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Estudos em direito negocial e os mecanismos contemporâneos de resolução de conflitos

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Estudos Em 
dirEito nEgocial 
E os mEcanismos 
contEmporânEos 
dE rEsolução dE 
conflitos
Tânia Lobo Muniz 
MigueL eTinger de araujo junior
organizadores
1a ediÇÃo
birigui - sP
2015
Estudos Em 
dirEito nEgocial 
E os mEcanismos 
contEmporânEos 
dE rEsolução dE 
conflitos
© 2014 Tânia Lobo Muniz e Miguel Etinger de Araujo Junior
©Direitos de Publicação
Editora Boreal
R. Aurora, 897 - Birigüi - SP - 16200-263 
(18) 3644-6578
www.editoraboreal.com.br
boreal@editoraboreal.com.br
Direção e Edição
Carlos Roberto Garcia Cottas
Capa
Carlos Roberto Garcia Cottas 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Estudos em direito negocial e os mecanismos
 contemporâneos de resolução de conflitos /
 organizadores Tânia Lobo Muniz, Miguel Etinger de
 Araujo Junior. -- 1. ed. -- Birigüi, SP : Boreal
 Editora, 2014.
 Vários autores.
 Bibliografia.
 ISBN 978-85-8438-024-4
 1. Acesso à justiça 2. Negócios jurídicos
3. Solução de conflitos I. Muniz, Tânia Lobo.
II. Araujo Junior, Miguel Etinger de.
15-03482 CDU-347.13
Índices para Catálogo Sistemático:
1. Negócios jurídicos : Direito civil 347.13
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS: Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas 
gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, 
bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às 
características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (artigo 184 e parágrafos do Código 
Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (artigos 101 a 110 da Lei 9.610/98, Lei dos Direitos Autorais).
As opiniões contidas nos capítulos desta obra são de responsabilidade exclusiva dos seus autores, não representando, necessáriamente, a opinião 
dos organizadores e da editora desta obra.
Orgulhosamente elaborado e impresso no Brasil
2014
consElHo Editorial da Editora BorEal
Andréia de Abreu
doutoranda e Mestre em engenharia de Produção pela uFsCar
Antonio Celso Baeta Minhoto
doutor em direito pela iTe-bauru
Daniel Marques de Camargo
Mestre em direito pela uenP
 
Dayene Pereira Siqueira
Mestre em educação pelo Centro universitário Moura Lacerda
 
Dirceu Pereira Siqueira
Pós-doutor em direito pela universidade de Coimbra - Portugal
doutor e Mestre em direito pela iTe-bauru
 
Jaime Domingues Brito
doutor em direito pela iTe-bauru
Leonides da Silva Justiniano
doutor em educação pela unesP
doutorando em Ciências sociais pela unesP
Luciano Lobo Gatti
doutor em Ciências pela uniFesP
Marisa Rossignoli
doutora em educação pela uniMeP
 
Murilo Angeli Dias dos Santos
Mestre em Filosofia pela usjT
 
Sérgio Tibiriçá Amaral
doutor em direito pela iTe-bauru
 
prEfácio
Um dos aspectos característicos da civilização ocidental moderna é a 
busca por caminhos que levem a uma sociedade mais justa, sendo entendimento 
consensual que um dos requisitos para que tal sociedade possa existir reside 
em um sistema jurídico que propicie solução tempestiva e adequada para os 
confl itos.
Durante boa parte do século passado e neste início de século XXI, o 
debate no âmbito jurídico tem tido entre os seus aspectos centrais justamente 
essa questão.
Em nosso país, chegou-se ao ponto de inserir na Constituição Federal o 
denominado direito à duração razoável do processo e à sua efetividade.
Além disso, inúmeras alterações legislativas vêm sendo feitas com tal 
escopo, tendo sido recentemente aprovado pelo Congresso Nacional um novo 
Código de Processo Civil, cuja principal justifi cativa declarada para sua elaboração 
foi exatamente a busca por um processo mais célere e, consequentemente, uma 
Justiça mais efetiva.
Indiscutível, pois, a atualidade do presente livro, DIREITO NEGOCIAL 
& MECANISMOS CONTEMPORÂNEOS DE RESOLUÇÃO DE 
CONFLITOS, que constitui coletânea organizada pelo Curso de Mestrado em 
Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina, cumprindo o seu papel 
de fomentar pesquisas de temas ligados aos negócios jurídicos.
O livro é constituído de relevantes estudos ligados às suas linhas de 
pesquisa, especialmente à de Acesso à Justiça, com a participação de alguns 
de seus docentes, bem como de professores e pesquisadores de conceituadas 
instituições de ensino do país.
Trata-se de obra que retrata o andamento de profi cientes pesquisas 
realizadas pelos seus autores, divididas pelos organizadores em três partes.
A primeira, denominada “ELEMENTOS GERAIS”, é constituída por 
quatro textos, que buscam analisar as bases fi losófi cas e epistemológicas de alguns 
modelos contemporâneos de solução de conflitos, jurisdicionais e alternativos, 
inclusive com reflexões também sobre o ensino jurídico desses meios alternativos.
A segunda parte, “QUESTÕES PRÁTICAS”, examina três temas 
específicos: a modulação da autonomia da vontade e da autonomia privada 
em face da solução de conflitos envolvendo negócios jurídicos através do juízo 
arbitral; a utilização do modelo teórico do pluralismo jurídico na solução de 
conflitos urbanos; e a possibilidade do uso da arbitragem para julgar litígios 
decorrentes de contratos celebrados eletronicamente.
Finalmente, a terceira parte, ASPECTOS DOS CONFLITOS 
INTERNACIONAIS, é composta por dois textos que examinam questões 
específicas: Como os organismos jurisdicionais dos Estados Unidos da América 
têm interpretado e aplicado o conceito de Jurisdição Universal com relação ao 
Estatuto sobre Responsabilidade Civil de Estrangeiros (Alien Tort Statute – 
ATS) no que tange à possibilidade de reparação civil a partir de demandas contra 
empresas transnacionais; e REFLEXÕES SOBRE A DECISÃO DA CORTE 
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA NO CONFLITO ENTRE COLOMBIA 
E NICARAGUA, acerca dos limites territoriais nas águas do Caribe entre os 
dois países.
Com a publicação, os autores contribuem decisivamente para o 
desenvolvimento e aprofundamento dos estudos sobre os temas objeto de seus 
trabalhos, diretamente ligados ao acesso à justiça, de grande relevância para a 
teoria e prática jurídicas.
Parabenizo os organizadores e os autores pela iniciativa de disponibilizarem 
à comunidade jurídica o presente trabalho, recomendável tanto a estudantes e 
pesquisadores, quanto aos profissionais do direito em geral.
 
Londrina, dezembro de 2014.
 
 Luiz Fernando Bellinetti
autorEs
Ademar Pozzatti Junior
Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor 
no Curso de Graduação em Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina 
(CESUSC).
Adriana Silva Maillart
Mestre e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 
Coordenadora do Curso de Direito, professora e pesquisadora da Universidade Nove 
de Julho (UNINOVE), titular da disciplina “Gestão de confl itos, (des)construção do 
litígio e negociação”, do programa de mestrado “Justiça, Empresa e Sustentabilidade”.
Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral
Docente no curso de Graduação em Direito e no Programa de Mestrado em Direito 
Negocial da UEL - Doutora pela PUC-SP. 
Clodomiro José Bannwart Júnior
Pós-doutorando em Filosofi a do Direito, como professor visitante na UNICAMP 
(Bolsista CNPq); Professor dos Programas de Mestrado em Direito Negocial e Mestrado 
em Filosofi a na Universidade Estadual de Londrina; Professor convidado nos Cursos de 
pós-graduação das seguintes instituições: Escola da Magistratura do Paraná; Instituto 
de Direito Constitucional e Cidadania – IDCC; e Pontifícia Universidade Católica/PR. 
É diretor vice-presidente do Instituto Latino Americano de Argumentação Jurídica – 
ILAAJ e Membro da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
Eduardo Saldanha
Graduado Direito UFPR, Graduando Filosofi a UFPR, Mestre Direito UFSC, DoutorUSP, Pos-doutor Fordham University New York, 
Elve Miguel Cenci
Doutor pela UFRJ e docente do Mestrado em Direito Negocial da Universidade 
Estadual de Londrina.
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor Associado de Direito Comercial da USP. Mestre, Doutor e Livre-docente em 
Direito Comercial pela USP – Largo São Francisco. Membro do Centro de Mediação e 
Arbitragem da Câmara do Comércio Brasil-Canadá. Consultor e advogado.
Jussara Borges Ferreira
Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR 
e do Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade 
Paranaense - UNIPAR - Doutora pela PUC-SP.
Miguel Etinger de Araujo Junior
Docente do curso de Graduação em Direito e docente e coordenador do Programa de 
Mestrado em Direito Negocial da UEL - Doutor em Direito da Cidade pela UERJ
PIETRO DE JESÚS LORA ALARCÓN
Mestre e Doutor pela PUC/SP. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da 
PUC/SP e do Centro Universitário ITE de Bauru/SP.
 Ricardo Soares Stersi dos Santos
Mestre e Doutor em Direito pelo PPGD/UFSC. Pós-Doutorado na UFPE (2010-11). 
Professor do Curso de Graduação em Direito da UFSC; do Programa de Pós-Graduação 
(Mestrado) em Relações Internacionais da UFSC; do Programa de Pós-Graduação 
(Mestrado e Doutorado) em Direito da UFSC. 
Tânia Lobo Muniz
Professora associada da Universidade Estadual de Londrina. Docente dos cursos de 
graduação, especialização e mestrado em Direito. Reflexões pertinentes ao projeto de 
pesquisa Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo: novas configurações 
das estruturas sociais e a busca da proteção e efetividade de direitos. 
