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EA D Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva Historiográfica 1. OBJETIVOS • Conhecer e identificar os diferentes conceitos de histo- riografia. • Retomar e caracterizar conhecimentos já adquiridos so- bre historiografia. 2. CONTEÚDOS • Conceito e tipos de historiografia. • A produção historiográfica no decorrer dos tempos (a partir de Heródoto até Annales e História Nova). 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1 © Historiografia e Teoria da História 30 1) Leia o Glossário atentamente e tenha sempre em mente o Esquema de Conceitos-chave. Isso favorecerá e facili- tará seu aprendizado e desempenho. 2) Procure ler, ao menos, um livro indicado na bibliografia (básica ou complementar). Complemente sua formação. 3) Releia os conteúdos estudados nos Cadernos de Refe- rência de Conteúdos Metodologia da História I e II. Ao recordar o que já assimilou e discutiu, você terá maior facilidade em acompanhar as mudanças nos paradigmas historiográficos que vêm acontecendo nas últimas déca- das e que serão apresentados a seguir. 4) Outras definições de historiografia podem ser verifica- das: historiografia como produto intelectual dos histo- riadores, como pesquisa histórica e como representação do passado são exemplos que podem ser citados. Para maiores informações, sugerimos a leitura de LOMBARDI, José C. (Org.). Fontes, história e historiografia da educa- ção. Ponta Grossa: Autores Associados, 2004. 5) O conceito de História Nova não é originário da década de 1960. Ele foi cunhado já na fundação dos Annales e retomado pelos representantes da terceira geração. 6) Não houve uma história das mentalidades homogênea e unificada. Três variantes dessa história podem ser iden- tificadas: 1) a herdeira dos Annales, em que o estudo do mental está associado a totalidades explicativas; 2) a marxista, que relaciona o conceito de mentalidade à ideologia; 3) aquela que utiliza os microtemas – o modo de beijar, de chorar, o louco, a criança etc. –, que descre- ve e narra épocas e episódios do passado. Para maiores esclarecimentos sugerimos a leitura de Vainfas (1997). Igualmente, é importante ressaltar que a história das mentalidades tanto é encarada como um braço dos An- nales como herdeira de alguns de seus pressupostos, mas não todos. 7) Para saber mais sobre Heródoto e Tucídides, leia MOMI- GLIANO, Arnaldo. As Raízes Clássicas da Historiografia Moderna. Tradução de Maria Beatriz B. Florenzano. Bau- ru: EDUSC, 2004. (Coleção História). Claretiano - Centro Universitário 31© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 8) Vários autores serão citados no decorrer do conteúdo. Para obter maior conhecimento sobre eles, observe as informações a seguir e procure pesquisar nos sites indi- cados. Busto de Heródoto Mármore. Cópia romana de original grego do século 4º a.C. Aproximadamente Período Imperial. Nápoles, Museo Nazio- nale (RIBEIRO JR., W. A. Heródoto. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Imagem disponível em: <www.greciantiga.org/ arquivo.asp?num=0345>. Acesso em: 27 maio 2009). Busto de Tucídides Mármore. Provavelmente cópia romana de um original grego do século 4º a.C. Data: não estabelecida. Inglaterra, Norfolk, Holkham Hall (RIBEIRO JR., W. A. O historiador Tucídides (-460/-400). Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Imagem disponível em: <www.greciantiga.org/img/index. asp?num=0177>. Acesso em: 27 maio 2009). Políbio Políbio (200-115 a.C.), historiador grego que lutou contra a dominação romana, foi enviado a Roma como prisioneiro de guerra. Lá, passou a admirar aquela cultura e acompanhou campanhas militares pela Itália, Gália e Espanha. Também testemunhou a destruição de Cartago. Após essas experiên- cias, narrou, em quarenta livros, 53 anos de conquistas ro- manas. Suas fontes de pesquisa foram tanto testemunhos como documentos. Afirmou que a história deveria ser prag- mática, tratar apenas de assuntos políticos e militares e que o historiador deve relatar os fatos como eles ocorreram, sem comentários ou interpretações, de modo a manter a objeti- vidade histórica. Escreveu a obra Histórias (imagem e texto disponíveis em: <http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_ biografia_c_2936.html>. Acesso em: 25 maio 2009). © Historiografia e Teoria da História 32 Salústio Salústio (Caio Salústio Crispo – 86-35 a.C), historiador e político latino, foi um dos narradores dos acontecimen- tos políticos do final do período republicano de Roma e considerado, por alguns estudiosos, como o introdutor da história filosófica na historiografia latina. Após uma conturbada passagem pela política romana como go- vernador da Numídia, norte da África, sob a proteção de César, dedicou-se somente à atividade de escritor. Suas obras mais conhecidas são Conjuração de Catilina (Lúcio Sérgio Catilina, tido como um político sem escrúpulos) e Vida de Jugurta (rei da Numídia), narrativas históricas de fatos acontecidos em Roma (imagem e texto disponíveis em: <http://www.net- saber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3108.html>. Acesso em: 25 maio 2009. Tácito Tácito (Caio Cornélio Tácito – 55-120 d.C. [?]), historiador Romano que cumpriu uma vasta carreira jurídica, atuando como questor, pretor e cônsul. Reconhecido por sua oratória, alcançou prestígio como historiador. Relatou a história de imperadores romanos desde Tibério até Nero. Escreveu Annales, Histórias, Diálogo sobre os oradores e Germânia (em que trata da vida e da cultura dos povos germânicos) e alguns outros textos (imagem e texto disponíveis em: <http://www. netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1095.html>. Acesso em: 25 maio 2009). Cícero Cícero (Marco Túlio Cícero – 106 a.C – 43 d.C.) nasceu numa antiga família da classe equestre e, chegando à maioridade, foi entregue aos cuidados do célebre senador e jurista romano Múcio Cévola, que o pôs a par das leis e das instituições políticas de Roma. Estudou filosofia e oratória. Foi questor, edil, pretor e cônsul. Com o primeiro Triunvirato e fora da política, voltou às atividades forense e literária. Foi exilado na Grécia e voltou de forma quase triunfal. Tentou novamente a política, mas sem tanto su- cesso. Autor das obras: Sobre os Fins, Controvérsias Tus- culanas, Sobre os Deveres, Os Tópicos, Os Acadêmicos, A Natureza dos Deuses, Sobre a Arte Adivinhatória, Sobre o Destino, Sobre o Orador, e as mais conhecidas: A Re- pública, redigida em 51 a.C., e Sobre as Leis (imagem e texto disponíveis em: <http://www.pucsp.br/~filopuc/verbete/cicero.htm>. Acesso em: 25 maio 2009). Claretiano - Centro Universitário 33© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica Aristóteles Aristóteles Mármore pentélico (Monte Pentélico, nordeste de Atenas). Cópia romana do original de bronze de Lisipo. Data: séc. I / II a.C. Museu do Louvre, Paris (RIBEIRO JR., W. A. O filósofo Aristóteles (-384/-322). Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Imagem: disponível em: <www.greciantiga.org/img/ index.asp?num=0348>. Acesso em: 27 maio 2009). Beda Beda, o Venerável (672-735), representado em um manus- crito medieval (imagem disponível em: <saxons.etrusia. co.uk/saxons_kings.php>. Acesso em: 27 maio 2009). Isidoro de Sevilha Isidoro de Sevilha (560-636). Óleo sobre tela, de autoria de Bartolomé Esteban Perez Murillo. Data aproximada: entre 1632 e 1682 (imagem disponível em: <www.dec.ufcg.edu. br/biografias/SaoIsidoS.html>. Acesso em: 27 maio 2009). Marc Bloch Marc Bloch (1886-1944) (imagem disponível em: <www.ca- sadellibro.com>. Acesso em: 25 maio 2009). © Historiografia e Teoria da História 34 Lucien Febvre Lucien Febvre (1858-1956) (imagem disponível em: <www.culture.fr>. Acesso em: 25 maio 2009). Jacques Le Goff Jacques Le Goff (1924) (imagem disponível em: <www.casa- dellibro.com/img/autores/LeGoff>. Acesso em: 25 maio 2009). Emmanuel Le Roy Ladurie EmmanuelLe Roy Ladurie (1929) (imagem disponível em: <http://www.clio.fr/espace_culturel/emmanuel_le_roy_ladu- rie.asp>. Acesso em: 27 maio 2009). Michel Vovelle Michel Vovelle (1933) (imagem disponível em: <http://sites. univ-provence.fr/webtv/cible.php?urlmedia=vovelle_haut>. Acesso em: 25 maio 2009). Claretiano - Centro Universitário 35© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica Robert Mandrou Robert Mandrou (1921-1984) (imagem disponível em: <http://histoireparis8.canalblog.com/images/mandrou_dou- ble_portrait.jpg>. Acesso em: 25 maio 2009). 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE “Historiografia”, “pesquisas historiográficas”, “abordagens historiográficas” – esse termo e essas expressões lhe são familia- res, não? Em praticamente todo o material disponibilizado a você até o momento e em tantos outros ainda por vir, os conceitos de “historiografia” e “historiográfico(a)” tornaram-se e irão se tornar lugar comum. Mas você apreendeu o(s) significado(s) desses ter- mos? Saberia identificar e explicar os tipos de historiografia exis- tentes? Esses são os propósitos desta unidade: levá-lo a identificar e a entender a historiografia e as suas aplicações. Há, também, outro objetivo a ser alcançado: rever algumas questões já estudadas por você. Nos Cadernos de Referência de Conteúdos Metodologia da História I e II, você entrou em contato com as discussões historiográficas acerca das teorias da História a partir de Heródoto até os pós-modernos – estes últimos vistos bre- vemente. Desse modo, esta unidade tem o intuito de invocar Mne- mosine, a personificação da memória, para contextualizá-lo dian- te do que veremos nas próximas unidades. Rememorando, ficará mais fácil entender os debates sobre as mudanças nos paradigmas da História que vêm ocorrendo nos grandes centros acadêmicos nacionais e estrangeiros, essencialmente nas últimas décadas. É importante salientar que veremos apenas alguns ele- mentos-chave desse processo historiográfico. Esta unidade não objetiva retomar todo o conhecimento já adquirido nem mesmo © Historiografia e Teoria da História 36 apresentar um resumo particularmente exato e pontuado de to- das as transformações da História no decorrer dos tempos. Assim, leia atentamente o conteúdo ora apresentado tanto como um exercício mnemônico, já salientado, como também um ponto de partida para novas leituras e aprofundamento dos elementos em discussão. Para mais informações, será pertinente que recorra aos Cadernos de Referência de Conteúdos de Metodologia da História I e II e a outras bibliografias sugeridas. 5. O QUE É HISTORIOGRAFIA? Eis um conceito simples de se explicar: em resumo, historio- grafia é a escrita da História. Quem dera ser realmente tão sim- ples. Este é um daqueles momentos em que ditados populares não são meros clichês: “a simplicidade é complexa”. O problema reside no fato de que escrever a História implica considerar contextos di- ferentes (do tema, do historiador), ideologias diversas (do histo- riador, da editora, do público), fontes utilizadas para a pesquisa (escritas, orais, iconográficas), questionamentos dirigidos a essas fontes, teoria empregada para análise. Assim, é interessante que você tenha acesso a distintas definições de historiografia, para além daquela já citada. Vejamos dois casos! “A historiografia seria assim a melhor vacina contra a inge- nuidade” (SILVA; SILVA, 2006, p. 189). O que apreender de uma assertiva como essa? Se aceitarmos que historiografia é o questionamento acerca da produção e da escrita da História, sobre o(s) discurso(s) dos historiadores e seus métodos, compreenderemos que, se conhecemos o que influencia os historiadores em suas escolhas de temas a abordar e na teoria a seguir, se conhecemos o resultado de suas pesquisas, se temos acesso aos erros e acertos por eles elencados, a ingenuidade não Claretiano - Centro Universitário 37© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica fará parte de nossa profissão. Dito de outro modo, se conhecemos o historiador em seu ofício, em seu contexto e a sua produção, não há como ficarmos alheios à memória das sociedades. Uma última definição, segundo Carbonell (1987, p. 6): O que é historiografia? Nada mais que a história do discurso – um discurso escrito e que se afirma verdadeiro – que os homens têm sustentado sobre seu passado. É que a historiografia é o melhor testemunho que podemos ter sobre as culturas desaparecidas, in- clusive sobre a nossa – supondo que ela ainda existe e que a semi- -amnésia de que parece ferida não é reveladora da morte. Nunca uma sociedade se revela tão bem como quando projeta para trás de si a sua própria imagem. Vamos refletir juntos sobre essa definição? Inicialmente, to- memos a frase “nada mais que a história do discurso”, ou seja, his- toriografia é o estudo de tudo o que já foi dito sobre um tema em diferentes modos, lugares e tempos. Depois, “um discurso escrito e que se afirma verdadeiro”, ou seja, o que foi dito deve ser con- siderado como discurso digno de ser acatado. E, por fim, “nunca uma sociedade se revela tão bem como quando projeta para trás de si a sua própria imagem”. Em outras palavras, como não temos como nos desvencilhar totalmente de nossas ideologias, de nossos conceitos, das marcas de nosso tempo, sempre que apresentamos o resultado de uma pesquisa histórica, a marca de nossa época fica evidenciada. Resumindo, a historiografia é o produto de uma era, é uma construção histórica. Como se pode observar, trata-se de um conceito polissêmi- co. Mas, para além do conceito, igualmente devemos considerar que a historiografia depende de dois elementos: da formulação de um problema e das fontes disponíveis. Ao levantar essas questões, Blanke (2006) estudou a história da historiografia e apontou dez tipos e três funções, conforme você pode verificar nos Quadros 1 e 2. O autor adverte: “Os tipos que (re)construí, no entanto, pos- suem um alcance mais amplo do que os exemplos dos quais eles são uma abstração” (BLANKE, 2006, p. 29). © Historiografia e Teoria da História 38 Quadro1 Tipos de historiografia. Os tipos de história da historiografia 1) História dos historiadores Pesquisas que abordam a vida e a obra de um historiador. 2) História das obras Pesquisas sobre um gênero literário (qual o estilo literário da obra). 3) Balanço geral Pesquisas que classificam os historiadores em campos específicos. 4) História da disciplina Pesquisas sobre conferências e trabalhos de instituições históricas. 5) História dos métodos Pesquisa sobre os métodos históricos. 6) História das ideias históricas Pesquisa sobre as tendências da história intelectual. 7) História dos problemas Pesquisa sobre a história das subdisciplinas (Antiga, Medieval...), da relação entre a História e outras Ciências Sociais etc. 8) História das funções do pensamento histórico Pesquisa sobre as funções sociais da historiografia. 