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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES ELAINE OLIVEIRA TEIXEIRA O ENSINO DA MÚSICA NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL: Caminho para Construção de uma Educação Cidadã NOVA FRIBURGO 2006 ELAINE OLIVEIRA TEIXEIRA O ENSINO DA MÚSICA NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL: Caminho para Construção de uma Educação Cidadã Monografia apresentada ao Instituto Superior de Educação da Universidade Candido Mendes, Campus Nova Friburgo, como requisito parcial exigido para a conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia, com habilitação em Educação Infantil. Orientador: Prof. Ms. JORGE AYER NOVA FRIBURGO 2006 Teixeira, Elaine Oliveira O ensino da música na educação fundamental: caminho para construção de uma educação cidadã / Elaine Oliveira Teixeira. Nova Friburgo: 2006 90 f. : il.; 30 cm Monografia (graduação em Pedagogia) Universidade Candido Mendes, 2006. Bibliografia: p. 79 - 87 1. Educação e Cultura. 2. Processo de Cognição Musical. 3. Visões sobre a Educação Musical. 4. Música e Cultura – Instrumentos para a Construção de uma Educação Cidadã. I. Título. ELAINE OLIVEIRA TEIXEIRA O ENSINO DA MÚSICA NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL: Caminho para Construção de uma Educação Cidadã Monografia apresentada ao Instituto Superior de Educação da Universidade Candido Mendes, Campus Nova Friburgo, como requisito parcial exigido para a conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia, com habilitação em Educação Infantil. Aprovada em ___/___/2006 BANCA EXAMINADORA __________________________________ Prof. Ms. JORGE AYER – Orientador – UCAM NOVA FRIBURGO 2006 À Nina, minha filha, motivação maior, razão desta conquista. AGRADECIMENTOS A Deus, pela força, ânimo e luz, com os quais me conduziu no decorrer do processo acadêmico. Ao Professor Ms., Helder Teixeira, meu marido, por toda contribuição e provisão para o Curso; Ao meus pais, Alceu Rodrigues de Oliveira e Maria Wanda de Deus Oliveira, que viabilizaram meus estudos pelos cuidados dispensados à Nina; A Nina, minha filha, pelo apoio, incentivo, paciência e, ainda, pelos momentos privados de sua companhia em função do Curso; Ao Professor Ms., Jorge Ayer, grande amigo, por sua preciosa atuação na área acadêmica e, sobretudo, pela magnífica orientação monográfica e, também, de vida; A Coordenadora Ângela M. Padilha Pirazzo, pelo carinho e disposição em servir; A Professora Lúcia Porto (1os períodos), pela valiosa atuação na disciplina: Pesquisa e Prática Pedagógica; A todos os demais professores, com os quais tive o privilégio de conviver e absorver seus ensinamentos; Ao meu grupo de trabalho, Cildea, Fernanda, Jane e Íris, pela gostosa convivência e pelo caminho que, juntas, percorremos; Ao amigo Willian Júnior Sather Moliari, pela indireta, porém, fundamental participação nesta conquista; A Íris Reis Lima, colega de classe, pelo apoio oferecido durante minha licença médica e pelo material adquirido no Fórum de Educação em Porto Alegre, com o qual, gentilmente, contribuiu para o enriquecimento de minha pesquisa; A Ignez Coelho, minha tia, pela torcida e apoio, especialmente, nos momentos difíceis; Aos colegas de classe, pelo prazer da companhia e pelos inesquecíveis momentos de construção e de descontração; A Suzane Lima, grande amiga, pela gentil colaboração na correção do abstract; E, a todos meus familiares e amigos, que de alguma forma, participaram deste momento. “Quero defender uma idéia bastante simples: que a música é feita para ser bela e para proporcionar experiências de beleza, e que a beleza existe para dar alegria, a alegria estética, que é uma alegria específica, diferente dos prazeres de que habitualmente desfrutamos, e que constitui um dos aspectos da alegria cultural.” Georges Snyders RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo suscitar uma reflexão sobre o ensino da música nas primeiras séries da Educação Fundamental. Para isso, traz como referencial teórico Jean Piaget e Keith Swanwick. As informações e demais autores que formam a estrutura do trabalho, foram coletados através de consulta à literatura que aborda o tema com maior especificidade. A pesquisa busca investigar como a inserção da música pode contribuir para a construção de uma educação cidadã, onde os alunos tenham mais prazer no processo do aprendizado, do que no resultado final que ele venha a apresentar. Portanto, uma educação voltada para o presente, onde a intenção primeira é atender ao interesse manifestado pelo aluno e, simultaneamente, a aplicação dos conteúdos essenciais ao aprendizado musical (dentro dos parâmetros apontados nesta pesquisa). Palavras-chave: Educação. Cultura. Cognição. Música. Cidadania. ABSTRACT The purpose of this research is to elicit a reflexion about musical education in the first grades in elementary schools; starting from Jean Piaget’s and Keith Swanwick’s theoretical references. This information and of others authores were collected on the literature which embrace this subject in detail. The research seeks to investigate what the insertion of the music it can contribute, aiming a citizenship education on gives students more pleasure in the learning process than in the final result that they mighit otherwise achieve. Therefore, on education focused in the present in which the main purpose is to consider interests manifested by the students and, at the same time, apply the essential contents to musical learning (withim the parameters shown in this research). Key-words: Education. Culture. Cognition Musical. Music. Citizenship. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO, p. 12 2 EDUCAÇÃO E CULTURA, p. 14 2.1 As Funções da Escola, p. 14 2.1.1 Socialização, p. 15 2.1.2 Vínculos Culturais e Reflexos Sociais, p. 23 2.2 Sobre Cultura, p. 26 2.2.1 Conceitos de Cultura, p. 29 2.2.2 Cultura como Diversidade, p. 30 2.2.3 Cultura Globalizada, p. 32 2.3 Desafios para o Educador Musical na Sociedade G lobalizada, p. 34 3 PROCESSO DE COGNIÇÃO MUSICAL, p. 36 3.1 Cognição segundo Jean Piaget, p. 37 3.1.1 Os Estágios e a forma de contato com a Música, p. 41 3.1.2 Aplicações da Teoria de Piaget à Educação Musical, p. 46 3.2 A Cognição Musical segundo Keith Swanwick, p. 4 9 4 VISÕES SOBRE EDUCAÇÃO MUSICAL, p. 59 4.1 História da Educação Musical no Brasil, p. 61 4.2 Modelos Atuais, p. 65 5 MÚSICA E CULTURA – INSTRUMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ, p. 69 5.1 A prática Musical na Educação Fundamental, p. 7 1 6 CONCLUSÃO, p. 75 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 79 ANEXOS, p. 88 12 1 INTRODUÇÃO Desde o Séc. XIX, inúmeros caminhos pedagógicos vêm sendo traçados para uma sistematização da educação musical nas escolas brasileiras. No entanto, a maioria das propostas desenvolvidas abordam a educação musical amparada nos parâmetros tradicionais de ensino, que enfatizam a transmissão do conhecimento. Devido a falta de um planejamento eficiente e a precariedade do sistema educacional do país, estas propostas tiveram, sistematicamente, suas trajetórias interrompidas. De imediato, aparecem os resultados: o prejuízo causado às crianças, privando-asdo aprendizado musical e a interferência negativa, embora indireta, causada no desenvolvimento cultural de nossa sociedade. Porém, com a contribuição de estudos sobre o ensino musical, de forma contextualizada e significativa, pesquisadores do universo musical vêm lançando um novo desafio aos educadores musicais: a aplicação de um ensino pautado no interesse manifestado pela criança, onde ela terá mais prazer no processo de aprendizagem, do que, propriamente, em seu resultado final. Assim, esta pesquisa tem a intenção de criar espaço para novas reflexões sobre o ensino da música nas escolas, enfocando-a como instrumento para construção da cidadania. 13 Para chegar a uma compreensão deste aspecto, buscou-se uma trajetória de pesquisa em que se pudesse investigar e comprovar a importância do ensino musical nas escolas como instrumento para promover uma educação cidadã. Neste enfoque, o segundo capítulo, aborda alguns conceitos de educação e cultura, envolvendo as funções da escola em seus aspectos de socialização e dos vínculos culturais provenientes da vida em sociedade. No capítulo seguinte, são apresentadas questões relacionadas ao desenvolvimento da cognição, utilizando-se como principal referencial teórico, a Teoria da Cognição de Jean Piaget e suas implicações na Teoria de Cognição Musical elaborada por Keith Swanwick. Na seqüência, o capítulo quatro discorre sobre visões da Educação Musical, apresentando um breve histórico da Educação Musical no Brasil e os modelos de ensino que vigoram atualmente. O último capítulo, propõe orientações para o ensino da música voltado para a construção da cidadania. O modelo proposto busca oferecer ao aluno, visto como cidadão, seu direito de acesso ao saber, já iniciando esta prática no interior da escola. Ainda neste capítulo, são apresentados os materiais didáticos disponíveis para o apoio ao ensino musical. 14 2 EDUCAÇÃO E CULTURA Champlin (1995), apresenta vários conceitos de educação, segundo ele, por meio do ensino, ocorre a educação, que é o desenvolvimento e o cultivo sistemático das capacidades naturais. Isto se dá através do exemplo e da prática, ou seja, o conhecimento teórico e a experiência prática são parte do processo de desenvolvimento de habilidade diversas. No aspecto geral, o termo educação indica o ensino como um sistema, sendo, neste âmbito, sinônimo da palavra pedagogia. 