Tarcisio Teixeira
Professor Doutor de Direito Empresarial da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 
Mestre e Doutor em Direito Comercial pela USP – Largo São Francisco. 
sumário
ParTe i
eLeMenTos gerais
CaPÍTuLo i
ConFLiTo e dissenso na ConTeMPoraneidade: soLuÇÃo 
e Consenso a ParTir da Teoria CrÍTiCa HaberMasiana 2
Clodomiro José Bannwart Júnior
CaPÍTuLo ii
ConsideraÇÕes jusFiLosÓFiCas aCerCa dos Meios 
aLTernaTiVos Para a resoLuÇÃo de ConFLiTos: 
uMa PersPeCTiVa KanTiana 17
Elve Miguel Cenci
CaPÍTuLo iii
o ConFLiTo, os ModeLos de soLuÇÃo, o aCesso 
À jusTiÇa e a esTruTura oFiCiaL de soLuÇÃo de ConFLiTos 29
Tânia Lobo Muniz
CaPÍTuLo iV
reFLeXÕes sobre o ensino dos Meios aLTernaTiVos 
de resoLuÇÃo de ConFLiTos nos Cursos de direiTo 70
Ademar Pozzatti Junior
Adriana Silva Maillart
Ricardo Soares Stersi dos Santos
ParTe ii
QuesTÕes PrÁTiCas
CaPÍTuLo V
negÓCio jurÍdiCo e juÍzo arbiTraL: ModuLaÇao 
da auTonoMia da VonTade e da auTonoMia PriVada 99
Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral
Jussara Borges Ferreira
CaPÍTuLo Vi
PLuraLisMo jurÍdiCo e direiTo negoCiaL eM 
ConFLiTos urbanos no sÉCuLo XXi 128
Miguel Etinger de Araujo Junior
CaPÍTuLo Vii
arbiTrageM eLeTrÔniCa 157
Tarcisio Teixeira
Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
ParTe iii
asPeCTos dos ConFLiTos inTernaCionais
CaPÍTuLo iX
jurisdiÇÃo uniVersaL e direiTo inTernaCionaL 
na suPreMa CorTe dos esTados unidos 186
Eduardo Saldanha
CaPÍTuLo X
reFLeXÕes sobre a deCisÃo da CorTe inTernaCionaL 
de jusTiÇa no ConFLiTo enTre CoLoMbia e niCarÁgua 203
Pietro de Jesús Lora Alarcón
i
ElEmEntos gErais
conflito E dissEnso na 
contEmporanEidadE: solução E 
consEnso a partir da tEoria crítica 
HaBErmasiana
Clodomiro José Bannwart Júnior
Pós-doutorando em Filosofia do Direito, como professor visitante na UNICAMP (Bolsista 
CNPq); Professor dos Programas de Mestrado em Direito Negocial e Mestrado em Filosofia 
na Universidade Estadual de Londrina; Professor convidado nos Cursos de pós-graduação 
das seguintes instituições: Escola da Magistratura do Paraná; Instituto de Direito 
Constitucional e Cidadania – IDCC; e Pontifícia Universidade Católica/PR. É diretor vice-
presidente do Instituto Latino Americano de Argumentação Jurídica – ILAAJ e Membro da 
Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
1 A VINCULAÇÃO ENTRE PÚBLICO E PRIVADO.
A delimitação entre Estado, economia e empresas tem fi cado cada vez 
mais tênue diante da intensifi cação e dos desdobramentos alcançados com o 
processo de globalização, os quais ainda não são plenamente mensurados. A esse 
respeito, um fato inconteste deve ser considerado: “a globalização dos mercados, 
o entrelaçamento entre mercados fi nanceiros e a aceleração dos movimentos do 
capital levaram a um regime econômico transnacional, que limita sensivelmente 
o espaço de ações das nações”. (HABERMAS, 2003, p. 199)
Em um texto de 1999, sobre o futuro da União europeia, Habermas 
questionava se “a força explosiva do capitalismo internacional, que domina o 
contexto cultural social e ecológico pode ser colocada novamente sob controle 
num plano supranacional e global, situado além dos Estados nacionais” 
(HABERMAS, 2003, p. 101). Isso porque, diante da perspectiva de mercados 
plenamente globalizados que reagem somente à linguagem lastreada pelo signo 
econômico, abre-se o fl anco para reinar o ceticismo de que os Estados nacionais 
capítulo i
ConFLiTo e dissenso na ConTeMPoraneidade 3
repletos de burocracia e enfraquecidos politicamente não são mais capazes de 
cumprir, a contento, a “reinserção ecológica, social e cultural do capitalismo 
global”. (HABERMAS, 2003, p. 102)
Os Estados Nacionais parecem ficar aquém frente ao processo de 
globalização, enquanto os mercados apontam desenvoltura além dos Estados 
nações e distanciados da burocracia estatal, conduzem, eles próprios, o processo 
de globalização. A questão, contudo, nesse cenário, é saber onde situar as 
empresas, mais precisamente os negócios jurídicos.
As empresas, de modo geral, ao exercerem suas atividades além das 
fronteiras do Estado de origem são qualificadas de empresas transnacionais 
– (transnational corporations – TNCs) – sendo plenamente possível apontar 
ganhos, do ponto de vista empresarial, quanto à produção e distribuição global 
de bens. Vale, contudo, destacar, na visão de José Cretella Neto, que o conceito 
de empresa transnacional atualmente constituído pela doutrina, sobretudo com 
extensão no campo do direito internacional, compreende:
[...] a sociedade mercantil, cuja matriz é constituída segundo as leis 
de determinado Estado, na qual a propriedade é distinta da gestão, 
que exerce controle, acionário ou contratual, sobre uma ou mais 
organizações, todas atuando de forma concertada, sendo a finalidade de 
lucro perseguida mediante atividade fabril e/ou comercial em dois ou 
mais países, adotando estratégia de negócios centralmente elaborada e 
supervisionada, voltada para a otimização das oportunidades oferecidas 
pelos respectivos mercados internos. (CRETELLA NETO, 2006, p. 27)
Trata-se de conceito doutrinário, conforme faz constar, com caráter 
jurídico que veicula as condições de ações pragmáticas e utilitaristas que visam 
a efetivar, no quadrante da economia internacional contemporânea, uma 
transação fronteiriça pouco burocrática e altamente acelerada de capital e de 
tecnologias produzidas.
 Representa, nesse sentido, a impotência do Estado e do cidadão 
diante das coerções sistêmicas e anônimas de um capitalismo não domesticado 
politicamente e pouco sensível à preceitos normativos decorrentes de lastros 
democráticos, que se orienta na arena global apenas a dicção econômica. 
(HABERMAS, 2003, p. 220)
Ao mesmo tempo em que os mercados foram ampliados e o nível de 
competição entre as empresas intensificadas, também, no nível doméstico, 
as organizações locais sofreram impactos decisivos desse mesmo processo. 
A empresa, então, deve ser vista tanto do ponto de vista local como também 
em relação à sua força de atuação no cenário global, destacando sobremaneira 
os impactos que resultam do seu poder econômico no âmbito, sobretudo, 
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos4
transnacional. O que compete perguntar – e aqui seguimos Habermas – é saber 
a quem debitar as condições eficazes de resolução de conflitos numaarena tão 
ampla, tão globalizada e internacionalizada? Em outros termos: como criar 
condições de uma possível ‘responsabilidade global’ tida como necessária sob 
o ponto de vista normativo? (HABERMAS, 2003, p. 219) Esta tarefa cabe 
aos Estados limitados juridicamente pela fronteira dos Estados-nações ou ao 
mercado globalizado, insensível a qualquer outra esfera que não a econômica? 
Ou cabe aos intérpretes do setor privado que, ademais inflacionadas pelo poder 
econômico, devem assumir parte da responsabilidade dessa trágica “bomba 
ecológica” em construção, cujo potencial explosivo só se vê aumentar pelo 
devastador processo de produção, tão célere numa sociedade de consumo como 
a nossa.
Tais colocações são importantes porque demonstram que a nossa época 
não sustenta mais a delimitação entre público e privado com a rigidez que a 
doutrina, por décadas, soube preservar. Os interesses privados que fomentam 
a realização dos negócios jurídicos não estão desvinculados das consequências 
coletivas e sociais. O privado perpassa o púbico e vice-versa.
Para obter minimamente um delineamento para essa questão, é preciso 
dar conta de responder se os interesses privados – considerando nesse campo, 
sobretudo, as empresas – conseguem ir além da esfera de produção material e 
participar da produção simbólica dos valores socialmente compartilhados. Para 
isso é essencial a distinção entre produção material e produção simbólica posta 
por Habermas a partir da diferenciação dos conceitos de trabalho e interação. 
Nesse ponto, em particular, cabe notar as condições pelas quais as empresas 
dispõem de condições para se associarem ao plano da interação social, como 
portadoras de responsabilidade de ações éticas e morais, ultrapassando, assim, a 
esfera da legalidade jurídica.
Hoje é fato inconteste que as empresas atualmente são pressionadas a se 
inserirem num leque normativo mais vasto, indo além da normatividade jurídica 
e econômica para contemplar igualmente pressuposições normativas advindas 
da ética e da moral. A questão persiste em saber até que ponto as empresas, na 
realização de negócios jurídicos, podem contemplar no seu dinamismo próprio e 
peculiar de reprodução material (bens, produtos e serviços), também as categorias 
de reprodução simbólica (ética, moral e Direito), reorientada pelo novo plano 
de validade da razão prática, derivada de uma moral pós-convencional.
