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Émile Durkheim Márcio Mendes da Luz Introdução Nesta aula, vamos analisar a obra do teórico Émile Durkheim e sua contribuição no surgi- mento da Sociologia, que nasceu da necessidade de o homem compreender as mudanças da sociedade, o conflito entre a modernidade e a tradição. Vamos começar? Então, acompanhe-nos e bonsestudos! Objetivos de aprendizagem: Ao final desta aula, você será capaz de: • Entender a formação da sociologia na sociedade industrial. 1 O surgimento da Sociologia A Sociologia é considerada como a mais nova de todas as Ciências Humanas (ARON,2007), surgindo no século XIX como consequência da industrialização, que transformava a sociedade e afetava as pessoas em seus aspectos econômicos, culturais e sociais. Mas o que é a Sociologia? É a ciência que analisa o ser humano em sua coletividade. Ou seja, neste tipo de estudo, analisamos os fenômenos sociais e a interação dos seres humanos com seu ambiente social. Figura 1 – Sociedade e interação Fonte: tattoostock/Shutterstock.com. Mas não há um consenso sobre a origem da Sociologia. Por quê? Alguns consideram que Montesquieu seja seu criador, enquanto que outros consideram Auguste Comte, por ter sido o pri- meiro a utilizar o termo Sociologie. Para ele, deveria haver uma ciência que conseguisse analisar a interação do ser humano com seus pares (na raiz da palavra: socio – coletividade, logos – ciência). No entanto, a contribuição de Emile Durkheim foi fundamental para a construção da Sociologia. Perceba que a Sociologia surgiu como uma curiosidade de teóricos de entender as mudan- ças que ocorriam na sociedade após a Revolução Francesa e Industrial. Lembre-se de que esses dois eventos permitiram a ascensão política da burguesia e consolidação do controle econômico com o nascimento do capitalismo industrial do século XIX. FIQUE ATENTO! A burguesia saiu da condição de classe subalterna para a condição de classe domi- nante econômica e politicamente após estes dois eventos. Essas mudanças ocorridas nos campos político e econômico afetaram diretamente o campo social. Por qual o motivo? O crescimento da urbanização com o êxodo rural aumentou o número de operários e acentuou a distinção social entre burgueses e operários. Consequentemente, gerou inúmeros conflitos entre as classes sociais. Essas mudanças acarretaram uma transformação brusca de comportamento social e, consequentemente, uma série de contrastes. A partir daquele momento, a sociedade estava em constante conflito entre a tradição e a modernidade. FIQUE ATENTO! Para Durkheim, estes conflitos sociais eram fruto da anomia e precisavam ser estu- dados e combatidos para a manutenção da sociedade em seu ritmo normal. A Sociologia desenvolveu-se na Europa com o intuito de compreender essas mudanças sociais. Como marco inicial, podemos destacar a criação por Durkheim do departamento de Socio- logia da Universidade de Bordeauxe a sua dissociação da Psicologia e Filosofia (ARON, 2007). SAIBA MAIS! Para mais informações sobre Durkheim e sua teoria sobre Sociologia, leia o texto disponível em: <http://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2014/03/A-sociologia- de-%C3%89mile-Durkheim.pdf>. Hoje, a Sociologia é uma das principais ciências humanas, auxiliando no desenvolvimento do raciocínio crítico e na percepção da realidade e da sociedade onde vivemos, para que assim possamos interferir nela de forma consciente e solidária. 2 Objeto de Estudo Sociológico – Os Fatos Sociais Para compreender melhor a construção do conhecimento humano, podemos dizer que ele passa por fases. A primeira é conhecida como pensamento mítico e foi dominante no período em que a sociedade humana desconhecia as razões de fenômenos naturais e isto era um mistério, logo, responsabilizava as divindades e seres sobrenaturais por esses acontecimentos (ISRAEL, 2009). Posteriormente, em busca de uma explicação mais lógica, foi desenvolvido o pensamento filosófico. Sobre o que ele trata? Isto ocorreu porque a sociedade humana estava em um desenvol- vimento social e político mais complexo, como a democracia ateniense. Somente