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2º semestre Fichamento Texto: "Psicologia: uma nova introdução" por Luiz Cláudio M. Figueiredo e Pedro Luiz Ribeiro de Santi - capítulo 1, 2 e 3 Capítulo 1 - A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE Uma Visão Panorâmica e Crítica - O conceito de ciência atual ainda é muito recente, elaborado com os primeiros projetos da psicologia como ciência independente. - Só depois da psicologia passar a ser vista dessa forma, passaram a existir a figura do psicólogo e começaram a ser criadas instituições para a produção e transmissão do conhecimento psicológico. -> Laboratório de Wundt - 1879 - A filosofia e as ciências sociais tratam sobre questões do comportamento humano desde a antiguidade, observando as ações humanas e suas obras. Os temas da Psicologia estavam dispersos entre especulações dessas outras áreas do conhecimento. - Na visão positivista de Comte, seu sistema de ciências não cabia à Psicologia porque a "mente", segundo ele, não era um conceito observável, reconhecendo a possibilidade da psicologia somente dependente da biologia ou da sociologia, pelos seus fortes laços. - A Psicologia científica reivindica um lugar a parte entre as ciências e, ao mesmo tempo, o psicólogo prático exige que sua competência específica seja reconhecida (órgãos e conselhos da psicologia). Por outro lado, não conseguiu se desenvolver sem relações estreitas com as ciências biológicas e sociais, respeitando sua multiplicidade de ângulos e abordagens. Capítulo 2 - PRECONDIÇÕES SOCIOCULTURAIS PARA O APARECIMENTO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA NO SÉCULO XIX A Experiência da Subjetividade Privatizada - Para que a ciência da Psicologia exista, são necessárias 2 condições: uma experiência muito clara da subjetividade privatizada (experiência individual) e a experiência da crise dessa subjetividade (refutação da subjetividade); - ter uma experiência da subjetividade é para nós fácil e natural: todos sentem que parte de suas experiências é íntima; - A possibilidade de nossa privacidade é valorizada por nós e relacionada ao nosso desejo de liberdade. A experiência de solidão é altamente expressiva daquilo que acreditamos ser nossa individualidade. Temos a sensação que aquilo que vivemos é único , pensamos que seja totalmente original e quase incomunicável. Essa experiência e visão só é possível numa sociedade com determinadas características. - As grandes irrupções da experiência subjetiva privatizada ocorrem em situações de crise social, quando uma tradição cultural (valores, normas e costumes) é contestada e surgem novas formas de vida. - Quando há uma degradação de velhas tradições, cada um se vê obrigado a recorrer aos seus sentimentos, aos seus critérios do que é certo e errado. A perda de referências coletivas obriga o homem a construir referências internas e procurar em sua própria consciência por respostas. Surge um espaço para a experiência da subjetividade privatizada . A consequência desses contextos é o desenvolvimento da re�lexão moral e do sentido da tragédia. - Além do desenvolvimento do gênero "tragédia" e um aprofundamento nas artes plásticas, observa-se a poesia lírica, em que os sentimentos e desejos particulares são expressados. Em momentos de crise surgem novos sistemas religiosos, ou variantes de antigos. - Tal movimento de aprofundamento não foi linear, e nem todas as sociedades passaram por ele. Ao longo dos séculos, as experiências de subjetividade privadas foram tornando-se mais determinantes da consciência que os homens têm da própria existência. - Em meio a isso, resistimos à ideia de que não tenhamos controle de nossas vidas. Tal crença é um elemento básico da democracia e da sociedade de consumo. Constituição e desdobramentos da noção de subjetividade na Modernidade - Nosso atual modo de entendermos a experiência com indivíduos autônomos não é natural ou necessário. Faz parte de um movimento de transformações, sobretudo na Modernidade. - Nossa noção de subjetividade privatizada data da passagem do Renascentismo para a Idade Moderna, e sua crise viria no final do séc. XIX. - No Renascentismo, haveria