O que intercepta a ligação das empresas à moral pós-convencional é o 
conceito de “responsabilidade social”. O argumento da responsabilidade social, 
amplamente difundido na atualidade, provém do lastro da realidade histórica do 
ConFLiTo e dissenso na ConTeMPoraneidade 5
século XX com impactos decisivos em nossa época, na qual as empresas atuam 
de forma privada, alcançando lucros reservados aos acionistas com imenso lastro 
de poder econômico no âmbito global e local, porém com pouca atenção aos 
choques que causam ao ambiente e à sociedade em geral. A reivindicação de 
ações socialmente responsáveis da parte das empresas é exigência que visa o 
desdobramento de aspectos inerentes à produção econômica para o âmbito do 
bem estar social. Ou seja, é uma reivindicação de que as empresas, em razão do 
poder econômico que dispõem, também se ocupem com uma responsabilidade 
partilhada em relação à construção de uma sociedade menos desigual e mais 
justa. Cobra-se, nesse aspecto, que as empresas não apenas se abram para os 
discursos morais, mas, sobretudo, que tenham sensibilidade e consciência para 
o desenvolvimento da cidadania, já que estão implicadas nas teias do Estado 
democrático de direito. Não se trata da realização de atividades caritativas, antes, 
contudo, que as empresas sejam compreendidas no design democrático das 
sociedades contemporâneas e possam efetivamente contribuir para o processo de 
construção de uma sociedade plenamente capaz de realização da cidadania. É o 
que propõe alguns autores quando mencionam o sentido de “empresas cidadãs”.
Não deixa, contudo, sem questionamento a preocupação de as empresas 
ocuparem o papel que antes competia ao Estado – enquanto dimensão pública 
– assumindo, desse modo, compromissos numa esfera eminentemente privada. 
Corre-se o risco de transmutação do sentido de cidadania que se mantém na 
relação entre indivíduo, sociedade e Estado, pelo sentido menor da relação de 
consumidor que resta entre indivíduo e empresa. A esse respeito, vale conferir a 
observação de Maria Cecília Prates Rodrigues.
[...] quando as empresas deixam de ser unidades de produção econômica 
e passam a ser também promotoras de bem-estar social, elas ficam 
politicamente fortalecidas diante de outros atores sociais, como os 
sindicatos e o próprio Estado. No modelo welfare capitalism, corre-
se o risco de contribuir para o esvaziamento do espaço público e da 
compreensão de que bem-estar social é um direito de cidadania, cuja 
garantia é obrigação de toda sociedade e não de determinados atores, por 
mais fortes e influentes que sejam (RODRIGUES, 2005, p. 29).
Apesar da complexidade que o tema apresenta, compreende-se 
razoável que, antes de discutir as consequências possíveis do desdobramento 
de uma empresa cidadã, é preciso alongar a discussão que permita referendar 
teoricamente as condições de possibilidade de a empresa assumir seu papel 
de cidadã na configuração do Estado democrático de direito, concretizando 
negócios jurídicos que tenham um lastreamento jurídico e ético. Para esse 
intento é preciso avançar a respeito da possível inserção da empresa na dimensão 
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos6
simbólica da sociedade, rompendo a leitura unilateral que a deixou aprisionada 
na dimensão restrita e exclusiva da produção material. É preciso, pois, restituir 
a vinculação entre os pressupostos públicos e privados.
2 A GLOBALIZAÇÃO: IMPASSES GERADORES DE CONFLITOS.
Na medida em que a contemporaneidade se reconfigura numa 
autocompreensão de “sociedade complexa” e, ademais, consciente das 
fragilidades do Estado liberal e, também, do Estado social experimentadas ao 
longo do século XX, registra-se, por oportuno, que a responsabilidade social e, 
ademais, a viabilidade de consenso normativo seja permeada pela compreensão 
do Estado democrático de direito e a explicitação da própria complexidade da 
sociedade.
De mais a mais, a atuação do Estado contemporâneo tem perdido, aos 
poucos, a autonomia diante das transgressões que extrapolam os seus limites, 
como a questão ambiental, o crime organizado, a atuação das Ongs e a quantidade 
crescente de negociações operacionalizadas por instituições paraestatais. Sem 
contar que diante da alta mobilidade das empresas e o deslocamento transnacional 
das mesmas, o Estado percebe reduzido a sua capacidade de intervenção.
Nesse aspecto, cabe notar que a estrutura social complexa e plural da 
contemporaneidade, associada aos dilemas transnacionais impetradas pela 
globalização, requer uma leitura acerca da responsabilidade e da solução 
consensual de conflitos sociais fincada em relação bastante movediça entre 
Estado, economia, direito e sociedade. E nesse campo, é preciso, sobretudo, 
contar com uma leitura mais sociológica, ou seja, uma teoria social crítica capaz 
de, ao menos, tematizar a constelação histórica do tempo presente.
Há no cenário mundial, por um lado, duas correntes que cintilam na 
defesa da globalização, e, por outro, uma corrente que deflagra a renúncia desse 
processo que conduz à configuração de uma aldeia global. Os defensores da 
globalização creem, de forma positiva, a desterritorialização e a ampliação das 
fronteiras do Estado. Apoiados na visão neoliberal, os defensores da globalização 
compreendem o Estado como um empreendedor, como se o mesmo fosse um 
Estado empresarial ocupado em assegurar a efetivação de infraestrutura como 
condição de competição no cenário global. O Estado, nesse caso, agiria baseado 
em critérios de rentabilidade e de eficiência de mercado para atrair omaior número 
possível de empresas em seu território. Nesse mesmo caminho seria a atuação 
do Estado para com os seus cidadãos, os quais teriam resguardas as condições 
de usarem suas liberdades negativas para perseguirem seus interesses individuais 
ConFLiTo e dissenso na ConTeMPoraneidade 7
e atuarem de forma competitiva em escala mundial. A leitura da globalização 
nessa perspectiva coloca-a numa base eminentemente econômica, fazendo girar 
e gravitar as relações sociais, políticas e empresariais no denominador comum de 
uma economia quase ortodoxa.
Já os contrários à globalização, afetos ao protecionismo territorial e, em 
grande medida defensores de posturas etnocêntricas – quando não xenófobas 
–, enxergam o processo de integração transnacional de forma negativa. Por 
adotarem posturas nacionalistas e atitudes que buscam evitar a fragmentação 
social e a decomposição de padrões éticos e culturais, acabam inexoravelmente 
se posicionando contra os fundamentos igualitários e universalistas próprios 
da democracia. Cometem, a esse respeito, uma contradição performativa 
democrática.
Habermas aponta que entre os favoráveis e os contrários à globalização 
abre-se uma terceira via com duas possíveis perspectivas: a primeira parte do 
pressuposto que de o capitalismo já não pode mais ser domesticado politicamente, 
visto que na arena global o capital não encontra mais limites. Para esta primeira 
perspectiva, defende-se que o capital deve ser amenizado nos limites e nas forças 
disponíveis do Estado nacional. A segunda perspectiva aponta como possível 
estruturar uma força política no plano supranacional para alcançar o mercado 
que fugiu ao controle dos Estados nacionais. (HABERMAS, 2003, p. 112)
A primeira perspectiva da chamada “terceira via” defende que o Estado 
nacional não deve assumir apenas uma postura defensiva em relação ao processo 
de globalização e aos efeitos dos mercados mundializados. Deve, pois, adotar 
uma postura reativa, assumindo uma atitude ativa por meio de políticas públicas 
que permitam qualificar seus cidadãos para competirem no mercado global. 
Vigora, em suma, a ideia de que o investimento em “política pública” deve 
expressar a ‘qualificação de cidadãos’ com capacidade de assumirem os riscos 
impostos pela concorrência entre os países.
Essa nova política social não é menos universalista do que a antiga, mas não 
se limita, em primeira linha, a proteger o trabalhador dos riscos habituais do 
mundo do trabalho: procura, ao invés disso, conferir às pessoas qualidades 
empresariais de ‘portadores de serviços’, que cuidam se si mesmos. A 
conhecida máxima ‘ajuda para a autoajuda’ adquire aqui o significado 
econômico de treino para a capacidade e a eficiência (fitness), que deve 
habilitar todos a assumirem responsabilidade pessoal e a desenvolverem 
iniciativas que lhes permitam firmar-se, de modo competente, no mercado. 
Deste modo, eles deixariam de ser ‘perdedores’ obrigados a recorrer ao seguro 
social do Estado. (HABERMAS, 2003, p. 113).
Assim, o Estado passa a se ocupar de fomentar uma sociedade em que 
os atores – cidadãos, instituições, empresas, etc. – estejam aptos a assumirem 
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos8
riscos e, sobretudo, responsabilidades pelas suas tomadas de decisões. Trata-se, 
fundamentalmente, de um modelo de Estado que se ocupa menos da igualdade 
social e mais da igualdade de oportunidades. Enfim, um Estado tipicamente 
liberal onde se “espera que todo cidadão se forme para ser ‘o empresário de seu 
próprio capital humano’” (HABERMAS, 2003, p. 114). Por fim, a segunda 
perspectiva da terceira via aposta na prioridade da política, na medida em que 
requer prioridade ao exercício da política em detrimento da lógica de mercado; 
a deliberação democrática à imposição sistêmica da economia.
A polaridade de correntes demarca que o processo de globalização tem 
modificado substancialmente a constelação histórica da época contemporânea, 
exigindo um novo olhar à relação entre Estado, sociedade e economia que, 
em passado recente, era mantida nos limites estabelecidos pelas fronteiras dos 
Estados nacionais. O aspecto mais negativo desse processo, do ponto de vista 
estatal, é a ampliação do déficit democrático. Diz Habermas: “O Estado, cada vez 
mais emaranhado nas interdependências da economia e da sociedade mundial, 
perde, não somente em termos de autonomia e de competência para a ação, mas 
também em termos de substância democrática” (HABERMAS, 2003, p. 106).
A perda de autonomia do Estado significa que o mesmo já não mais 
dispõe de força suficiente para a proteção de seus cidadãos quanto aos efeitos 
de decisões provenientes do âmbito externo, sobretudo, da esfera econômica. 
“Um capital que está atrás de novas possibilidades de investimento e de lucros 
especulativos não se submete à obrigação de se fixar numa nação, transitando 
livremente para cá e para lá” (HABERMAS, 2003, p. 109). 
É alusão corrente o destaque de que cada vez mais ocorrem tomadas de 
decisões, fruto de negociações interestatais, firmadas por interesses de grupos e 
de instituições privadas, destituídas da formação democrática da opinião e da 
vontade. Se, por um lado, o Estado perdeu aos poucos o substrato que lhe coube 
por séculos, a saber, o de mantenedor das instituições democráticas, por outro, 
é preciso ampliar, em um novo contexto e cenário, a inserção dos pressupostos 
democráticos aos novos personagens que, no plano transnacional, passam a 
dispor de significativo poder de decisão, entre elas, as empresas que promovem 
negócios jurídicos.