9) História social dos historiadores Pesquisa da historiografia como história social. 10) História da historiografia teoricamente orientada Pesquisa sobre o desenvolvimento da disciplina no interior de sua reflexão metateórica. Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006. Quadro2 Funções da História. As funções da história da historiografia Função afirmativa Afirmar uma ideologia oficial. Função crítica Críticas aos princípios ideológicos, visões de mundo, modelos tradicionais etc. Função exemplar Oferecer material para a reflexão teórica (servir de exemplo). Fonte: BLANKE in MALERBA, 2006. Esses tipos e funções não serão sistematicamente analisados aqui. Porém, explicitá-los ajuda-nos a observar e a confirmar que a historiografia é mais do que a escrita da história: é a compreensão de todo o contexto que envolve essa escrita. Claretiano - Centro Universitário 39© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica Nesta conjuntura, podemos iniciar nossa compreensão do que é Teoria da História.Alguns a leem mesmo como historiogra- fia, como debate historiográfico, e muitos outros, como metodo- logia. Igualmente, é entendida como qualquer atividade reflexiva do historiador. Desse modo, os conceitos de historiografia e teoria da História são justapostos. A historiografia, enquanto escrita da História, apresenta-nos concepções diferenciadas do passado de acordo com as teorias norteadoras do ofício do historiador, a sa- ber: o marxismo, a nova história, a micro-história etc. Agora que já refletiu sobre os conceitos de historiografia, Te- oria da História e possibilidades historiográficas, que tal iniciarmos nossa retrospectiva? Vamos lá! 6. A HISTORIOGRAFIA NA ANTIGUIDADE Antes de adentrar na produção de Heródoto e Tucídides, é importante entendermos o contexto no qual a escrita da História nasceu: aquele da oralidade e, também, da mitologia. Para o Grego das épocas arcaica e clássica, a palavra repre- sentava o poder por excelência. Vejamos o que o helenista Jean- -Pierre Vernant tem a dizer a esse respeito (o termo “Grego” é uti- lizado aqui em maiúsculo não só para caracterizar os habitantes da Grécia, mas igualmente compreendendo-o como uma categoria que inclui homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, todos incluídos dentro de um contexto social e cultural maior): O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordiná- ria proeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder... A palavra não é mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação (VERNANT, 1996, p. 34). Com base nessa assertiva, observamos que o logos ocupava um lugar central nessa época da nascente razão. Mas não nos engane- mos: logos e mythos não eram totalmente excludentes, nem mesmo contraditórios. A razão, representada pelo logos, nasce do mythos. © Historiografia e Teoria da História 40 Mas como esse logos foi utilizado e compreendido no cerne da primeira História? Essa nova maneira de se narrar os aconteci- mentos se distanciou de forma definitiva do mito? Observemos, então, as diferenças e as similitudes entre os dois historiadores, que, desde a Antiguidade, estão no centro da discussão que tenta decidir quem é o “pai da História”. Heródoto: ouvir, ver e escrever Ouvir, ver e escrever. Não se trata de um ordenamento alea- tório de verbos. Os dois primeiros podem até se alternar, porém, escrever vem depois. Esta era a prática de Heródoto (484-420 a.C): colher testemunhos (essencialmente história oral, embora tenha tido acesso a alguns documentos), observar regiões, pessoas, fatos e, posteriormente, narrá-los. Em sua obra História (2,9), ele afir- mou: “Até aqui disse o que vi, refleti e averiguei por mim mesmo, a partir de agora direi o que contam os egípcios, como ouvi, ainda que acrescente algo do que vi” (HERÓDOTO, 1998, p. 152). Heródoto procurou registrar a tradição, feitos e fatos que, em seu entendimento, não deveriam ser esquecidos – a lembran- ça e o conhecimento do passado como forma de reforçar a iden- tidade dos helenos. Em sua escrita, utilizou-se do termo “logos” no sentido de relato, de conhecimento, de razão; tudo isso repor- tando-se a opiniões contrastantes que nem sempre puderam ser comprovadas (o que se ouviu, mas não se viu). A obra História, nesse contexto, procura estabelecer as causas da guerra entre gre- gos e persas apresentando uma escrita que, embora ainda traga elementos mitológicos, traz como novidade o relato do ocorrido, de fatos concretos, de feitos de homens, e não histórias mitológi- cas, feitos heroicos e/ou divinos, de um mundo abstrato. Por essa inovação, Heródoto foi considerado o “pai da Histó- ria” já na Antiguidade, título atribuído a ele por Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) em De Legibus – Das Leis, (1,1,5). Porém, apenas nos tempos modernos, tal honraria estabeleceu-se definitivamente. Claretiano - Centro Universitário 41© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica Tucídides: a busca da verdade do que se vê Segundo Detienne (1998, p. 105), “O ouvido é infiel e a boca é sua cúmplice. Frágil, a memória é igualmente enganadora: ela seleciona, interpreta, reconstrói”. Tomamos por empréstimo essas palavras do helenista Mar- cel Detienne por acreditarmos que ela representa bem a repulsa de Tucídides em relação à escrita de Heródoto. Diferentemente deste, Tucídides preocupou-se com as causas imediatas. Atentou- -se para o presente, narrou o que viu, acreditava no que estava diante dos olhos. O passado, para ele, mostrava-se como boatos: fulano disse que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra de alguém. Para o autor de Guerra do Peloponeso, memória sem provas não é História. Por que devo vos falar de acontecimentos muito antigos quando estes são atestados antes por boatos que circulam (akoaí) do que pelo que se viu com seu olhos aqueles que nos ouvem (TUCÍDIDES, I, 73, 2). Resumindo, algumas das principais diferenças entre Heródo- to e Tucídides são: o primeiro privilegia o resgate da tradição, e o segundo, o registro do presente com o pensamento focado no futuro; Heródoto é considerado mais romântico, enquanto Tucídi- des, mais realista. As diferenças também podem ser observadas na escolha das fontes: o primeiro elege as fontes orais, e o segundo, não vendo credibilidade nestas, descarta-as. Outros nomes podem e devem ser citados para esse período da historiografia: Aristóteles, Políbio, Salústio, Tácito e Cícero. Vale ressaltar aqui a diferença estabelecida por Aristóteles entre História e poesia. Reproduziremos, a seguir, uma das mais famosas passagens desse autor em que esclarece este binômio contrário: Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de repre- sentar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segun- do a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (...) – diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que pode- © Historiografia e Teoria da História 42 riam suceder. Por isso, a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a História, pois prefere aquele principalmente o universal, e esta o particular (ARISTÓTELES. 2003, 9, 50). De forma bem esclarecedora, assim Funari e Silva (2008, p. 23) se expressam acerca desta afirmação: Aristóteles aponta como característica essencial da História sua preocupação com o efêmero, com o acontecimento que não se pode repetir e que, por isso mesmo, nada nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo do mundo. O particular, por definição, nada revela. É bom e temeroso poder discordar de alguém como Aristó- teles. Mas o desenvolvimento da História como disciplina e como teoria veio nos mostrar que o particular diz muito sobre homens e sobre o mundo, assim como sobre os homens no mundo. 