surgido uma experiência de perda de referências lançando o homem europeu a uma condição de desamparo. A perda da experiência medieval trouxe por um lado uma grande sensação de liberdade e possibilidade, mas por dentro deixa o homem perdido. O contato com a diversidade das coisas, dos homens e das culturas impõe novos modos de ser. - Houve uma valorização cada vez maior do “homem”, que passou a ser pensado como centro do mundo -> humanismo. O mundo passou a ser considerado cada vez menos como sagrado e mais como objeto de uso a serviço dos homens. - O surgimento da imprensa desenvolve a construção de um ponto de vista próprio; fato importante para a Reforma Protestante. - Montaigne: o surgimento da valorização de cada indivíduo, da construção de cada individualidade única. Ao mesmo tempo que o autor valoriza seu “eu”, ele denuncia a grande ilusão do homem ao se pretender um ser privilegiado na natureza capaz de conhecê-la e dominá-la. - Podemos considerar que a constituição do sujeito moderno é contemporânea ao início da crítica a ele mesmo; - Ceticismo: acreditavam que qualquer afirmação poderia ser oposta a outra de igual valor. A descrença cética e o individualismo nascente, cavaram produzindo duas reações: a reação racionalista e a reação empirista. Em ambas, trata-se de estabelecer bases para as crenças e ações humanas, procurando essas bases no âmbito das experiências subjetivas. - Reação racionalista: Descartes pretende estabelecer as condições de possibilidade para que tenhamos um conhecimento seguro da errado. Ele alinha-se com aqueles que querem superar a dispersão do Renascimento e superar o ceticismo. Impôs-se o projeto de buscar alguma verdade incontestável, que poderia tornar-se a base para toda construção de conhecimento. -> Para isso, utilizou-se a dúvida. “Penso, logo existo"-> todo o movimento de duvidar evidencia que, pelo menos enquanto se duvida e pensa, eu existo. Descartes marca o fim de um conjunto de crenças que fundamentavam o conhecimento, a verdade agora reside no homem, dá-se para ele. - Reação Empirista: Francis Bacon tinha a mesma preocupação de Descartes e também as procurava no campo das experiências subjetivas. Para ele, é necessário dar à razão uma base nas experiências dos sentidos, na percepção, desde que a mesma tenha sido purificada, liberdade de erros e ilusões a que está submetida no cotidiano. - Ambos são grandes pioneiros na preocupação com o método na produção de conhecimento filosóficos e científicos. - A ordem tinha que levar em consideração a crença de liberdade, desde que seja levada com disciplina. O sujeito deve “sujeitar-se”, mais uma vez, à ordem superior, desvalorizando seus desejos e projetos particulares. Daí surge um regime onde o corpo, sobretudo, deve ser controlado e desvalorizado, pois ele sempre é fonte de desejo e dispersão. Começou a se colocar em xeque a soberania do "eu", A Crise da Modernidade e da Subjetividade Moderna em Algumas de suas Expressões Filosóficas - A crença de uma verdade indubitável, independente do método, acabou sendo criticada no século seguinte durante o Iluminismo, movimento filosófico que representava avanço e progresso no mundo das ideias. No século XVIII, a quase onipotência do "eu", da razão universal e do método seguro afirmada no século XVII foi criticada. - Hume: o “eu” seria muito mais o efeito de suas experiências do que o senhor de suas experiências. Não podemos nos conceber como base e sustentação dos conhecimentos e de nós mesmos. - Kant: procura opor-se a essas fórmulas radicais. Afirma que o homem só tem acesso às coisas tais como se apresentam para ele -> "fenômeno". A única forma de produzirmos algum conhecimento válido é nos restringirmos ao campo dos fenômenos, pois as "coisas em si" (independentes do sujeito) são incognoscíveis. Para ele, a soberania do sujeito, sua autonomia, é uma tarefa desejável, é a meta do esforço ético, mas é sempre problemática porque as necessidades, os desejos e osimpulsos nunca poderão ser definitivamente sossegados pela razão. - O Romantismo surgiu como crítica ao Iluminismo, mais particularmente, a vertente racionalista. A ideia cartesiana do homem ser