Desse modo, é possível abalizar que os diagnósticos da estrutura social 
contemporânea apontam a responsabilidade social e a solução consensual 
de conflitos como conceitos ainda em construção, oriundos da mudança de 
valores e da ampliação de recursos tecnológicos que estabelecem, com grande 
intensidade, ampla rede de conectividade social. Resulta a responsabilidade 
social numa prática requerida por exigências do formato próprio das sociedades 
CONFLITO E DISSENSO NA CONTEMPORANEIDADE 9
contemporâneas, não deixando o conceito meramente limitado à adjetivação 
mercadológica de marketing social, impondo, ademais, que subsidie a solução 
consensual de conflitos.
Se, por um lado, é possível destacar no escopo das teorias sociais o 
reconhecimento da responsabilidade social como conceito que integra os valores 
inerentes da sociabilidade, por outro, é plenamente compreensível o uso que 
as empresas fazem da responsabilidade social como fator de investimento e 
geração de rentabilidade. É um conceito que se projeta como exigência social e, 
ao mesmo tempo, como instrumento de gestão empresarial passível de agregar 
valor à produtos e serviços.
Assim, a leitura do conceito adquire um caráter interdisciplinar, o 
que exige a aproximação de várias áreas do conhecimento, numa espécie de 
consórcio, capaz de aprender o seu real significado e sentido.
As empresas, de modo geral, têm conferido atenção ao consumidor e aos 
cidadãos, os quais, cada vez mais exigentes, deliberam em razão de produtos e 
marcas certificadas pelo reconhecimento social. Logo, é possível afirmar que as 
marcas disponibilizadas no mercado estão, a todo o momento, cruzando a malha 
de interdependência de informações que circulam com rapidez, sobretudo, 
nas redes virtuais. As empresas têm consciência de que os seus produtos e 
serviços carregam uma marca a preservar e que o menor descuido pode arruinar 
definitivamente o empreendimento de anos. Daí a necessidade de ações 
transparentes, negociações legítimas, balanços publicizados e transmissão de 
confiança ao consumidor. São atitudes que oportunizam ganhos dos dois lados 
da moeda: para a empresa e, igualmente, para a sociedade. Por derradeiro, vale 
referendar que “a responsabilidade social cifra-se no conceito amplo e alargado 
da esfera pública, lócus capaz de referendar a legitimidade de ações que têm 
implicações, consequências e desdobramentospara além do caráter meramente 
privado” (BANNWART, 2012, p. 106).
3 ARBITRAGEM DE CONFLITO E FORMAÇÃO COLETIVA DA VONTADE.
Dois elementos são fundamentais para resguardar a prática do exercício 
democrático no contexto do Estado de direito. De um lado, a soberania popular 
e, de outro, a preservação e o respeito das liberdades subjetivas. O que importa 
para o efetivo exercício democrático é a possibilidade de o Estado de direito 
resguardar os procedimentos e os pressupostos comunicativos necessários 
para a formação institucional da opinião e da vontade. A soberania expressa 
na formulação do Estado de direito, matizado por Habermas à luz da teoria 
DIREITO NEGOCIAL E OS MECANISMOS CONTEMPORÂNEOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS10
do discurso, ocorre sem a encarnação real do povo, mas por intermédio de 
círculos de comunicação, de expressão anônima, de redes sociais e de outros 
meios de comunicação social. Isso, por sua vez, tende a assimilar a orientação de 
autonomia privada e pública, transplantada para a gestão política sedimentada 
no Estado de Direito. E na interface entre público e privado há formas distintas 
de processar a realização consensual de conflitos e de interesses.
Habermas toma Parsons como referência ao apontar que as 
interações sociais ocorrem dotadas de padrões de comportamento e que, 
por esse motivo, há no seio da própria interação coexistem mecanismos de 
coordenação de ação que conduzem ora à influenciação (ação estratégica/
posição do observador), ora à geração do entendimento (ação comunicativa/
posição do participante). 
É importante notar que a coordenação de ações problemáticas ou de 
ações que exigem a tematização de seus fundamentos são avaliadas em duas 
perspectivas: ou se trata de conflitos individuais em que há a defesa de posições 
inconciliáveis, o que exige a regulação de conflitos interpessoais; ou se trata 
de situações em que há a necessidade de escolher dentre várias possibilidades 
uma que seja a mais viável para a realização de fins coletivos, circunstância 
em que se trata da orientação de objetivos e de programas coletivos. (DD I, 
p. 177) Habermas, então, distingue duas categorias analíticas em se tratando 
de resolução de conflitos e realização de fins coletivos: arbitragem de litígios e 
formação coletiva da vontade.
A arbitragem de litígios visa a recuperação da estabilização de expectativas 
de comportamento, recompondo as condições do exercício da sociabilidade 
que foram frustradas em algum momento. Nesse caso o ponto fundamental 
perpassa pela resposta à seguinte questão: “Quais são as regras de nossa 
convivência?”
Na arbitragem de litígios conta-se com duas possiblidades de 
encaminhamentos: ou o consenso ou a arbitragem propriamente dita. No 
primeiro caso, as partes podem chegar a um ponto comum quanto ao conflito 
instaurado mediado pela consciência dos valores que partilham comumente. 
Conta-se com um lastro de preceitos normativos (morais) e valorativos (éticos), 
cuja partilha comum, permite um direcionamento consensual do direcionamento 
a ser tomado diante do conflito. Há, no segundo caso, a possibilidade de apelar 
para arbitragem, por intermédio de um mediador, em condições de promover 
entre as partes uma negociação, apontando as vantagens e desvantagens, as 
compensações de interesses além das indenizações que possivelmente surjam. 
(DD I, p. 178)
CONFLITO E DISSENSO NA CONTEMPORANEIDADE 11
Já a formação coletiva da vontade se refere à escolha de fins alcançados 
consensualmente. Nesse caso, o ponto destacado passa pela solução da seguinte 
questão: “Que tipos de objetivos queremos atingir e por qual caminho?”
Na formação coletiva da vontade, cuja pretensão é a realização cooperativa de 
fins, conta-se com conceitos mais abstratos, como “autoridade” e “compromisso”. 
Uma autoridade goze de condições imprescindíveis para exercer, de forma 
autorizada e reconhecida, a hermenêutica de valores comumente partilhados 
com o objetivo de orientar a melhor forma de realização de fins coletivos. E 
envolve ainda o “compromisso” possível de ser assumido pelas partes litigantes 
no sentido de cooperação mútua na realização dos fins coletivamente almejados. 
(DD I, p. 179)
Nos processos interacionais é possível contemplar o agir orientado por 
valores, na qual prevalece o consenso; e o agir por interesses, cuja primazia está na 
realização de objetivos pessoais. Assim, a perspectiva do ator é fundamental para 
determinar o modelo de coordenação de ações. No primeiro caso, trata-se do 
enfoque performativo em que a orientação do agente é o entendimento; e, no 
segundo caso, trata-se do enfoque objetivador, a partir do qual o agente mensura 
as consequências da ação à luz de preferencias subjetivas, alcançando o que 
Habermas denomina de negociação. (DD I, p. 177) A prática do entendimento 
é geradora de consenso, com base em normas e valores comumente partilhados; 
a prática da negociação é geradora de pacto à luz dos interesses colocados pelas 
partes. (DD I, p. 178)
 Evidencia-se, pois, na apresentação de Habermas, quatro possibilidades 
de solução de coordenação de ações. A arbitragem de conflitos que reflete 
situações de interesse e conta com o consenso e a arbitragem propriamente dita; 
e a formação coletiva da vontade que reflete orientações valorativas e conta com a 
autoridade e o compromisso. Veja o quadro a seguir:
Arbitragem de 
conflito
Situações de 
interesse Consenso Arbitragem
Formação coletiva da 
vontade
Orientações 
valorativas Autoridade Compromisso
Habermas, no entanto, coloca a arbitragem e o compromisso na ótica 
de situações de interesse, em que parte de sociedades estratificadas quanto à 
posições do poder social, ou seja, de um poder integrado à visão de mundo, 
à cosmovisão que permite a estratificação de famílias que ocupam posições 
hierárquicas superiores.
DIREITO NEGOCIAL E OS MECANISMOS CONTEMPORÂNEOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS12
E o litígio solucionado pelo consenso ou pela autoridade na ótica da 
formação coletiva está, de antemão, apoiado num complexo normativo em que 
ética e direito estão integrados de forma simbiótica, ou seja, revelam a unidade 
existente entre facticidade e validade. (DD I, p. 179)
É com essa explanação que Habermas acredita possível esclarecer a 
constituição co-originária do direito político e do poder político. (DD I, p. 
