas e de prerrogativas exclusivas; - os Estados são movidos e posicionados em uma distribuição irregular e assimétrica de capitais de força-poder-interesse, ocasionando uma hierarquização e uma determinada ordem mundial. Realismo neoclássico À partir de 1945, com a redefinição do liberalismo idealista do entre guerras, a falha da Liga das Nações na articulação da ordem mundial, o impacto das novas tecnologias e novas alianças mundiais, surge uma nova compreensão do realismo clássico. Esse período é o mesmo da consolidação da disciplina de Relações Internacionais. Escola inspirada principalmente nas interpretações de Morgenthau: ainda foca no poder e entende os Estados como entes soberanos, mas acrescenta à análise a relevância de uma população e um território densos para a consolidação do poder, assim como a importância do reforço do militarismo e da tecnologia para a segurança e a preservação do Estado. Realismo ofensivo de Mearsheimer e realismo de choque civilizatório de Huntington Novo cenário pós-bipolarização da Guerra Fria, aparece uma dicotomia interpretativa: - uma linha otimista-triunfalista que se alinha à ideia do "fim da história" de Francis Fukuyama após o fim da URSS; - uma linha realista-pessimista que se baseia na ideia do choque entre civilizações de Huntington. Desta última, ressaltam-se dois tipos de realismo: - o realismo ofensivo de Mearsheimer fundamenta sua análise no fato que conflitos e tragédias são causados por incentivo da política hegemônica de certos países que conduzem a ordem mundial, enquanto a maior parte dos Estados não está contente com tal distribuição do poder mundial; - o realismo do choque de civilizações de Huntington prevê que as grandes civilizações humanas entrarão em choque com a despolarização, cada uma exercendo representatividade, poder e força gravitacional política de acordo com seus próprios interesses. Assim, sistemas multipolares seriam muito mais propensos a guerras e conflitos do que o sistema bipolar da Guerra Fria. Escola Liberal Contraponto às análises do realismo. Liberalismo clássico Principais teóricos: Marsílio de Pádua, Thomas More, Abade de Saint-Pierre, Locke, Bentham, Kant. Principais ideias do liberalismo clássico: - noção progressista e otimista sobre a natureza humana, com confiança no progresso humano; - esperança na partilha das responsabilidades comuns em prol da paz, da justiça e da cooperação, bem como da força normativa das instituições multilaterais e das regras pactuadas entre os povos; - defesa do pacifismo cooperativo, da interação normativa e igualitária Epistemologia das Relações Internacionais das unidades políticas na esfera internacional; - um arcabouço jurídico seria capaz de articular a paz e a justiça mundiais por meio da aceitação de valores universais. Liberalismo sociológico da linha democrática/republicana Esta corrente se funda na capacidade e na importância do agir e do relacionar-se: a interação dos atores não-estatais podem ajudar a alcançar valores e metas coletivos e universais visando a estabilidade internacional. Ao contrário da escola realista, o liberalismo acredita na diversidade de atores (para além dos Estados), assim valores, ética e moral passam a ser importantes na análise. Visando uma construção democrática/republicana, a paz e a voluntariedade da coisa pública são considerados fundamentais para a cooperação entre estados, aliada à ideia de não-intervenção e de respeito das leis internacionais. Liberalismo de linha jurídica (idealismo) A linha idealista tem por base a existência de um conjunto normativo jurídico internacional como caminho para a cooperação internacional. Existem duas correntes sobre a eficácia do direito internacional para as RI: - a primeira considera o sistema jurídico internacional perfeito em suas atribuições, um conjunto coeso que regula os Estados na esfera internacional. Desse ponto de vista, quaisquer deficiências do direito internacional seriam resultado da irresponsabilidade dos países centrais que defendem seus interesses internos em sua luta pelo poder. A ideia principal é que a ética, a moralidade, o multilateralismo e o espírito cooperativo do direito internacional devem prevalecer sobre as ambições armamentistas de tais países; - a segunda corrente nega tal eficácia do direito internacional, como também rejeita a existência de uma "comunidade internacional". Assim, ela defende que não há imparcialidade, objetividade ou isonomia no direito internacional, refletindo o cenário internacional com suas forças estatais díspares. Surge uma terceira proposição que busca um equilíbrio entre as duas correntes: a do semidireito internacional. Esta reconhece a eficácia do direito internacional apenas em momentos específicos e politicamente determinados, visto que o cenário internacional é estratificado de acordo com os capitais de força-poder-interesse dos Estados. Escola da economia política internacional Junção das tradições econômica e politológica, essa escola tem por focos a integração regional, as relações econômico-comerciais e a organização multilateral. A partir dos modelos de Nye-Kohane entende-se que a guerra deixa de representar a lógica das relações internacionais,com a emergência de novos atores que questionam e redefinem a natureza estatocêntrica internacional. Neste caso, os conflitos internacionais Epistemologia das Relações Internacionais seriam de natureza econômico-comercial e financeira. Além disso, para essa escola os institutos jurídicos são considerados importantes como marcos fundacionais da renúncia e da transferência da soberania estatal para um ente supranacional. Ao renunciar à sua soberania para se integrar em blocos geoeconômicos, com a participação ativa dos outros atores não-governamentais, cria-se uma lógica de governança corporativa transnacional. Escola crítica ou Teoria radical Tem sua origem na escola de Frankfurt, sendo alguns de seus principais teóricos John Burton, Robert Cox e Richard Falk. Surge como alternativa teórica ao neo-realismo e ao neoliberalismo, tendo por premissas principais: - ideia que teoria e práxis seriam elementos diferentes das relações internacionais; - as correntes teóricas realistas e liberais apenas mascaram velhas e revelam novas formas de opressão e desigualdade entre os atores internacionais; - crítica à imutabilidade das normas e leis socialmente criadas e estabelecidas nas relações internacionais. Escola construtivista Inaugura uma nova geração de debates nas Relações Internacionais, com encaixe particular nas ciências sociais e política. Tem por principais teóricos Onuf, Kratochwil, Wendt, com influências de Anthony Giddens e Peter Berger. Inserção de novos termos de análise: "agente" substitui "ator" ou "sujeito", por denotar mais capacidade de ação; "estrutura" representa o meio, o cenário internacional. Principais premissas do construtivismo: - envolve agentes e estrutura de maneira a construir o novo ethos das relações internacionais; - ideia que o pensamento, a ideia e os valores possuem força maior que as estruturas materiais disponíveis, e as crenças intersubjetivas representam os meios de relacionamento internacional. Escola pós-moderna e debates de gênero Propõe a reinterpretação de diversos conceitos e premissas da política internacional. O enfoque feminista, por exemplo, propõe repensar a hegemonia do olhar masculino na política internacional, ressignificando os conceitos de poder, seguranaça, estabilidade e soberania estatal. Dois grandes teóricos da linha: Richard Ashley e Robert Walker. Principais premissas: - o conceito de "identidade" é sutilmente deturpado pela hegemonia masculina e deve ser reconstruído; - noção de dissidência ou ruptura com os cânones tradicionais das relações internacionais; - valorização do efêmero, da constante mutação de conceitos e redefinição de balizas e de paradigmas: tudo pode ser revisto e reconstruído; - ataque ao Estado e às análises estatocêntricas.
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