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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DISCIPLINA - BIO 11402 - BIOGEOGRAFÍA ENSAIO FINAL DE FILOGEOGRÁFIA A Origem Paleo Biogeográfica, A História Evolutiva e a Distribuição dos Cetáceos Modernos (Subordem Mysticeti, Família Balaenidae). Ariel Rocha de Lima Daniel Castro Martignago Porto Alegre, 06 de dezembro de 2018.·. SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................Página 3 INTRODUÇÃO........................................................................................Página 4 A ORIGEM (PALEO) BIOGEOGRÁFICA E A HISTÓRIA EVOLUTIVA DOS CETÁCEOS.............................................................................................Página 6 A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS CETÁCEOS MODERNOS E A PROBLEMÁTICA DAS CLASSIFICAÇÕES BIOGEOGRÁFICAS PARA AMBIENTES MARINHOS......................................................................Página 13 A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS CETÁCEOS MODERNOS (Subordem Mysticeti, Família Balaenidae)...............................................................Página 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................Página 20 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Conforme consta no plano de ensino da disciplina, o objetivo deste ensaio é consolidar e aplicar a teoria biogeográfica discutida em aula na análise de um grupo taxonômico. Neste trabalho se discutirá a origem biogeográfica, a história evolutiva e a distribuição dos Cetáceos com ênfase para a distribuição dos Mysticeti da família Balaenidae, conforme as classificações biogeográficas pertinentes. INTRODUÇÃO A Ordem Cetacea é tradicionalmente dividida em três subordens: a das baleias antigas que viveram até 30 milhões de anos atrás (Archaeoceti); a das baleias com barbatanas (Mysticeti) que se divide em quatro famílias, com seis gêneros e doze espécies; e a das baleias dentadas (Odontoceti) com oito famílias, trinta e quatro gêneros e sessenta e seis espécies (marinhas e de água doce). Os cetáceos modernos são os mamíferos marinhos mais bem adaptados ao meio aquático, com representantes em quase todos os mares, em todos os oceanos e algumas bacias fluviais da América do Sul e Ásia. Os cetáceos são bastantes variáveis em suas formas, tamanhos e cores, por exemplo: enquanto, um dos menores cetáceos do mundo, o golfinho de Maui (Cephalorhynchus hectori maui) um Odontoceti, se alimentando de peixes e crustáceos, chega a no máximo 1, 6 metros de comprimento e 50 kg, a Baleia azul (Balaenoptera musculus), um Mysticeti, pode chegar a medir 30 metros de comprimento e pesar mais de 150 toneladas, se alimentando de enormes quantidades de pequenos crustáceos (Kril) por dia. Segundo Rice (1998), o maior espécime já registrado de B. musculus foi de 29,9 m de comprimento e 173 toneladas. A grande questão que envolve a evolução dos cetáceos e que impressiona quem se dedica ao estudo deste táxon é a velocidade, ou a taxa de evolução desse grupo. Sabe-se que a origem dos cetáceos remonta a cerca de 55 milhões de anos atrás, quando um grupo de mamíferos terrestres passou a explorar os ambientes costeiros e estuarinos do antigo Mar de Tétis, dando os primeiros passos para o que foi o início do processo de adaptação a estes ambientes, levando-os, ao longo do tempo, a passarem por várias adaptações até conquistarem por definitivo o ambiente aquático, transformando-os nos ancestrais modernos das baleias e golfinhos atuais, há 30 milhões de anos atrás. Os cetáceos primitivos saíram do ambiente terrestre a cerca de 55 milhões de anos atrás e cerca de 15 milhões de anos depois já se encontravam totalmente aquáticos. As adaptações nesse período foram imprescindíveis para a transição efetiva do ambiente terrestre