179) Parte-se do pressuposto daquele que detém em determinada comunidade, 
reputação reconhecida socialmente, para realizar a tarefa de arbitragem de litígio 
e acumula, com o tempo, a função também de hermeneuta exclusivo das normas 
que comportam aquela sociedade. Uma sociedade assim constituída e revestida 
com o manto do sagrado, acaba por gerar duas consequências: a primeira é que 
as normas são impostas com força obrigatória e aquele que exerce o oficio de 
‘arbitrar litígio e interpretar as normas’ passa a ser legitimado como autoridade 
normativa. Tanto a norma como o poder fático, ambos, estão legitimados pela 
força do sagrado. (DD I, p. 180) Significa que esse poder pré- estatal, que dá 
ensejo a um direito tradicional de característica fática, é mantido sob a força 
da autoridade sagrada e também do poder social, entendendo por poder social, 
nas sociedades tradicionais, o privilégio e o prestigio de caciques, sacerdotes, 
famílias e outros na hierarquia do estamento social. (DD I, p. 176) Poder 
sagrado e poder social confluem para a formação de uma jurisdição com força 
de imposição obrigatória, servindo-se de ameaças de sanção. Não se trata mais 
de normas de cunho sagrado com força impositiva do ponto de vista ético. A 
imposição normativa passa a decorrer do poder fático constituído da junção 
do poder sagrado e do poder social que juízes, chefes, reis e sacerdotes gozam 
na estrutura social. Desse modo Habermas justifica sua tese de que há uma 
simultaneidade no surgimento do direito e do poder político. “A autorização 
do poder através do direito sagrado e a sanção do direito através do poder social 
realizam-se uno acto”.(DD I, p. 180)
Porém, com o Estado organizado de acordo com o direito caminha-se 
para a autonomia e independência que o Estado passa a dispor, pois, ele próprio 
passa a deter um poder que lhe é próprio: um poder organizado pelo Estado. O 
Estado passa a se servir do direito como um meio de organização em condições 
de, inclusive, realizar fins coletivos sob a força de decisões obrigatórias. (DD 
I, p. 181) O direito passa a compor a estrutura do Estado por intermédio 
de seus tribunais, assumindo, assim, a “função de estabilizar expectativas de 
comportamento generalizadas temporal, social e objetivamente”. (DD I, p. 181) 
A estabilização de expectativas de comportamento dada pelo direito implica, de 
certa forma, no desenvolvimento do que se entende por “segurança jurídica”, 
CONFLITO E DISSENSO NA CONTEMPORANEIDADE 13
uma forma de assegurar aos destinatários do direito calcularem estrategicamente 
suas ações à luz das consequências de comportamento. (DD I, p. 182)
Ao dar forma jurídica ao poder político, o direito serve de meio para a 
organização do poder do Estado. E na medida que o Estado reforça as decisões 
judiciais, ele contribui para a consolidação do direito e de todo o corpus jurídico 
que é produzido pelos tribunais quanto à pronúncia acerca do que é direito ou 
não. Há, nesse aspecto, segundo Habermas, a utilização do poder (entenda-se 
poder estatal) “para a institucionalização política do direito”. (DD I, p. 182) 
O direito, assim, não se ocupa apenas com a sua função própria e peculiar 
de estabilizar expectativas de comportamentos sociais, mas assume uma função 
recíproca com o Estado, na medida em que serve de meio para a organização do 
poder político. (DD I, p. 183.
4 PRAGMÁTICA, ÉTICA E MORAL
É importante notar que o princípio do discurso, fomentador do 
entendimento por meio do processo comunicacional, ao ser aplicado à regulação 
simétrica de interações em um circulado ilimitado de destinatários, configura-se 
como discurso moral. Mas, ao ser aplicado a um contexto interacional limitado, 
na qual as normas suscitadas assumem uma forma jurídica, o princípio do 
discurso avoca diferentes tipos de discursos – pragmático, ético e moral – além 
de negociações. (DDI, p. 199) Na formação política da vontade os discursos são 
plurais e a admissibilidade dos mesmos apenas reforça a integralidade de uma 
razão prática complexa para um modelo de sociedade igualmente envolto em 
complexidade.
O discurso apresenta-se diante de casos de conflitos de ação que exigem 
resposta à pergunta “O que devemos fazer?”. Uma resposta presumivelmente 
racional exige a formação da opinião e da vontade que assume posicionamentos 
distintos. Quando se trata da ‘resolução de fins coletivos’ ou de ‘meios para se atingir 
determinados fins’, assume-se uma postura teleológica e pragmática; quando 
se trata de ‘regulamentação normativa de convivência’, assume-se a postura de 
tentar entender o comportamento que se pode esperar uns dos outros. São 
planos distintos apresentados na esfera quotidiana e que expressam maneiras 
diferenciadas de lidar com a estrutura pragmática, ética e moral da razão prática.
A diferença fundamental apresentada por Habermas está posto quando 
tais questionamentos em relação ao que devemos fazer são colocados com o fito 
inquirir a ‘formação política da opinião e da vontade’. Aqui, trata-se de uma 
‘formação da opinião e da vontade’ que é política e está inclusa no código do 
DIREITO NEGOCIAL E OS MECANISMOS CONTEMPORÂNEOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS14
direito e do poder. Nesse contexto, os cidadãos deliberam, mas o resultado de 
tais deliberações fica à encargo de instancias de poder que dispõem de condições 
para viabilizar a implementação das mesmas. A questão “o que devemos fazer?” 
quando colocada sob a perspectiva da política, com o objetivo de criar leis ou 
políticas públicas, sofre modificações de acordo com a matéria a ser regulada. E, 
nesse caso, Habermas considera o uso da razão prática sob enfoques diferenciados 
da pragmática, da ética e da moral. (DD I, p. 200)
Questões pragmáticas envolvem ou a ‘escolha pragmática de meios’ 
ou a ‘avaliação racional de fins à luz de valores’. Trata-se, respectivamente, da 
ponderação pragmática de meios e da ponderação de fins sob a orientação 
de valores partilhados. (DD I, p. 200) Em ambos há uma compreensão de 
imperativos condicionados ao saber empírico daqueles que manejam os discursos 
pragmáticos.
Mas, quando os valores, eles próprios, se tornam problemáticos e objetos 
de reflexão, então, a tematização discursiva expande além do caráter meramente 
teleológico, exigindo, pois, uma autocompreensão coletiva dos valores que 
pretendem servir de padrão afim de realizar projetos comuns de vida. Situações 
assim resultam na revisão de valores que informam a autocompreensão 
cultural e política de uma comunidade historicamente determinada. “O 
esclarecimento dessa autocompreensão é dado por uma hermenêutica que se 
apropria criticamente das próprias tradições, contribuindo deste modo para a 
conscientização intersubjetiva de convicções axiológicas e orientações de vida 
autenticas”. (DD I, p. 201)
Habermas deixa bastante claro que a ‘formação política da opinião e da 
vontade’, ao contemplar discursos pragmáticos – que pressupõe a escolha de 
estratégias de ação adequadas a fins adequados – e discursos ético-políticos – 
que leva em conta valores apreciados como bons à realização social –, deve, 
igualmente, contemplar discursos morais, os quais pressupõem avaliar se 
aquilo que foi considerado ‘adequado’ ou ‘bom’ pode ser ‘justo’, a saber: aceito 
simetricamente por todos. “Em discursos morais, a perspectiva etnocêntrica de 
uma determinada coletividade se alarga, assumindo a perspectiva abrangente de 
uma comunidade comunicativa não-circunscrita”. (DD I, p. 203)
Contudo, quando se trata da ‘formação discursiva da opinião e da 
vontade de um legislador político’ há de se levar em conta a interligação que 
Habermas aponta existir entre “normatização jurídica e a formação do poder 
comunicativo”. (DD I, p. 204) A explicação dessa relação perpassa a lógica de 
argumentação que parte dos discursos pragmáticos, passando pelos discursos 
éticos, além de negociações, até alcançar os discursos morais e alcançarem a capa 
CONFLITO E DISSENSO NA CONTEMPORANEIDADE 15
normativa, a saber, o controle jurídico das normas. (DD I, p. 204) Habermas 
apoia-se na mutação da relação razão e vontade que marca o sentido do dever-
ser e dos “imperativos” no interior da razão prática. Assim diz: “as constelações 
formadas pela razão e pela vontade modificam-se de acordo com os aspectos 
pragmáticos, éticos e morais da matéria a ser regulada”. (DD I, p. 205)
A formação política da vontade, por envolver questões de ordem 
política, se move de acordo com a pauta dos assuntos disponibilizados. Por 
exemplo, em se tratando de programas de governo a serem executados, cabem 
os discursos pragmáticos que avaliarão as consequências possíveis da escolha 
racional desses programas enquanto fins ou a escolha de meios estratégicos para 
realizá-los. Neste caso, não se está diante da “formação racional da vontade”, 
mas de uma necessária postura pragmática. Quando, ao contrário, se está diante 
questionamentos valorativos, eticamente relevantes para a sociedade, como 
problemas ecológicos, étnicos, culturais e religiosos, o discurso ético-político se 
encarrega de buscar um auto entendimento acerca desses problemas conflitantes 
tornado reflexivo os valores que a comunidade preserva de forma consciente. As 
questões morais, por sua vez, ao colocarem problemas que ultrapassam a ordem 
valorativa, como problemas relacionados a aborto, formas de punibilidade no 
direito penal, distribuição de riquezas, etc., exigem um teste de generalização 
universal, ocupando-se, para esse fim, da matriz de direitos e princípios 
fundamentais configurados constitucionalmente.
A questão, contudo, foge desse parâmetro tripartite da razão prática 
quando se deparacom interesses não passiveis de universalização ou com valores 
que não encontram concordância absoluta na estrutura complexa e plural da 
sociedade. Nesses casos adentra-se na esfera das negociações. “Processos de 
negociação são adequados para situações nas quais não é possível neutralizar as 
relações de poder, como é pressuposto dos discursos racionais”. (DD I, p. 207)
Significa, pois, que na esfera legislativa os partidos podem não alcançar um 
“acordo racionalmente motivado” por intermédio de discursos racionais, mas, 
tão-somente firmar um “compromisso”, aceito pelas partes por razões distintas 
e não propriamente por consenso. A negociação, mesmo não conseguindo 
‘neutralizar as relações de poder’, pode, ainda assim, ‘equilibrar os interesses 
conflitantes’. (DD I, p. 207) 
Habermas deseja mostrar que as negociações comportam o princípio 
do discurso, na medida em que este viabiliza condições de imparcialidade e 
um equilíbrio mínimo de ‘consenso não-coercitivo’. “Negociações justas não 
destroem, pois, o princípio do discurso, uma vez que o pressupõem”. (DDI, p. 
209) Com isso, demonstra-se que não há como reduzir a “formação política da 
DIREITO NEGOCIAL E OS MECANISMOS CONTEMPORÂNEOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS16
vontade” à “formação de compromissos”, já que as negociações, elas próprias, 
trafegam nas condições dadas pelo princípio do discurso e isso, por si só, permite 
ligar todos os discursos à justificação moral que, em sequência, aparecem 
revestidos em linguagem jurídica.