2.1 AS FUNÇÕES DA ESCOLA Entre as muitas necessidades que a escola atende, a que mais se destaca é a sua função de firmar as relações entre indivíduos, cuja finalidade maior é atender as demandas da sociedade mais ampla. Ao mesmo tempo em que o objetivo primeiro da escola é formar o indivíduo integral, ela deve estar atenta para direcionar esta formação visando a integração do indivíduo numa sociedade que possui o caráter coletivo (SACRISTÁN, 2002). Tudo aquilo que, de alguma forma, passa a ter um significado importante em nossa vida pessoal é determinado pela sociedade da qual fazemos parte. A socialização é, portanto, fruto de nossa interação com o meio em que vivemos, 15 sem deixarmos de considerar as influências advindas do sistema político- econômico, religioso, artístico e também lingüístico. Assim, cada cultura produz uma marca específica, um perfil próprio (FERNANDES, 1996). 2.1.1- Socialização O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), foi um dos grandes responsáveis por redirecionar a educação no último século. Sua concepção, de caráter funcionalista, revela que a consciência individual é formada pela sociedade, em oposição à concepção idealista que diz que a sociedade é moldada pelo espírito ou pela consciência humana. Neste aspecto, afirmava Durkheim que: a construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios – sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento – que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem mais do que formador da sociedade, é um produto dela (apud GUIMARÃES, 2006). Embora Durkheim não tenha elaborado um método pedagógico, sua teoria caracterizou a Educação como um bem social e suas idéias contribuíram para uma melhor compreensão do significado do papel do professor e da escola, removendo o caráter individualista característico das escolas filosóficas alemães. Em seu texto, A educação como processo socializador: função homogeneizadora e função diferenciadora (apud PEREIRA,1977), Durkheim exibe a essência de sua pesquisa relacionada à educação. O termo educação, na maioria das vezes, comporta um sentido muito abrangente, abarcando tudo aquilo que exerce influência sobre o homem. E aqui, o 16 que interessa ao autor, é a analise da influência que os adultos exercem sobre as crianças e adolescentes. Engajado neste objetivo, perpassa por vários filósofos, tentando reunir suas idéias para, delas, extrair uma definição concisa. Nesta trajetória, compreende que cada sociedade possui um sistema próprio de educação1, que visa atender aos seus específicos interesses. “Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação do qual não nos podemos separar sem vivas resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes” (PEREIRA, 1977, p. 38). Em seus estudos sobre a formação e o desenvolvimento dos sistemas de educação, percebeu que era necessário conhecer o passado da humanidade, já que tudo o que rege a educação atualmente teve sua origem nele. A história comprova que os moldes utilizados para o desenvolvimento dos sistemas educacionais dependeram da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências e do estado das indústrias, sem os quais, seria impossível compreender a formação do sistema de educação. Após considerar os sistemas educativos existentes à época, os sistemas anteriores e compará-los, foi possível absorver elementos comuns, que auxiliaram na construção de sua definição. Dois elementos em comum foram encontrados: uma geração de adultos e uma geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes. Além de reunir estes elementos essenciais, foi preciso também, entender os aspectos uno e múltiplo do sistema de educação. 1 Neste sentido, estudos recentes confirmam o pensamento de Durkheim. Segundo Santos (1996), a formação de grupos sociais diferentes ocorrem devido ao comportamento característico que cada grupo desenvolve por si só; ou seja, condutas próprias que marcam a vida em comum em todas as sua instâncias. 17 Há um conjunto de idéias que envolvem a natureza humana no transcorrer da história: a sociedade, os direitos e deveres, as diversas faculdades, o indivíduo, o progresso, a ciência e outros. Todo esse conjunto é o que forma a base do “espírito nacional” (PEREIRA, 1977, p. 41), resultado da educação que se instala com seu objetivo de fixar na consciência dos educandos tais idéias, independente de raça, classe social ou mesmo carreira que vierem a escolher. Assim, tanto do ponto de vista intelectual, físico ou social, esse fato vem comprovar que cada grupo social faz o homem certo ideal. E “esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os indivíduos” (Idem, p. 41). Neste aspecto se dá o caráter uno da educação, a partir daí, ela se diferencia de acordo com os meios particulares que cada grupo social encerra em sua complexidade. Esse ideal, ao mesmo tempo uno e diverso, é que constitui a parte básica da educação. Ele tem por função suscitar na criança: 1) um certo número de estados físicos e mentais, que a sociedade a que pertença considera como indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados físicos e mentais, que o grupo social particular (castas, classe, família, profissão) considera igualmente indispensáveis a todos que o formam.A sociedade, em seu conjunto, e cada meio social em particular, é que determinam este ideal a ser realizado. (Idem, p. 42) O aspecto múltiplo da educação será determinado pela complexidade existente em cada sociedade, cada um oferecendo, diversos tipos de educação e, num grau maior, quando determinada sociedade possuir muitos grupos sociais ou castas. Por este aspecto múltiplo, fica patente a impossibilidade de uma educação uniforme já que, inevitavelmente (e desde as primeiras sociedades!), ela varia de acordo com as classes sociais ou com as regiões. Mesmo diante de um grande 18 esforço, visando uma educação igualitária, ela não seria possível devido a “diversidade moral das profissões” (PEREIRA, 1977, p. 40) que, consequentemente, acarretaria uma inevitável diversidade pedagógica. Cada profissão constitui um meio sui generis, que reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais, meio que é regido por certas idéias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como a criança deve ser preparada em vista de certa função, a que será chamada a preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa idade, para todos os indivíduos. Eis porque vemos, em todos os países civilizados, a tendência que ela manifesta para ser, cada vez mais, diversificada e especializada; e essa especialização, dia a dia, se torna mais precoce (Idem, p. 40). Para existir uma educação igualitária ou homogênea, as sociedades pré- históricas teriam que ser mexidas ou remontadas e não poderiam existir nelas qualquer tipo de diferenciação, logo, uma sociedade que só se tornaria possível no âmbito da imaginação. Entretanto, não há grupo social completo, fechado em si mesmo, e assim, todos usufruem de uma educação básica, acessível à maioria e conforme à categoria social, também há educações particulares e diferenciadas, relativas aos diferentes grupos sociais existentes dentro da mesma sociedade. “Não há povo em que não exista certo número de idéias, de sentimentos e de práticas que a educação deva inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam” (Idem, p. 41). Um outro elemento importante que vai interferir na definição de educação, é a religião, cuja influência se dá no mesmo sentido de uma educação básica e daquelas particulares aos grupos sociais. Há princípios gerais da cultura religiosa 19 que são comuns a todos e, ainda, outras diferentes religiões inseridas neste mesmo grupo social. Assim, o homem ideal, qualquer que seja a sociedade, é fruto dela mesma2; e neste aspecto são formados, simultaneamente, seu intelecto, seu físico e sua moral. Até este ponto, trata-se de uma formação geral, a partir daí, começam as diferenças, considerando os meios particulares que toda sociedade possui. Na verdade, a parte básica da educação é constituída por este ideal que traz, em si mesmo, o caráter uno e, ao mesmo tempo, também o múltiplo. A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva. Por outro lado, sem uma tal ou qual diversificação, toda cooperação seria impossível: a educação assegura a persistência desta diversidade necessária, diversificando-se ela mesma e permitindo as especializações (PEREIRA, 1977, p. 42). Assim o autor chega ao esboço de sua definição, dizendo que a educação é um meio pelo qual a sociedade prepara as condições essenciais à existência. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine (Idem, p. 42). 2 Ou seja, da sua cultura. 