para o ambiente aquático. É possível destacar as adaptações no sistema auditivo, que passou a canalizar as vibrações do maxilar para os ossos do ouvido interno (em Ambulocetus há 49 milhões de anos atrás); o surgimento de um corpo hidrodinâmico e o crescimento da nadadeira caudal (em Protocetus há 43 milhões de anos atrás); a migração das narinas em direção ao topo do crânio e a modificação do antebraço em nadadeiras (em Basilosaurus há 35 milhões de anos atrás) e culminando no desaparecimento dos membros posteriores nos primeiros Neocetídeos (Odontocetos e Mysticetos) há 35 milhões de anos atrás. A ORIGEM (PALEO) BIOGEOGRÁFICA E A HISTÓRIA EVOLUTIVA DOS CETÁCEOS. As relações filogenéticas de Cetacea dentro de Mammalia, bem como os clados dentro de Cetacea vêm sendo constantemente debatidas na literatura, principalmente devido a enorme especialização morfológica deste grupo, o que torna difícil identificar o grupo de mamíferos terrestres mais próximos dos cetáceos. A interpretação de evidências fósseis ligadas á trajetória evolutiva das baleias até pouco tempo atrás nos levava a crer que os Mesoniquídeos, um grupo de Ungulados primitivos, estariam relacionados ao esquema evolutivo das baleias, principalmente pela presença de dentes triangulares semelhantes aos de cetáceos primitivos. Contudo, análises mais rigorosas, novos achados fósseis e mais dados moleculares, vêm sugerindo que as baleias não derivam dos Mesoniquídeos, mas sim dos Arctiodáctilos, um grupo que se divide atualmente em duas subordens: a que envolve os antílopes, bovinos, camelos e veados (Ruminantia); e a que envolve os hipopótamos, porcos e taguás (Suína). Indo um pouco mais além no debate filogenético, para autores como Gingerich (2001) e Thewissen et al. (2001), a interpretação de caracteres morfológicos e moleculares, leva-os a inferir que os cetáceos são um grupo monofilético e irmão de Artiodactyla, mas já para Gatesy et al. (1997, 1999) o clado hippopotamidae é um grupo irmão de Cetacea, caracterizando Arctiodactyla como um grupo parafilético e formando o clado Cetarctiodactyla (Cetacea + Arctiodactyla) (figura 1 e 2). Mesmo que as relações filogenéticas de Cetacea dentro de Mammalia pareçam um pouco confusas, até o presente momento, a hipótese mais aceita, e corroborada por diferentes estudos, é a de que os cetáceos são um grupo irmão da família dos hipopótamos (hippopotamidae). Figura 1. Duas hipóteses para a posição filogenética dos cetáceos. 1) Os cetáceos dentro de Arctiodactyla constituem uma linhagem, tendo a família dos hipopótamos como grupo irmão. 2) Cetáceos partilham de um ancestral comum mais recente com os Arctiodactyla (grupo irmão). Talvez o registro fóssil mais importante para explicar a ascendência evolutiva das baleias primitivas, e a sua possível origem biogeográfica, tenha sido a do Pakicetus, um Arqueocetídeo da família Pakicetidae. Inicialmente, quando se descobriu um dos seus primeiros registros fósseis, um crânio, encarou-se como sendo de Mesoniquídeos, um predador semelhante a um lobo, mas com cascos, que dominou no Paleoceno inferior e ecossistemas do Eoceno na Europa, que era um arquipélago, na Ásia, que era um continente isolado e no que veio a ser a América do Norte, mais tarde. Porém, uma segunda análise um pouco mais detalhada no fragmento detectou uma alteração na estrutura do ouvido interno, que é encontrada apenas nos cetáceos, a grande bula timpânica, formada a partir do osso ectotimpânico. Os primeiros fósseis de Pakicetidae foram encontrados em depósitos fluviais do Eoceno, no norte do Paquistão, no que teria sido um rio não muito longe das margens do antigo mar de Tétis. Mais tarde, com análises de isótopos de oxigênio e o surgimento de outros registros fósseis, alguns encontrados no norte da Índia, foram confirmando os hábitos