REFERÊNCIAS
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Responsabilidade Social e Moral Pós-convencional: os desafios normativos da Empresa 
Contemporânea. In: CAMPOS, Adriana Pereira; NEVES, Edson Alvisi; HANSEN, 
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PIZZI, Jovino. O Mundo da Vida: Husserl e Habermas. Ijuí: Editora Unijuí. Coleção 
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RODRIGUES, Maria Cecília Prates. Ação Social das Empresas privadas: como averiguar 
resultados? A metodologia EP2ASE. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
considEraçõEs jusfilosóficas acErca 
dos mEios altErnatiVos para a rEsolução 
dE conflitos: uma pErspEctiVa Kantiana
Elve Miguel Cenci
Doutor pela UFRJ e docente do Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de 
Londrina.
Mais conhecida pela Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e 
Crítica da Faculdade do Juízo, marco de toda a fi losofi a, a obra do fi lósofo 
alemão Immanuel Kant é muito mais vasta e rica nos temas e problemas 
discutidos. Se obras como a Metafísica dos Costumes ou a Fundamentação da 
Metafísica dos Costumes são marcos teóricos para o debate ético e jurídico, não 
menos importância tem os pequenos ensaios escritos pelo fi lósofo que, apesar da 
brevidade na extensão e da linguagem mais acessível, não comportam menor grau 
de rigor na análise fi losófi ca. Na lista desses textos mais curtos, um em especial 
merece destaque para nossa discussão. O opúsculo Beantwortung zu der Frage: 
Was ist Aufklärung? (Resposta à pergunta: o que é o Esclarecimento?), publicado 
originalmente no fi nal de 1784 no Mensário Berlinense, objetivava como artigo 
de jornal atingir um público mais vasto e amplo do que o estritamente fi losófi co. 
A própria linguagem denuncia tal pretensão, menos árida e densa mas não 
menos profunda do que a das Críticas.
O texto kantiano citado é de fundamental importância para a discussão 
em torno do eixo norteador da obra coletiva aqui escrita a muitas mãos, focada 
no debate em torno dos meios alternativos de resolução de confl itos, por abordar 
aquele que provavelmente seja o aspecto mais importante do diálogo que a 
obra pretende: o resgate da autonomia do sujeito na condução e resolução das 
demandas que, hoje, congestionam as varas do Poder Judiciário. Para abordar 
capítulo ii
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos18
a temática o presente capítulo se divide em duas partes: i) Kant e o conceito de 
esclarecimento; ii) a busca alternativa de resolução de conflitos à luz da filosofia 
kantiana.
1 KANT E O CONCEITO DE ESCLARECIMENTO
Kant (2005, p. 63) começa o opúsculo definindo Aufkärung1. Para ele, 
esclarecimento é “a saída do homem da menoridade, da qual ele próprio é 
culpado”. Kant entende a menoridade como sendo a “incapacidade de fazer 
uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo”. E o culpado pela 
menoridade, com exceção dos casos em que falta o entendimento, é o próprio 
homem, movido pela falta “de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem 
a direção de outrem”. Por fim, Kant ressalta que o lema do esclarecimento está 
condensado na máxima sapere aude ou “tenha coragem de fazer uso do próprio 
entendimento”. 
Apresentamos quase literalmente esse primeiro parágrafo do texto por 
estar carregado de significados. Logo de início, Kant vincula o esclarecimento 
entendido como um processo que o homem necessita fazer mediante o uso 
da razão à menoridade, e culpa o próprio indivíduo pelo fato de ser menor. 
Ou seja, aquele que por falta de “decisão e coragem” se torna dependente dos 
outros, dos tutores, dirá Kant em outro momento do texto, é o responsável 
pela sua própria condição. Ao mesmo tempo que faz o diagnóstico, Kant já 
indica o remédio: ousar saber, fazer uso do entendimento. Esse é o antídoto à 
menoridade.
Para Kant é fato que muitos homens continuam menores a vida toda sem 
que isso constitua um problema, ou seja, passam pela vida sem “ousar saber”, 
ou, de forma mais precisa, ao não fazerem uso do entendimento, tornam-se 
dependentes dos outros. Tal postura normalmente tem como causas “preguiça” 
e “covardia”. O problema, prossegue Kant, é que é “cômodo ser menor”, e 
nesse sentido é fácil compreender as razões do por que os homens preferem 
que tutores indiquem seus caminhos em vez de agir por conta própria. O tutor 
pode ser qualquer um: um livro, um diretor espiritual ou um método. Com a 
1. Como toda expressão dotada de múltiplos significados, a tradução do termo Aufklärung para o português 
comporta algum grau de dificuldade. Os tradutores se dividem entre dois grupos: aqueles que optam pelo 
termo iluminismo e os que preferem esclarecimento. Iluminismo é uma expressão literalmente mais próxima 
do termo alemão, no entanto pode levar à confusão ao restringir o entendimento do conceito a uma época 
ou movimento histórico delimitado. O termo não se limita ou se restringe ao “século das luzes” ou “época 
da ilustração”. Já esclarecimento retrataria melhor o conceito kantiano ao explicitar um “processo”. Essa é a 
opção de Floriano de Souza Fernandes. Já Artur Mourão opta pelo termo iluminismo. A questão é inconclusiva, 
e as duas versões comportam argumentos favoráveis e contrários. No presente texto optamos pelo termo 
esclarecimento por ser o mais utilizado no Brasil.
ConsideraÇÕes jusFiLosÓFiCas aCerCa dos Meios aLTernaTiVos Para a resoLuÇÃo de ConFLiTos 19
crítica, Kant não quer afirmar que tais meios sejam desnecessários, isto é, que 
a dieta não deva seracompanhada por um médico, por exemplo, mas ataca a 
dependência criada em torno dessas figuras.
Para Kant, apesar do fácil diagnóstico, o problema reside no fato de a 
maioria da humanidade considerar a ruptura com a dependência e a sua superação 
algo “difícil e perigoso”. Essa dificuldade em grande parte é potencializada pela 
ação de tutores. Quem age tutelado e é desestimulado sentirá dificuldade ante 
os atos mais simples se for fazê-los sozinho. Nesse sentido, para Kant, o uso do 
entendimento guarda analogia com o andar. A exemplo da criança que cai nas 
primeiras tentativas que faz para se locomover sem o apoio da mãe ou do pai, 
da mesma forma o indivíduo, se desestimulado, tende a não tomar novamente a 
iniciativa após as primeiras tentativas para pensar por conta própria. 
Se ampliarmos a análise kantiana para a sociedade, perceberemos que 
é muito mais difícil que “um indivíduo ouse fazer uso do entendimento sem 
a tutela de outrem” do que uma coletividade. Nas palavras de Kant (2005, p. 
64), a menoridade é quase que uma “segunda natureza”, ou seja, é como se a 
dependência dos tutores fosse incorporada pelo indivíduo como uma condição 
biológica em relação à qual não há muito o que fazer, a não ser capitular. Por 
ter tido suas possibilidades limitadas pela própria condição, o homem acaba por 
“amar os grilhões que o aprisionam”. 
O mecanismo utilizado para a permanência dos indivíduos na 
menoridade é o uso de “preceitos e fórmulas”. Nessa perspectiva, o mais 
adequado é pensar segundo comandos previamente determinados. Os tutores 
fazem a sua parte ao reforçar o como agir já previamente determinado. Cabe 
ao indivíduo, por sua vez, obedecer e seguir o comando. Aqui estaria a razão 
por que poucos indivíduos saem da menoridade, uma vez que qualquer 
tentativa representaria um “salto no escuro” para quem não está habituado e é 
desestimulado de tentar. 
Essa ruptura, no entanto, é possível porém penosa. E será mais penosa se 
o postulante for um indivíduo ao invés de uma coletividade. Porém, para que 
isso aconteça, uma condição terá que ser observada: a liberdade (KANT, 2005, 
p. 65). Nesse sentido Kant é otimista, pois com ela não só o esclarecimento se 
torna uma possibilidade real, mas será muito difícil contê-lo. Uma razão para 
que tal fato ocorra é que entre os indivíduos ou até entre os tutores existem 
sujeitos que pensam por conta própria. Os tutores, como ressaltado, após terem 
expulsado de si a menoridade, podem difundir a atitude de “pensar por si 
mesmo”. Essa é a conduta do esclarecimento. O paradoxal nesse processo é que, 
caso os tutores optem por romper com os grilhões da menoridade, serão eles 
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos20
próprios contidos pelos antigos tutelados. É por essa razão que Kant acredita 
que o esclarecimento é algo que só acontece de forma muito lenta. 
Ao refletir sobre o processo de esclarecimento na perspectiva da 
coletividade, Kant (2005) introduz uma importante reflexão sobre as revoluções. 
Normalmente associadas à ruptura com um determinado modo de pensar, 
os revolucionários tendem a pensar que basta a queda do despotismo para a 
implantação de um novo modo de pensar. Ocorre que um levante até pode 
acabar com uma determinada forma de despotismo que vigora no momento, no 
entanto o fim da opressão imediata não significa que a antiga forma de pensar 
vá igualmente mudar. O que normalmente ocorre é simplesmente a substituição 
do velho pelo novo, saem velhos preconceitos, entram novos.
O caminho para o esclarecimento passa por outras searas. Depende como 
condição de possibilidade da liberdade. E liberdade para fazer “uso público da 
razão”. No cotidiano a prática recorrente é oposta a esse princípio. O tempo todo 
ouvimos o preceito da obediência e não o uso público da razão como conduta a 
ser seguida. O uso público, segundo Kant (2005, p. 66), pode ser compreendido 
como aquele que um homem faz, na condição de sábio ou douto2, perante o 
mundo letrado. Em outras palavras, utilizando-se do espaço proporcionado por 
um jornal, a exemplo do que Kant faz com a publicação do artigo que serve 
de base para o presente texto, o indivíduo opina sobre determinado assunto 
dialogando com seus interlocutores em potencial. 