20 Durkheim afirma que: “a educação consiste numa socialização metódica das novas gerações.” (Idem, p. 42). Para ele, existe, em cada um de nós, dois seres: o primeiro constituído de estados mentais, e que diz respeito a nós mesmo – o ser individual; e o outro, o ser social, com um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que vão revelar a personalidade do grupo do qual fazemos parte. Ou seja, toda influência vinda das crenças religiosas, práticas morais, tradições nacionais ou profissionais e as diversas opiniões extraídas do grupo, imprimem em nós, o ser social. Logo, conclui que o fim da educação é: “Constituir esse ser social em cada um de nós” (PEREIRA, 1977, p. 43). A importância do trabalho educativo é fundamental para a construção do ser social já que a criança, ao nascer, traz apenas sua natureza de indivíduo. A educação, a medida que a criança se desenvolve, vai, aos poucos, imprimindo nela o ser social, dando-lhe condições de atuar e conviver no âmbito coletivo. A sociedade se encontra, a cada nova geração, como que em face de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais rápidos, ela agregue ao ser egoísta e a-social, que acaba de nascer, uma natureza de vida moral e social. Eis aí, a obra da educação. Basta enunciá-las dessa forma para que percebamos toda a grandeza que encerra (Idem, p. 43). Um atributo da educação é sua virtude criadora capaz de “criar no homem um novo ser” (Idem, p. 44). E este novo ser, agora com suas faculdades desenvolvidas, preocupa-se em transmitir seus conhecimentos para nova geração, através da educação. Entretanto, Durkheim compreende que “a educação satisfaz, antes de tudo, as necessidades sociais” (Idem, p. 45). 21 O homem atual deseja a ciência porque já compreende que não pode mais passar sem ela, pois os tempos mudaram e a sociedade evoluiu, logo, há necessidade de novos parâmetros. O homem não veio a conhecer a sede do saber senão quando a sociedade sentiu que seria necessário fazê-lo. Esse momento veio quando a vida social, sob todas as formas, se tornou demasiado complexa para poder funcionar de outro modo que não fosse pelo pensamento refletido, isto é, pelo pensamento esclarecido pela ciência. Então, a cultura científica tornou-se indispensável; e é essa razão pela qual a sociedade a reclama de seus membros e a impõe a todos, como um dever (PEREIRA, 1977, p. 45). Nesse sentido, pode-se concluir que somos levados, quase que inconscientemente, a agirmos de acordo com as necessidades sociais, pois, “a sociedade impõe aos homens insuportável tirania” (Idem, p. 46). A moral também é destacada como verdade histórica estabelecida, já que encontra-se rigorosamente relacionada com a natureza das sociedades, inclusive em relação a mudança que resulta da vida em comum. É a sociedade que nos lança fora de nós mesmo, que nos obriga a considerar outros interesses que não os nossos, que nos ensina a dominar as paixões, os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins individuais a outros mais elevados. Todo o sistema de representação que mantém em nós a idéia e o sentimento da lei, da disciplina interna ou externa, é instituído pela sociedade (Idem, p. 46). Pelos valores morais imposto pela sociedade da qual faz parte, o homem aprende a resistir a si mesmo, dominando suas tendências, suas paixões e 22 tornando-se prisioneiro do sistema: “representando as qualidades do homem de nosso tempo” (Idem, p. 47). No campo intelectual não é diferente, pois a sociedade, através da ciência, é a responsável em nortear o pensamento humano. “A ciência é obra coletiva, porquanto supõe vasta cooperação de todos os sábios, não somente de dada época, mas de todas as épocas que se sucedem na história”(Idem, p. 47). A linguagem se destaca como último elemento da pesquisa de Durkheim. Ela permite que o homem aprenda todo um sistema de idéias organizadas, classificadas, possibilitando, neste momento, fazê-lo herdeiro de todo o conhecimento acumulado ao longo dos séculos. Sem a linguagem, haveria ausência de idéias gerais, pois são as palavras responsáveis por eternizá-las e, ainda, oferecendo a possibilidade de ampliá-las. Assim, ela é vista como o mais proeminente de todos os aspectos da vida social. Este grau de importância pode ser medido na seguinte questão: “a que reduziria o homem, se retirasse dele tudo quanto a sociedade lhe empresta: retornaria à condição de animal” (PEREIRA, 1977, p. 47). O homem superou os animais não só por seus esforços pessoais; mas, pela cooperação coletiva que acaba reforçando o rendimento da atividade individual. Os resultados do trabalho de uma geração não ficaram perdidos para a geração que se lhe seguiu. Os frutos da experiência humana são quase que integralmente conservados, graças à tradição oral, graças aos livros, aos monumentos figurados, aos utensílios e instrumentos de toda espécie, que se transmitem de geração a geração (Idem, p. 47-48). Assim como o solo natural recebe uma grossa camada de terra após um período de inundação, o solo da natureza humana acumula sabedoria e 23 experiências, pois estas não se extinguem quando encerra uma geração, ao contrário, são repassadas para a próxima geração acrescidas de valores e de revisões. “Para que o legado de cada geração possa ser conservado e acrescido, será preciso que exista uma entidade moral duradoura, que ligue uma geração à outra: a sociedade” (Idem, p. 48). Neste sentido, não há oposição entre indivíduo e sociedade, visto que um depende do outro, assim, “desejando melhorar a sociedade, o indivíduo melhora a si próprio” (Idem, p. 48). A ação exercida pela sociedade, através da educação como processo socializador vai trabalhar o indivíduo em seu aspecto individual e coletivo simultaneamente, com a finalidade de adestrá-lo a exercer sua individualidade na coletividade na qual está inserido. 2.1.2 Vínculos culturais e reflexos sociais Segundo Gimeno Sacristán, “o conhecimento dos outros determina o tipo de reconhecimento que fazemos deles” (2002, p.113). É através da interação com o outro que o indivíduo, subjetivamente, traça seu perfil e, a partir desta construção, o outro passa a ser por ele reconhecido. Este processo se repete uns com os outros e, numa dimensão mais ampla, com as diferentes sociedades por intermédio da dos vínculos culturais que se firmam entre elas. A experiência de conhecer, no sentido de atribuir significados, é inerente ao encontro com os objetos e com as pessoas, assim como colori-los de sentimentos. O conhecimento tem nos contatos sociais com os semelhantes uma das fontes fundamentais da experiência, 24 [...]. O conhecimento do outro é um de seus capítulos essenciais. Conhecer a outros (trata-se de indivíduos ou de grupos) e fazê-lo de uma determinada forma, construindo uma imagem sobre quem são, é um vínculo básico para nos relacionarmos com eles (SACRISTÁN, 2002, p. 113). As informações diretas, extraídas dos contatos pessoais, permite que sejam criados vínculos de conhecimento e de afeto, e estes, reciprocamente, se reforçam. Estes vínculos dão suporte às relações sociais, os seja, auxiliam no exercício da cidadania, através de ações solidárias originadas pela co-responsabilidade com o outro. Desta forma, são criados laços comunitários e, conseqüentemente, o estabelecimento de uma rede social que se forma pela proximidade desenvolvida pelo conjunto de indivíduos que partilham algo em comum. Neste contexto, a educação é um instrumento valioso pois poderá, através do pensamento reflexivo, possibilitar a geração de significados que se transformarão em experiências indiretas, que resultam em representações que dão oportunidade para o conhecimento do outro. A partir deste conhecimento, se estabelece dois tipos de relação: as relações positivas (afeto, afinidade e cumplicidade) e as relações negativas (racismo e preconceitos). Estas relações acontecem em função das referências obtidas e construídas pelas coordenadas de ordem cultural, que são transmitidas pelo condicionamento, seja ele de caráter pessoal ou coletivo. Neste sentido, Sacristán destaca: Percebemos e conhecemos alguém como um indivíduo, mas o compreendemos, por exemplo, como alguém que pertence a categorias de seres humanos às quais atribuímos , a priori, certas peculiaridades (mulher, criança, muçulmano, europeu, etc.) e a partir das qualidades que acreditamos possuir ou a partir das categorias às quais acreditamos pertencer (2002, p. 114-115). 25 Há uma hierarquia natural que ocorre entre os vínculos afetivos. Esta seleção obedece a seguinte escala de prioridade: os amados, os indiferentes e os rejeitados. Esta seqüência, acrescida do conhecimento que se faz de cada categoria, são descritas da seguinte forma: a) aqueles que são ligados a nós por conhecimentos ajustados à realidade, mais ou menos amplos e profundos; b) aqueles que caem no terreno neutro de nossa ignorância, aqueles que não conhecemos; c) o grupo dos que conhecemos negativamente, sobre os quais temos um conhecimento deformado. Os indivíduos que fazem parte do primeiro grupo – os amados – possuem presença (atenção) garantida, os do segundo grupo – os indiferentes – não possuem nenhum significado pois são desconhecidos, o do terceiro grupo – os rejeitados – possuem presença importante, visto que, são colocados em destaque pelo conhecimento deformado que se tem sobre ele. Acreditava-se que a escola possuía papel limitado para dar conta da solução desta questão – a socialização entre os diferentes grupos ou categorias. Hoje, vislumbra-se a possibilidade do estabelecimento de uma linha de ação pedagógica- educacional, que, efetivamente, contribua para a interação destas categorias, diminuindo a distância existente entre elas. Nesta ação, o exercício da cidadania ficará em evidência, pois, minimizará a esfera negativa de um dos grupos promovendo, assim, a formação de um novo grupo. Só nos resta a esperança de que outra verdadeira educação corrija e evite esses “desvios”, estimulando a capacidade para a crítica, a 26 reflexão e a autonomia dos indivíduos, combatendo as crenças na supremacia de alguns grupos sobre os outros e destruindo as concepções nas quais se apoiam. Todavia, tudo isso não bastará se não se superar a fria relação que o conhecimento dá, intrometendo- se nos laços afetivos (ADORNO apud SACRISTÁN, 2002, p. 116- 117). A escola, através de uma reestruturação curricular, poderá vir a ser o veículo condutor responsável em promover o conhecimento de nós mesmos, do outro, e ainda, fazer conhecido os que não o são. Assim ela estará desempenhando bem o seu papel, vivenciando e disseminando a cidadania através de um exercício prático que deve ir muito além dos muros escolares. 