dulcícolas. O Pakicetus foi à primeira evidência forte que permitiu ligar a origem dos cetáceos a animais terrestres, mesmosem evidências que o relacionem com o mar. https://pt.wikipedia.org/wiki/Paleoceno https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81sia Os Pakicetídeos viveram entre 52 e 48 milhões de anos atrás e são considerados os ancestrais terrestres mais basais das baleias. Eles antecedem nos registros fósseis os Indohyus, também um Artiodactyla, mas da família Raoellidae, que compartilhava algumas características e adaptações á vida aquáticas, como a “mesma” estrutura formada a partir do osso ectotimpânico, no ouvido interno, e que eram compartilhadas apenas com os Pakicetídeos e os cetáceos mais modernos. Os fósseis de Indohyus datam de cerca de 48 milhões de anos atrás e foram encontrados na Região da Caxemira, no Paquistão. Uma característica adaptativa que chamou a atenção no Indohyus é a presença de um revestimento externo espesso e uma estrutura óssea mais densa, assemelhando ao que se encontra em hipopótamos modernos. Possivelmente essa adaptação os ajudou a reduzir a flutuabilidade para que pudessem submergir se escondendo de possíveis predadores, apesar destas alterações na densidade óssea e no ouvido interno, possivelmente para a submersão, os valores de isótopos de carbono e oxigênio indicam que o Indohyus raramente se alimentava na água e que mantinha hábitos onívoros. Isto sugere que possivelmente os Indohyus são um passo intermediário na transição para água, antecedendo os Ambulocetídeos. Os fósseis do gênero Ambulocetus foram encontrados no Paquistão ao longo do que foi a antiga costa da Ciméria. O estrato sedimentar onde os fósseis foram encontrados indica que os hábitos do Ambulocetus natans restringiam-se a um ambiente marinho raso e pantanoso próximo à costa. Os Ambulocetídeos viveram entre 47,8 a 41,3 milhões de anos atrás, eles tinham patas grossas, pés com quatro dedos (com um pequeno casco terminal em cada um desses dedos) e com dentes afiados e o tamanho parecido com o de um grande leão-marinho. Acreditava-se que está família, até pouco tempo atrás, teria divergido dos Pakicetidae e que mais tarde um ancestral comum Ambulocetidae tenha dado origem às famílias Protocetidae e Remingtonocetidae. Porém, com a entrada do Indohyus no esquema evolutivo, as relações parentais entre esses gêneros podem ser diferentes. Seguindo na trilha evolutiva, e indo cada vez mais em direção a formas predominantemente mais aquáticas, o próximo sucessor na linhagem evolutiva das baleias que merece destaque é o Rodhocetus. Encontrados na província do Baluchistão, no Paquistão e datados de cerca de 47 milhões de anos atrás, os achados fósseis de Rodhocetus foram importantes para os estudos sobre a evolução das baleias. Considerado a primeira baleia primitiva, os fósseis de Rodhocetus foram os primeiros exemplares achados com a coluna vertebral completa e apesar de manterem características próprias de mamíferos terrestres, possuíam também características encontradas apenas em espécies posteriores. O Rodhocetus é um dos vários gêneros de baleias primitivas com características de mamíferos terrestres e teria, para muitos pesquisadores, sido algo semelhante a um crocodilo, com a parte traseira flexível e cauda muito musculosa, características necessárias á uma natação mais eficiente. O gênero Rodhocetus é o mais conhecido entre os demais gêneros pertences à família Protocetidae. Os Protocetidae aparecem nos registros fósseis depois dos Pakicetidae e Ambulocetidae, sendo anteriores à maioria dos Basilosauridae e Durodintidae, aparecendo junto com Remingtonocetidae em estratos fossilíferos da Índia e do Paquistão, Os Protocetídeos viveram de 48 a 35 milhões de anos atrás e acredita-se que eles ainda eram anfíbios, mas mais aquáticos