Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DEFINIÇÃO Apresentação da noção de política e da concepção de língua, abordando as políticas linguísticas, as línguas subalternas e hegemônicas, bem como a Interlinguística, a aquisição da linguagem, a competência linguística e a valorização das língua de sinais no contato linguístico. PROPÓSITO Compreender as questões concernentes ao contato linguístico e aos conflitos em suas fronteiras. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever questões políticas linguísticas MÓDULO 2 Identificar os processos de aquisição e aprendizagem da L1 e L2 MÓDULO 3 Identificar questões sobre valorização da Libras no contato linguístico INTRODUÇÃO A interação social gera resultados nos mais diversos âmbitos, sejam individuais ou sociais, concretos ou simbólicos. Com o contato linguístico não é diferente. Uma língua pode se sobrepor a outra; pode haver disputas, mas também cooperação. Ao longo da história, a esfera política, com sua ciência e suas práticas, buscou organizar tais questões. Quando se pensa no público e no comum, é necessário considerar as políticas públicas e, no âmbito linguístico, cabe atentar para políticas públicas linguísticas que favoreçam a continuidade e o florescimento da diversidade linguística. Fonte:Shutterstock Fonte: alphaspirit | Shutterstock Nesse sentido, é importante conhecer os processos de aquisição da linguagem, seja como primeira ou segunda língua, além de pensar em movimentos políticos, que passam pelos mais variados campos: a atuação junto ao governo, campanhas de valorização das línguas ou mesmo a criação de novos idiomas. MÓDULO 1 Descrever questões políticas linguísticas POLÍTICA, SER POLÍTICO E POLÍTICAS PÚBLICAS Vamos tratar aqui das questões políticas linguísticas entre línguas. Para melhor compreendê- las, é imprescindível conhecer as políticas linguísticas e, antes, a própria noção de público. Pensemos em transportes públicos, hospitais públicos, escolas públicas, segurança pública etc., que são áreas mantidas pelo Estado. Para que esses setores atendam de fato a população, faz-se necessário seu cumprimento documental, ou seja, uma lei em vigência (no caso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, considerada “Lei Maior”). Fonte: Gorodenkoff | Shutterstock fonte: Gorodenkoff | Shutterstock.com A ideia de espaço público remete ao espaço comum e com uso de todos. E a esfera pública, nas sociedades democráticas, é intermediária entre a esfera civil (as pessoas) e o Estado. Esse último (seja nas esferas municipal, estadual ou federal) deve providenciar recursos para cumprir a Constituição e é aí que entram as políticas públicas. Os serviços prestados pelo Estado, serviços públicos, muitas vezes são chamados de serviços gratuitos, o que tecnicamente está errado, pois são serviços custeados com os impostos (como IPVA, IPTU, iluminação pública, ICMS etc.) que pagamos. A esfera política, por sua vez, volta-se para o bem comum, e é onde as questões sociais são resolvidas. O político é aquele que se relaciona, participa e colabora de alguma forma para que os direitos e deveres sociais possam ser cumpridos. Político todos nós somos. Aliás, essa é uma máxima conhecida de Aristóteles, de que o homem é naturalmente um “animal político”. De volta à Constituição Federal (CRFB/88), seu preâmbulo determina que o Estado Democrático está destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia javascript:void(0) social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. CONSTITUIÇÃO FEDERAL (CRFB/88) Por meio da Constituição Federal de 1988, a União, os estados e os municípios têm autonomia para decidirem sobre as tomadas de decisões, não podendo, contudo, contrariar a Carta Magna (CF/88). A descentralização dos poderes serve para facilitar a organização da nação de acordo com a realidade de cada estado e município, tendo em vista principalmente a dimensão e a diversidade brasileira. Assim, as políticas públicas podem partir do governo federal para todo o território nacional, de cada estado para toda a população daquela unidade federativa e do poder municipal para todos os munícipes (os cidadãos daquele município). MAS O QUE SÃO POLÍTICAS PÚBLICAS? Políticas públicas são ações tomadas pelo Estado a fim de resolver as questões sociais de forma equilibrada e objetivando a organização social, em especial em favor daqueles prejudicados pela má distribuição de renda e de outras distorções do funcionamento social. SAIBA MAIS A promoção de educação, saúde, moradia, segurança são resultados de algumas das muitas políticas públicas distribuídas por todo o território nacional, mas que podem envolver estrangeiros também, como foi o caso do programa Mais Médicos, uma política pública que trouxe médicos cubanos para atuar no Brasil, principalmente em municípios com carência de oferta de médicos. As políticas de bolsas para pesquisadores brasileiros estudarem no exterior também envolvem outros países, mas beneficiam os brasileiros. POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E LÍNGUAS DE SINAIS Políticas linguísticas podem ser compreendidas como um corpo de ideias, leis, regulamentos, regras e práticas destinadas a alcançar mudanças no planejamento linguístico em sociedades, grupos ou sistemas. Políticas linguísticas não necessariamente precisam ser promulgadas por autoridades, elas também podem emergir de um movimento ascendente, ou seja, de organizações de base. Além disso, nem todas as políticas linguísticas são intencionais ou cuidadosamente planejadas. Algumas existem mesmo quando não são explicitadas ou estabelecidas pelo governo; não são apenas produtos, mas também processos. Fonte:Shutterstock Figura 3. Programa Nacional de Capacitação em Educação Bilíngue de Surdos - PRONAEBS Spolsky (2004) define políticas linguísticas a partir de três dimensões: As práticas linguísticas que se referem ao que as pessoas fazem; Crenças ou ideologias linguísticas que se referem aos valores atribuídos às línguas; Planejamento linguístico, que se refere aos esforços realizados por grupos, ou pelo governo com o objetivo de modificar as práticas e crenças dos cidadãos de determinado grupo social. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Figura 4. Acordo ortográfico de 2009 Línguas e políticas linguísticas coexistem em contextos altamente complexos, dinâmicos e interativos; muitas variáveis não linguísticas estão correlacionadas e em jogo (políticas demográficas, sociais, culturais, burocráticas e assim por diante). Figura 5. Comissão de Educação debate o Acordo Ortográfico Pensando na relação entre políticas públicas e políticas linguísticas, estas últimas tratam de grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade, isto é, em que língua(s) o Estado funcionará e se relacionará com os cidadãos, em que língua(s) a educação e os serviços culturais sertão oferecidos, se as outras línguas faladas pelos cidadãos serão reprimidas, reconhecidas ou promovidas. Figura 6. Fachada do Ministério da Educação O conceito de política linguística está diretamente relacionado aos conceitos de planificação ou planejamento linguístico, ou seja, ao percurso para a implementação das políticas, ações concretas, sistêmicas, financiamento e orçamento, formação de quadros, entre outros. Figura 7. Sede da Unesco A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO, 1996) garante às diversas comunidades linguísticas no mundo o direito de manterem suas línguas, culturas e nacionalidades. A partir dessa declaração, o século XXI presenciou uma verdadeira exploração de diferentes tipos de atividades de planejamento linguístico para línguas de sinais em todo o mundo, abrangendo status, corpus, aquisição e planejamento de ações.No Brasil, dentre as leis e os decretos promulgados na última década e que motivaram a ampliação do campo de atividades referentes aos surdos, bem como de planificação linguística das línguas de sinais, destacam-se: O RECONHECIMENTO DA LIBRAS (LEI 10.436/2002 REGULAMENTADA PELO DECRETO 5.626/2005). O DIREITO DE SURDOS E SEUS FAMILIARES (SE AINDA CRIANÇAS) OPTAREM PELA MODALIDADE ESCOLAR EM QUE SE SINTAM MAIS CONFORTÁVEIS. O DIREITO A TEREM, NA ESCOLA, PROFESSORES BILÍNGUES QUALIFICADOS DESDE A EDUCAÇÃO INFANTIL ATÉ O NÍVEL SUPERIOR, DIREITO QUE SE VINCULA AO DEVER DE UNIVERSIDADES INTRODUZIREM A DISCIPLINA DE LIBRAS EM TODAS AS LICENCIATURAS BEM COMO