2.2 CULTURA E EDUCAÇÃO O conceito de cultura advém das concepções oriundas da tríade dos primeiros filósofos gregos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Assim, da antigüidade aos nossos dias, a cultura vem desempenhando papel decisivo na formação do homem em seus aspectos: sociais, políticos, econômicos, religiosos e históricos. Logo, devido à diversidade, cada cultura carrega seus próprios valores. Cultura, assim, existe pela capacidade humana de transformar a natureza em função de suas muitas necessidades. E é por este poder de transformar coisas em objetos significativos que o homem difere do animal pois, este último, vive mergulhado na natureza e dela apenas usufrui por razões instintivas. A palavra cultura terá seu conceito modificado de acordo com o contexto. Pode-se dizer,por exemplo, cultura da terra (agricultura), ou ainda, cultura letrada 27 (indivíduos com formação acadêmica ou alfabetizados). Para esta pesquisa importa o termo Antropológico: cultura é tudo aquilo que o homem produz ao construir sua existência. Assim, cultura é um conjunto de símbolos (valores morais, religião, práticas e teorias, instituições)3 que vão intermediar o contato do homem com o mundo. Tais símbolos são elaborados pelas próprias sociedades em determinado tempo e local, logo, diferem um dos outros. Gusdorf, filósofo contemporâneo diz que: “o homem não é o que é, mas é o que não é” (apud ARANHA, 1993, p. 6), ou seja, um modelo antecessor não define o homem. Este não é produto das circunstâncias, “ele se define por lançar-se no futuro, antecipando, por meio de um projeto, a sua ação consciente sobre o mundo” (ARANHA, 1993, p. 6). Pode-se, então, entender que não há caminho traçado, mas a ser construído. Da mesma forma, não há modelo de conduta, mas um estabelecer de normas, que será sempre contínuo. Logo, não há verdade absoluta, tudo se torna questionável. Embora este cenário pareça apresentar uma fragilidade para o homem que parece perder a segurança da vida animal em relação a sua interação com a natureza, ela é, na verdade, a característica mais perfeita e nobre do homem: a capacidade de tornar-se autor de sua própria história, embora a convivência humana se dê somente por meio da sociedade e, também, a partir dela. Assim, o processo de humanização ocorre pela relação entre os homens e, nesta relação, reside os impasses e confrontos dos quais emerge a consciência de si mesmo, responsável por levar o homem a mover-se entre a contradição e sua resolução. 3 Citado por Champlin (1995). 28 Cabe ao homem a preocupação constante de manter viva a dialética, a contradição fecunda dos pólos que se opõem, mas não se separam, pela qual, ao mesmo tempo em que o homem é um ser social, também é uma pessoa, isto é, tem uma individualidade que o distingue dos demais (ARANHA, 1993, p. 7). No âmbito da educação, deve-se considerar que ela ainda é o meio mais eficiente para a promoção da cidadania, exercício este que precisar ser aprendido para, então, fazer parte ativa de nossa cultura. A finalidade da educação é formar pessoas capazes de se integrar e atuar corretamente no mundo, possibilitando que as relações humanas sejam aprimoradas e que a solidariedade se torne uma prática cotidiana acompanhada da ética, que por sua vez, contribuirá para um mundo melhor e mais humano. A educação vem, ao longo dos tempos, passando por constantes reformulações, estas, porém, não dão conta de competir ou mesmo alcançar as demandas de uma sociedade onde os avanços tecnológicos se dão de forma cada vez mais veloz, de modo que a função da escola precisa ser pensada e redefinida, para um novo patamar dinamizador dos processos educacionais. “Hoje a escola não pode ver a educação de forma isolada do próprio cotidiano vivenciado, pois é neste contexto que produzimos e reproduzimos nossa forma de ser, de agir, de fazer, de realizar de escolher e de sonhar”. (SANTANDER, 2004, p. 37). 29 2.2.1 Conceitos de Cultura Há uma grande variedade no conceito de cultura, cada conceito, aborda uma vertente do termo de forma específica. Cultura é uma palavra oriunda do latim colere, cultivar e todas as definições existentes partem deste significado desmembrando-o para seu foco de interesse. Champlin, apresenta cinco conceitos básicos de cultura; a saber: 1) Um empreendimento coletivo, segundo o qual os homens conseguem estabelecer um estilo de vida distinto, com base em valores comuns; 2) Aquele todo complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, princípios morais, leis, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelos homens, como membros da sociedade. (E.B. Tylor); 3) A totalidade da invenção e da realização humana, incluindo todos os princípios, agências e técnicas de controle que os homens têm adquirido sobre a natureza física e o comportamento humano , bem como todas as experiências pessoais e sociais que eles têm acumulado, intercambiado e transmitido, por meio de instrumentos e símbolos; 4) Todas as expressões criativas dos homens, em todos os campos de empreendimento humano; 5) Em sentido limitado, a expressão que os homens têm conseguido nas artes liberais (1995, v.1, p.1029-1030). Houaiss, aborda o termo cultura, primeiramente, esmiuçando seu sentido original que se refere ao cultivo da terra – agricultura. E, num segundo momento, ele apresenta diversos conceitos, muitos destes porém, voltados para a atualidade. 1) cultura de massa – (sentido social) universo de formas culturais (p.ex., música, literatura, cinema) selecionadas, interpretadas e popularizadas pelas indústria cultural e meios de comunicação de massa para disseminação junto ao maior público possível; indústria cultural; 2) cultura de massa – (sentido pejorativo) conjunto de atitudes, linguagens, conhecimentos e costumes assim induzidos, que tendem freqüentemente à estereotipagem e à simplificação e buscam satisfazer indiretamente interesses de determinados grupos sociais; indústria cultural; 3) cultura erudita – conjunto de 30 conhecimentos acumulados e socialmente valorizados, que constituem patrimônio da sociedade; 4) cultura popular – folclore – conjunto de costumes (2004, p. 888). 2.2.2 Cultura como diversidade Hoje, busca-se entender a vida social como fruto dos diferentes modos de conduta exigidos por cada tipo de sociedade e dos diversos grupos que a compõem. Tais condutas são, na verdade, comportamentos característicos que marcam a vida em comum de cada sociedade, podendo-se destacar, entre outras, a forma que cada qual encontrou para extrair e transformar os recursos naturais disponíveis em sua volta, como elaboraram seus projetos sobre o futuro, e como estabeleceram diferentes maneiras para organizarem a vida em grupo considerando, também, as formas que encontraram para superar os conflitos e tensões, que são inevitáveis na vida social. Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais estas passam. É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos (SANTOS, 1996, p. 8). É a interação entre as culturas que justifica o pensar sobre os diferentes povos, pois somos seres sociais que vivem em realidades sociais diferentes. “Cada cultura é o resultado de um história particular, e isso inclui também suas relações com outras culturas, as quais podem ter características bem diferentes” (SANTOS, 1996, p. 12). 31 Pelo fato de cada cultura possuir suas próprias características, a idéia de uma evolução cultural de forma hierarquizada não procede, pois há uma multiplicidade de critérios culturais desenvolvido ao longo dos tempos e dos distintos grupos. Na realidade, estudos feitos neste aspecto apontam que há interesses políticos por detrás de uma ingênua evolução hierarquizada, ou seja, implica em interesse de hegemonia e domínio das sociedades capitalistas mais avançadas sobre o resto do mundo. No tocante a avaliação de culturas ou traços culturais, devemos trabalhar com o conceito de relativismo, pois a diversidade cultural reclama o respeito que conduz ao entendimento da inserção das culturas particulares na história mundial. Neste aspecto Santos diz que: A observação de cultura alheias se faz segundo pontos de vista definidos pela cultura do observador, que os critérios que se usa para classificar uma cultura são também culturais. Ou seja, segundo essa visão, na avaliação de culturas e traços culturais tudo é relativo (1996,p. 16). Assim, não há cultura superior ou inferior, e sim, “processos históricos que as relacionam e estabelecem marcas verdadeiras e concretas entre elas” (SANTOS, 1996, p.17). Entretanto, há entre as diversas culturas e sociedades humanas uma relação desigual, sendo este um fato evidente que não deve ser desprezado. Esta desigualdade ocorre, simultaneamente, de duas formas: de cultura para cultura e no interior de cada cultura ou grupo social. 