em comparação ao Remingtonocetídeos e ao contrário das famílias anteriores, seus fósseis apresentam formas marinhas abertas. Possivelmente os animais desta família foram os primeiros a sair do subcontinente indiano, dispersando-se amplamente pelos oceanos. Os Protocetídeos apresentavam grandes variações em adaptações aquáticas e, diferente dos Ambulocetídeos, eles possuíam grandes órbitas oculares lateralizadas, o que indica que alimentação era submarina, assemelhando-se cada vez mais aos cetáceos modernos. Os Remingtonocetidae viveram durante o Eoceno Médio no Sul da Ásia, seus registros fósseis são datados entre 49 e 43 milhões de anos atrás (Fordyce e Barnes, 1994) e diferentemente dos Ambulocetídeos, que estão relacionados à evolução desta família, os Remingtonocetidae eram bem mais aquáticos. Para Thewissen e Williams (2002), isso é demonstrado pela recuperação de seus fósseis a partir de uma variedade de ambientes marinhos e costeiros, incluindo depósitos próximos da costa e até mesmo em lagoas. Segundo as analises dos isótopos de oxigênio de Thewissen et al. (2001), a maioria dos remingtonocetídeos não ingeria água doce, perdendo tal necessidade pouco depois de sua origem. Para Spoor et al. (2002) uma das características mais notáveis em remingtonocetídeos é que os canais semicirculares, que são importantes para o equilíbrio em mamíferos terrestres, diminuíram de tamanho. Para o autor essa redução acompanhou a radiação dos cetáceos nos ambientes marinhos e pode representar um evento crucial de “não retorno” na evolução precoce dos cetáceos, excluindo a fase semiaquática do grupo. Os Basilosauridae e os Durodontidae foram contemporâneos e viveram entre 41 e 35 milhões de anos atrás, no Eoceno Tardio. Os Basilosauridae apresentavam um alongamento extremo de suas vertebras lombares e podiam chegar até 18 metros de comprimento, já os Durodontidae tinham uma coluna vertebral mais curta e potente, podendo chegar até 5 metros de comprimento. Ambas as famílias estão relacionadas aos cetáceos modernos, pertencentes às subordens Odontoceti e Mistyceti. Já um estudo publicado por Fordyce e Barnes, em 1994, alega que o tamanho grande e o corpo vertebral alongado dos Basilosauridae impediria que eles fossem os ancestrais das formas atuais de cetáceos, mas que os Dorodontidae, onde algumas espécies não apresentam os corpos vertebrais alongados, poderiam ser os ancestrais imediatos mais prováveis dos Odontoceti e Mysticeti. Os membros extintos da ordem Cetacea são colocados na subordem Archaeoceti (Figura 2.) e representam um grupo informal que inclui tanto as formas terrestres e anfíbias mais antigas, como as formas totalmente aquáticas extintas. As famílias que tem um bom registro fóssil e que são mais conhecidas nos permitem seguir a transição desse grupo do meio terrestre para o meio marinho. Incluem-se nesta razão: os Pakicetídeos, da família Pakicetidae, que é considerada terrestre; as famílias Ambulocetidae, Remingtonocetidae e Protocetidae, que incluem formas que se tornam cada vez mais marinhas, até às famílias Dorudontidae e Basilosauridae, cujos membros são já considerados totalmente marinhos e que divergem, mais tarde, originando os primeiros cetáceos modernos. Figura 2. Esquema representativo das relações evolutivas entre os cetáceos extintos (Archaeoceti) e os cetáceos modernos; e das relações de Cetacea, dentro de Arctiodactyla, como grupo irmão de Hippopotamidae, compondo os Cetarctiodactyla (Cetacea + Arctiodactyla). (imagem gerada com base nas leituras) Sabe-se que os Mysticeti experimentaram sua primeira radiação evolutiva no meio do Mioceno. Acredita-se que essa radiação tenha sido causada pelas mudanças climáticas globais e pela grande atividade tectônica quando a Antártida e a Austrália se separaram, criando a Corrente Circumpolar