um ser racional é contraposta pela ideia do homem ser passional e sensível. Trata-se de evidenciar a potência dos impulsos e forças da natureza, em muito superior à da consciência ou do homem como um todo. Regularmente representa uma crítica à modernidade e uma nostalgia de um estado anterior perdido. - É um momento especial na crise do sujeito moderno pela destituição do “eu” de seu lugar privilegiado de senhor e soberano. Há a valorização da individualidade e intimidade, uma sensibilidade intimista e ciente da grandiosidade de sua missão. - Nietzsche: as ideias do “eu” e “sujeito”são interpretadas como ficções. Com seu procedimento, chamado "genealogía", ele procura desconstruir as fundamentações de toda a filosofia acidental. -> Trata-se de mostrar a cada elemento tomado como fundamental ou causa primeira de tudo, o que existe foi também criado num determinado momento com uma finalidade. Sendo assim, não é eterno ou causa primeira. O homem e a ideia de que exista um centro no mundo são depostos. Assim, Níetzsche denuncia o caráter ilusório e desnecessário de todo fazer humano. A questão para Nietzsche é saber o quanto cada ilusão em cada contexto se mostra útil à expansão da vida. Sistema Mercantil e Individualização - A existência de um sistema social e econômico que, talvez pela carga de con�litos e transformações que carrega consigo, aprofunda e universaliza aquelas experiências: sistema mercantil plenamente desenvolvido; - Em quase todas as sociedades possuem alguma atividade de troca comercial. Quando se desenvolve uma produção para a troca, em que cada um passa a produzir aquilo a que está mais capacitado. Os produtores vão vender o que fazem e comprar aquilo que não produzem mas precisam. O mercado cria a ideia que o lucro de um pode ser o prejuízo de outro. - Quando todas as relações entre os homens se dão por meio de compra e venda de produtos elaborados por produtores particulares, universaliza-se a experiência de que os interesses de cada produtor são mais importantes que o da sociedade. O objetivo continua sendo tirar vantagem. - Há também o mercado de trabalho, para quem não possui os próprios meios de produção, necessitando alugar sua capacidade de trabalho em troca de um salário. É importante avaliar os efeitos da experiência do indivíduo no mercado de trabalho, quando este se generaliza sobre a subjetividade privatizada, por muitas vezes, pelo caráter da atividade realizada, venha a ser submetido a uma atividade de tal modo padronizada que pouco lhe resta de seu. - O significado da economia mercantil para a individualização precisa considerar as condições que antecedem a formação do regime assalariado. Para que isso aconteça, foi preciso haver uma ruptura dos vínculos com os meios de produção e da interdependência comunitária das sociedades tradicionais pré-capitalistas. Tudo isso precisa desaparecer para que surja o trabalhador livre, esta liberdade portanto, é ambígua. - Assim, a sociedade fica atomizada, temos indivíduos livres produzindo ou vendendo sua força de trabalho a proprietários privados. Seu destino, teoricamente, passa a depender dele mesmo e de sua sorte. Ideologia Liberal iluminista, Romantismo e Regime Disciplinar - formas de pensamento que re�letem-se experiências da subjetividade privatizada em uma sociedade mercantil em processo de desenvolvimento: ideologia liberal Iluminista e o Romantismo. - de acordo com a ideologia liberal, os homens são iguais em capacidade e devem ser iguais em direito, sendo assim, todos devem ser livres. Para que isso não resulte no caos, todos devem ser solidários, sem renunciar a essa liberdade -> Utópica fraternidade. Todos são iguais mas possuem interesses individuais. - No Romantismo, reconhece-se a diferença entre os indivíduos, e a liberdade é a liberdade de ser diferente. Busca-se uma comunicação entre esses seres nas artes, religião e no patriotismo, em que as diferenças se anulam. Cada um é diferente, mas sente saudade do tempo em que todos viviam comunitariamente e espera pelo retorno desse tempo, e enquanto isso não acontece, acreditam em intensos sentimentos que podem reunir os homens. - É na busca de reduzir