32 A diversidade também se constitui de maneiras diferentes de viver, cujas razões podem ser estudadas, contribuindo dessa forma para eliminar preconceitos e perseguições de que são vítimas grupos e categorias de pessoas [...] no estudo de culturas de sociedades diferentes quanto das formas culturais no interior de uma sociedade, mostrar que a diversidade existe não implica concluir que tudo é relativo, apenas entender as realidades culturais no contexto da história de cada sociedade [...] as culturas movem-se não apenas pelo que existe, mas também pelas possibilidades e projetos do que pode vir a existir (SANTOS, 1996, p. 19-20). Cada sociedade é formada por uma multiplicidade de diferentes grupos religiosos, sociais, acadêmicos, étnicos, entre outros e, cada qual, exerce papel preponderante, baseados em sua cultura particular. É a tensão entre estas diversas culturas que confere o caráter dinâmico e a mobilidade que faz esta sociedade existir efetivamente. 2.2.3 Cultura Globalizada Globalização não é um fenômeno recente, ela vem acontecendo desde os primórdios da humanidade. Começou a ficar evidente a partir do Séc. XVI, com as grandes descobertas marítimas. O processo de globalização acelerou-se com os avanços tecnológicos, em meados do Séc. XX. Com as comunicações via satélite e a estabilidade da aviação civil, os povos e culturas foram aproximados, diminuindo, assim, as distâncias existentes entre elas, o que permitiu a confusão dos conceitos: distante e próximo. Com a chegada da internet, a globalização ganha novo impulso com inúmeros dados transmitidos e recebidos instantaneamente. Desta forma, manifestações 33 culturais deixam de ser locais para assumirem a condição de produtos globais. E, assim, novos costumes, modos de vida, bens e serviços estão disponíveis em tempo real para grande parte do mundo. Há de se considerar ainda, que a globalização exerce um poder de influência sobre bilhões de pessoas e estas influências se manifestam no aspecto econômico, nas relações pessoais, na subjetividade e, em especial, na cultura, embora de forma indireta. A realidade que todos vivenciam hoje, é a chamada Era da Informação, Meios de Comunicação, Cultura Globalizada. Entretanto, o homem nunca esteve tão solitário, desinformado e inseguro quanto a sua própria identidade pessoal. Os meios de comunicação que deveriam estar a serviço da democratização da sociedade, estão, ao contrário, rompendo com a possibilidade da formação de uma sociedade solidária, justa e humanizada. Entende-se que o pensar é a única e infalível arma para fazer do homem um cidadão de fato, sujeito da própria história. No entanto, não é tarefa fácil, para exercer o pensamento de forma saudável e produtiva, é necessário conhecer a própria cultura e os mecanismos que a regem. Além disto, precisa-se de aliados para formar uma comunidade forte e, por meio dela, trazer a realização dos seus sonhos: paz, justiça, humanidade. Somente através de uma educação reformulada, a sociedade poderá ganhar um novo rumo, pois uma educação consistente, clara e planejada propiciará a problematização, o aprofundar e o elaborar um projeto de mundo novo, que tenha como prioridade a construção da cidadania. Assim, se faz necessário democratizar a comunicação através da educação, como recurso para alcançar a maioria e garantir o acesso dos menos favorecidos à uma modalidade de vida de que todos são, igualmente, merecedores. 34 2.3 DESAFIO PARA O EDUCADOR MUSICAL NA SOCIEDADE GLOBALIZADA No contexto da educação musical, o processo de globalização se materializa na forma de manifestações culturais que atravessam fronteiras e se disseminam pelo planeta, exercendo enorme influência sobre o aspecto cultural local. Como exemplo disto, pode-se citar o rap4. Sua passagem pelas diferentes culturas locais vai permitindo que sejam incorporados elementos locais e assim vai sofrendo transformações, e sucessivamente vai acontecendo por onde chegam e em conseqüência disso vai ganhando espaço na mídia. As incorporações destes elementos locais, se comprovam a globalização na esfera da cultura, promovem a heterogeneidade das manifestações culturais em função da diversidade de indivíduos e dos lugares que não possibilitam a homogeneização destas manifestações. Sobre isto o geógrafo Milton Santos diz: “a globalização agrava a heterogeneidade” (apud LUNA, 2006). São muitos os efeitos causados pelo fenômeno da globalização e eles afetam toda a humanidade de forma direta ou indireta. Nem sempre os efeitos são benéficos, principalmente nas culturas do Terceiro Mundo onde a criação de novos valores e éticas impostas por culturas hegemônicas colocam em risco a identidade histórica das culturais locais. São conseqüências advindas da globalização que devem ser pensadas e contornadas, para que seja possível proporcionar uma educação musical que, ao mesmo tempo que contemple os aspectos da Indústria Cultural, ofereça a possibilidade de resgate das raízes culturais locais, possibilitando o exercício pleno dos valores regionais e da construção da cidadania. 4 Abreviação da expressão americana rhythm and poetry. No Brasil é conhecido, também, como funk. 35 O educador musical precisa, então, estar atualizado e bem informado quanto aos diversos estilos musicais existentes e manter-se aberto para acolher os estilos que interessam aos seus alunos. A partir dos interesses manifestados, o professor deve planejar uma linha de ação que irá atender a necessidade imediata da criança e, simultaneamente, prepará-la para o aprendizado musical que tiver condições de absorver naquele momento. Lembrando que os aspectos da linguagem musical devem ser trabalhados de forma específica e prazerosa, a educação musical deve ser algo criativo que priorize, sobretudo, o imaginário das crianças. Elas encontram-se receptíveis e interessadas nas atividades musicais, por isso, o professor deve explorar esta abertura e conduzi- las, através de relações lúdicas, ao desenvolvimento de suas potencialidades musicais de forma significativa. A melhor maneira de tornar as atividades lúdicas em experiências significativas é estabelecer, como sugere Ayer (1998), um plano de ação que viabilize uma prática criativa. Segundo ele, é necessário que três conceitos caminhem juntos: prazer, integração e identidade. O prazer consagra a experiência sensível do aluno no seu fazer artístico. A integração permite, pela via do respeito à vontade da criança, o descobrir suas diversas potencialidades por intermédio da mediação entre o estético e o lúdico, sem perder de vista o imaginário infantil, fator indispensável no decorrer do processo artístico. E a identidade demarca o momento da criança com sua produção artística onde ela expressa, com exatidão, suas emoções e aptidões. Neste âmbito, pode-se observar tanto o individual quanto o coletivo. 36 Assim, uma linha de ação estabelecida nestes parâmetros garantirá uma realização artística criativa e eficaz, resultando na formação de pessoas felizes e, consequentemente, cidadãos atuantes e sensíveis. 37 3 PROCESSO DE COGNIÇÃO MUSICAL Os processos de cognição musical ocorrem de forma gradativa, tal como os demais processos de cognição, obedecendoa etapas sucessivas do conhecimento. A teoria de Piaget se aplica, como sustentação teórica, a este processo, à medida que cada estágio de sua teoria corresponde a uma fase específica de aquisição de habilidades musicais e compreensão do processo. A partir da teoria de Piaget, o educador musical Keith Swanwick, elaborou dois modelos: o Modelo Espiral de Desenvolvimento Musical e o Modelo (T)EC(L)A5, com o objetivo de construir uma base teórica para o ensino musical. O Modelo Espiral tem como objetivo correlacionar os estágios de desenvolvimento descritos por Piaget com uma teoria cognitiva da música, contemplando as principais características do fenômeno musical em quatro níveis: Materiais, Expressão, Forma e Valor. Já o Modelo (T)EC(L)A permite a construção de atividades e planos de aula que contemplem todas as instâncias do fazer musical, articulando uma interação entre os quatro estágios de cognição musical com uma prática pedagógica eficiente e baseada em critérios definidos de capacidade de aquisição de habilidades e cognição musical. 5 A partir do termo em inglês CLASP – Composition, Literature, Audition, Skill Acquisition e Performance, temos, em português a palavra equivalente TECLA, significando: Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação. 38 3.1 COGNIÇÃO SEGUNDO JEAN PIAGET O psicólogo e biólogo, suíço, Jean Piaget (1896-1980), é um teórico interacionista6 responsável pela teoria sobre a Construção do Conhecimento; composta por quatro mecanismos distintos, sucessivos e contínuos: Esquema, Assimilação, Acomodação e Equilibração; sendo este último o alicerce de sua teoria. Através da passagem por estes mecanismos ocorrem diversas mudanças, tanto qualitativas como quantitativas, nas estruturas cognitivas. O indivíduo, constrói e reconstrói tais estruturas continuamente, tornando-o cada vez mais apto ao equilíbrio. Para Piaget, todo organismo vivo busca manter-se em equilíbrio ou adaptar-se em seu meio superando as perturbações provenientes dele. A teoria de Piaget “é a maior trajetória de desenvolvimento elaborada em toda a psicologia evolutiva, sendo, desta forma, referência singular que dá conta de julgar todas as demais existentes” (GARDNER apud ZIMMERMAN, 1964). O perfil da teoria de Piaget traz o vínculo do pensamento com a ação, ou seja, toda ação desenvolvida por um indivíduo passa antes pelo pensamento. É uma teoria com bases biológicas onde Piaget considerou as muitas funções de todo organismo vivo e suas interações com o meio em que vivem. Além deste aspecto, sua teoria traz um caráter gradativo no sentido do crescimento cognitivo onde percebe que a inteligência humana permeia etapas sucessivas e cada vez mais elevadas que vão do sensório-motor ao operatório- 6 Uma das Concepções do Desenvolvimento Humano – Apoia-se na idéia de interação entre o organismo e o meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças as pressões do meio. Experiências anteriores servem de base para novas construções que dependem, todavia, também da relação que o indivíduo estabelece com o ambiente numa situação determinada (DAVIS, 1994, p. 36) – As demais Concepções são: A Inatista e a Ambientalista. 