Antártica. Para Deméré et al. (2007), o desenvolvimento da filtração pode ter sido resultado de mudanças ambientais e mudanças físicas nos oceanos em todo o mundo. Essas mudanças em grande escala na corrente e temperatura oceânica poderiam ter contribuído para a radiação dos Mysticeti modernos. Os registrosfósseis mais antigos dos Mysticeti datavam de 34 milhões de anos atrás, até que, em 2010, se escavou na Bacia de Pisco, na costa sul do Peru, um fóssil de uma nova espécie de baleia de barbatana, o Mystacodon selenesis, datado de 36,4 milhões de anos atrás, que passou a ser o representante fóssil mais antigo dessa subordem. O Mystacodon selenesi, possibilitou uma visão crucial sobre a anatomia arcaica do crânio dos estágios iniciais da evolução dos Mysticeti. As principais mudanças na morfologia do aparelho bucal (incluindo o desgaste dentário) e a nadadeira, em comparação com os basilosaurídeos, sugerem que a sucção e, possivelmente, a alimentação bentônica (nas correntes oceânicas) representaram traços ecológicos básicos e iniciais que acompanham o surgimento dos ancestrais das baleias filtradoras modernas. Com esse achado, infere-se que um grupo de Basilosauridae tenha divergido em um ramo que levou aos Odontoceti; e o outro ramo que levou para os Mysticeti. Segundo Gutstein (2006), os Odontoceti modernos aparecem em registros fósseis do final do Oligoceno e inicio do Mioceno, diversificando-se durante o Neógeno. O grupo mais diverso atualmente, os Delphinedae, aparecem no Mesomioceno e dominaram os mares e oceanos durante o Neomíoceno e o Piloceno. Acreditando-se que esse aumento de diversidade se deu concomitante com o declínio de famílias que eram mais diversificadas durante o Oligoceno superior e o Eo-Mesomioceno, como por exemplo, os Kentriodontidae. A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS CETÁCEOS MODERNOS E A PROBLEMÁTICA DAS CLASSIFICAÇÕES BIOGEOGRÁFICAS PARA AMBIENTES MARINHOS. De certa forma, os estudos taxonômicos e filogenéticos são condições essenciais para analises de distribuição geográfica e inferências de áreas de endemismo e traços generalizados, tanto para biota como um todo, como para comunidades especificas. A inexistência de estudos em biogeografia para a maioria dos grupos marinhos pode ser creditada ao fato de que a ideia de evolução biológica conjunta à evolução geológica/ambiental não é tão evidente no meio marinho, seja por fatores biológicos ou físicos. Uma dificuldade inerente, que há dentre os fatores físicos, é a de se compreender a vicariância no ambiente marinho, ou seja, existe uma dificuldade em delimitar a existência de barreiras históricas, ou atuais, que determinaram a cladogênese desses grupos. Para Myers (1997), embora ainda não compreendamos corretamente o funcionamento das barreiras geográficas no ambiente marinho, sua existência pode ser evidenciada por meio da descontinuidade que elas produzem na distribuição das espécies. Para Miranda e Marques (2011), os ecossistemas marinhos são caracterizados por vários regimes de correntes e frentes oceânicas, diferenças de temperatura, salinidade, profundidade, gradientes latitudinais, relevo e composição de fundo, além das distintas comunidades que se estabelecem de acordo com as condições abióticas de cada local. Percebesse, com isso, que uma variável ambiental que funciona como barreira geográfica para uma comunidade de uma área, pode não ter qualquer influência para outra comunidade que ocupa esta mesma área e que seja influenciada por outras variáveis ambientais. Assim, podemos dizer que fica evidente que as barreiras atuam sobre biologias uniformes dos organismos marinhos, e não sobre táxons ou sobre a biota como um todo. Um estudo publicado por Olu (2010) demonstrou, por exemplo, que a profundidade é a variável determinante da estrutura