os "inconvenientes" da liberdade, das diferenças singulares, etc. que se foi instalando e sendo aceito entre nós, ocidentais e modernos, um verdadeiro sistema de domesticação dos indivíduos. - Esse sistema envolve a elaboração e aplicação de técnicas "científicas" de controle social e individual, chamado de Regime Disciplinar ou "Disciplinas" e pode ser encontrado nas práticas de todas as grandes agências sociais, deixando-nos crer que somos cada vez mais livres, profundos e singulares. A Crise da Subjetividade Privatizada ou Decepção Necessária - uma das condições para que surjam projetos de psicologia científica é uma clara ideia da experiência da subjetividade privatizada e que essa experiência entre em crise. Enquanto a subjetividade privatizada não está sendo contestada, não há por que fazer ciência psicológica. É preciso desconfiar das aparências. - A subjetividade privatizada entra em crise quando se descobre que a liberdade e a diferença são, em grande medida, ilusões, quando se descobre a presença forte, mas sempre disfarçada, das Disciplinas em todas as esferas da vida, inclusive nas mais íntimas e profundas. - Põem-se a pensar acerca das causas e do significado de tudo que fazem, sentem e pensam sobre si mesmos. Os tempos estão ficando maduros para uma psicologia científica. Surge a necessidade de saber quem somos, como somos, porque agimos de certa forma. O Estado recorre a práticas de previsão e controle, de forma a tornar mais eficazes suas técnicas de controle. - Nessas questões, se expressa o reconhecimento de que existe um sujeito individual e a esperança de que é possível padronizá-lo segundo uma disciplina, normatizá-lo, colocá-lo, enfim, a serviço da ordem social. Surge, desse modo, a demanda por uma psicologia aplicada, principalmente nos campos da educação e do trabalho, que alimentarão muitas das escolas contemporâneas do pensamento psicológico - É assim que no final do século XIX estão dadas as condições para a elaboração dos projetos de psicologia como ciência independente e para as tentativas de definição do papel do psicólogo como profissional nas áreas de saúde, educação e trabalho. -> ZEITGEIST Capítulo 3 - A PRÁTICA CIENTÍFICA E A EMERGÊNCIA DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA Conhecimento Científico: Privacidade e Diferença - As condições socioculturais até agora referidas foram o terreno sobre o qual puderam ser elaborados os projetos de psicologia como ciência independente. Para entendermos o começo da psicologia "científica" precisamos considerar mais de perto o que se passava entre os cientistas e os filósofos do século XIX. - A ciência moderna está baseada na suposição de que o homem é o senhor que tem o poder e o direito de colocar a natureza a seu serviço. Isso enfatiza a liberdade dos homens para decidir e agir de acordo com sua própria cabeça e sem qualquer tipo de limitação, elaborando suas crenças e avaliando-as a partir de suas experiências pessoais, de suas conveniências e interesses, livres das restrições impostas pelas tradições. Por outro lado, os procedimentos científicos exigem que os cientistas sejam capazes de "objetividade" (imparcialidade). - a metodologia cientificamente dos 4 últimos séculos representa exatamente o esforço de disciplinar o espírito para melhor obedecer à natureza.as práticas científicas contribuíram para o reconhecimento, entre os próprios cientistas, com seus ideais de objetividade de que há fatores subjetivos e individuais permanentemente em ação. Bacon chamou-os de "ídolos do conhecimento", e a denúncia desses é a primeira obrigação do filósofo e do cientista. - A epistemologia (teoria do conhecimento) e a metodologia (regras e procedimentos daprodução do conhecimento válido) desembocam na psicologia: a denúncia e o expurgo dos "ídolos do conhecimento" exigem um estudo prévio da subjetividade e de seus subterrâneos. - Muitos psicólogos repudiam essa meta de conhecer para dominar os meandros da subjetividade e afirmam, ao contrário, que o que interessa é conhecer esses aspectos profundos e poderosos do "eu" para dar-lhes voz, para expandi-los.
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