39 formal. Todo conhecimento adquirido, em qualquer que seja a etapa de desenvolvimento, se dá pela interação. Há três pontos básicos que são fundamentais para o cumprimento deste processo, são ele: a)- a criança como agente principal de sua aprendizagem; b)- o desenvolvimento; c)- a profundidade de compreensão. A interação entre estes pontos produz o comportamento cognitivo que constitui um signo exterior, das capacidades de assimilação e acomodação, do indivíduo; sendo a acomodação a terminologia cognitiva que representa a aprendizagem, pois possibilita a absorção das idéias de forma conceitual. • Esquemas, são estruturas mentais em que o indivíduo, inconscientemente, organiza seu intelecto. A medida em que se vai adquirindo desenvolvimento mental, estas estruturas vão se modificando. • Assimilação, é o processo cognitivo que permite a classificação de eventos externos em esquemas já existentes, há um aumento no fluxo de informações de fontes externas resultando na ampliação dos esquemas. • Acomodação, é a modificação de um esquema em função do objeto a ser assimilado, considerando suas particularidades. Há uma troca qualitativa de informações, enquanto novos esquemas de pensamento vão se formando. Ela ocorre por duas vias: – criação de um novo esquema, onde o estímulo (objeto) será encaixado; – ou, a modificação de um esquema já existente, onde o estímulo será incluído. 40 Ocorrendo a Acomodação, a criança repete a ação de encaixar o estímulo no esquema, neste momento, acontece a Assimilação. A Acomodação ocorre pela ação do sujeito sobre o objeto. Logo, o balanço entre assimilação e acomodação é denominado Adaptação. • Equilibração, ocorre no momento em que uma situação de pouco equilíbrio passa para uma situação de maior equilíbrio. Figura 1. As invariantes funcionais. As construções originadas por estes mecanismos seguem um padrão denominado por Piaget de Estágios7 e são demarcados por determinadas faixas etárias. Contudo, a ordem seqüencial entre os estágios é mais importante do que o valorizar a faixa etária que compreende cada estágio, visto que, cada criança possui um ritmo próprio. Pode-se considerar que todo tipo de aprendizagem evolui pela passagem gradativa dos estágios elaborados por Piaget, pois toda aquisição de conhecimento 7 Esta expressão é substituída, por outros autores, assumindo uma das seguintes nomenclaturas: etapas, níveis ou períodos. 41 exige, cada vez mais, níveis elevado de abstração o que não difere no campo da música. A criança, ao nascer, passa a ter contato diário com a linguagem verbal, principalmente, pela audição e posteriormente, pela oralidade. No início deste processo as palavras são, para as crianças, significantes sem significado8. Com a chegada da maturidade ou domínio da linguagem verbal, os significados vão sendo agregados trazendo o sentido real para elas. No próximo estágio virá a aquisição da escrita. Este processo é praticamente natural, e há uma influência significativa do meio, que direciona o indivíduo para sua adequação nestes padrões. Lamentavelmente, não ocorre, nesta mesma freqüência, com a linguagem musical, embora a presença da música seja marcante, desde o nascimento, em todas as instâncias da vida humana. Contudo, para que haja um efetivo aprendizado musical, é necessário que o indivíduo interaja com a música, exercendo ação direta sobre o som, e bom seria se pudesse ser na mesma intensidade com a qual ocorre na aquisição da linguagem verbal. É verdade, porém, que há grande diferença entre a linguagem verbal e musical, sendo esta última mais complexa, pois exige quatro elementos fundamentalmente necessários: altura, timbre, duração e intensidade; enquanto que a linguagem verbal exige apenas dois destes elementos: duração e altura que são responsáveis pelo ritmo e som. Por esta razão, salvo algumas exceções, a linguagem musical acontece após a aquisição da linguagem verbal, por exigir uma 8 Significante – imagem acústica que é associada a um significado numa língua, para formar o signo lingüístico [segundo Saussure, essa imagem acústica não é o som material, ou seja, a palavra falada, mas sim a impressão psíquica desse som]. (HOUAISS, 2004). Significado – conteúdo semântico de um signo lingüístico; acepção, sentido, significação, conceito, noção. (HOUAISS, 2004).42 estrutura cognitiva mais desenvolvida. Na Hungria, por exemplo, esta processo é simultâneo. Há, ainda, o aspecto que se refere a função social das linguagens: verbal e musical. A primeira é considerada, em nossa sociedade, meio indispensável para a socialização, ou seja, fator primordial para a sobrevivência social. A segunda, embora possua sua própria função social, não está fortemente demarcada como a primeira e não é fator que de sobrevivência social no mesmo grau, por isso menos valorizada. 3.1.1 Os Estágios e a forma de contato com a música As faixas etárias, que compreendem cada estágio, não são rigidamente demarcadas, elas são uma média de idades onde determinadas construções prevalecem. O que vai, efetivamente, demarcar a mudança de estágio é a maturação que demonstrará o alcance de um novo e mais completo equilíbrio. a) Sensório-motor – 1º Estágio (0 a 2 anos) Neste estágio, a criança conhece o mundo pela manipulação: os bebês, através de reflexos neurológicos (percepções sensoriais), constróem esquemas de ação para assimilar o meio. Sendo o contato direto e imediato, não há representação ou pensamento. Há uma conduta inteligente. 43 Exemplo: Ao oferecer um brinquedo ao bebê, fazendo-o tocar em sua mão, imediatamente ele o pega, e o que é posto em sua boca, ele suga (mama), e o que está diante do bebê, ele vê. Estes esquemas são aprimorados pelo bebê quando ao ver um novo objeto, ele o pega e, imediatamente, o leva à boca para sugar. Desta forma, neste estágio, as crianças aprendem através de ações perceptíveis. A partir delas iniciam os movimentos organizados que são bases para a formação de sua comunicação. Esta etapa finaliza com o aparecimento dos processos simbólicos. A criança utiliza a combinação dos esquemas existentes para imaginar o resultado da ação antes dela ocorrer, assim evoca a imagem de um objeto ou de uma pessoa ausente. Para a criança, nesta etapa, a permanência do objeto constitui um nível elevado da inteligência sensório-motor, de suma importância para o nível posterior. Por ser esta etapa basicamente de caráter perceptível a aquisição da linguagem musical9 neste estágio é viável apenas, em ações precursoras que visem a futura aquisição da linguagem musical. Tais ações compreendem aquelas que trazem embutidas noções preliminares dos quatro elementos musicais: altura, timbre, duração e intensidade. Neste momento, estes elementos não assumiriam sua real função musical, mas seriam condutores para os níveis posteriores. Sua importância está na sustentação das etapas posteriores que irão efetivar o discurso musical. 9 Esta relação não está presente na teoria de Piaget, mas pode ser encontrada em José Nunes Fernandes, Análise da Didática da Música em Escolas Públicas do Rio de Janeiro, 1998, PUC/UFRJ. 44 b) Pré-operatório – 2º Estágio (2 a 7 anos) Neste estágio as crianças priorizam produções individuais, mesmo estando em grupos, interiorizando os esquemas de ação construídos no estágio anterior. Há um maior desenvolvimento em função da aquisição da linguagem, pois, através dela, a criança irá exteriorizar sua vida interior, ou seja, ela antecipa o que pretende fazer, falando. Esta etapa é o da pré-escola onde a criança representa o mundo externo através de símbolos já estabelecidos. Novos significados ganham suas percepções e ações integrando-se à novas estruturas. É como se a criança reaprendesse uma lição do nível anterior (sensório-motor). Para que surja o pensamento conceitual é necessário uma versão simbólica, ou seja, a transformação de sua experiência que ocorre da seguinte maneira: Experiência – imitação representativa da experiência. Imagem do imitado – invenção do símbolo para transmitir a imagem. Assim ocorre o jogo simbólico, permitindo a imitação se converter em importantes viés para o pensamento. É oportuno ressaltar uma grande característica desta etapa, que é o domínio perceptível do pensamento, onde o objeto de interesse da criança é o que parece ser no campo perceptível imediato. Neste momento, há uma grande carga de concentração focada, exclusivamente, em seu objeto de interesse quando a criança não se envolve com outros aspectos. E é