7. A HISTORIOGRAFIA NO MEDIEVO A Historiografia no Medievo está intrinsecamente ligada ao Cristianismo. Basta lembrar, com o auxílio dos Cadernos de Refe- rência de Conteúdos História Medieval I e II, que, durante muito tempo, a Igreja foi a detentora do saber. Nesse período, os ho- mens, suas obras e os acontecimentos só ganhavam importância se vistos como resultados dos desígnios divinos. Essa historiografia produziu genealogias, anais (reais e mo- násticos) e cronologias de acontecimentos sucedidos nos reinados dos seus senhoris ou da sucessão de abades. Nos documentos, en- contramos, igualmente, hagiografias e biografias de reis. Os textos ainda podiam exaltar uma dinastia como condenar aqueles que não seguiam os preceitos do Cristianismo. A escrita dessas fontes estava sob a responsabilidade de hagiógrafos, cronistas, integrantes do clero episcopal ligados ao poder e por monges. Como exemplo dessa historiografia, citamos: História Eclesiástica do Povo Inglês, do século 8, de autoria de Beda, o Venerável, e Etimologias, de Isidoro de Sevilha. Claretiano - Centro Universitário 43© U1 - Historiografia,Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 8. A HISTORIOGRAFIA NOS SÉCULOS 18 E 19 É contraproducente unir as historiografias dos séculos 18 e 19 num mesmo tópico. Pode parecer que as continuidades e permanên- cias são superiores às descontinuidades e rupturas no interior da es- crita da História. No entanto, essa junção aqui realizada justifica-se por dois motivos: primeiro, não é a passagem de um século para o outro (temporalmente falando) que modifica as estruturas e, em segundo lugar, porque o século 19 pode ser entendido como um momento de concreção e reação ao que foi divulgado no século precedente. Observe os tópicos a seguir: 1) Avanço do Iluminismo → Nova roupagem das Universi- dades → Surgimento da Filologia. 2) Filologia Histórica: conhecimento mais rigoroso e aprofun- dado das línguas antigas → conhecimento das fontes mais objetivo. 3) Conhecimento mais objetivo do passado → início do positivismo historiográfico: crítica textual que visava sa- ber se os documentos eram verdadeiros e fidedignos: descrição factual precisa. A História, desse modo, surge como um conjunto de fatos que existem nos documen- tos. Basta extraí-los. Há um rompimento com a escrita da História de tradição literária (fácil de ler) rumo a um discurso árido e douto. Seus principais representantes: Barthold Georg Niebuhr e Leopold Von Ranke. 4) Revue Historique (1876) – surgimento da Escola Metódi- ca: autores associados a essa escola estavam preocupa- dos com a escrita da história nacional e o estabelecimen- to da identidade da nação. Para tanto, exigiu-se um rigor metódico, o afastamento da parcialidade, da especulação e da não objetividade para se contar como a história re- almente aconteceu. Dois de seus representantes são: Ga- briel Monod e Gustave C. Fagniez. Veja informações com- plementares sobre a Revue Historique no quadro a seguir. 5) Karl Marx e a concepção dialética da História: a história de toda sociedade é a história da luta de classes; a revo- © Historiografia e Teoria da História 44 lução é a força motriz da História. A vida social, política e intelectual é condicionada ao modo de produção da vida material (materialismo). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Informações complementares sobre a Revue Historique –––– Em 1870, ocorreu a derrota do exército francês na guerra franco-prussiana. Com essa derrota, a França sentiu a necessidade de reescrever sua história e de construir sua identidade. O pensamento histórico alemão teve grande influência nesse contexto. Dentre os autores mais conhecidos desse período, citamos: Gabriel Monod, Charles Seignobos e Ernest Lavisse. Todos eles, ao lado de Theodor Mommsen, serviram de modelo e inspiração para as gerações posteriores de historiadores franceses. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 9. O SÉCULO 20 E OS ANNALES Segundo Burke (1991, p. 127): Da produção intelectual, no campo da historiografia, no século XX, uma importante parcela do que existe de mais inovador, notável e sig- nificativo origina-se da França. A historiografia jamais será a mesma. É assim que Peter Burke inicia e finaliza o seu livro A Revolu- ção Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989, em que descreve e analisa as três gerações do movimento inte- lectual francês associadas à revista Annales (o primeiro título da revista foi Annales d’histoire économique et sociale [1929]), que teve como seus principais representantes Marc Bloch, Lucien Fe- bvre, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon, Michel Vovelle, entre tantos outros. A última assertiva da citação anterior não é fortuita ou mero chavão. Reflete bem a prática historiográfica dos membros dos Annales, que objetivaram suprir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema, como também deixar de fazer apenas a história política e abordar a história de todas as atividades humanas e, por fim, estabelecer uma relação profícua com outras disciplinas das Ciências Sociais, como a Antropologia, Claretiano - Centro Universitário 45© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica a Sociologia, a Geografia etc. As massas anônimas e seus modos de viver, sentir e pensar foram analisados nesse contexto de in- terdisciplinaridade. No entanto, vale ressaltar que essa escola não formou um grupo monolítico, executando uma historiografia uni- forme. Bem pelo contrário. As diferenças podem ser observadas no interior das três fases (ou gerações) desta escola: 1ª geração de 1920 a 1945 História enquanto ciência do homem: há uma separação en- tre os conceitos de História e passado. O que se procura entender é a história do passado e não o passado em si, que é compreendi- do como uma construção histórica. Seus maiores representantes foram Marc Bloch e Lucien Febvre. 2ª geração de 1945 a 1968 O que se aspirava era uma prática histórica mais aberta, ou seja, que abordasse os campos social, econômico, cultural, geográ- fico e religioso, em suas diferentes temporalidades e diversas pers- pectivas. Dito de outro modo: aspirou-se por uma história total. Fernand Braudel representa exemplarmente essa geração. 