A APOIAREM AÇÕES DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES BILÍNGUES LIBRAS-PORTUGUÊS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA. O DIREITO DOS SURDOS A TEREM INTÉRPRETES E TRADUTORES GRADUADOS. Trataremos das questões relativas a essas legislações mais adiante no texto. Essas conquistas devem-se à luta da Comunidade Surda e dos profissionais da área, construída nos espaços de convivência de surdos, associações, universidades e em instituições cuja língua de sinais estava no centro das discussões, bem como sua cultura e seus marcadores. Os argumentos para essas mobilizações são advindos da concepção socioantropológica da surdez, considerando uma perspectiva cultural para além de um modelo meramente clínico-terapêutico. Embora a legislação possa auxiliar na proteção das línguas e dos membros dos grupos minoritários, ela não é a única responsável pelo destino de uma língua minoritária; a realização de políticas linguísticas depende do comportamento das pessoas, se elas usam ou não o idioma. Portanto, existem condições necessárias para uma língua prosperar, ainda que sejam complexas e interligadas; podemos citar, por exemplo, a possibilidade dos membros da comunidade e de outras pessoas conhecerem e aprenderem a língua em sistemas adequados de educação. O Estado tem um papel fundamental na política linguística, criando oportunidades para as pessoas usarem a língua fora de espaços privados. Fonte:Shutterstock Figura 8. Aula de extensão para crianças surdas O professor Fabiano Guimarães da Rocha fala um pouco mais sobre políticas linguísticas. CONCEPÇÃO DE LÍNGUA Sabe-se que o Brasil é um país rico etnicamente, formado por diversos povos e culturas. E por estranho que pareça a uma grande maioria, há aqui muitas pessoas que não têm a língua portuguesa como língua materna, tecnicamente chamada de primeira língua (L1). Apesar de o português ser a língua majoritária, para uma parcela da população brasileira, ela é considerada a segunda língua (L2), incluindo-se nesse grupo a comunidade surda sinalizante. Fonte:Shutterstock Sercan Erturk | Shutterstock.com Baalbaki e Andrade (2016) apontam que há cerca de 210 línguas diferentes faladas por aproximadamente 2 milhões de brasileiros no Brasil – como falamos, pessoas que não têm a língua portuguesa como língua materna (L1). Dessas 210 línguas, 180 são autóctones, isto é, indígenas, e que hoje são consideradas línguas minoritárias (de uma minoria étnica de certa região). Outras 30 são alóctones (língua que não é natural do território onde se vive), são as línguas dos povos imigrantes como italiano, alemão, japonês, as práticas linguísticas ligadas às línguas africanas e as línguas de fronteiras; inclusive as línguas brasileiras de sinais (Ka’apor, Libras e língua de sinais caseiros). Essas são línguas faladas por poucos dentro do território nacional brasileiro. A língua de sinais Ka’apor brasileira/língua de sinais Urubu-Ka’apor é usada pela população indígena distribuída nas cinco aldeias do território maranhense; língua considerada em extinção ou, conforme denominado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), língua criticamente em perigo. A língua de sinais caseiros/língua de sinais familiares não é reconhecida, pois não tem relação consistente entre o significado e significante, não passa de geração para geração porque é própria de cada âmbito familiar. Esses sinais caseiros são utilizados por crianças, sejam surdas ou Coda antes da pré-alfabetização, ou mesmo por surdos adultos que não tiveram contato com a Libras ou Ka’apor. javascript:void(0) Há debates sobre a Libras ser incluída no grupo alóctone por sofrer (mais ou menos) influências da língua de sinais francesa (LSF). Alguns pesquisadores defendem que a Libras é natural da comunidade surda, por isso não poderia ser considerada alóctone. Ao mesmo tempo, como afirma Morello (2005), a Libras foi reconhecida oficialmente como meio legal de expressão e comunicação da comunidade surda. Isso significa que se trata de uma língua que compartilha juridicamente o status de oficialidade do português no Brasil. Nesse contexto, nosso país não seria um país monolíngue, mas sim bilíngue. CODA Coda: children of deaf adults, termo criado por Millie Brother nos EUA, que significa filhos (ouvintes) de pais surdos. Precisamos compreender que a língua é diferente da linguagem. autor/shutterstock LINGUAGEM Esta é individual e não pertence somente ao ser humano, mas também a todo ser vivo e, aliás, mesmo a um ser inanimado, como uma obra de arte, demonstra um poder expressivo. autor/shutterstock LÍNGUA Uma das definições de língua do dicionário Houaiss e Villar (2009) para esse termo é: “Sistema de representação constituído por palavras e regras que se combinam em frases, orações e períodos usados por determinada comunidade linguística como forma de comunicação e expressão, seja nas formas faladas, escritas e gestuais como a língua brasileira de sinais”. Ferdinand Saussure (1995), considerado o pai da linguística moderna, afirmou que sem a linguagem não é possível haver uma língua; no entanto, para ser língua é preciso haver comunicação e entendimento entre duas ou mais pessoas que fazem uso da mesma linguagem. Como exemplo, podemos imaginar uma árvore seca em uma paisagem: essa planta pode nos informar situações naquele contexto, seja resultado de uma queimada ou mesmo resultante do final de um ciclo de vida da planta e até mesmo o período de uma das quatro estações climáticas. A mensagem transmitida dependerá do seu contexto naquele momento. Isso não ocorre, teoricamente, em uma língua. javascript:void(0) Fonte:Shutterstock Ferdinand de Saussure | Wikipedia.org FERDINAND SAUSSURE Ferdinand de Saussure nasceu em Genebra, Suíça, em 26 de novembro de 1857. Na Alemanha, estudou química, física, grego, latim, sânscrito, celta e indiano. Com apenas 24 anos, começou a ensinar linguística histórica numa universidade francesa. Seus cursos de Linguística Geral ficaram famosos e, em 1891, voltou para Genebra, onde ministrou aulas até o seu falecimento, em 1913. A linguagem, portanto, não é uma língua, ainda que a língua seja resultado da linguagem humana. Para tornar-se língua, a comunicação deve passar por vários processos sociais para, então, ser legitimada como tal. Para nosso propósito, é importante entender como uma língua pode se tornar legítima, língua oficial ou cooficial no Brasil. Para isso, voltemos à Constituição Federal. O art. 61 trata da iniciativa das leis complementares e ordinárias, cabendo a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou ainda do Congresso Nacional, também ao presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal (STF), aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos. E O PAPEL DO CIDADÃO? O cidadão, na constituição identificado como iniciativa popular, é ou deveria ser extremamente importante para a criação de leis – a consciência democrática. Entretanto, para que essa iniciativa se efetive, faz-se necessária a participação da sociedade e que se comprove que um número representativo exige providências, criação ou revogação de uma lei, por exemplo. UM NÚMERO REPRESENTATIVO É preciso conseguir assinaturas por meio de abaixo-assinado de, no mínimo,1% do eleitorado brasileiro distribuído em pelo menos cinco estados da UF, somando ao menos 0,3% de assinaturas em cada estado, no mínimo. Em 2018, o TSE computou 147,3 milhões de eleitores aptos a votar no país. Para um abaixo-assinado ter validade legal, seria preciso colher 1.470.000 assinaturas de eleitores aptos. No entanto, deputados federais e senadores, enquanto representantes da população de cada estado, podem manifestar-se em favor de seus eleitores criando e defendendo seus projetos de lei para apreciação e aprovação por meio de votos entre os parlamentares. LÍNGUAS SUBALTERNAS E LÍNGUAS HEGEMÔNICAS A LÍNGUA NOS DIVIDIU E PELA LÍNGUA NOS CONQUISTARAM, INVISIBILIZANDO POVOS javascript:void(0) ORIGINAIS, MASSACRANDO OS DA DIÁSPORA NEGRA, SUBALTERNIZANDO CORPOS E FECHANDO TRÂNSITOS POR DIVERSOS TIPOS DE FRONTEIRAS, OU ABRINDO PARA OS COISIFICADOS PELOS MERCADOS. OS “INDOCUMENTADOS”. AS FRONTEIRAS NOMEIAM QUEM É O OUTRO E ATÉ OS QUE SE FALAM PELAS LÍNGUAS HEGEMÔNICAS SE IDENTIFICAM POR SOTAQUES REGIONAIS, ENCARNAM O OUTRO. MAS PELAS LÍNGUAS DOS COLONIZADORES TENTAMOS SUBVERTER CÓDIGOS, (...) RESISTIMOS. CALAZANS, CASTRO e PIÑEIRO, 