justamente em função deste pensamento pré-conceitual, que a criança faz-se permanecer concentrada em sua ação e 45 percepção imediata e, também, manter-se em sua postura de caráter individual, responsável pelo egocentrismo e a inflexibilidade infantil deste momento. A aquisição da linguagem musical neste estágio, onde os processos perceptíveis estão mais definidos (pois os órgãos dos sentidos alcançaram maior desenvolvimento) há mais possibilidade de um fazer musical mais estruturado. Existem estruturas de pensamento que permitem a exploração dos elementos do som. Entretanto, ainda não há grande maturidade, as crianças começam a fazer relação entre significante e significado; o chamado Jogo Simbólico. A música será vista, pela criança, por imagem e passará desta para imagem-símbolo e em seguida, concluirá com a representação, ou seja, ela iniciará imitando sons, em seguida, passará pelas partes principais da canção, e, finalmente, por suas extremidades levando-a à canção completa. c) Operatório-concreto – 3º Estágio (7 a 11 anos) Neste estágio, a capacidade de reflexão das crianças é exercida através de situações concretas e começam a desenvolver noções de tempo, espaço, velocidade, ordem e causalidade. Assim, tornam-se capazes de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Porém, precisam de dados concretos para chegarem à abstração. Nesta fase desenvolvem, ainda, a capacidade da reversibilidade, ou seja, representar uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformação observada. Assim, com o pensamento já dominado pela percepção, a criança age de forma automatizada como conseqüência de seus costumes diários. O pensamento concreto inicia-se por meio das ações internalizadas. 46 Nesta etapa, a aquisição da linguagem musical pela criança passa do domínio figurativo para o domínio operativo da música. Houve maior desenvolvimento das estruturas cognitivas, quando a criança já conquistou o domínio das operações, ou seja, das relações mentais. A noção da reversibilidade está bem clara, o que permite compreensão de lógica das situações vivenciadas. Com base nisto, a criança é capaz de desmontar uma canção e remontá-la novamente, entendendo como se dá a relação entre as partes da qual compões a canção. Neste momento, poderá acontecer a necessidade da escrita musical onde algumas tentativas serão traçadas (como acontece na fase da alfabetização da linguagem verbal). Porém, para uma efetiva escrita musical são exigidas estruturas cognitivas de seriação, classificação, relação e conservação. Contudo, estas estruturas se completam no estágio posterior, por esta razão acontece, muitas vezes, um atraso na alfabetização musical associado ao muito tempo que se perde na apresentação da linguagem musical sem signo. d) Operatório-formal – 4º Estágio (12 anos em diante) Nesta fase a abstração ocorre de forma total. As crianças utilizam o pensamento, não necessitam mais de representações imediatas ou de relações previamente, existentes. A partir de hipóteses, pela lógica, buscam soluções para os problemas pois, suas estruturas cognitivas alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento. São capazes, então, de aplicar o raciocínio lógico a qualquer classe de problemas. Esta etapa marca a natureza reflexiva do pensamento adulto quando o indivíduo começa a valorizar as possibilidades teóricas. 47 A aquisição da linguagem musical neste estágio é demarcada pelo pensamento hipotético-dedutivo10. Os adolescentes possuem a capacidade de deduzirem conclusões lógicas. Ouseja, aplicam o raciocínio sobre a lógica do argumento. Na música, todos os seus elementos tomarão dimensão de completude neste estágio, considerando, entretanto, que já vinham adquirindo bases desde o primeiro estágio. A noção ampliada da reversibilidade dará possibilidades para a descoberta da disposição ordenada que conduzirá às formas musicais mais distintas, daí por diante, o leque se abre oferecendo novas oportunidades de conhecimentos nos aspectos musicais formais. Compreende-se então, que os estágios são fixos, e que todo o indivíduo em processo de aquisição de conhecimento, necessariamente, passa por eles. No entanto, são ilimitadas as possibilidades de construção cognitivas em vários âmbitos do saber, pois trazem sempre novas abstrações. 3.1.2 Aplicações da teoria de Piaget à Educação Mus ical No contexto da teoria de Piaget, a inteligência musical é considerada por Zimmeman (1964), como uma estrutura organizada de conceitos musicais que têm bases na percepção, onde começa o aprendizado musical. Pois primeiro ocorrerá a discriminação de diferentes sons, depois canta-se melodias e, posteriormente, aprecia-se atentamente a forma musical mais complexa (como uma sonata, por 10 Que parte de hipóteses explicativas, buscando deduzir as conseqüências e verificar sua realidade empírica (diz-se de método ou procedimentos nas ciências experimentais) (HOUAISS, 2004). 48 exemplo). Tendo seqüência nesta experiência a percepção musical ganhará dimensões de tempo, ou seja, uma consciência musical evoluirá gradativamente. Porém, a inteligência musical se desenvolve pela interação do indivíduo com a música onde ocorre um vínculo desta ação com o fator conceitual incorporando o sistema de símbolos. Para a educação básica, o plano de estudo elaborado se apoia em audições e execuções musicais de cunho recreativo. Assim, considerando a visão de Piaget, fica evidente que esses procedimentos são meras cópias de uma realidade musical existente. Para Piaget a criança adquire conhecimento musical atuando criativamente sobre o seu próprio ambiente sonoro. É de grande importância que as experiências musicais na primeira infância ocorram de forma natural. O ritmo do crescimento musical passa da percepção para a imitação e desta para a improvisação. Por isso as crianças devem ser estimuladas a improvisarem fragmentos melódicos e rítmicos. Assim deveriam ser as atividades musicais direcionadas à aprendizagem. Pode-se pensar o crescimento musical como uma espiral que se expande de baixo para cima onde os problemas são atacados e sucessivamente nivelados, resultando melhor aprimoramento pela passagem de nível para nível. Conforme sugere o gráfico abaixo. 49 Figura 2. Os estágios de desenvolvimento segundo Piaget. O gráfico revela o caráter hierárquico, integrativo e inacabado dos estágios do desenvolvimento da inteligência. Com base nele, sugere-se uma linha gradativa de ação considerando, fundamentalmente, a teoria de Piaget. Recordando porém, que a imitação desenvolve um papel importante para a aquisição de símbolos, durante o período final da etapa sensório-motor à pré-operativa. Então, o uso da imitação deve ser aplicada para a aprendizagem, levando às crianças a explorarem a imitação. a)- imitar e repetir; b)- imitar e elaborar; c)- imitar e iniciar. 50 Para as crianças, no 3º e 4º ciclos, da educação fundamental, sugere-se um programa semelhante, porém, mais elaborado, onde terão a oportunidade de construírem sobre situações práticas, pois já possuem consciência dos sons musicais e de alguns outros elementos musicais. Aplica-se, então, conceitos musicais básicos através da experimentação concomitante. Assim, vão criando ciência daquilo que, posteriormente, será anotado por meio da notação musical, que é um recurso criado pelo homem para escrever os sons musicais: “Os sons vêm primeiro!” diz, Zimmerman (1964), pois acredita que uma seqüência bem delimitada de experiências musicais em um ambiente musical rico e estimulante, alimentará o desenvolvimento musical e este acompanhado de significado para as crianças. 3.2 A COGNIÇÃO MUSICAL SEGUNDO KEITH SWANWICK O educador musical, Keith Swanwick baseou-se nas idéias de Piaget, sobre sua Teoria da Construção do Conhecimento, para criar a Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical que explica como ocorre o desenvolvimento do aprendizado musical. Para Swanwick (2003), tal aprendizado acontece da mesma forma como qualquer outro tipo de conhecimento, ou seja, todos passam por sucessivas etapas que estarão, por sua vez, submetidas ao grau de maturidade psicológica apresentada por cada indivíduo. Sua teoria foi realizada após uma pesquisa de campo realizada com um grupo de crianças, de diferentes idades e etnias, através de oficinas de música. Portanto, um trabalho de caráter qualitativo e quantitativo, 51 logo, cientificamente validado. Com bases nesta pesquisa, surge a Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical. Para fazê-la compreendida Swanwick construiu um gráfico em forma de espiral onde apresenta os níveis de desenvolvimento estabelecidos por faixas etárias, semelhantes às classificadas por Piaget. Figura 3. Desenvolvimento musical segundo Swanwick. (o gráfico deve ser observado de baixo para cima). Cada nível do gráfico representa um território específico da experiência musical, onde o autor distingue modos específicos de envolvimento da criança com o conhecimento musical, e cada modo, subdivide-se em dois campos de atuação. 