3ª geração de 1968... Fase também conhecida por História Nova ou Nova Histó- ria. Essa geração particularmente nos interessa, pois os questiona- mentos apresentados no decorrer deste Caderno de Referência de Conteúdo são oferecidos a nós pelos integrantes desse grupo ou por estudiosos que questionaram os paradigmas da história a par- tir das discussões desse grupo. Por esse motivo, um item separado abordará o tema. 10. A NOVA HISTÓRIA Três processos caracterizam a terceira geração: a assimilação definitiva de novos problemas, novas abordagens e novos objetos. © Historiografia e Teoria da História 46 Temas como mulher, sexualidade, prisão, doença, sonho, corpo e morte são estudados não somente sob a luz da História, mas igualmente na sua relação com a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia. Ocorre um distanciamento acentuado em relação à histó- ria política tradicional. A questão da unidade do objeto e a possi- bilidade concreta de uma história total também foram deslocadas. Não existe mais o homem, mas os homens, e não mais história, mas histórias. Então, a atenção voltou-se para o sótão, deixando-se o po- rão (o material) para trás, ou seja, as mentalidades ressurgiram com nova roupagem nos estudos históricos acadêmicos. Philip- pe Ariès foi, talvez, o maior responsável por esse retorno; Robert Mandrou, pela divulgação; e Jacques Le Goff, Georges Duby, Em- manuel Le Roy Ladurie e Michel Vovelle, pela aplicação dos estu- dos das mentalidades. De acordo com Chartier (1990, p. 14-15): [...] as atitudes perante a vida e a morte, as crenças e os compor- tamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações fa- miliares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar etc [...] Sob a designação de história das mentalidades ou de psicologia histórica delimitava-se um novo campo [....] Mas esses objetos carecem de uma abordagem apropriada. Como você analisaria essas temáticas no tempo, melhor dizendo, a uma primeira vista? Acredita ser capaz de reconhecer as atitudes perante a morte num breve espaço de tempo? Os adeptos da his- tória das mentalidades não apostaram nessa possibilidade. Houve um aprofundamento nas pesquisas de longa duração: “[...] tempos das estruturas, tempo quase imóvel da relação entre o homem e a natureza” (VAINFAS, 1997, p. 134). Mas essa história foi rebatida: se não há o homem, no sin- gular, se não há a história, também no singular, igualmente não há uma única forma de pensamento que caracterize o homem na Claretiano - Centro Universitário 47© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica história, mas diferentes modos de viver, sentir e pensar para dife- rentes homens e passados.É óbvio, e você já estudou em outros Cadernos de Referên- cia de Conteúdos, que a Nova História não se resumiu à História das Mentalidades. O que se deu após as críticas direcionadas a ela será o tema das outras unidades a seguir. Para finalizar, a sua atenção, nesse momento, deve voltar-se para o fato de que, com a introdução de novos problemas, novas abordagens e novos ob- jetos nos estudos historiográficos, o próprio conceito de História mudou, o modo de se contar a história mudou, e a sua relação com outras disciplinas também. São essas transformações que veremos mais adiante. Uma última consideração importante à compreensão dos conteúdos futuros: nessa terceira geração, não houve a predomi- nância de um grupo à frente dos demais estudiosos, não houve mais a prevalência da língua francesa nos estudos, como também a própria França deixou de ser o centro do pensamento histórico. Autores de outras línguas e outras regiões entraram no embate contra a “velha” História. Para Falcon (1997, p. 111): Batizada de nouvelle histoire, essa historiografia compreende his- toriadores cujas trajetórias intelectuais e políticas podem ser muito distintas entre si, tal como a maneira de cada um deles encarar a disciplina histórica e seu ofício. 11. TEXTO COMPLEMENTAR Os fragmentos a seguir versam sobre o único tratado da An- tiguidade sobre a historiografia. Eles fazem parte de um artigo es- crito por André L. Lopes. A leitura desses fragmentos levará a conhecer um pouco mais sobre a temática discutida até aqui. Observe o que o historiador antigo fala sobre a escrita da História. Algumas de suas colocações vêm ao encontro do que estamos estudando. Observe, também, o © Historiografia e Teoria da História 48 que ele fala sobre a verdade. Esse tema ainda será estudado nas demais unidades. Para auxiliá-lo numa reflexão crítica sobre a historiografia, após alguns fragmentos, foram inseridos comentários direcionan- do a leitura. Sugerimos que após essa leitura dirigida, você busque pelo artigo na íntegra e elabore seu próprio bloco de anotações. O artigo pode ser consultado na íntegra no site disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- -90742005000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 4 jun. 2010. Moralidade e justiça na historiografia antiga: o ‘manual’ historiográfico de Luciano de Samósata ––––––––––––––––– Na Antigüidade se inventou a história, e foi pródiga em produções historiográ- ficas, bastante econômica em reflexões sobre essa novidade. Se existem refe- rências a algumas obras antigas que parecem tratar da historiografia – como, por exemplo, o tratado de Teofrasto, Perì Historías (Sobre a história), do qual conhecemos apenas o título, ou o livro de Praxífanes citado por Amiano Marceli- no em sua Vida de Tucídides –, essas obras estão hoje completamente perdidas e especular sobre seu conteúdo seria perda de tempo. Aliás, é significativo que nenhuma obra sobre a história seja citada nas bibliografias dadas por Diógenes Laércio em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. O silêncio dos filósofos antigos sobre a historiografia é quase completo. Mesmo Aristóteles, tão prolífico a respeito de todos os campos do conhecimento, a igno- ra em toda a sua extensa obra. As únicas aparições da história no extenso corpus do filósofo de Estagira são duas passagens da Poética, nas quais é rejeitada em favor da poesia, e uma breve recomendação, na Retórica, aos políticos que leiam história para ampliar seus conhecimentos. Encontramos algumas reflexões sobre a historiografia nas obras dos próprios historiadores. Mas, na maior parte das vezes, essas reflexões são fragmentárias, estão inseridas em polêmicas com outros historiadores ou trata-se de simples elogios retóricos da historiografia. Na verdade, a mais completa investigação antiga sobre a historiografia encontra-se em um pequeno tratado da autoria de Luciano de Samósata, um escritor satírico nascido na Síria no século II da Era Cristã: Como se deve escrever a história, a única obra antiga inteiramente dedi- cada à historiografia de um ponto de vista teórico que conhecemos. Comecemos, portanto, pelo próprio ineditismo da obra: por que Luciano resolveu escrever uma teoria da história? Por que escrever um tratado que nenhum outro escritor da Antigüidade tivera necessidade ou interesse em escrever? Como se deve escrever a história, além de um “manual metodológico”, é um “panfleto literário”, ou seja, uma obra destinada à crítica de uma prática literária que Luciano não via com bons olhos. Dos 63 parágrafos do texto, Luciano de- dica 19, quase um terço da obra, a exemplos de maus historiadores (§§ 14-32). Essa mesma técnica, “como não fazer” (crítica cômica) e “como fazer” (preceitos sérios), foi usada por ele em diversos outros panfletos do mesmo tipo como, Claretiano - Centro Universitário 49© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica por exemplo, em Mestre de retórica – “como não ser bem-sucedido na retórica e como sê- lo” – e em Lexífanes – “como não reviver palavras áticas e como fazê-lo”. No entanto, Como se deve escrever a história se destaca dentre todos, pois apenas nele a caricatura não é a principal preocupação do texto e “a balan- ça é mais ou menos equilibrada”: 2 contrapondo-se aos 19 parágrafos dedicados à crítica cômica dos maus historiadores, 27 são destinados aos ensinamentos prescritivos sobre a história (§§ 34-60). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Observe este pequeno resumo da obra onde o autor do ar- tigo descreve alguns elementos do texto analisado. É interessante constatar que a crítica historiográfica já era utilizada nos primór- dios da escrita da História. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Sendo uma obra de crítica, Como se deve escrever a história estava, portanto, vivamente inserida na prática historiográfica do século II d.C.. O que não significa necessariamente que os vários exemplos ridículos de histórias e historiadores citados por Luciano tenham realmente existido. O próprio Luciano parece extre- mamente irônico ao garantir a veracidade das histórias por ele criticadas: Dir-lhes-ei então, em detalhes, o quanto me lembro haver ouvido alguns his- toriadores dizerem recentemente na Jônia, e agora mesmo na Acaia, des- crevendo essa mesma guerra. E, em nome das Graças, que ninguém deixe de acreditar no que vou dizer. Pois eu juraria por sua veracidade, se fosse próprio inserir um juramento em um tratado. É provável que diversos historiadores estivessem ativos na época em que Lu- ciano escreveu e que novas histórias da guerra entre os romanos e os partos fossem publicadas – ou recitadas – com freqüência. Já no séc. I a.C., [...] No en- tanto, nada impede que Luciano tivesse criado histórias e historiadores “ideais”, que se encaixassem melhor nos pontos que ele critica. A crítica aos maus histo- riadores se mantém, mesmo que todos os historiadores criticados sejam criação do crítico. E a crítica é necessária, pois o que Luciano busca é uma história justa (historías dikaías). A verdade, um dos traços mais importantes da historiografia desde o seu início na Grécia, em Luciano não é senão o instrumento que conduz ao justo. “É necessário” escrever a história “com o verdadeiro”: “eis sua régua e seu fio de prumo para uma história justa”. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– História justa... verdadeira – eis a proposta de Luciano. Para elaborar essa crítica, o autor parte do pressuposto de que mui- tas histórias estão fantasiadas; não narram o que realmente teria acontecido. Muito disso estava relacionado ao contexto no qual o historiador estava inserido (funcionário de governo, funcionário direto ou escravo do imperador etc.). Podemos dizer que hoje em dia também é necessário considerar o lugar do historiador? © Historiografia e Teoria da História 50 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para Luciano, o poder romanoera uma constatação evidente e explícita: nin- guém se atreveria a combatê-lo, pois ele já havia submetido e conquistado todos os povos. Com efeito, a época da vida de Luciano, o século II d.C., foi o auge do poderio imperial romano, o período dos Antoninos, e a dificuldade de se escrever uma história justa era que a maioria dos historiadores, “negligenciando contar o que ocorreu [os eventos], gastam seu tempo no elogio dos chefes e dos ge- nerais, elevando os nossos até as nuvens e depreciando os do inimigo além de toda a medida”. Tratava-se, portanto, de mais do que um panfleto literário. Como se deve escre- ver a história era, também, um panfleto anti-romano. E a crítica era feita em um campo que, para a maior parte dos antigos, era naturalmente político, a historio- grafia: [...] como o judeu Flávio Josefo traduziu a história da guerra judaica em gre- go para formar um contraste com o florescimento da mentirosa historiografia filo-romana, assim – mais ou menos um século mais tarde – o sírio Luciano reagiu com o opúsculo Como se deve escrever a história na ocasião da explosão de uma historiografia filo-romana que floresceu a partir da euforia provocada pelas vitórias de Lúcio Vero. Luciano, embora não critique os romanos diretamente nem uma vez, resume seus preceitos para a história dizendo que é necessário escrever a história “com o verdadeiro […] mais do que com a adulação [kolakeía]”. Portanto, o alvo das críticas de ambos eram os historiadores aduladores, intelectuais que estavam mais preocupados com os favores dos poderosos do que com a narrativa dos eventos ou com o rigor histórico, as preocupações de um verdadeiro historiador. Além disso, ao escrever em grego, ambos os autores visavam, evidentemente, a um público que falava grego e, certamente, suas críticas eram dirigidas aos historiadores que escreveram histórias romanas em grego. Ora, qual seria a re- lação possível entre esses intelectuais gregos e seus senhores romanos senão a adulação e a troca de favores? Podemos ler, assim, em Luciano, uma forte oposição entre a verdade que a his- tória deveria possuir e a adulação que, na maior parte dos casos, era o que se lia nas narrativas dos historiadores. A oposição central do Como se deve escrever a história não é, portanto, entre verdade e mentira, como poderíamos pensar inicialmente; é entre verdade e adulação, pois a história era um assunto político que exigia imparcialidade e justiça. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Verdade x mentira... história x ficção? Será que podemos fazer tal associação? Se a adulação não é uma escrita justa e ver- dadeira, ela não pode ser estudada como um produto de uma si- tuação? Em outras palavras, por que adular? A quem atingir com o texto? Sabendo que muitos escritores antigos trabalhavam dire- tamente ligados a órgãos do governo, como analisar a produção deles? Que cuidados tomar quando da análise desse tipo de do- cumento? Claretiano - Centro Universitário 51© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A única ação possível para Luciano contra o poder invencível de Roma e seus aduladores era a crítica. Em diversas obras de Luciano os filósofos cínicos – como Diógenes, Crates, Menipo e outros – são encarregados dessa crítica que, mesmo cômica e caricatural, não perde sua mordacidade. Eles são os médicos das paixões – as doenças da mente humana – e o próprio Luciano, pela boca de Diógenes, nos diz qual a função do crítico cínico: “Sou um libertador de homens e um médico de suas paixões; para dizer tudo, quero ser um profeta da verdade e da franqueza.” Não se pode deixar de observar que quase todas essas virtudes aparecem na definição do historiador ideal em Como se deve escrever a história: Assim, pois, para mim, deve ser o historiador: sem medo, incorruptível, livre [eleútheros], amigo da franqueza [parresías] e da verdade [alétheias]; como diz o poeta cômico, alguém que chame os figos de figos e a gamela de gamela; alguém que não admita nem omita nada por ódio ou por amizade; que a ninguém poupe, nem respeite, nem humilhe; que seja juiz equânime, benevolente com todos até o ponto de não dar a um mais que o devido; estrangeiro nos livros, sem cidade, independente [autónomos], sem rei, não se preocupando com o que achará este ou aquele, mas dizendo o que se passou. Assim, vemos que, para Luciano, o historiador deve ser uma espécie de filósofo cínico, livre e sem medo de ser sincero. Mais uma vez, é possível ligar essa pas- sagem ao problema da adulação: se o historiador cometesse o erro de bajular os poderosos, estaria abdicando de sua liberdade e de sua auto-suficiência. Para todos os lados que se olhe, a adulação surge como um pecado a ser evi- tado. Como a adulação não devia ter espaço em uma obra de história, Luciano, para criticar esse vício, escreveu um panfleto com a forma de uma teoria da história. Em Como se deve escrever a história, os aspectos teóricos do tratado estão a serviço da intenção crítica; uma crítica surgida das necessidades políti- cas do presente. Se a circunstância da guerra e das histórias adulatórias que ela gerou não ocorresse, imagino que Luciano não teria escrito um