2018 Os estudos subalternos começaram a tomar forma nos anos 1980, a partir da publicação dos Subaltern Studies, editados pelo indiano Ranajit Guha, e ganharam força com os estudos pós- coloniais, que questionavam justamente a imposição cultural hegemônica. Guha, assim como a pesquisadora Gayatry Spivak, utilizam o termo “subalterno” para se referir a grupos marginalizados, aqueles sem representatividade por conta de seu status social. O artigo de Spivak Can the subaltern speak? (Pode o subalterno falar?) ganhou o mundo e a fez uma importante teórica da atualidade. Subalterno De acordo com Houaiss e Villar (2009), subalterno é a pessoa que está sob a ação/ordem de outra pessoa, aquele que é subordinado ou inferior ao outro, ou mesmo submisso quando está abaixo do outro. Hegemônico Hegemonia, por sua vez, trata da supremacia, do poder de influenciar, de dominar. O hegemônico é a autoridade soberana que lidera e domina colocando-se em posição superior aos seus subalternos (dominados). O conceito de hegemonia cultural, segundo Ferrari (2008), foi criado por Antonio Gramsci (1891-1937), para trabalhar com a ideia de dominação ideológica voltada para aspectos socioculturais. Gramsci acreditava que somente a mudança da mentalidade poderia transformar o poder que desfavorecia a massa popular. Para tanto, ele defendia que somente a escola, por meio do ensino, mudaria opiniões influenciadoras do poder dominante/hegemônico. Outro conceito difundido por Gramsci foi o de cidadania, cuja conquista ele também defendia como sendo resultado da educação escolar. ANTONIO GRAMSCI Antonio Gramsci (1892-1937) foi um pensador marxista italiano, cofundador do Partido Comunista Italiano, teve grande parte de sua teoria escrita enquanto estava preso e disseminada após seu falecimento. Quando falamos sobre uma língua como sendo subalterna e outra como sendo hegemônica, esta sempre será a língua majoritária de cada país (o idioma principal) e a língua subalterna é/são a(s) língua(s) oficializadas/admitidas/autorizadas para o uso no país, que, contudo, não substituem a língua oficial. Esses conceitos tratam de hierarquização e de poder entre as línguas majoritárias e minoritárias. O Brasil, como tantos países colonizados por europeus, sofreu aculturação (quando a pessoa perde seus traços culturais seja no idioma, nos costumes, nos ritos etc.), por isso a língua hegemônica não é a língua natural, pois, se assim fosse, não falaríamos o idioma português, mas uma das línguas naturais dos povos indígenas presentes quando os portugueses aqui se instalaram. javascript:void(0) Fonte:Shutterstock Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindabuçu, por Benedito Calixto | Wikipedia.org Fonte:Shutterstock Antonio Gramsci | Wikipedia.org De acordo com Lens (2019), ainda na primeira metade do século XX, Antonio Gramsci desenvolveu estudos teóricos e filosóficos sobre diversos temas que convergem para a problemática da existência contraditória de forças hegemônicas que atuam sobre as camadas populares da sociedade. Entre eles, o que nos interessa, neste curto espaço, é o seu desenvolvimento das questões que se referem à língua e à gramática. No caso da Libras, a Lei 10.436/2002 regulamentada pelo Decreto 5.626/2005 faz planificação linguística e a coloca como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira. No entanto, pela referida lei, fica clara a supremacia do português no parágrafo único do art. 4º, em que ressalta que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Um dos avanços (considerados ainda discretos por parte da comunidade surda) foi a população surda não ser forçada a usar a língua portuguesa na modalidade oral, obrigatoriedade normatizadora colocada pelo período de domínio oralista, que proibia a língua de sinais. Portanto, por meio da lei de Libras, regulamentada pelo Decreto 5.626, concluímos que: A Libras foi reconhecida como meio legal de comunicação da comunidade surda; Os surdos sinalizantes têm a Libras como primeira língua (L1) e não precisam obrigatoriamente fazer uso da língua portuguesa na modalidade oral, sendo esta considerada como segunda língua (L2); A Libras não pode substituir a língua portuguesa na modalidade escrita. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) SOBRE OS SIGNIFICADOS/CONCEITOS DE POLÍTICA, SER POLÍTICO E POLÍTICAS PÚBLICAS, PODEMOS AFIRMAR QUE: POLÍTICA: AÇÃO EM PROL DE UM BEM COMUM, NO QUAL AS QUESTÕES SOCIAIS SÃO RESOLVIDAS DA MELHOR FORMA, HAVENDO HARMONIAS ENTRE PARES. SER POLÍTICO: É AQUELE QUE SE RELACIONA, PARTICIPA E COLABORA DE ALGUMA FORMA PARA QUE OS DIREITOS E DEVERES SOCIAIS POSSAM SER CUMPRIDOS. POLÍTICAS PÚBLICAS: SÃO AÇÕES TOMADAS PELO ESTADO A FIM DE RESOLVER AS QUESTÕES SOCIAIS (CONFLITOS) DE FORMA EQUILIBRADA E OBJETIVANDO A ORGANIZAÇÃO SOCIAL PRINCIPALMENTE EM FAVOR DAQUELES PREJUDICADOS PELA MÁ DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BENEFICIANDO OS MENOS FAVORECIDOS. POLÍTICAS PÚBLICAS LINGUÍSTICAS: DIFEREM-SE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MANEIRA GERAL PORQUE DEVEM PARTIR DE ESTUDIOSOS E NÃO DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E PARTICIPAÇÃO POPULAR. A) Somente a I está correta. B) Somente as I e III estão corretas. C) Somente as II e III estão corretas. D) Somente I, II e III estão corretas. 2) SOBRE A LÍNGUA SUBALTERNA E A HEGEMÔNICA, PODEMOS AFIRMAR QUE: A) A língua subalterna é a língua minoritária em um país, enquanto a hegemônica diz respeito ao inglês, uma língua franca. B) Língua subalterna é a segunda língua de um país, enquanto a hegemônica é a que predomina no país. C) A língua subalterna é a língua falada somente por nativos de um país, enquanto a hegemônica é a língua universal como o esperanto. D) A língua subalterna é falada apenas pela população autóctone, enquanto a língua hegemônica é a soma da língua oficial e dos idiomas estrangeiros falados em um país. GABARITO 1) Sobre os significados/conceitos de política, ser político e políticas públicas, podemos afirmar que: Política: ação em prol de um bem comum, no qual as questões sociais são resolvidas da melhor forma, havendo harmonias entre pares. Ser Político: é aquele que se relaciona, participa e colabora de alguma forma para que os direitos e deveres sociais possam ser cumpridos. Políticas Públicas: são ações tomadas pelo Estado a fim de resolver as questões sociais (conflitos) de forma equilibrada e objetivando a organização social principalmente em favor daqueles prejudicados pela má distribuição de renda, beneficiando os menos favorecidos. Políticas públicas linguísticas: diferem-se das políticas públicas de maneira geral porque devem partir de estudiosos e não da relação entre Estado e participação popular. A alternativa "D" está correta. A esfera política volta-se para o bem comum, por isso todos são políticos na medida em que se relacionam, participam e colaboram visando o cumprimento de direitos e deveres na organização da sociedade. Formalmente, as políticas públicas, isto é, diretrizes dos governos, orientam ações e regulamentações gerais voltadas para a esfera pública e o bem comum. 2) Sobre a língua subalterna e a hegemônica, podemos afirmar que: A alternativa "B " está correta. Hegemonia e subalternidade tratam de uma hierarquização entre as línguas faladas em um país. A língua hegemônica é a língua majoritária de cada país, seu idioma principal, enquanto as subalternas são admitidas/autorizadas para o uso no país, mas não substituem a língua oficial. MÓDULO 2 Identificar os processos de aquisição e aprendizagem da L1 e L2 INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA INTERLINGUÍSTICA O conceito de Interlinguística se refere à língua feita de um idioma para outro, ou seja, trata das línguas planejadas. É muito usado nos estudos do esperanto. Esse foi um idioma idealizado pelo médico Ludwik Lejzer Zamenhof (1859-1917), fluente em onze idiomas, e trabalhado minuciosamente para expressar de forma útil todas as formas de linguagens humanas. Com essa língua, o médico buscou uma aproximação dos povos, um idioma ideal para ser segunda língua de todo cidadão por sua clareza e simplicidade e por não trazer prejuízos à primeira língua. Para tanto, Zamenhof procurou tirar “irregularidades” (observadas por ele nos dicionários das demais línguas), criando o menor dicionário de esperanto em 1887. ESPERANTO Apesar de inventado, o esperanto