52 As expressões impressas ao lado esquerdo do gráfico referem-se a conceitos psicológicos atribuídos a cada nível. a) 1º NÍVEL (0 a 4 anos) – Materiais : Sensório e Manipulativo. Neste nível a preocupação deve ser com o lúdico valorizando, sempre que possível, a utilização do corpo. SENSÓRIO – Ocorre nos primeiros dois anos deste nível (0 – 2 anos) onde as crianças demonstram fortes evidências de prazer pelos diferentes tipos de sons. Elas exploram o som sem nenhuma organização prévia, pois não há maturidade para isto. Não há, nesta fase, nenhum indício de expressividade. MANIPULATIVO – As crianças (3 – 4 anos) conseguem algum controle e algumas repetições. A pulsação pode ser observada de forma mais regular com o auxílio de instrumentos musicais próprios para esta faixa etária. b) 2º NÍVEL (4 a 9 anos) – Expressão : Expressão Pessoal e Vernacular. Neste nível as palavras já possuem sentido, ou seja, há o entendimento de um idioma. As crianças reproduzem algo que, para elas, fazem sentido. EXPRESSÃO PESSOAL – Começa a aparecer nas variações de andamentos e níveis de dinâmicas. Os primeiros fraseados musicais (ensaios) começam a ser evidentes, mas sem a garantia de que poderá ser feitas repetições. 53 VERNACULAR – Os padrões começam a despontar. Já podem ser repetidas as figuras melódicas e rítmicas. Embora as peças sejam ainda curtas, já obedecem as convenções musicais estabelecidas. c) 3º NÍVEL (10 a 15 anos) – Forma : Especulativo e Idiomático. Neste nível as crianças possuem determinado grau de abstração. Musicalmente, conseguem pegar o fragmento de uma música e brincar com ela, ou seja, começa a mexer com sua estrutura de forma compreensiva. ESPECULATIVO – Ultrapassa a simples repetição. As crianças vão além com suas composições, permitindo surpresas. Porém, tal expressividade fica submetida a experimentações, onde vão explorando novas formas de estrutura. Este momento impõe a prática musical. IDIOMÁTICO – Há maior controle técnico, expressivo e estrutural nas composições. As crianças praticam contraste e variação através de imitação de modelos e práticas claras. Há importância na autenticidade harmônica e instrumental. d) 4º NÍVEL (15 anos em diante) –Valor : Simbólico e Sistemático. Neste nível (adolescência), a relação simbólica passa a ter valor prático. O interesse pela música, normalmente, já faz parte de um projeto de vida. Logo, um estímulo de ordem pessoal, e relaciona-se ao caráter pessoal e subjetivo, preferências e compromissos com determinada música ou estilo musical. 54 SIMBÓLICO – Há total domínio técnico que dá condições para uma composição sólida. A atenção é voltada para as relações formais e performance musical. Há um maior comprometimento pessoal. SISTEMÁTICO – Somando as características do nível anterior, inclui-se os conjuntos de materiais musicais como as escalas, a seqüência de notas e a harmonia. Expande-se as possibilidades do discurso musical. Neste nível, desponta a emergência do modo simbólico. Apoiado nesta teoria, Swanwick percebe um caminho para o desenvolvimento da aprendizagem musical que nomeou de: CLASP11 (em inglês), que traduzido ficou: TECLA. T – Técnica (manipulação do instrumento, notação simbólica, audição). E – Execução (tocar, cantar). C – Composição (criação, improvisação). L – Literatura (história da música). A – Apreciação (reconhecimento de estilos, formas, tonalidades, graus). Este modelo permite trabalhar os conteúdos necessários de forma vinculada e possibilita a elaboração de um planejamento eficiente, que proporcionará um desenvolvimento cognitivo musical integral e eficaz. Com o auxílio deste modelo, o autor faz a aplicação prática de sua teoria e estimula a interação entre os níveis que compõe o TECLA. Há indicação para que o trabalho musical seja realizado através de oficinas de música, onde é dado, à criança, liberdade de livre experimentação dos diversos tipos de material sonoro 11 Composition, Literature, Audition, Skill acquisition, Performance. 55 (instrumentos musicais e outros tipos de objetos sonoros). Entretanto, ele defende a idéia da criança ser estimulada com base nos padrões musicais da cultura na qual está inserida, porém deve-se possibilitar sempre o ampliar o universo sonoro através de apresentações de outros universos sonoros. Há um outro aspecto bastante considerado por Swanwick para trazer maior significação na elaboração de seus estudos sobre o ensino musical, é a metáfora12, considerada por ele apenas como um termo genérico da linguagem figurativa em geral. “O processo metafórico permite-nos ver as coisas diferentemente, para pensar novas coisas” (SWANWICK, 2003, p.23). A idéia de semelhança no processo metafórico é fundamental para nosso entendimento de como as idéias se desenvolvem, pois sugerem analogias. Contudo, “a metáfora depende também de nossa capacidade de discernir dessemelhanças” (Idem, p.24). Logo, a habilidade que temos de transformar coisas em símbolos é o que permite o uso da metáfora em nossa vida. Neste aspecto Swanwick diz: O processo metafórico reside no coração da ação criativa, capacitando-nos a abrir novas fronteiras, tornando possível para nós reconstruir idéias, ver as coisas de forma diferente [...] podemos ver que metáfora é um processo capaz de produzir novos insights. A metáfora nos permite ver uma coisa em termos de outra, pensar e sentir de novas formas ( 2003, p. 26-27). 12 Conceito extraído das Quatro Características Psicológicas do Discurso de Piaget. 1. Internamente, representamos ações para nós mesmos = imaginamos 2. Reconhecemos imagens e produzimos relações entre estas imagens 3. Empregamos sistemas de sinais = vocabulários compartilhados 4. Negociamos e trocamos nossos pensamentos com os outros 56 Há três níveis cumulativos no processo metafórico na esfera musical: Notas são ouvidas como melodias; Melodias são ouvidas como novas relações (vida própria); Vida própria (Música) como informando a vida dos sentimentos. Na tentativa de melhor firmar este primeiro nível, notas são ouvidas como melodias, Swanwick utiliza uma citação de Donald Ferguson que diz no que consiste a metáfora musical; numa: “transferência de padrões de comportamento de notas para padrões de comportamento do corpo humano” (SWANWICK, 2003, p. 30), e complementa dizendo que movimento e tensão são a base da expressão musical. As metáforas são utilizadas na música, na mesma proporção que na vida cotidiana, porém, na qualidade de ouvintes não o percebemos, somente percebem aqueles que são envolvidos com a produção musical, pois existe a relação dinâmica entre sonoridade e expressividade. No segundo nível, melodias são ouvidas como novas relações, a metáfora vai depender das relações internas que estão em constante mudanças. Este nível tem a ver com formas expressivas. “Os sons são ouvidos em blocos, como frases, e as frases repetidas são, então, transformadas em novas relações” (Idem, p. 32). Swanwick esclarece: “Nossa atenção oscila entre semelhança de sentimentos (o antigo) e essas semelhanças entrelaçadas em novas combinações. Nesse processo metafórico ‘dinâmico aberto’, a música parece quase sempre ter vida por si própria” (Idem, p. 32). No terceiro nível, música informa a vida dos sentimentos, a transformação metafórica ultrapassa os materiais sonoros escutados. Ele desperta o sentido de 57 significância, termo que causa muita discordância. Entretanto, Swanwick, assim como Csikszentmihalya e David Elliot, concorda com a idéia de fluxo que neste contexto compreende: “caracterizado por um forte sentido de interação interna, por altos níveis de atenção e concentração e, por vezes, completa perda de autoconsciência” (SWANWICK, 2003, p. 32). Deixando a parte as controvérsias em relação ao termo mais adequado, vale salientar que: “o ‘fluxo’ musical nasce quando todos os três níveis do processo metafórico estão ativados” (Idem, p. 33). Figura 4. Transformações metafóricas. (O gráfico representa os três processos metafóricos que compõe a experiência musical). Segundo Langer (apud SWANWICK, p. 34), “quando os três níveis metafóricos estão entrosados, a música parece tornar-se profundamente inter- relacionada com a vida do sentimento”. 58 Todas as experiências vividas deixam resíduos, uma representação inconsciente, mas que podem de alguma forma, em outro momento, serem ativadas, assim acredita Swanwick. O autor utiliza a expressão schemata13 para reforçar essa idéia, a schemata de experiências passadas, tais formas se instalam em nosso sistema nervoso e muscular. Assim, qualquer que seja uma nova experiência de ordem pessoal ou cultural, será possível pela referência ao schemata residuais de outras experiências semelhantes. Este movimento do schemata por meio dos “pensamentos e sentimentos que constantemente mudam, crescem, degeneram e se misturam uns aos outros” (SWANWICK, 2003, p.35), parecem mudar aos padrões musicais, pois “estão em movimento” (Idem, p. 35). Esta habilidade de movimento na música pode nos conduzir, de forma equivocada, a assumir que a expressão musical é vaga e sem conteúdo. “Nada mais que schemata?” É precisamente por causa de sua não- literalidade, de sua não-explícita mas profundamente sugestiva natureza, que a música tem tanto poder de nos comover. Não um, mas muitos elementos de experiência podem ser configurados dentro de um simples encontro musical, dando-lhe grande significância. Aqueles que são capazes de responder à música dessa forma falarão, freqüentemente, de uma experiência que é transcendental, feita de, mas, ao mesmo tempo, desligada da experiência de vida (Idem, p. 35). 13 Schemata – é o plural de schema, palavra de origem grega que significa forma. Nesse caso um padrão na mente (SWANWICK, 2003, p.34). 59 Estes padrões, oriundos de velhas experiências são ativados de forma
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