da comunidade da megafauna de áreas mais profundas (abaixo dos 330m) da região Atlântica-Equatorial e, portanto, atua como barreira para a distribuição dessas espécies. De fato, não há metodologias estritas ou únicas para análises biogeográficas no ambiente marinho e como consequência, até o momento, a maior parte das propostas de “províncias marinhas” continua sendo baseada em cenários interpretativo-narrativos ou em revisões da literatura, sem uma base metodológica e analítica estrita. Para Tronolone (2008), o conhecimento atual existente para o ambiente marinho concentra-se nos níveis tróficos de topo, devido principalmente à importância econômica direta desses organismos. Por tanto, partiremos, a seguir, para uma breve descrição de áreas de ocorrências, apresentando algumas considerações e mapas de distribuição, que estavam disponíveis para acesso online, por espécie da família Balaenidae. A DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS CETÁCEOS MODERNOS (Subordem Mysticeti, Família Balaenidae). Atualmente existem doze espécies de Mysticeti divididos em seis gêneros e quatro famílias. De uma maneira geral seus representantes são subdivididos segundo a presença ou ausência de sulcos ventrais, bem como quanto ao número destes. Estes sulcos têm relação direta com o tipo de alimentação e a estratégia alimentar realizada pelas diferentes famílias. As baleias da família Balaenidae são grandes e robustas, com uma cabeça muito grande em comparação com o corpo, tem o rostro arqueado proporcionando uma feição curva da mandíbula com longas barbatanas e sem sulcos ventrais. Apresentam-se a está família quatro espécies de Balaenídios, a saber: Eubalaena australis (Baleia Franca Austral), Eubalaena glacialis (Baleia Franca), Eubalaena japonica (Baleia Franca do Pacífico) e a Balaena mysticetus (Baleia da Groenlândia). A Eubalaena australis, ou a Baleia Franca Austral, distribui-se ao longo das Costas Sul da América do Sul, África e Austrália (Figura 3). Segundo Rocha-Campos et al. (2011), existem quatro “stocks” reprodutivos principais de baleias-francas-austrais reconhecidos no Hemisfério Sul, localizados na África do Sul, Austrália, América do Sul e região subantártica da Nova Zelândia. . Na América do Sul, a principal concentração reprodutiva ocorre nas águas costeiras da Península Valdés, Argentina (Payne, 1986; Payne et al., 1990), com uma pequena população encontrada no sul do Brasil (IWC, 2001) que provavelmente está relacionada à população da Argentina (Best et al., 1993). No Brasil, a espécie ocorre durante os meses de maio a dezembro, com pico de avistagem de agosto a outubro. Durante esse período, os indivíduos procuram águas calmas e quentes para acasalamento, parto e cuidados com os filhotes, permanecendo próximos à arrebentação (Lodi & Bergallo, 1984; Câmara & Palazzo, 1986; Simões-Lopes et al., 1992; Palazzo & Flores, 1996; 1998). Estima-se que haja menos de 10.000 exemplares desta baleia espalhadas pelo sul do Hemisfério Sul, numa faixa compreendida entre os 30º e os 55º de latitude. A caça indiscriminada deste tipo de baleia, devido à quantidade de óleo possuída por exemplar, deixou-a quase em perigo de extinção. Desde o século XIX, a população destes animais foi reduzida em 90%. Acredita-se que a população da Eubalaena australis, a baleia franca, do Pacífico sul oriental (Chile e Peru) também se encontre muito reduzida, provavelmente com menos de 50 indivíduos. Figura 3 - Distribuição Geográfica da Eubalaena australis A Eubalaena glacialis, ou a Baleia Franca do atlântico norte, cuja população total, segundo informa a WWF, é de aproximadamente 300 a 350 indivíduos, permanece quase totalmente concentrada ao longo da, altamente industrializada, costa leste da América do Norte. Originalmente encontrada nas águas temperadas do