é reconhecido oficialmente como língua pela Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco). Trata- se de uma língua viva, usada por mais de 120 países. É considerado mais fácil de aprender do que o inglês. Sua gramática é extremamente regular, não possui exceção e contém somente 16 regras básicas. javascript:void(0) Em uma mistura de diversas línguas, Ludwik Zamenhof procurou selecionar o melhor de cada uma formando um único idioma que vem sendo usado por mais de dois milhões de pessoas em todo o planeta, seja em viagens, correspondências, intercâmbio cultural, convenções, literatura, ensino de línguas, televisão e transmissões de rádio. O Google Tradutor também oferece esse idioma como recurso. Fonte:Shutterstock Ludwik Lejzer Zamenhof | Wikipedia.org ESPERANTO Apesar de inventado, o esperanto é reconhecido oficialmente como língua pela Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco). Trata- se de uma língua viva, usada por mais de 120 países. É considerado mais fácil de aprender do que o inglês. Sua gramática é extremamente regular, não possui exceção e contém somente 16 regras básicas. Em uma mistura de diversas línguas, Ludwik Zamenhof procurou selecionar o melhor de cada uma formando um único idioma que vem sendo usado por mais de dois milhões de pessoas em todo o planeta, seja em viagens, correspondências, intercâmbio cultural, convenções, literatura, ensino de línguas, televisão e transmissões de rádio. O Google Tradutor também oferece esse idioma como recurso. Nas comunidades surdas, temos a língua de sinais internacional, também conhecida como Gestuno, muitas vezes considerada como análoga ao esperanto. Contudo, a maioria dos pesquisadores não a considera uma língua por não ter origem conhecida, afirmando ser apropriado chamá-la de sinais internacionais. Os sinais internacionais têm grande influência da língua de sinais americana, que é a língua de sinais de maior prestígio, podendo ser considerada uma convenção e que é utilizada especialmente em congressos ou competições internacionais. Segundo Houaiss e Villar (2009), a Interlinguística é uma qualidade (adjetivo) da interlíngua – esta tanto o idioma criado, quanto o sistema linguístico que caracteriza a produção do falante não nativo em qualquer estágio anterior à completa aquisição dessa língua-alvo. Há na interlíngua, portanto, uma organização de estrutura lexical que envolve a língua materna e a língua-foco/língua-alvo (foco/alvo porque diz respeito ao objetivo de estudo), que é a segunda língua (L2). Lima-Salles (2007) delineia diferentes níveis sistemáticos de organização e construção da matriz linguística de interlíngua. Esta é composta e estruturada por meio de projeções lexicais não somente da língua materna como também da língua-alvo nas formas de mudanças e adições contínuas. A INTERLÍNGUA A interlíngua é também uma língua artificial, criada internacionalmente entre os anos 1924 e 1951, baseada nas línguas românicas com objetivo principal de atingir a comunicação entre os cientistas de todo o mundo. (Usamos aqui com letra minúscula para diferenciar do conceito linguístico de Interlíngua.) A autora trata de dois princípios gerais (o princípio da língua e o de sua projeção de forma completa) e aponta cinco predições mais específicas: O aprendiz tem intenção de falar a língua-alvo. javascript:void(0) A estrutura lexical é modular e pode ser dividida e combinada para construção de sistemas gramaticais subjacentes à interlíngua. A distinção entre elementos lexicais e funcionais, distinguidos por oposição entre conteúdo e flexão no sistema morfológico, tem um papel importante no desenvolvimento da estrutura da interlíngua. A competência para ativar lexemas conceituais é adquirida antes de projeções requeridas pelo sistema gramatical. A contribuição da língua materna para a formação do sistema gramatical composto subjacente à língua é uma exigência, e a base dessa contribuição está na distinção morfológica entre elementos funcionais e lexicais. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal LEXEMA Unidade mínima do léxico, que pode ser um morfema ou palavra. Três observações são interessantes para analisar o desenvolvimento da interlíngua: Elementos funcionais (como artigos, preposições e conjunções) são menos subjetivados pelos aprendizes do que os elementos lexicais; A língua-alvo tem influência na formação da interlíngua a partir de sua forma estrutural superficial; A língua materna constitui-se a partir de regras abstratas da estrutura profunda. javascript:void(0) Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal O papel da transferência nesse modelo, no processo de aquisição, é relevante porque o de interlíngua entra de forma conexa, ou seja, as estruturas lexicais da língua materna e da segunda língua se complementam. O que deve acontecer é a disposição dos parâmetros da língua materna para os aprendizes da segunda língua a fim de organizar esse sistema matriz composto. Esse processo envolve a aquisição da língua materna e da segunda língua sem formalidades, o que engloba a ideia de uma gramática universal (GU). Segundo Noam Chomsky, há propriedades mentais subjacentes às leis que regem a estrutura de sentenças comuns em todas as línguas. Dessa forma, uma série de regras naturais ajudaria as crianças a adquirir sua língua materna. NOAM CHOMSKY Avram Noam Chomsky é um linguista e cognitivista americano também amplamente conhecido por seu ativismo político. A gramática gerativa é a teoria que o notabilizou. Essa teoria é um aspecto e uma explicação da ideia de gramática universal. javascript:void(0) O professor Fabiano Guimarães da Rocha comenta um pouco mais sobre a interlinguística na aquisição e aprendizagem de uma segunda língua. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Em sentido amplo, aquisição da linguagem trata do desenvolvimento de habilidades para que o indivíduo possa expressar e interagir socialmente por meio de uma determinada língua. É a partir da aquisição que a criança desenvolve habilidades para comunicar-se por meio da língua. Fonte:Shutterstock Fonte: Juan Ci | Shutterstock.com Em sentido estrito, a aquisição de uma língua como materna trata especificamente de se relacionar uma sequênciade sons vocais ou de sinais (no caso da língua de sinais) a uma regra semântica simples porém coerente. No caso da comunidade surda, nem sempre podemos chamar a língua de sinais de língua materna, já que 95% dos surdos são filhos de pais ouvintes que não sabem Libras. Portanto, a grande maioria dos surdos não apreende Libras no ambiente familiar ou materno. O correto, nesse caso, é chamarmos a Libras de primeira língua (L1) da comunidade surda. Segundo Corrêa (2006), três questões se apresentam imediatamente para uma teoria da aquisição da linguagem assim delimitada: O que a criança adquire ao aprender uma língua. De que modo a criança extrai informações linguisticamente relevantes dos dados da fala. Que fatores promoverão as mudanças de estado no modo como a língua em questão é representada e como os enunciados linguísticos são processados pela língua no curso de seu desenvolvimento. Para entrarmos na teoria do conhecimento linguístico, é importante refletir sobre algumas questões: 1ª QUESTÃO Como acontece o conhecimento? 2ª QUESTÃO Como é possível saber se meu conhecimento está correto? 3ª QUESTÃO Como o ser humano apreende o mundo? 4ª QUESTÃO Como é possível um indivíduo conhecer e repassar esse conhecimento para o outro? São respostas a essas perguntas que a teoria do conhecimento (científico), ou Epistemologia, busca. Para ser válida, a ciência deve seguir determinados passos, uma metodologia específica. Há, portanto, um método a ser seguido pelo cientista, fundamentado pelos epistemólogos (filósofos da teoria do conhecimento). Faz-se importante aqui diferenciar saberes. Os saberes prévio ou técnico (saber andar de bicicleta ou saber consertar uma máquina) são diferentes do saber científico, que envolve coletar informações do mundo, registrá-las, investigá-las, reproduzi-las e utilizá-las em determinados contextos. Na aquisição da linguagem, temos o conhecimento prévio e sua composição. O conhecimento prévio é aquele de sons e sinais e de sua sequência, ou seja, é saber o que determinados sons e sinais ou sequências destes significam ou representam. Em língua portuguesa, o som das palavras rato ou gato indicam diferentes significados. O que as diferenciam são os fonemas iniciais de cada vocábulo (“r” ou “g”). As línguas de sinais, por sua vez, são compostas de cinco parâmetros ou unidades mínimas: Configuração de mão. Ponto de articulação. Movimento. Orientação. Expressões não manuais. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Portanto, uma configuração de mão pode produzir um conjunto de sinais, conforme a recombinação de um ou mais parâmetros presentes na gramática da Libras. Há teorias diferentes a respeito do aprendizado e da aquisição da linguagem. Nos anos 1950, Chomsky defendeu que a linguagem seria inata. Outro olhar para a aquisição da língua materna é o de Lev Vygostsky. Antes de chegarmos a ele, porém, é importante mencionar a teoria behaviorista, de B. F. Skinner (1904-1990), que defendia que a aquisição se dá pela exposição do indivíduo ao meio, em decorrência de observação, imitação e reforço via javascript:void(0) condicionamento. O processo foi chamado por Skinner de condicionamento operante, pautado em estímulos e respostas a partir da repetição e memorização, também moldando-se com aplicação de punições. Fonte:Shutterstock Fonte: Noam Chomsky | Wikipedia.org LEV VYGOSTSKY Lev Vigotsky (1896-1934): bacharel em Direito, estudou Literatura, Arte e Psicologia e foi no cruzamento desses saberes que se notabilizou, sobretudo ao teorizar sobre a Psicologia ligada à linguagem e à aprendizagem. Segundo Quadros (2008), a abordagem comportamentalista/behaviorista de Skinner focava no desempenho e não na competência. A aquisição da língua diria respeito ao aprendizado de uma capacidade não muito diferente de qualquer outro comportamento. Tratava-se de estímulo, condicionamento, treinamento e imitação. Essa última, a imitação, de extrema importância na aquisição da linguagem. O adulto faz um sinal e a criança imita. No entanto, o behaviorismo não explica fatos como sinais nunca usados anteriormente pelos adultos. A teoria sociointeracionista de Vygotsky considerou que o homem inserido na sociedade é capaz de interagir com outros sujeitos e que, a partir desse processo de aquisição da linguagem, ele adquire o conhecimento. A abordagem interacionista é subdividida em enfoque cognitivista e enfoque social. O primeiro enfatiza estruturas internas como determinantes do comportamento. Segundo Quadros (2008), os sociointeracionistas consideram a linguagem como um sistema simbólico governado por regras e mantêm a distinção entre competências e desempenho, e entre a estrutura profunda e a superficial. Eles buscam investigar o que há de universal no desenvolvimento cognitivo não linguístico. OS SOCIOINTERACIONISTAS (...) CONCORDAM COM O FATO DE QUE A LINGUAGEM TEM UMA ESTRUTURA E REGRAS GRAMATICAIS QUE A TORNAM DIFERENTE DE OUTROS COMPORTAMENTOS. ENFATIZAM O PAPEL DO AMBIENTE NA PRODUÇÃO DA ESTRUTURA DA LINGUAGEM. COLOCAM QUE AS REGRAS GRAMATICAIS SÃO DESENVOLVIDAS A PARTIR DE ASSOCIAÇÕES E MEMORIZAÇÕES NO CONTEXTO SOCIAL. VALORIZAM A LINGUAGEM DIRIGIDA À CRIANÇA QUE VISA FACILITAR O DESENVOLVIMENTO, CONSIDERANDO-A DETERMINANTE PARA QUE OCORRA AQUISIÇÃO. CONSIDERAM QUE O AMBIENTE LINGUÍSTICO É RESTRINGIDO POR FATORES QUE FAVORECEM A AL [AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM], FORNECENDO ÀS CRIANÇAS AS EXPERIÊNCIAS LINGUÍSTICAS NECESSÁRIAS. QUADROS, 2008 Vygotsky contribuiu significativamente para os estudos sobre desenvolvimento do pensamento e da linguagem na educação infantil e sua relação com a aprendizagem em sociedade a partir da interação entre o ser humano e o meio. Chomsky (1957) trata da aquisição renomeando os termos como: I-language A estrutura ou língua/gramática interna. E-language Seu uso, mas também, para ele, algo externo ao funcionamento da mente. Como aponta Chomsky, qualquer falante conhece irregularidades das regras da língua. Entretanto, a aquisição da linguagem não significa que o falante terá a competência linguística, pois ela exige estudos gramaticais e linguísticos de qualquer língua. APRENDIZAGEM PELA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA É ENTENDIDA COMO O CONHECIMENTO QUE O OUVINTE OU FALANTE POSSUI DE SUA LÍNGUA, O QUAL LHE PERMITE, EM PRINCÍPIO, PRODUZIR E COMPREENDER O NÚMERO INFINITO DE SENTENÇAS OU EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS DAQUELA LÍNGUA, ASSIM COMO DISTINGUIR ENUNCIADOS (...). ESSE CONCEITO INCORPORA DOIS ASPECTOS DA LÍNGUA COMO SISTEMA COGNITIVO – O DE UM SISTEMA PRODUTIVO RESPONSÁVEL PELA CRIATIVIDADE NO USO DA LÍNGUA, E O DE CONHECIMENTO ESPECÍFICO DE UMA LÍNGUA. CORRÊA, 2006 De acordo com Liden (2014), a competência linguística refere-se ao domínio dos códigos linguísticos, ou seja, é o conhecimento da estrutura das línguas envolvidas no processo de produção. Concebida como teoria do conhecimento linguístico, a linguística gerativista descreve a competência como a capacidade de produzir variadas sentenças, ou seja, o sujeito sabe produzir sentenças de acordo com uma gramática interna, no qual, já sabemos distinguir uma frase gramatical ou agramatical. E desempenho é o uso concreto da língua. A gramática, enquanto competência linguística, apresenta dois sentidos: Formal O primeiro é o formal, trazendo um sistema de regras e recursos constituídos por símbolos de um vocabulário. Prático O segundo trata do conhecimento de uma língua particular, internalizado no decurso da aquisição da linguagem. O mecanismo gerativo, segundo Corrêa (2006), daria ao falante/ouvinte a possibilidade de operar recursivamente sobre unidades linguísticas de modo a seguir compondo expressões gramaticais estruturadas. Na Libras, a competência linguística deve ser entendida não somente pelo âmbito da gramática da Libras, como também dos parâmetros linguísticos dessa língua. A Libras é uma língua visual e gestual/espacial, envolvenão somente sinais, mas ainda o conhecimento de mundo do locutor e do receptor. Essa língua fica enriquecida pelo uso dos classificadores que dão sentido sintático à locução. A sintaxe é uma das partes da gramática que estuda as disposições das palavras nas orações, nos períodos, bem como a relação lógica estabelecida entre elas. Os classificadores, portanto, dão forma sintática na locução formada pela língua brasileira de sinais (Libras). O usuário da Libras não deve ter somente competência sobre os parâmetros gramaticais dessa língua, mas deve também dominar os classificadores (CL) – de fundamental importância –, que são resultados da competência que, para Morato (2008), é a capacidade de todos os seres humanos de dispor de um sistema de regras que lhes permitem produzir um número infinito de novos atos ajustados a determinadas atividades relativas ao desempenho. O conhecimento de mundo é fundamental para a competência linguística da Libras e acrescenta de forma significativa para o receptor dessa língua. Fonte:Shutterstock Fonte: Adriaticfoto | Shutterstock.com VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) NO QUE CONCERNE À INTERLÍNGUA, ASSINALE A ALTERNATIVA QUE CONTÉM AS ANALOGIAS CORRETAS: A INTERLÍNGUA SE ORGANIZA POR MEIO DE ESTRUTURA LEXICAL, O QUE ENVOLVE A LÍNGUA MATERNA E A LÍNGUA-FOCO/LÍNGUA- ALVO, O QUE CHAMAMOS DE SEGUNDA LÍNGUA (FOCO/ALVO PORQUE DIZ RESPEITO AO OBJETIVO DE ESTUDO), A L2. A PARTIR DO MOMENTO QUE EU (ENQUANTO PESSOA SURDA USUÁRIA DA LIBRAS) SEI LIBRAS, POSSO ME APROVEITAR DELA PARA FACILITAR MEUS ESTUDOS DA LÍNGUA PORTUGUESA ESCRITA. SE EU FOR OUVINTE, A PARTIR DA LÍNGUA PORTUGUESA, POSSO RELACIONAR SINAIS ÀS PALAVRAS E ASSIM DECODIFICÁ-LAS. INTERLÍNGUA SIGNIFICA UMA LINGUAGEM INTERNA E SUBJETIVA À MINHA PESSOA E ÀS MINHAS CONDIÇÕES SOCIOCULTURAIS, OU SEJA, É UMA LÍNGUA VÁLIDA SOMENTE NO CONTEXTO FAMILIAR, COMO LÍNGUA DE SINAIS CASEIRA. INTERLÍNGUA É SINÔNIMO DE ESPERANTO, POR SE TRATAR DE UM IDIOMA QUE USA PALAVRAS DE VÁRIAS LÍNGUAS. A) Somente as analogias I e III. B) Somente a analogia III. C) Somente as analogias I e II. D) As analogias I, II e III. 2) QUE GRUPO DE AFIRMAÇÕES ABAIXO ESTÁ CORRETO EM RELAÇÃO ÀS TEORIAS CONCERNENTES À LÍNGUA MATERNA E À AQUISIÇÃO DA LÍNGUA EXPOSTAS NESTE MÓDULO? A) A teoria gramatical prescreve treinamento para aquisição da linguagem. E a teoria construtivista prevê a elaboração de um raciocínio, sendo, portanto, menos conteudista. B) A teoria behaviorista enfatiza a mimese e o desempenho. A teoria gerativista defende uma gramática inata. E a teoria sociointeracionista