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Diagnóstico da Hanseníase

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HANSENÍASE
A Hanseníase é uma doença infecciosa, inflamatória, granulomatosa, de curso crônico, causada pela
Mycobacterium leprae, afetando a pele e os nervos periféricos. Pode afetar todos os órgãos, com exceção
apenas do sistema nervoso central.
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
O diagnóstico da hanseníase deve ser baseado na história clínica do paciente e no exame
dermatoneurológico. O exame deve seguir as seguintes etapas:
1. Inspeção crânio-caudal (olhos, nariz, mãos, pés)
Examinar a pele em local com iluminação adequada para identificar todas as lesões cutâneas. É
importante anotar o número de lesões para a classificação em:
● Paucibacilar: até 5 lesões
● Multibacilar: mais de 5 lesões
2. Palpação dos nervos frequentemente acometidos
O exame dos nervos periféricos é essencial. Deve-se procurar déficit motores, sensitivos e
espessamento dos troncos nervosos pela palpação.
Os nervos frequentemente acometidos são:
● Membros superiores: nervo ulnar, mediano e o radial
● Membros inferiores: tibial posterior e o fibular comum
● Cabeça: nervo facial e auricular
A palpação é realizada com as polpas digitais do segundo e terceiro dedos, deslizando-os sobre a
superfície óssea, acompanhando o trajeto dos nervos, no sentido de cima para baixo. Verifica-se:
● Se o paciente se queixa de choque ou dor no trajeto no nervo
● Se há espessamento do nervo em comparação ao nervo do lado oposto → importante
comparar os lados
● Se há alteração na consistência do nervo: endurecimento, amolecimento
● Se há abcessos ou nódulos no trajeto
● Se o nervo apresenta aderências
3. Avaliação da força muscular: a partir do teste manual da exploração da força muscular, é
avaliada a capacidade de oposição à força de gravidade e a resistência manual, em cada
grupo muscular referente a um nervo específico.
4. Teste de sensibilidade nos olhos, membros superiores (mãos) e inferiores (pés)
A primeira sensibilidade perdida na hanseníase é a térmica, seguida da sensibilidade dolorosa e
tátil. É necessário que o paciente esteja de olhos fechados para não ver o local que está sendo testado.
● Teste de sensibilidade térmica: é feito utilizando tubos de ensaio com água fria e quente.
○ Antes de iniciar o exame, a pessoa que realizará o exame deve testar os tubos nela
e depois na face do paciente para verificar se estão na temperatura adequada. Logo
após, é feito o teste nas áreas de pele com lesões.
● Teste de sensibilidade dolorosa: é realizado utilizando uma agulha de insulina, que deve
ser encostada nas lesões da pele com uma leve pressão, porém sem perfurar o paciente,
nem provocar sangramento.
● Teste de sensibilidade tátil: pode ser utilizado algodão, fio dental. Deve-se buscar
diferenças de sensibilidade sobre a área de lesão e a pele normal circunvizinha.
A partir do teste de força muscular e a sensibilidade dos olhos, mãos e pés é possível avaliar o grau
de incapacidade física, que é uma medida que indica a presença de perda da sensibilidade protetora e/ou
deformidade visível em decorrência de lesão neural ou cegueira.
É uma importante ferramenta para identificar pacientes com maior risco de desenvolver reações e
novas incapacidades, durante o tratamento, no término da poliquimioterapia e após a alta
EXAMES LABORATORIAIS
Apesar do diagnóstico da hanseníase ser baseado na clínica, quando disponíveis alguns exames
podem ser ser feitos e os resultado devem ser correlacionados com as manifestações clínicas da doenças
1. Baciloscopia: é um dos exames mais úteis no diagnóstico, de fácil execução e baixo custo. Tem o
objetivo de pesquisar a presença de bacilos álcool-ácido resistentes
O resultado é apresentado como a forma de Índice Baciloscópico (IB) que vai de 0 a 6+
No paciente paucibacilar (PB), a baciloscopia geralmente é negativa (IB=0). Caso positive,
reclassificar o paciente como multibacilar (MB)
No paciente multibacilar (MB), a baciloscopia normalmente é positiva. Se for negativa, levar em
consideração o quadro clínico do paciente para classificação. Assim, deve-se manter a classificação de
multibacilar se o quadro for de hanseníase dimorfa ou virchowiana
2. Exame histopatológico (biópsia da pele)
3. Prova da histamina
Consiste na avaliação da resposta vassorreflexa a histamina, indicando a integridade e viabilidade
do sistema nervoso autonômico em dilatar os vasos cutâneos superficiais, resultando em edema.