Obviamente que nem sempre o indivíduo deve adotar tal conduta perante 
as situações cotidianas. No exercício de certas funções públicas, kant entende 
que é mais conveniente que se faça “uso privado da razão” (KANT, 2005, p. 
66). Não seria conveniente que todo aquele que pensa algo diferente acerca do 
seu ofício aplicasse imediatamente no exercício de uma função que lhe tenha 
sido confiada. O espaço para propor algo novo, crítico, é o do sábio e não o do 
executor na consecução de determinado ofício. Kant parece querer resguardar 
a sociedade do risco da anarquia. Já na condição de sábio, isto é, de “cidadão 
do mundo” e não na situação de executor de uma função, o cidadão pode e 
deve manifestar-se publicamente3. O exemplo citado por Kant que ilustra o 
2. Sábio ou douto aqui não signfica uma categoria em especial, mas todo aquele que opta por participar de 
um debate público sobre determinado assunto. Se pensarmos uma tradução para o nosso tempo, diríamos 
que o Gelehrter kantiano é todo aquele indivíduo que faz uso do seu direito de se manifestar sobre assuntos 
de relevância coletiva nos múltiplos fóruns de debate. Assim como no tempo de Kant, as colunas dos jornais 
continuam a valer como espaço de debate, acrescidas dos meios de comunicação tradicionais como rádios e 
tvs e das novas mídias. Alguns blogs são até mesmo mais lidos e mais influentes do que os tradicionais cadernos 
de política ou economia.
3. Se colocássemos hoje a mesma pergunta proposta por Kant mais de dois séculos atrás, isto é, se vivemos ou não 
uma época de esclarecimento, talvez tivéssemos a mesma resposta. Vivemos em uma época em esclarecimento. 
Em alguns campos do saber, sobretudo aqueles que envolvem preceitos religiosos e autoridade, ainda impera 
ConsideraÇÕes jusFiLosÓFiCas aCerCa dos Meios aLTernaTiVos Para a resoLuÇÃo de ConFLiTos 21
debate é atual e esclarecedor. Não pode o sujeito recusar-se a pagar tributos 
por desaprová-los, fato que poderia provocar uma situação de “desobediência 
geral”. No entanto, mesmo cumprindo rigorosamente com a obrigação, tal fato 
não impede que esse mesmo indivíduo critique ou manifeste seu entendimento 
divergente acerca da obrigação ou conveniência de determinado tributo. 
As questões até agora apresentadas buscam explorar uma ideia central do 
pensamento de Kant: a necessidade de o homem pensar livre de condicionamentos 
e, portanto, manifestar-se sem impedimentos. Trata-se, como ressaltado, da 
possibilidade de fazer uso público da razão. Usar publicamente a razão significa 
poder falar ou escrever publicamente sobre qualquer questão, isto é, refletir 
sobre as práticas e condutas para, na sequência, externá-las. Esse pensamento 
livre de amarras e tutores constitui o núcleo da ideia kantiana aqui explorada 
de um sujeito autômomo. Se hoje escrever um artigo no jornal para criticar 
uma iniciativa governamental ou opinar sobre um tema polêmico figura como 
normal por vivermos em uma democracia, o mesmo não ocorria no tempo 
de Kant. É por isso que em determinada altura da discussão surge a pergunta 
“vivemos agora em uma época esclarecida”? e Kant responde: “não, vivemos em 
uma época de esclarecimento” (KANT, 2005, p. 69). A colocação da pergunta 
não é por acaso. Na sequência Kant responde que falta muito ainda, sobretudo 
em matéria religiosa. O tema religião não surge como mero exemplo. Kant havia 
sido proibido por Guilherme Frederico II, em 1792, de escrever e lecionar sobre 
a matéria. Reconhece, no entanto, que sobre artes e ciências a ingerência dos 
tutores não é similar por “falta de interesse”.
Se pensar de forma autônoma significa romper com tutores e pensar livre 
de preceitos e fórmulas, implica também colocar-se no lugar dooutro, alargar o 
pensamento. Essa importante discussão está presente na Crítica da Faculdade do 
Juízo, mais especificamente no § 40. Nessa parte da obra, Kant (1995, p 139) 
introduz inicialmente a noção de entendimento humano comum. Esse conceito 
pressupõe algo que todo homem deva possuir, mesmo que não implique em um 
pensamento mais elaborado. Esse é o motivo por que a expressão também recebe 
a denominação pejorativa de senso comum (sensus communis). Possuir o senso 
comum, portanto, não implica em nenhum mérito. 
No entanto Kant destaca que a compreensão do conceito de sensus 
communis deve seguir em outra direção, isto é, deve-se substituir a percepção do 
o obscurantismo. O debate político, mesmo levado a termo no interior do Estado laico, ainda é em muitos 
momentos permeado pelo obscurantismo. Não o do fenômeno religioso, mas o do dogmatismo inerente a 
determinadas condutas e compreensões religiosas. Da mesma forma no meio acadêmico, exatamente aquele 
local que deveria ser o celeiro do pensamento livre de preceitos e fórmulas, sobretudo em parte das instituições 
privadas, é praticamente nula a possibilidade de pensar livremente e refletir sobre as práticas institucionais. Falar 
algo é o primeiro passo para ser imediatamente desligado da instituição. 
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos22
senso comum pela “ideia de um sentido comunitário” (gemeinschaftlichen). O 
conceito deve ser entendido como:
[...] a ideia de uma faculdade do ajuizamento que em sua reflexão toma 
em consideração em pensamento (a priori) o modo de representação de 
qualquer outro, como que para ater o seu juízo à inteira razão humana e 
assim escapar à ilusão que, a partir de condições privadas subjetivas – as 
quais facilmente poderiam ser tomadas por objetivas – teria influência 
prejudicial ao juízo (KANT, 1995, p.139-0).
O que Kant propõe é colocar-se no lugar do outro, isto é, olhar a partir 
de um horizonte mais amplo que vai além do indivíduo. 
Em sintonia com essa perspectiva, ainda na Crítica da Faculdade do Juízo 
(§ 40), Kant apresenta três máximas do entendimento humano comum que 
contém princípios importantes para o problema central do presente texto. A 
primeira delas advoga o “pensar por si”. Para Kant pensar por si implica “pensar 
livre de preconceitos”4. Trata-se de uma razão, nas palavras de Kant, não passiva. 
Em oposição a uma razão passiva, heterônoma, temos dois conceitos caros a 
Kant: autonomia e esclarecimento. O sujeito autônomo é aquele que rompe com 
preconceitos e superstições para pensar por si. Pensar por si, como destacado, 
significa adentrar a seara do pensamento esclarecido. Voltamos ao ponto de 
origem da discussão: pensar significa romper com a menoridade, manifestada 
de diversas formas, a exemplo dos preconceitos e superstições, e fazer uso da 
razão de forma autônoma e esclarecida. 
A segunda máxima, igualmente importante, apregoa o pensar no lugar 
do outro. A máxima que nutre essa máxima é o “pensar alargado”, isto é, 
olhar determinada questão ampliando o horizonte de análise. Trata-se de uma 
perspectiva “que reflete sobre o seu juízo desde um ponto de vista universal” 
(Kant, 1995, §). É imaginar-se “do ponto de vista dos outros”. Colocar-se no 
lugar dos outros possibilita construir um juízo ampliado que, em tese, no caso 
concreto permite que se chegue à solução de um conflito ou entendimento 
sobre determinada matéria. Mesmo diante de uma contenda, a postura de olhar 
o problema de forma mais ampla do que a perspectiva meramente privada já 
representa um importante passo para o entendimento. 
A terceira máxima proposta por Kant é o “pensar consequente”. Para 
Kant ela é a mais difícil de ser atingida e só pode ser obtida pela observância 
das outras máximas explicitadas. Age de forma consequente quem pensa por 
si, isto é, pensa livre de preconceitos, de forma esclarecida e coloca-se no 
4. Em sentido kantiano, a noção de preconceito deve ser pensada como “princípio que gera juízos falsos”, isto 
é, preconceito não é consequência mas causa que gera consequências. É com base no preconceito que são 
gerados efeitos decorrentes do mesmo. (KANT, 1995, p. 141)
ConsideraÇÕes jusFiLosÓFiCas aCerCa dos Meios aLTernaTiVos Para a resoLuÇÃo de ConFLiTos 23
lugar dos outros, ampliando o horizonte de referência em uma perspectiva 
universalista.
2 COMO PENSAR A BUSCA ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS À 
LUZ DA FILOSOFIA KANTIANA
Se observarmos o papel do mediador na busca pela resolução de 
determinado conflito, veremos que em muitos casos o seu papel é auxiliar as 
partes no papel de filtrar o que é essencial para a boa resolução da demanda, 
visando chegar ao entendimento, e descartar ruídos e questões secundárias, 
normalmente de natureza privada, a exemplo de sentimentos como raiva, 
competição, vaidade ferida, etc. Tais empecilhos, apesar de reais e de efetivamente 
atrapalharem a busca de uma solução satisfatória, não sobrevivem ao crivo da 
segunda máxima citada, uma vez que, ao colocar-se no lugar do outro, ou na 
linguagem kantiana pensar a partir de uma perspectiva universalista, teriam que 
ser expurgados e deixados de lado. 
Indubitavelmente a mediação na área de família é a que mais enfrenta o 
desafio de separar questões privadas, sobretudo sentimentos negativos muitas 
vezes acumulados ao longo de décadas, daqueles temas que deveriam ocupar 
centralidde no processo de deliberação. No momento em que questões mais 
objetivas são colocadas para deliberação, a exemplo da guarda dos filhos, pensão 
alimentícia, educação, direito de visita, etc, todos temas passíveis de resolução 
mediante entendimento, a possibilidade de acordo em sintonia com o melhor 
interesse para os filhos menores é sabotada por esses fatores não resolvidos. 