valoriza a interação entre o ser humano e o meio. C) A gramática universal enfatiza a E-Language. A teoria evolucionista defende que a língua é viva. E a teoria sociointeracionista trata da competência linguística. D) A corrente cognitivista das teorias de aquisição é liderada por Noam Chomsky. A corrente social é capitaneada por Jean Piaget. GABARITO 1) No que concerne à interlíngua, assinale a alternativa que contém as analogias corretas: A interlíngua se organiza por meio de estrutura lexical, o que envolve a língua materna e a língua-foco/língua-alvo, o que chamamos de segunda língua (foco/alvo porque diz respeito ao objetivo de estudo), a L2. A partir do momento que eu (enquanto pessoa surda usuária da Libras) sei libras, posso me aproveitar dela para facilitar meus estudos da língua portuguesa escrita. Se eu for ouvinte, a partir da língua portuguesa, posso relacionar sinais às palavras e assim decodificá-las. Interlíngua significa uma linguagem interna e subjetiva à minha pessoa e às minhas condições socioculturais, ou seja, é uma língua válida somente no contexto familiar, como língua de sinais caseira. Interlíngua é sinônimo de esperanto, por se tratar de um idioma que usa palavras de várias línguas. A alternativa "C " está correta. A Interlinguística diz respeito a um idioma criado, planejado, como o esperanto, mas também ao sistema linguístico produzido por alguém antes da aquisição de uma segunda língua, envolvendo, portanto, as estruturas de língua materna e da língua a ser aprendida. É nesse sentindo que, enquanto usuária da Libras, uma pessoa pode acessar seus recursos para aprender a língua portuguesa e vice-versa. 2) Que grupo de afirmações abaixo está correto em relação às teorias concernentes à língua materna e à aquisição da língua expostas neste módulo? A alternativa "B " está correta. A teoria behaviorista defendia que a aquisição se dá pela exposição do indivíduo ao meio, em decorrência de observação, imitação e reforço via condicionamento. Ela enfatiza imitação e desempenho. A teoria gerativista olha para a I-language como inata e internalizada, e para a E- language como uso. A teoria sociointeracionista, de Vigotsky, enfatiza o papel do ambiente na produção da estrutura da linguagem e em sua aquisição. MÓDULO 3 Identificar questões sobre valorização da Libras no contato linguístico A VALORIZAÇÃO DE UMA LÍNGUA Qual é o valor que você e a sociedade estão dando para sua língua materna? Essa pergunta pode parecer sem fundamento, no entanto, para um país em desenvolvimento como o Brasil, não é. Ainda mais em uma realidade e em um mercado nos quais a produção de textos e a comunicação são partes fundamentais para o desenvolvimento de um país, onde faz-se necessária a fluência da língua oficial, inclusive quando tratamos do crescimento econômico nacional. As línguas possuem normas e valorização social. Normas linguísticas existem em qualquer sociedade do planeta. Entretanto, há normas diferentes em uma mesma sociedade. E ao se optar por uma delas, opta-se por valorizar um contexto. Por exemplo, um advogado não usaria termos técnicos em uma conversa pessoal com um produtor rural, tampouco o produtor rural usaria seus termos técnicos sabendo que o diálogo naquele momento não diz respeito a eles. Ao falarem para um público geral, certamente cada um desses profissionais usaria definições, conceitos e explicações de fácil compreensão, pois, como Pierre Bourdieu (1977) afirma, a língua é feita para comunicar, portanto, para ser compreendida, decifrada. Bourdieu defende que o universo social é um sistema de trocas simbólicas e que a ação social é um ato de comunicação. O uso da língua e sua valorização dependem também do momento em que se usa a língua, do local (espaço geográfico) e inclusive do nível de conhecimento do interlocutor. Isso acontece porque a língua é viva e flexível. Entre os recursos de comunicação entre usuários da língua identificam-se: O CONTEXTO SOCIAL O uso da língua deve ser formal ou informal? A CULTURA A herança de outras tradições, ou seja, a língua materna que traz traços de outras culturas advindas das de outros países pelos imigrantes. O DIALETO Cada região possui o seu e deve ser respeitado e compartilhado para crescimento entre povos. O GRAU DE ESCOLARIDADE Fator que se limita ou não pelo conhecimento construído ao longo da vida acadêmica do indivíduo e que deve ser respeitado. A PROFISSÃO Os termos técnicos são fundamentais para todo profissional, que provam seu grau de competência e ética. Entre outros. As interferências culturais e linguísticas contribuem para a formação do indivíduo. É esta relação que vai determinar em que classe ou contexto o sujeito será inserido e executará suas funções sociais. De fato, não é fácil fazer uso de padrões predeterminados da língua, assim esse sujeito necessitará passar por uma formação para adequar-se às formalidades linguísticas. Quando nos referimos à comunidade surda, estamos falando de uma minoria linguística e cultural, já que o traço mais marcante de uma cultura é a língua. A Libras é a língua natural usada pelos surdos do Brasil. Ela é o retrato da comunidade surda brasileira, reflete as características de seus falantes e representa seu modo de pensar e de viver. É o produto das expressões de um todo que adquire tonalidades diferentes entre os seus usuáriosna medida em que surgem as necessidades. O respeito ao povo surdo perpassa o respeito e a valorização da sua língua. Fonte:Shutterstock A VALORIZAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Fonte: Abade de l'Épée ensina a linguagem de sinais | Mundomotiva.org Para compreendermos a atual situação das línguas de sinais e da comunidade surda, nada melhor do que fazer uma breve contextualização histórica. Durante o século XVIII na Europa havia duas tendências adversas na educação dos surdos: o método francês, chamado de gestualismo, e o oralismo ou método alemão. O abade Charles Michel de l’Epée (1712-1789) e o educador Samuel Heinicke (1727-1790) são expoentes defensores dessas correntes, respectivamente. Por incrível que pareça, nesse período, muitas escolas de surdos foram criadas na Europa e os surdos tiveram a oportunidade de se profissionalizar e de ter educação em língua de sinais; eram participantes ativos da sociedade dessa época, chegando a ocupar cargos importantes, muitos surdos se tornaram professores de surdos. Segundo Capovilla e Capovilla (2004), o clérigo l’Epée iniciou na França o trabalho de instrução formal com duas surdas a partir da língua de sinais que se falava pelas ruas de Paris, datilologia ou alfabeto manual, além de sinais criados. L’Epée obteve grande êxito e criou o Instituto Real de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos), em Paris. Seu método foi adotado não só pelo instituto, mas internacionalmente, vindo a ser reconhecido como o caminho correto para a educação de surdos. Na Alemanha, concomitante aos trabalhos de l’Epée, Heinicke criou a filosofia educacional oralista, também conhecida por método alemão, que defende o ensino da língua oral como a melhor forma de educar o aluno com surdez. No dia 10 de setembro de 1880, temos um marco histórico para a comunidade surda, o Congresso de Milão. Essa data é rememorada, apesar de trazer péssimas lembranças, para que a história das ideias linguísticas possa ser explicada e compreendida. O Congresso de Milão é descrito como um episódio obscuro na história da educação dos surdos, com duração de três dias, quando um grupo de ouvintes resolveu que a língua de sinais deveria ser excluída do ensino dos surdos, sendo substituída pelo oralismo. Os surdos, a partir desse momento, não poderiam fazer uso das línguas de sinais, tampouco os professores poderiam usar a língua de sinais como língua de instrução dos surdos. A intenção foi de que o oralismo desenvolvesse a fala dos surdos, já que na concepção de muitos ouvintes, os surdos eram somente surdos e não mudos, portanto, a fala não estaria prejudicada. Alexander Graham Bell (1847-1922), famoso inventor do telefone, era um grande defensor da filosofia oralista e teve enorme influência na votação do congresso. Graham Bell veio a se casar com uma surda, Mabel, de família que tinha tradição em educação de surdos na Europa, embora sua família aceitasse a língua de sinais. No Congresso de Milão, postulou-se que os surdos deveriam ser oralizados durante um