A resposta esperada é a tríplice reação de Lewis:
1. Sinal da punctura (em até 15 segundos): lesões puntiformes avermelhadas que surgem em
resposta a penetração da agulha, é quase imediata - surge em até 15 segundos
2. Eritema reflexo (após 30 a 60 segundos): atinge de 2 a 8 cm com limites fenestrados
3. Pápula (após 2 a 3 minutos): lesão intumescida lenticular
O teste é classificado em completo ou incompleto. A prova de histamina incompleta, quando a
tríplice reação não ocorre, é altamente sugestivo de hanseníase
4. Teste de pilocarpina: é utilizado injeção intradérmica de cloridrato de pilocarpina a 1%.
○ Normalmente ocorre sudorese na área picada após 2 minutos
○ Nas lesões hansênicas ocorre anidrose → A hanseníase pode levar a alteração da função
sudoral e pode ser percebida pelo achado de áreas secas.
Tanto a prova da histamina, quanto o teste de pilocarpina, devem ser feitos em áreas sadias e
doentes, preferencialmente simétricas
5. Teste de Mitsuda: pouco empregado atualmente, pode ser útil na classificação da doença e na
definição do prognóstico
○ Consiste na aplicação intradérmica de 0,1 ml de preparado que contém 40 a 60 milhões de
bacilos mortos por ml
○ Após 48 a 72h da injecção, é observado uma reação localizada (reação de Fernandez)
○ A leitura final é feita após 28 dias, quando pode surgir uma segunda reação, a reação de
Mitsuda, caracterizada pelo aparecimento de um nódulo que pode ulcerar ou não.
○ Não possui valor no diagn´pstico, poqur pode ser encontrado de forma positiva na
população sã, que já teve contato com o bacilo mas não desenvolveu a doença.
6. Detecção de anticorpos anti-PGL-1: o antígeno glicolípide fenólico-1 (PGL-1) é específico do M.
leprae, causando a formação de anticorpos das classes IgG e IgM.
○ IgM: relacionado com a forma clínica e a atividade da doença.
○ Na hanseníase virchowiana, foi encontrado níveis aumentados do anti-PGL-1, que
diminuem com o tratamento específico
○ Na hanseníase tuberculóide, não há resposta desses anticorpos.
TRATAMENTO
É realizado pela associação de medicamentos (poliquimioterapia – PQT), sendo iniciado logo após o
diagnóstico, já na primeira consulta. Os medicamentos usados são:
● Rifampicina: dose mensal de 600 mg supervisionada
○ Único bactericida
○ Após a primeira dose o paciente deixa de ser contaminante
● Dapsona - 100 mg mensal supervisionado e 100mg diário auto administrada
● Clofazimina - 300mg mês supervisionada + 50mg diário auto administrada
O tempo de tratamento em adultos varia a depender da classificação:
1. Paciente paucibacilar: 6 doses supervisionada de 6 a 9 meses
2. Paciente multibacilar: 12 doses supervisionadas em até 18 meses
O objetivo do tratamento é eliminar a micobactéria, interromper a cadeia de transmissão e prevenir
incapacidades.
O tratamento tem variações a depender da faixa etária ou grupo
Tratamento em crianças
O peso corporal é mais importante que a idade.
● Crianças > 50 kg: utilizar mesmo tratamento que o adulto
● Crianças entre 30 a 50 kg: utilizar as cartelas infantis (marrom/azul)
● Crianças menores que 30 kg: fazer o ajuste adequado de doses
Tratamento em situações especiais
● Gravidez e lactação: em gestantes, MB ou PB, com intolerância à dapsona, o esquema terapêutico
recomendado é a associação da rifampicina com a clofazimina, pelo risco para o feto das
substâncias alternativas (ofloxacino ou minociclina).
● Mulheres em idade reprodutiva: devem ter cautela, porque a rifampicina diminui a ação dos
anticoncepcionais orais
EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
1. Dapsona: de forma geral é bem tolerado, mas pode ter umnúmero grande de reações adversas
● Reações alérgicas como avermelhamento da pele, coceira e descamação, principalmente na
face e antebraços → A conduta é interromper a medicação e mandar para a referência
● Queixas gastrintestinais, erupções cutâneas, neuropatias, hepatites tóxicas, síndrome
nefrótica, distúrbios psíquicos.
● Anemia hemolítica: efeito comum e leve em boa parte dos casos. Pode ser grave quando
há deficiência da enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase.
○ Necessidade de repetir exames hematológicos a cada 15 dias de tratamento
○ A dapsona deve ser suspensa quando os eritrócitos estiverem abaixo de 3
milhões/mm3 , hemoglobina inferior a 9 g/dL e o hematócrito inferior a 32 a 34 mL
eritroc./dL.