Atlântico Norte, é encontrada, hoje em dia, essencialmente ao longo da costa norte-americana, sendo que a população do Atlântico Norte Europeu está criticamente ameaçada. Estando associado, como agentes responsáveis pelas extinções recentes, a degradação de habitats, a introdução de espécies exóticas e principalmente as matanças desordenadas. Figura 4. Distribuição Geográfica de Eubalaena glacialis A Eubalaena japonica, ou Baleia Franca do Pacífico, é encontrada nas águas temperadas etropicais do Pacífico. Acredita-se que restem apenas cerca de 500 baleias desta espécie. No Pacífico Norte, as baleias francas ocorrem durante o verão no Mar de Okhotsk, no sudeste do mar de Bering, nas Ilhas Aleutas, e norte do Golfo do Alasca. Durante o inverno, elas ocorrem em direção ao sul para o Mar do Japão (Mar do Leste), Estreito de Taiwan e do Ogasawara Gunto (Ilhas Bonin, no Japão), no oeste e para o Sul da Baja da Califórnia (México), no leste. Populações nos lados asiáticos e americanos do Pacífico são consideradas como discretas (Brownell et al., 2001). Anteriormente abundante em grande parte do Pacífico Norte no verão, a Baleia Franca do Pacífico é agora vista regularmente apenas no mar de Okhotsk e no sudeste do mar de Bering, com aparições ocasionais ao longo da costa leste do Japão, ao largo das ilhas Bonin e no Golfo do Alasca. De fato, pouco se sabe sobre o habitat frequentado pelas baleias francas do Pacífico Norte. A raridade de registros desta espécie em regiões costeiras no inverno sugere que os seus locais de reprodução podem ser no mar (Clapham et al., 2004). O que fica em contraste com as baleias francas do sul que formam concentrações de reprodução costeira. Existe, claramente, alguma migração norte no verão e sul no inverno (Clapham et al. 2004), mas a localização dos locais de inverno é desconhecida. As capturas históricas mostram que, no verão, as espécies ocorrem principalmente no mar de Bering, Golfo do Alaska, Mar de Okhotsk e norte do Pacífico Norte. Figura 5. Distribuição Geográfica de Eubalaena japonica E, por fim, a Balaena mysticetus, ou Baleia da Groenlândia, que são encontradas apenas em regiões árticas e subárticas. Elas passam grande parte de suas vidas dentro e perto de blocos de gelo, migrando para o Ártico no verão, e recuando para o sul no inverno, com o avanço da fronteira de gelo (Moore e Reeves, 1993). A Comissão Baleeira Internacional reconhece cinco áreas de ocorrência para essa espécie: mares de Bering, Chukchi e Beaufort (EUA (Alaska), Canadá e Rússia), Bacia Foxe na Baía de Hudson (Canadá); Estreito de Davis e Baía Baffin (Dinamarca (Groelândia) e Canadá); Mar de Barents arquipélago Svalbard (Dinamarca (Groelândia), Noruega e Rússia) e no Mar de Okhotsk (Rússia e Japão). Segundo Moore e Reeves (1993), a distribuição sazonal é fortemente influenciada pelo congelamento do mar e formação do bloco de gelo. Sabe-se que durante o inverno as baleias boreais ocorrem em áreas próximas à borda de gelo, em polínias (qualquer área de águas abertas no meio da banquisa, ou do gelo fixo, e que não tenha forma linear.), e em áreas de gelo não consolidada. Durante a primavera essas baleias usam as fendas e rachaduras no gelo para penetrar em áreas que eram inacessíveis durante o inverno devido à cobertura de gelo pesado. Durante o verão e o outono se concentram em áreas onde a produção de zooplâncton é alta ou onde os processos biofísicos de grande escala criam concentrações locais de calanoides copépodes (Finley, 1990). Figura 6. Distribuição Geográfica de Balaena mysticetus. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEST, P. B., PAYNE, R.; ROWNTREE, PALAZZO, J. T. & BOTH, M. C. (1993). Long-range movements of South Atlantic right whales, Eubalaena australis. Mar. Mamm. 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