ano e, se não trouxesse resultado, poderiam então ser expostos à língua de sinais. Durante o fim do século XIX e grande parte do século XX, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos, sendo que a luta entre o oralismo e a língua de sinais continua até os nossos dias de alguma forma. Em seu livro sobre educação dos surdos e aquisição da língua de sinais, Quadros (1997) afirma que a permissão ou não para o uso de línguas espaciais-visuais interferiu no processo histórico e na vida das pessoas pertencentes a comunidades surdas. Fonte:Shutterstock Alexander Gaham Bell, sua esposa Mabel Bell e suas filhas | Wikipedia.org A partir do movimento dos surdos na Suécia, a Federação Mundial dos Surdos decidiu que o dia 10 de setembro seria o dia internacional de valorização das línguas de sinais. Quando falamos aqui em línguas de sinais no plural, estamos falando de línguas de sinais de cada um dos países, pois não há uma universal, ou seja, cada país tem sua estrutura gramatical própria. Ainda em relação ao Congresso de Milão, ocorrido em setembro de 1880, é importante observar que nesse mês ocorrem muitas manifestações oriundas de decisões tomadas pela comunidade surda. Elas acontecem em vários países do mundo. São movimentos surdos com o intuito de divulgar as línguas de sinais e provar para as sociedades que se trata de língua reconhecida e que traz resultados satisfatórios para o ensino dos surdos. Segundo Brito (1993), as línguas de sinais, por serem naturais e de fácil acesso para os surdos, são extremamente importantes para o preenchimento da função cognitiva e suporte do pensamento. Esses eventos, além de promover o reconhecimento da língua, ainda propiciam o respeito pelo seu uso (respeito pela língua de sinais e pelos surdos); por isso, o mês de setembro ficou conhecido pela comunidade surda como Setembro Azul. O QUE É SETEMBRO AZUL? O Setembro Azul é o mês da comunidade surda internacional e objetiva conscientizar e homenagear essa população. A promoção do respeito e a valorização da língua de sinais nos mais diversos países vêm por meio do reconhecimento do mal causado ao povo surdo pela decisão dos participantes e representantes de todos os países do mundo no Congresso de Milão em 10 de setembro de 1880. Essa data marcou a comunidade surda em todo o mundo. Fonte:Shutterstock Imagem da Campanha Setembro Azul da Secretaria de Educação do Governo do Estado de Minas Gerais | Educacao.mg.gov.br Fonte:Shutterstock Sede do INES no Rio de Janeiro | Mapa.an.gov.br/ No Brasil, em 26 de setembro de 1857, foi inaugurada a primeira escola de surdos. Atualmente conhecida como INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), a escola fica na cidade do Rio de Janeiro e propicia ensino especializado para crianças surdas. A data é comemorada pela comunidade surda no território brasileiro e oficializada pelo Decreto-lei n. 11.796, em 29 de outubro de 2008. Sobre a fita azul, a cor remete a outra história triste para as pessoas surdas ou com outras deficiências. Conta-se que essa simbologia vem da Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas, na tentativa de se livrarem daquelas pessoas que para eles eram consideradas inferiores, identificavam com uma faixa azul no braço todas as pessoas consideradas inválidas, e entre elas estavam os surdos. Os identificados, tanto na Alemanha ou na Áustria, deveriam ser executados. Essa medida foi responsável pela morte de mais de 20.000 pessoas com deficiência. A fita azul voltou a ser usada pela comunidade surda, mas agora trazendo o símbolo do orgulho de ser surdo, com histórias que edificam a trajetória de milhares de surdos, tanto aqueles de outros países quanto dos nossos surdos brasileiros. A professora Fernanda Soares de Castro conta um pouco mais sobre o Setembro Azul e a valorização das línguas de sinais. Fonte:Shutterstock Sede do INES no Rio de Janeiro | wikipedia.org Agora tratemos de um marco positivo e de valorização das línguas de sinais: o advento dos estudos descritivos, que são recentes e tiveram início com as pesquisas da língua de sinais americana (American Sign Language – ASL) realizadas por Stokoe (1960). A publicação seminal de Sign Language structure: an outline of the visual communication system for the american deaf (1965) trouxeram as línguas de sinais para dentro da academia. Stokoe é tido como o pai da linguística das línguas de sinais e provou que elas são línguas naturais, apresentando uma análise descritiva da estrutura da ASL e dos elementos linguísticos que compõem a língua de sinais. No Brasil, os primeiros trabalhos sobre a língua de sinais brasileira (Libras) são de Brito (1984, 1986, 1995) e, posteriormente, Quadros & Karnopp (2004). Esses estudos foram fundamentais para o reconhecimento do status linguístico das línguas de sinais, permitindo desenvolvimentos teóricos e metodológicos de análise de línguasde sinais, de sua estruturação interna e gramática. Stokoe afirmou que a língua de sinais tinha os mesmos parâmetros linguísticos das línguas orais, sendo eles: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Os estudos descritivos das línguas de sinais e o fracasso da filosofia oralista culminaram no surgimento da filosofia da comunicação total, que usa todas as formas de comunicação possíveis na educação dos surdos. Essa abordagem concentra-se no aspecto pragmático da comunicação, em vez de na estrutura da linguagem. Ela também é conhecida como bimodal, já que prega o uso concomitante da língua oral e da língua de sinais. Uma dificuldade dessa abordagem é que essas duas línguas possuem tempos e estruturas diferentes, então ambas acabam corrompidas. Atualmente, a abordagem difundida para educação de surdos é o bilinguismo, que propõe que a língua de sinais deva ser adquirida como primeira língua pelas crianças surdas e, em seguida, usada como metalinguagem para que a língua da sociedade majoritária seja aprendida na modalidade escrita, e também falada, quando possível. SITUAÇÃO DA LIBRAS NO CONTEXTO ATUAL Em 24 de abril de 2002, a Língua brasileira de sinais (Libras) se tornou reconhecida como o meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira, determinado pela Lei 10.436/2002. Em 22 de dezembro de 2005, a comunidade surda conheceu outra vitória: o Decreto 5.626, que reconhece a Libras e orienta sobre seu ensino, tornando-o obrigatório em todas as licenciaturas, na Pedagogia e na Fonoaudiologia. As legislações anteriores direcionadas à comunidade surda foram criadas com o propósito de cuidado às pessoas surdas (legislações da política de educação especial). Evidentemente, estamos longe do ideal. Infelizmente, as universidades públicas e privadas ainda não aplicam a disciplina de Libras da forma como o decreto orienta. A carga horária dedicada ao ensino de Libras nessas instituições de ensino superior é inadequada. Não seria possível aprender nem mesmo o esperanto em uma carga de 20 a 60 horas. Faz-se necessário continuar as lutas em favor dos surdos brasileiros. Muito ainda há de ser feito. A começar por garantir que o decreto 5.626 saia do papel e se torne realidade para os surdos de todo território nacional. Fonte:Shutterstock A obrigatoriedade de tradutores/intérpretes de Libras (TILS), além de ser de suma importância para a acessibilidade linguística das pessoas surdas em todos os espaços, ampliou o campo de trabalho para esses profissionais, muitas vezes pertencentes à comunidade surda. No entanto, muitas pessoas ouvintes que aprendem o alfabeto manual da Libras já se dizem intérpretes. Outras ainda, que se especializam em Libras, não buscam um curso específico para ter fluência nessa língua e aprender técnicas de tradução. A contratação de profissionais sem a devida qualificação para interpretarem em salas de aulas da educação básica prejudica o aluno surdo que não tem a capacidade, e por vezes nem compreensão linguística, para dizer que não entende o intérprete. A Lei de Libras, como é popularmente conhecida, ao mesmo tempo em que assume o reconhecimento da língua, impõe a modalidade escrita do português como sendo insubstituível. Conserva-se assim o conceito hierárquico da língua portuguesa sobre a Libras. No artigo 1º e no primeiro parágrafo da referida lei, não há referência explícita ao uso receptivo da Libras, mas é citada como meio legal de comunicação e expressão. Há a ênfase no caráter expressivo da língua, fato