tratado sobre a história. Segundo Luciano, seus conselhos funcionavam “de uma maneira dupla”; ensina- vam os historiadores “a escolher isso e evitar aquilo”. Assim, ele começa a parte teórica de seu tratado catalogando “os vícios que seguem nos calcanhares dos historiadores medíocres” e ensinando, precisamente, como não se deve escre- ver a história. Não à toa, dada a insistência de Luciano contra a adulação, a primeira distinção feita por ele é entre a história e o panegírico: com efeito, os historiadores “igno- ram que não é um istmo estreito que delimita e separa a história do panegírico [enkómion], mas que há entre os dois uma grande muralha e, como dizem os músicos, uma distância de duas oitavas”. A posição de Luciano nessa guerra entre a filosofia e a sofística é clara: ele se posiciona contra a retórica vazia, simples discursos de aparato, sem conteúdo. Luciano começou sua carreira como orador e nunca deixou de sê-lo, mas voltou o arsenal da retórica e da sofística contra os filósofos, sofistas, historiadores, gramáticos ou qualquer outro que considerasse hipócrita ou mentiroso. A retórica, para Luciano, deveria ser uma retórica idealizada que seguisse “as pegadas de Demóstenes, Platão e alguns outros”. Mas a retórica dos antigos não existia mais; fora substituída por uma retórica das aparências, simples or- © Historiografia e Teoria da História 52 namento sem conteúdo ou utilidade. Restava apenas o “outro caminho”, trilhado por “muita gente”. Esse era o caminho da retórica “moderna”, o caminho trilhado pelos “segundos” sofistas, biografados por Filóstrato, que visavam apenas a ga- nhos materiais. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– É interessante observar que Luciano propôs uma escrita his- toriográfica que seguisse as pegadas da Filosofia. Nesse contexto, a mitologia e a poesia seriam vistas como instrumentos utilizados pelos “aduladores”? Escrever com raciocínio e retórica com con- teúdo. É nesse caminho que seguem os historiadores contempo- râneos? –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Juntamente com a retórica sem conteúdo, Luciano renega o prazer dos discursos e não lhes permite um lugar na história. No entanto, os maus historiadores acha- vam que era possível distinguir entre o prazeroso e o útil quando se tratava de história. “Por essa razão”, prossegue, eles “trazem elogios para ela [a história], para dar prazer e divertimento aos leitores”. Eles não sabem quão longe estão da verdade, pois “a história tem uma única tarefa e um único objetivo – o que é útil – e isso deriva somente da verdade”. Por isso, os historiadores “não pode[m] admitir uma mentira, mesmo em pequenas doses”, enquanto os oradores de suaépoca não se importavam em mentir para obter seus resultados: o prazer dos ouvintes, a fama e a fortuna resultantes do sucesso na carreira declamatória. No entanto, Luciano concede que possa haver lugar para elogios em uma obra historiográfica, desde que eles sejam controlados pelo interesse da posteridade e pela utilidade. Tanto os elogios (épainoi) quanto as censuras (psógoi) deviam ser “cuidadosos e bem considerados, livres de contaminação pelos informantes, suportados pela evidência [metà apodeíxeon], curtos e não inoportunos, pois os envolvidos não estão sendo acusados no tribunal”. Ou seja, há um lugar para o elogio na historiografia, desde que “seja feito na hora certa e que se mantenha dentro de limites razoáveis”. O grande problema, portanto, não parece ser o elogio em si, mas o exagero do seu uso. Além disso, quando Luciano diz que o elogio na historiografia deve se basear em evidências (metà apodeíxeon), mostra a antiga filiação daquela com a verdade e afasta-a ainda mais da retórica epidítica. Com efeito, assim como a apódeixis da retórica aristotélica, a história deveria partir de fatos verdadeiros e mostrar sua causa. Isto fica bem claro no prefácio de Heródoto: [...] esta é a demonstração da investigação [historíes apódexis] de Heródoto de Halicarnasso, para que nem as coisas feitas pelo homem se apaguem com o tempo, nem que as grandes e maravilhosas obras, algumas realiza- das [apodechthénta, i.e., demonstradas] pelos gregos, outras pelos bárba- ros, se tornem inglórias, tanto em outros respeitos, quanto sobre a causa [aitíen] pela qual eles moveram guerra uns contra os outros. Ou seja, Heródoto partiu de um acontecimento – a guerra contra os persas – e tentou demonstrar (apódeixis) sua causa (aitía), mediante um procedimento ba- seado na investigação (historía). Claretiano - Centro Universitário 53© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica O uso de procedimentos retóricos na elaboração da narrativa histórica era ab- solutamente natural e necessário para Luciano – que, não podemos esquecer, teve ampla formação retórica. A “retórica historiográfica” proposta por Luciano (e levada a cabo por Heródoto e Tucídides), no entanto, se afastava da retórica exibicionista dos sofistas de seu tempo e se aproximava da retórica filosófica de Aristóteles. Tratava-se de partir dos acontecimentos, verdadeiros e evidentes, e demonstrá-los. Mas nunca se poderia esquecer que a história “tem uma única tarefa e um único objetivo – a utilidade – e isso deriva apenas da verdade”. To- dos os procedimentos retóricos utilizados na elaboração historiográfica deveriam estar sujeitos a isso. Por fim, creio que vale a pena examinarmos uma pequena metáfora utilizada por Luciano em seu manual. Segundo o sírio, o historiador deve deixar que sua inteligência seja “semelhante a um espelho impoluto, brilhante, preciso quanto a seu centro – e, qualquer que seja a forma dos fatos que recebe, assim os mostre, sem nenhuma distorção, diferença de cor ou alteração de aspecto”. A referência à mente do historiador como um espelho que reflete os fatos é bas- tante interessante. Pois o espelho, por mais centrado e impoluto que seja, reflete uma imagem parecida com a original, mas que guarda algumas diferenças des- sa. A mais evidente dessas diferenças é a inversão que se efetua na superfície do espelho entre direita e esquerda – e os antigos jamais deixaram de percebê- -la. Platão, por exemplo, cita diversas vezes esse fenômeno. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Muitos autores antigos, modernos e contemporâneos fi- zeram uso da metáfora do espelho. Procure saber mais sobre os significados tomados por esse utensílio tão precioso aos homens. Perceberá que, muito mais do que refletir, ele pode deturpar uma realidade. As fontes históricas também não cumprem esses pa- péis? –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Isso poderia significar que o historiador sempre vai acrescentar algo aos fatos, malgrado sua precisão e imparcialidade? Talvez. Mas creio que isso seria ler Lu- ciano pensando em Hayden White. Luciano, como todos os antigos, acreditava na possibilidade de “narrar a história tal como ela aconteceu”. Além do que, não podemos esquecer que o espelho criticado por Platão e Aristóteles é o objeto, o disco metálico que reflete imagens. Na literatura grega, no entanto, o espelho aparece quase sempre com um sentido figurado. E esse sentido sempre se re- flete sobre o plano moral.... A única tarefa do historiador é contar o que aconteceu. Quando um homem vai escrever história, deve ignorar todo o resto. Vê-se novamente nessa passagem a questão da verdade da historiografia opos- ta à adulação dos poderosos. Como já dissemos antes, essa