Questões dessa natureza não podem ser vistas como disputa para ver quem 
ganha, quem tem mais força, como um litígio qualquer. Fundamentalmente 
exigem um outro olhar, não “aversarial” mas que olhe o conflito de forma 
“integral”. Ao tratar sobre o instituto da mediação, Muniz (2006, p. 244) assim 
se manifesta:
Dentre estes institutos, a mediação, em especial, é um mecanismo 
diferente do modelo tradicional de justiça, cuja tendência é de enxergar 
o mundo por uma ótica jurídica, imutável, condicionada a priorização 
de peças processuais, pela qual a sentença traz a finalidade maior da 
jurisdição, pacificação social, formatado pela litigiosidade e confirmador 
de uma visão adversarial de solução que gera mais conflitos – litigiosidade 
residual contida, pois, solucionar conflitos vai muito além da prolação da 
sentença, depende de uma visão integral da questão e dos envolvidos e 
da possibilidade de intervenção social efetiva para se chegar à pacificação 
social.
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A passagem citada apresenta expressões que representam as bases de 
uma nova perspectiva para a solução de conflitos. Ao invés de adversários que 
aguardam que um terceiro, no caso o juiz, diga quem está com a razão pondo 
fim à disputa mediante sentença prolatada, a mediação leva em conta o contexto 
da demanda e a possibilidade de se chegar a uma solução. Ao invés de transferir 
integralmente para um advogado ou juiz a condução da resolução do conflito, o 
indivíduo participa ativamente da busca do entendimento. Nesse sentido cabe 
aqui a referência a dois conceitos desenvolvidos na primeira parte do texto. O 
primeiro é o conceito de autonomia. Ao dissertar sobre a saída da menoridade, 
Kant ressalta exatamente a necessidade de o indivíduo fazer uso do próprio 
entendimento. Ser menor significa abdicar dessa prerrogativa em favor de um 
tutor que resolva as minhas demandas. Por que assumir a resolução de um 
conflito se posso simplesmente pagar para que alguém o faça? Por que buscar o 
entendimento se o juiz decide por mim? A cultura litigante5 instaurada em nossa 
sociedade mostra como a maioria dos conflitos que poderiam ser resolvidospelos próprios envolvidos acabam nas salas dos tribunais ou até mesmo na corte 
maior. Sobretudo em casos de menor importância, sujeitos que poderiam por 
conta própria ou com auxílio de terceiros6 resolver tais demandas recorrem 
sistematicamente ao juidiciário-tutor para que este dê uma resposta definitiva 
e diga quem está certo. 
O que implica no século XXI fazer uso do entendimento sem a direção 
de outras pessoas? O que significa não ser tutelado? Kant ressalta a necessidade 
de fazer uso do entendimento nos limites e possibilidades de cada indivíduo. 
Porém, se não o faz mesmo podendo, age como menor. O exemplo da dieta é 
ilustrativo. Por que retornar ao médico sistematicamente para que seja dito o 
que fazer se basta seguir a dieta já recomendada? O médico é, sim, necessário 
na medida da sua competência, porém existe o papel do indivíduo de tomar 
conta da sua dieta e segui-la. Há, aqui, o papel do indivíduo autônomo que faz 
o que precisa se feito. Por analogia, advogados, juízes e tribunais são necessários. 
O acesso à justiça é condição básica em qualquer sociedade democrática. Na 
nossa, infelizmente, sequer temos uma defensoria pública institucionalizada de 
forma minimamente aceitável. A questão aqui, no no entanto, é outra. Por que 
5. Dados do Conselho Nacional de Justiça divulgados no final de 2013 mas relativos a 2012 mostraram que 
existiam no Brasil, à epoca, 92,2 milhões de ações em tramitação. 
6. Em décadas passadas, sobretudo no campo, os conflitos eram administrados por pessoas da própria 
comunidade que, munidas de sua autoridade espontânea exercida no meio social, intercediam em favor 
do entendimento das partes em conflito. Davam conselhos, propunham soluções, hipotecavam a “palavra” 
em nome de uma solução pacífica e duradoura. As demandas não chegavam ao Poder Judiciário, posto 
encontrarem solução dentro da própria comunidade. Em muitas comunidades esse papel era iniciado por 
membros do grupo e finalizado pelo padre ou pastor. 
ConsideraÇÕes jusFiLosÓFiCas aCerCa dos Meios aLTernaTiVos Para a resoLuÇÃo de ConFLiTos 25
acessar o judiciário para uma infinidade de questões, inclusive problemas do 
“mundo da vida”7, que poderiam e deveriam ser resolvidas de outras formas 
ou por outros meios? Se não vivemos mais em sociedades tradicionais onde as 
divergências eram resolvidas pelos anciões ou líderes religiosos, temos outros 
mecanismos alternativos, céleres e eficientes para a resolução de conflitos sem, 
necessariamente, recorrer ao Poder Judiciário.
Porém o próprio Kant ressalta que, se por um lado é culpa do próprio 
indivíduo essa condição de menoridade, por outro é difícil ter coragem para usar 
o entendimento. O problema é que é cômodo ser menor, afinal por que resolver 
uma demanda se posso simplesmente pagar transferindo para um advogado 
ou para ou juiz a responsabilidade pela decisão? Não se trata de descartar a 
importância do Poder Judiciário, mas por que transferir a decisão para outros 
se posso eu mesmo deliberar? Quando a demanda assim o exigir, aí sim cabe ao 
magistrado prolatar a sentença. 
Provavelmente a expressão mais feliz que sintetiza a contribuição kantiana 
para o debate esteja contida na passagem em que nosso autor diz: “…não tenho 
a necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar”. Poderíamos 
incluir um exemplo a mais: por que buscar a resolução de um conflito se 
posso simplesmente pagar um advogado para resolver o problema por mim? 
Por que buscar o entendimento se um juiz pode resolver e decidir ao término 
da contenda? Posso inclusive transferir ao magistrado a responsabilidade pelo 
sucesso ou insucesso da demanda. Passivamente ataco ou elogio a posteriori a 
decisão, lamentando ou festejando. Como ser autônomo poderia ter deliberado 
e construído cooperativamente a decisão, no entanto optei por transferi-la para 
terceiros. 
A menoridade está alicerçada no uso de preceitos e fórmulas. Seguir algo 
já determinado implica em não pensar. Basta obedecer. Essa formação levada a 
termo pelos tutores para a heteronomia faz com que o indivíduo não ouse sair 
da zona de conforto. Se o fizer, tenderá a recuar diante do menor impasse. É por 
7. O conceito de mundo da vida é assim descrito por Habermas: “Podemos imaginar os componentes do mundo 
da vida, a saber, os modelos culturais, as ordens legítimas e as estruturas da personalidade, como se fossem 
condensações e sedimentações dos processos de entendimento, da coordenação da ação e da socialização, 
os quais passam através do agir comunicativo. Aquilo que brota das fontes do pano de fundo do mundo 
da vida e desemboca no agir comunicativo, que corre através das comportas da tematização e que torna 
possível o domínio de situações constitui o estoque de um saber comprovado de prática comunicativa. Esse 
saber consolida-se através dos trilhos da interpretação, assumindo a forma de modelos de interpretação, os 
quais são transmitidos; na rede de interações de grupos sociais ele se cristaliza na forma de valores e normas; 
pelo caminho dos processos de socialização ele se condensa na forma de enfoque, competências, modos 
de percepção e identidades. Os componentes do mundo da vida resultam da continuidade do saber válido, 
da estabilização de solidariedades grupais, da formação de atores responsáveis e se mantêm através deles. A 
rede da prática comunicativa cotidiana espalha-se sobre o campo semântico dos conteúdos simbólicos, sobre 
as dimensões do espaço social e sobre o tempo histórico, constituindo o meio através do qual se forma e se 
reproduz a cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade. (HABERMAS, 1990, p. 96)
direiTo negoCiaL e os MeCanisMos ConTeMPorâneos de resoLuÇÃo de ConFLiTos26
isso que Kant acredita ser mais penoso que um indivíduo saia da menoridade do 
que um público. Faz sentido, afinal não se rompe com uma cultura litigante em 
prol da busca autônoma da resolução de um conflito apenas pela ação isolada de 
um indivíduo. Faz-se mister a construção de uma cultura favorável à busca por 
meios alternativos de resolução de conflitos. 
Nesse sentido o clamor kantiano pelo uso público da razão está 
diretamente relacionado a essa necessidade de o indivíduo agir de forma autôma 
tomando para si a resolução de suas demandas. Assim como Kant preconiza a 
necessidade de se fazer uso público da razão como ato de liberdade e conduta 
em sintonia com o esclarecimento, a cultura da nossa sociedade não estimula o 
pensar ou posicionar-se livre. Isso ocorre nas diversas dimensões da vida social, 
passando pela política, escolhas de consumo, padrões e comportamentos e chega 
às relações interpessoais.
Ao propor a ruptura com tutores e o pensar livre de “preceitos e fórmulas”, 
Kant preconiza a necessidade de enfrentamento diante de determinadas 
concepções arraigadas no pensamento da sua época. Por analogia, no nosso 
tempo, a forma de pensar dominante é a da cultura litigante. Romper com ela, 
agindo seguindo um novo olhar, implica adotar nova perspectiva que não ignora 
o fato de existirem conflitos, mas busca novos caminhos para solucioná-los.
Ao invés da postura de litigantes8 que buscam vencer a disputa, como 
ocorre em alguns casos em que determinada demanda judicial se torna a causa 
da existência9, exige-se do indivíduo que se coloque no lugar do outro, alargue 
o pensamento e vá além. Ampliar o pensamento até a perspectiva do outro 
permite buscar a solução para determinado conflito que é elemento constitutivo 
do humano. O conflito não apenas ocorre na esfera individual entre partes, mas 
é também elemento da vida em sociedade, isto é, dos grupos10. É importante 
ressaltar que o conflito em si não é nem positivo nem negativo. Citando 
Martineli, Muniz (2014) destaca que o conflito é 
8. Como bem destaca Tânia Lobo Muniz no capítulo de sua autoria na presente obra, “… uma das partes 
impõe a sua solução preferida levando a uma resolução rápida e decisiva, porém insatisfatória, uma vez 
que não considera o envolvimento dos demais na questão,

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