corroborado com o último parágrafo, que assume uma posição em que a língua de sinais não pode substituir o português em sua modalidade escrita. As línguas existem para servir às pessoas e não o contrário. No caso da educação de surdos, a comunidade surda se torna refém do aprendizado de uma língua que prioritariamente usa itens inacessíveis a ela – os sons. Nesse sentido, o aprendizado do português, na verdade, torna-se não apenas um direito da comunidade surda, mas uma obrigação para que os cidadãos surdos possam exercer seus deveres e seus direitos na sociedade. O reconhecimento legal das línguas de sinais é um passo importante na conquista de direitos e impacta positivamente no planejamento linguístico. No entanto, a aplicabilidade prática da lei não é suficiente para o exercício pleno de direitos. O planejamento linguístico colocado nesses documentos deve prever recursos humanos e financeiros necessários para atingir os objetivos desejados. Fonte:Shutterstock Vemos que a planificação do status da Libras ainda é algo não constituído em nosso país e isso interfere nos desdobramentos das políticas educacionais e da saúde. O que temos, neste momento, é a planificação do corpus, ou da estrutura da língua, e a planificação do status da Libras. Esta última é também conhecida como normatização linguística e pretende estabelecer um papel para determinada língua em uma sociedade, de acordo com as necessidades apontadas pelos indivíduos que a usam. É o que se pretende com a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005. Esse processo não deve ser realizado apenas pelo Estado, lugar de onde é disparado tal processo, mas deve haver a participação e o esforço conjunto para que a língua alcance a posição almejada de forma consensual. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1) O QUE FOI DECIDIDO NO CONGRESSO DE MILÃO EM 1880? A) Que a língua de sinais deveria ser o método utilizado na educação dos surdos. B) Que a língua esperanto deveria ser o método utilizado na educação dos surdos. C) Que o oralismo deveria ser o método utilizado na educação dos surdos. D) Que a língua de sinais não deveria ser o método na educação dos ouvintes. 2. QUAL A SITUAÇÃO DE MUITOS INTÉRPRETES DE LIBRAS ATUALMENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA? A) São todos surdos, tendo seu campo de trabalho ampliado. B) Muitos apenas conhecem a Libras, mas, sem fluência ou especialização adequada, acabam por prejudicar o aluno surdo. C) Trabalham voluntariamente e estão legalmente desprotegidos. D) São professores e ativistas, o que impede que se dediquem integralmente à educação. GABARITO 1) O que foi decidido no Congresso de Milão em 1880? A alternativa "C " está correta. No Congresso de Milão, onde professores surdos não puderam votar, foi decidido que o método a ser adotado oficialmente para a educação dos surdos seria o oralismo, em detrimento do gestualismo, e as línguas de sinais ficaram oficialmente proibidas. 2. Qual a situação de muitos intérpretes de Libras atualmente na educação básica? A alternativa "B " está correta. Apesar da importância para a acessibilidade linguística das pessoas surdas em todos os espaços, é necessário que os tradutores/intérpretes estejam realmente capacitados e aprendam técnicas de tradução, caso contrário não apenas não ajudam, como podem ainda atrapalhar o desenvolvimento do aluno surdo na educação básica. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Abordamos neste tema as relações entre políticas linguísticas e comunidades surdas, bem como as relações entre as línguas de sinais, que são de grupos minoritários, e as línguas escritas das comunidades ouvintes majoritárias. Aprendemos um pouco sobre a interlíngua nos estudos da Interlinguística e vimos como diferentes correntes teóricas interpretam a aquisição e a aprendizagem das línguas. Identificamos os marcos históricos que esculpiram a educação de surdos e a situação atual das línguas de sinais no Brasil e no mundo. Reconhecemos o sentido da valorização das línguas e suas raízes, seus conflitos, além da legitimação da Libras enquanto língua. Por incrível que pareça, as línguas de sinais ainda são vistas como inapropriadas na educação e na vida dos surdos; são tidas como mímica e pantomima, estereotipadas e incompletas. Portanto, as campanhas dos movimentos surdos em prol do reconhecimento das línguas de sinais objetivam quebrar um longo padrão de percepção sobre as línguas de sinais e seu poder. REFERÊNCIAS BAALBAKI,A. C. F.; ANDRADE, T. D. S. Plurilinguismo em cena: processos de institucionalização e de legitimação de línguas indígenas. In: Policromias, Junho, 2016. BARBOSA, F. V. ; NEVES, S. L. G. ; BARBOSA, A. F. Política linguística e ensino de português como segunda língua. In: ALBRES, N. A.; NEVES, S. L. G. (Org.). Libras em Estudo: Política Educacional. São Paulo: FENEIS, 2013, v. 1, p. 119-138. BATISTA, M. C.; DAMACENO, N.; LÁSCAR ALARCÓN, Y. G. Competência e desempenho: armadilhas da comunicação? In: Revista Desempenho, v. 1, n. 16, 3 out. 2015. BLUME, B. A. Quem pode criar leis? In: Politize, 2015. BOURDIEU, P. Cultural Reproduction and Social Reproduction. In: KARABEL, J.; HALSEY, A. H. Power and Ideology in Education. Nova York: Oxford University, 1977. p.487-511. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. BRASIL. Casa Civil. Lei 10.436/2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e dá outras providências. Brasília, 2002. BRITO, L. F. Integração social e educação de surdos. Rio de Janeiro: Babel, 1993. CALAZANS, M. E.; CASTRO, M. G.; PIÑEIRO, E. América Latina: corpos, trânsitos e resistências. v. 1. Porto Alegre: Editora Fi, 2018. CAPOVILLA, F. C.; CAPOVILLA, A. G. S. Educação da criança surda: evolução das abordagens. In: CAPOVILLA, F. C. (Org.) Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar. 2. ed., p. 221-248. São Paulo: Memnon, Capes, e Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. CHOMSKY, N. Syntactic Structures. A Haia: Mouton, 1957. CORRÊA, M. S. Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimento linguístico. São Paulo: Loyola, v. 1, 2006. FERRARI, M. Antonio Gramsci, um apóstolo da emancipação das massas. In: Nova Escola, 2008. HOUAISS, A.; VILLAR, M. D. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. KAPLAN, R. B.; BALDAUF, R. B. Language Planning. From Practice to Theory. Clevedon: Multilingual Matters Ltd., 1997. LENS, C. O conceito de língua na obra de Antonio Gramsci. In: Cadernos do IL. Porto Alegre, 2019. p. 242-254. LIDEN, V. C. A constituição da competência linguística no processo formativo dos alunos. Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa como requisito para a conclusão do Curso de Letras-Libras, Florianópolis, 2014. 57f. LIMA-SALLES, H. M. Bilinguismo dos surdos: questões linguísticas e educacionais. Goiânia: Cânone Editorial, 2007. MORATO, E. M. Da noção de competência no campo da Linguística. São Paulo: Parábola Editorial. 2008. MORELLO, R. Leis e Línguas no Brasil: o processo de cooficialização e suas potencialidades. Florianópolis: IPOL, 2015. 140p. QUADROS, R. M. D. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 2008. RODRIGUES, C. S.; VALENTE, F. Aspectos Linguísticos da Libras. Curitiba: IESDE, 2012. SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Cia das Letras, 1998. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini; José Paulo Paes e Izidoro Bilikistein. São Paulo: Cultrix, 1995. SKLIAR, C. B. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos surdos. In: SKLIAR, C. B. (Org.). Educação e exclusão: abordagens socioantropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. p. 105-153. SPOLSKY, B. Language Policy: Key Topics in Sociolinguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. STOKOE, W. C. Sign Language Structure: An Outline of the Visual Communication System for the American Deaf. Buffalo, NY: Buffalo University, 1960. STOKOE, W. C.; CASTERLINE, D.; CRONEBERG, C. G. A Dictionary of American Sign Language on Linguistic Principles. Silver Spring, MD: Linstok Press, 1965. EXPLORE+ Leia a obra Libras em Estudo: Política Linguística, organizada por Neiva de Aquino Albres e Sylvia Lia Grespan Neves. Leia o texto Adaptação de empréstimos em esperanto, de Karina Gonçalves de Souza de Oliveira. CONTEUDISTA Fernanda Grazielle Soares de Castro CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
Compartilhar