é a oposição central em Como se deve escrever a história. Ao utilizar o espelho como metáfora para a mente do historiador, creio que Lu- ciano estava, como nos demais exemplos citados, ressaltando o aspecto moral e ético da história. Pois se o espelho reflete tanto o certo quanto o errado, é tarefa © Historiografia e Teoria da História 54 do historiador refletir, dentre as imagens que sua mente vê nos acontecimentos, aquelas que são justas. Se o historiador pretende que sua história seja justa, se pretende que sua obra tenha alguma utilidade para o futuro e possa ser, como Tucídides “legislou”, “um tesouro [ktêmá] para sempre”, ele não pode dar espaço para a adulação ou para os excessos da poesia. Sua obra deve ser uma história verdadeira e digna de confiança, que ensine e eduque os homens do futuro com os acontecimentos do presente, para que, quando os acontecimentos, devido à natureza humana, venham a se repetir, eles estejam preparados para agir me- lhor. Notas * Professor de Teoria da História e Historiografia no Depto. de História da Uni- versidade Estadual de Goiás – UEG, Formosa, GO. CEP 73802-000. e-mail: a.lemelopes@gmail.com 1 Como se deve escrever a história, 2. Luciano se refere à guerra iniciada pelo rei parto Vologésio IV na primavera do ano 162 e vencida pelo co-imperador Lúcio Vero quatro anos depois (o triunfo foi celebrado em 12 de outubro de 166). A edição consultada para as obras de Luciano é Lucian in eight volumes. Londres, Cambridge, Mass.: William Heinemann, Harvard University, 1913-1959; as tradu- ções, exceto quando indicado, são minhas. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta unidade, ou seja, da revisão sobre a historiografia no decorrer da História. A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda- dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu- cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco- bertas com os seus colegas. Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Quais são as principais diferenças constatadas nos conceitos de historiogra- fia citados no corpo do texto? Claretiano - Centro Universitário 55© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 2) Quais são as diferenças pontuais encontradas nos conceitos de História de Heródoto, Tucídides e Aristóteles? 3) Qual(ais) foi(ram) a(s) real(is) contribuição(ções) do grupo dos Annales? 4) Releia o conteúdo sobre a Nova História nos Cadernos de Referência de Con- teúdos Metodologia da História I e II, pesquise sobre o tema em livros e sites, e escreva um texto que contenha as principais características desse grupo. 5) O que ficou sem uma compreensão mais apurada? Releia e tente sanar suas dúvidas. 13.CONSIDERAÇÕES Você estudou, nesta unidade, os diferentes conceitos de his- toriografia e viu que o conceito de Teoria da História é pratica- mente indissociável. O fato de esses conceitos serem polissêmicos indica que as definições são construções históricas, ou seja, a es- crita da História e tudo o que isso implica, é fruto de uma época e reflete a forma de pensamento característica dessa época. Ao mesmo tempo, com essa constatação, um problema é apresen- tado: podemos afirmar que há uma única forma de pensamento característica de um período? A resposta leva-nos a um esforço de reflexão que nos convida a compreender a nossa própria con- cepção de História e de método histórico. A saída mais pondera- da para tamanha dificuldade é conhecer as diferentes dinâmicas históricas que se apresentarão na sequência e, a posteriori, nos engajarmos nos conceitos que mais se evidenciam pertinentes às nossas próprias ideias. Você igualmente foi convidado a recorrer à sua memória e rever alguns pontos-chave das diferentes etapas do estudo e da produção historiográfica. Viu, ainda, que o conceito de História foi modificado no tempo e espaço e foi embutido de ideologias, des- pido de outras. Do mesmo modo, relembrou que novos objetos e temáticas ganharam espaço nas pesquisas históricas, assim como outras disciplinas das Ciências Sociais vieram contribuir (com com- plementações, métodos e críticas) para com o entendimento do © Historiografia e Teoria da História 56 Homem, dos homens, do passado enquanto fato dado ou enquan- to construção. Nas próximas unidades, você será provocado a conhecer os diversos debates que estão ocorrendo no meio acadêmico acer- ca das mudanças dos paradigmas da História. A apresentação dos autores e de suas teorias não seguirá uma ordem cronológica, mesmo porque os diferentes embates se deram, e ainda ocorrem, simultaneamente, nos centros francês, inglês, americano e brasi- leiro. O que você verá a seguir são as discussões sobre o processo de mudanças nos paradigmas epistemológicos no interior da his- toriografia após a incorporação de novos temas, novos métodos e novas linguagens pelos historiadores, por meio do estudo das perspectivas que demarcam o debate contemporâneo, especial- mente no final do século 20 e início do século 21, dando ênfa- se às novas propostas da historiografia pós-moderna. Em outras palavras, você terá acesso aos debates que entendem a História como narrativa, como discurso, como literatura e ficção e a Histó- ria como representação. A escolha dos autores e de suas temáticas no contexto pós- -moderno tem algumas justificativas: inicialmente, trata-se de uma retomada e, ao mesmo tempo, de um aprofundamento do saber em relação a nomes e teorias vistos rapidamente no final do Ca- derno de Referência de Conteúdo Metodologia da História II. Outro fator que contribuiu para tal seleção é o fato de que as discussões sobre a História e historiografia pós-moderna ganharam espaço e produção nos principais centros acadêmicos mundiais. E, final- mente e não menos importante, porque esses mesmos autores e teorias que tanto contribuíram com a mudança nos paradigmas historiográficos tradicionais agora são alvo de reflexões, críticas e reprimendas. Claretiano - Centro Universitário 57© U1 - Historiografia, Teoria da História e Retrospectiva istoriográfica 14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Arte Poética. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003. BLANKE, H. W. Para uma Nova História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A História Escrita: Teoria e História da Historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Tradução de Ana Rabaça. Lisboa: Publicações Europa-América, 1990. BURKE, P. A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989. Tradução de Nilo Odália. São Paulo: Unesp, 1991. CARBONELL, C. Historiografia. Tradução de Pedro Jordão. Lisboa: Teorema, 1987. CHARTIER, R. A História Cultural: entre Práticas e Representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. CÍCERO. Tratado das Leis. Tradução de Marino Kuri. Caxias do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2004. DETIENNE, M. A Invenção da Mitologia. Tradução de André Telles e Gilza M. S. da Gama. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998. FALCON, F. História das Idéias. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. FUNARI, P. P.; ILVA, G., J. da. Teoria da História. São Paulo: Brasiliense, 2008. (Tudo é História; 153) HERÓDOTO. Histórias. Tradução de Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: UnB, 1998. LOMBARDI, J. C. (Org.). Fontes, história e historiografia da educação. Ponta Grossa: Autores Associados, 2004. 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