no século XVIII, com a descoberta e formulação da teoria da gravidade de Isaac Newton, podemos afirmar que a sociedade ocidental entrou no pensamento científico (KHUN, 2001). O que seria o pensamento científico relacionado às ciências naturais? Podemos defini-lo assim, pois segue o seguinte método de análise: problematização – hipótese – análise – experi- mentação – comprovação – para tornar-se uma lei (KHUN, 2001). Por exemplo: a 1ª Lei de New- ton, a Lei de Lavoisier etc. Portanto, a ciência que surgiu a partir do século XVIII se diferencia das demais, pois há uma metodologia de análise. Figura 2 – Isaac Newton e a macieira: ele formula a teoria da gravidade, após supostamente uma maçã cair em seu colo Fonte: bilhagolan/Shutterstock.com. No século XIX, o que antes era restrito às Ciências da Natureza foi ampliado para Ciências Humanas pela Escola Alemã de Ciências Humanas sob a influência de filósofos e teóricos que, posteriormente, contribuíram para a formação da Escola Metódica Positivista, que também seria referência para Emile Durkheim. SAIBA MAIS! A escola alemã (ou prussiana) e seus adeptos irão influenciar todas as ciências sociais no século XIX: além da Sociologia, também inspiram a História, a Geografia, a Filosofia, a Política e a Antropologia. Saiba mais sobre o assunto no artigo disponível em:< https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28629>. E o que vem a ser o Fato Social? Para Durkheim (2012), seria o objeto de estudo da Sociologia: as maneiras de agir, de pensar dos indivíduos dentro de uma norma social vigente na sociedade onde habita. Alguns são informalmente definidos pelo senso comum como valores, hábitos e cos- tumes. O método sociológico de Durkheim determina que o objeto de estudo seja tomado como “coisa”, para assegurar a imparcialidade e a objetividade do pesquisador. Podemos dividir as características dos Fatos sociais em três tipos (DURKHEIM, 2012). Acom- panhe quais são eles no quadro a seguir. Quadro 1 – Os Fatos Sociais segundo Durkheim Coercitividade São imposições de uma norma social que obrigam o indivíduo a ter certo padrão de comportamento. Podemos citar como exemplo o ato de vestir-se em nossa sociedade como um comportamento padrão obrigatório. Exterioridade São hábitos exteriores aos indivíduos, que já estão vigentes em nossa sociedade e que são, posteriormente, apropriados pelo indivíduo. Por exemplo, as normas sociais de etiqueta. Generalidade São costumes que estão generalizados nas sociedades, que definem não apenas o comportamento do indivíduo, como também da coletividade onde vive. Por exemplo, os rituais religiosos. Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado de Durkheim, 2012. Por isso, perceba que todo o sistema de educação, seja ela formal ou informal, institucional ou familiar, consiste em passar fatos sociais às crianças para adequá-las às normas sociais em que vivemos. 3 A Solidariedade orgânica e mecânica Segundo a Sociologia (DURKHEIM, 2012), a vida em sociedade faz com que os seus indivíduos vivam conectados uns aos outros de forma harmônica. E essa ligação harmônica é denominada solidariedade. Saiba que sua função é manter intacta a coesão do grupo social e seus indivíduos. Figura 3 – Coesão e solidariedade Fonte: PHOTOCREO Michal Bednarek/Shutterstock.com. Além disso, Durkheim (2012) definiu o termo solidariedade em dois conceitos distintos: Soli- dariedade Mecânica e Orgânica. Vejamos o que seria cada um deles? A Solidariedade Mecânica é comum em sociedades primitivas pré-industriais. Com pouco espaço para divergências e com um padrão social rígido, nessas sociedades há uma grande homo- geneidade social e cultural pautada pela religião e o senso comum. Este tipo de solidariedade é pautado pela semelhança que há entre os indivíduos. EXEMPLO As sociedades teocráticas da América Pré-colombiana possuíam uma solidarie- dademecânica quando auxiliavam seus pares, mas atacavam os povos vizinhos diferentes para sacrifícios ritualísticos. Por outro lado, a Solidariedade Orgânica é aquela em que, conforme há a industrialização e a divisão social do trabalho, cria-se uma interdependência