● Meta-hemoglobinemia: discreta, caracterizada por falta de ar com cianose de
extremidades. O efeito pode ser controlado com a administração de vitaminas do
complexo B
● Agranulocitose: rara, paciente apresenta febre e dor de gargante, determina a retirada da
dapsona.
● Síndrome da sulfona: rara, pode ocorrer nas 6 primeiras semanas de tratamento, consiste
em eritrodermia esfoliativa, febre, mal-estar, anorexia, linfadenopatia, anemia hemolítica e,
eventualmente, hepatoesplenomegalia, icterícia e púrpura.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: tem interações potencialmente perigosas com cloroquina, didanosina,
furazolidona, ganciclovir, hidroxicloroquina, metotrexato, pirimetamina, rifabutina, rifampicina e
sulfonamidas. Com relação à dapsona, corticosteróides, cumarínicos e também estrogênios diminuem os
níveis plasmáticos.
2. Clofazimina: é bem tolerada
● Coloração na pele, em um tom cinza azulado, que desaparece somente cerca de um ano
após a suspensão.
● Ressecamento grande da pele
● Prurido, urticária e alterações ungueais são eventuais
● Trato gastrointestinal: efeitos mais sérios da clofazimina, quando utilizada em doses
maiores do que 100 mg/dia.
○ Vômitos e perda de peso, levando à obstrução intestinal parcial ou completa por
depósito de cristais do medicamento no intestino delgado
3. Rifampicina
● Reações eritêmato-urticariformes-bolhosas-purpúricas, inclusive síndrome de
Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica
● Reações raras são trombocitopenia e hepatite
● Síndrome semelhante a uma gripe, flu syndrome, com febre, coriza e dores no corpo,
insuficiência respiratória, choque, anemia hemolítica e insuficiência renal por necrose
tubular aguda.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: as interações clinicamente importantes são com: saquinavir, tacrolimo,
telitromicina, triazolam, voriconazol, varfarina, amiodarona, amprenavir, aninsidiona, antiácidos,
anticoagulantes, aprepitante, atrazanir, atovaquina, corticosteroides, ciclosporina, dapsona, delavirdina,
dicumarol, digoxina, halotano, imatinibe, isoniazida, itraconazol, cetoconazol, midazolam, nelfinivir,
nifedipina, contraceptivos orais, inibidores da protease, pirazinamida e ritonavir.
● Para mulheres em idade fértil, lembrar de utilizar métodos anticoncepcionais de barreiras por sete
dias após a dose supervisionada em mulheres em idade fértil.
○ Outra opção é “esticar” a cartela de anticoncepcional para 28 dias para coincidir com a
cartela da PQT, ficando a paciente sem tomar anticoncepcional e PQT por 7 dias, sem
interferência na eficácia do tratamento.
CRITÉRIOS DE ENCERRAMENTO DO TRATAMENTO NA ALTA POR CURA
O encerramento da Poliquimioterapia (alta por cura) deve ser estabelecido segundo os critérios de
regularidade ao tratamento:
● Número de doses e tempo de tratamento
● Realizar novamente a avaliação neurológica simplificada, avaliação do grau de incapacidade
física e orientação para os cuidados pós-alta.
Em caso de aparecimento de novas lesões de pele e/ou de dores nos trajetos dos nervos periféricos
e/ ou piora da função sensitiva e/ou motora, paciente deve ser orientado para retorno imediato à unidade
de saúde.
REFERÊNCIAS
AZULAY, R. D. Dermatologia, 7. ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 2017.
BRASIL. Guia prático sobre a hanseníase. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.
Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, 2017.
COMUNICADO SBD HANSENÍASE: Mudança de esquema de tratamento da hanseníase em pacientes
paucibacilares (PB) em acordo as recomendações do Ministério da Saúde. NOTA TÉCNICA No
16/2021-CGDE/DCCI/SVS/MS e Portaria SCTIE/MS No 71
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. -3 ed. - Brasília, 2019. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA.
DERMATOLOGIA NA ATENÇÃO BÁSICA. SÉRIE CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA; N. 09. SÉRIE A. NORMAS E
MANUAIS TÉCNICOS; N. 174: Dermatologia na Atenção Básica de Saúde. 1 ed. Brasília: Ministério da Saúde,
2002.
RIVITTI, E. A, SAMPA IO, A.P.S . Manual de Dermatologia Clínica de Sampaio e Rivitti . 1º Edição. 2014. São
Paulo: Artes Médicas.

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