entre pessoas e cresce a individualidade de suas consciências. A coercitividade das sociedades primitivas dá lugar ao código legislativo que reforça os conceitos de justiça, liberdade e fraternidade. Então, agora, o que une as pessoas não é mais uma consciência coletiva repressora, mas sim interesses em comum com base em um código de regras e moral próprios. FIQUE ATENTO! O Iluminismo e a Revolução Francesa possibilitaram a consolidação da Solidarieda- de Orgânica em nossa sociedade. Segundo Durkheim, a sociedade capitalista e a divisão social de trabalho que dela decorreu permitiu que os indivíduos pudessem viver uma Solidariedade Orgânica devido à criação de uma sociedade com base em direitos e deveres. Os seus componentes aceitam o papel que lhes cabe, desde que sejam atendidos por uma ordem social e justiça. Mas nem sempre a divisão social do trabalho ocorre como deveria, do contrário, pode resultar na desintegração social e enfraquecimento da consciência coletiva, que o autor nomeia de ano- mia. E este assunto será melhor estudado a seguir. 4 A anomia Segundo Durkheim (2012), a anomia é um estágio em que há uma desintegração social, oca- sionando um enfraquecimento da consciência coletiva. A anomia pode atingir um indivíduo ou até mesmo um grupo que passa a ser influenciado negativamente por ela, fazendo com que os integrantes comecem a agir de forma patológica socialmente, ocasionando comportamentos que fogem às normas sociais. O conceito desenvolvido por Durkheim será posteriormente também trabalhado por Robert K. Merton (ARON, 2007), o qual define que a anomia se intensifica a partir do momento em que o indiví- duo abandona as normas sociais estabelecidas para satisfazer seus desejos e impulsos. Isso ocorre porque há uma dissociação entre as expectativas do indivíduo e os seus métodos de realização. O comportamento anômico ocorre quando não há um suporte social ao indivíduo ou ao grupo em que ele pertence, resultando em comportamentos sociais que fogem das normas estabeleci- das. Este comportamento pode manifestar-se por meio de uma situação de coerção ou ausente de qualquer tipo de regulação (DURKHEIM, 2012). EXEMPLO O conceito de anomia pode explicar o que vemos em bairros periféricos, quando os índices de violência são maiores, pois a presença do Estado (saúde, segurança, educação) é menor que nos bairros mais centrais. Este é um conceito importante para pensarmos sobre a ausência de regras sociais e suas conseqüências para a manutenção e o funcionamento dos grupos. O conceito de anomia em Durkheim e Merton será, posteriormente, argumento de explicação do motivo pelo qual determinados grupos são mais expostos a comportamentos não condizentes com as normas sociais que outros. A crítica a estes estudos é que eles ocultam a existência de uma opressão hegemônica de certos grupos sociais, os quais estabelecem certas normas em detrimento dos demais grupos. Fechamento Chegamos ao fim desta aula sobre Émile Durkheim. Vimos que seus estudos contribuíram para a Sociologia e aprendemos a sua relevância para compreender a sociedade contemporânea. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • entender a formação da Sociologia na sociedade industrial. Referências ARON, Raymond. Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BENTIVOGLIO, Júlio. Cultura Política e Historiografia alemã no século XIX: A Escola Histórica Prus- siana e Historische Zeitschrift, Revista Teoria de História, Goiânia, a. 1, v. 3, Jun. 2010, p. 20-58. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28629/16070>. Acesso em: 15 fev. 2017. DURKHEIM, Émile. A Divisão Social do Trabalho. São Paulo:Martins Fontes, 2012. ISRAEL, Jonathan. Iluminismo radical – A filosofia e a construção da modernidade. São Paulo: Madras, 2009. KHUN, Thomas. Estrutura das revoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. VARGAS, Francisco E.B. A Sociologia de Emile Durkheim (1858 -1917). Pelotas, abr. 2015. Dis- ponível em: <http://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2014/03/A-sociologia-de-%C3%89mile- -Durkheim.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2017.