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Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 1 TUTORIA 2 + Discutir aspectos biológicos das bactérias (morfologia, estrutura, classificação e replicação); + Discutir os mecanismos de patogenicidade das bactérias intra e extra-celulares (porta de entrada, virulência, infecções líticas e lisogênicas); + Conceituar microbiota normal e transitória, e localizá-la; + Identificar os fatores que interferem no funcionamento da microbiota; + Descrever os mecanismos de resposta inata, especificando em bactérias intra e extracelulares – Impressão I + Citar as barreiras naturais do organismo às infecções bacterianas; + Descrever o sistema complemento, e explicar seu papel na defesa contra infecções – Impressão II + Descrever o mecanismo de agressão e evasão de bactérias intra e extracelulares; + Caracterizar os mecanismos de defesa do organismo à agressão por bactérias; + Caracterizar os sinais clínicos sugestivos de infecções bacterianas; + Caracterizar os mecanismos envolvidos na imunização ativa e passiva, e sua importância; + Conhecer os principais agentes causadores de doenças bacterianas em ambientes hospitalares, nas infecções no trato urinário e respiratório, nas infecções alimentares e na sepse. 1) DISCUTIR ASPECTOS BIOLÓGICOS DAS BACTÉRIAS (MORFOLOGIA, ESTRUTURA, CLASSIFICAÇÃO E REPLICAÇÃO); As bactérias apresentam uma estrutura relativamente simples. São organismos procariotos — organismos simples unicelulares, que não apresentam membrana nuclear, mitocôndria, complexo de Golgi, ou retículo endoplasmático — que se reproduzem por divisão assexuada. A parede bacteriana é complexa, consistindo em uma entre duas formas básicas: uma parede celular com uma camada espessa de peptidoglicano, em bactérias gram-positivas, e uma parede celular com uma camada fina de peptidoglicano e uma membrana externa sobreposta, em bactérias gram-negativas. Algumas bactérias não apresentam essa estrutura de parede celular e compensam sua falta sobrevivendo somente no interior da célula hospedeira ou em um ambiente hipertônico. O tamanho (1 a 20 μm ou maior), a forma (esferas, bastões, espirais), e o arranjo espacial (células únicas, cadeias, aglomerados) das células são utilizados para a classificação preliminar das bactérias, e as propriedades fenotípicas e genotípicas constituem a base para a classificação definitiva. O corpo humano é habitado por milhares de diferentes espécies bacterianas — algumas vivendo de forma transitória, outras numa relação parasítica permanente. Do mesmo modo, as bactérias estão presentes no ambiente que nos cerca, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos, e a comida que comemos, sendo que muitas dessas bactérias são relativamente não virulentas, mas outras são capazes de causar doenças que ameaçam a vida. A doença pode resultar do efeito tóxico de produtos bacterianos (p. ex., toxinas) ou quando a bactéria invade sítios anatômicos que são normalmente estéreis. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 2 As bactérias classificam-se morfologicamente de acordo com a forma da célula e com o grau de agregação: Quanto à forma o Coco: De forma esférica ou subesférica (do género Coccus); o Bacilo: Em forma de bastonete (do género Bacillus). Podem apresentar extremidades em ângulo reto (Bacillus anthracis); o Vibrião: Em forma de vírgula (do género Vibrio); o Espirilo: de forma espiral/ondulada (do género Spirillum); o Espiroqueta: Em forma acentuada de espiral. Quanto ao grau de agregação (Apenas os Bacilos e os cocos formam colônias). o Diplococo: De forma esférica ou subesférica e agrupadas aos pares (do género Diplococcus); o Estreptococos: Assemelha-se a um "colar de cocos"; o Estafilococos: Uma forma desorganizada de agrupamento; o Sarcina: De forma cúbica, formado por 4 ou 8 cocos simetricamente postos. o Diplobacilos: Bacilos reunidos dois a dois; o Estreptobacilos: Bacilos alinhados em cadeia. o Estruturas bacterianas e funções A estrutura da célula bacteriana é a de uma célula procariótica, sem organelas ligados à membrana celular, tais como mitocôndrias ou plastos, sem um núcleo rodeado por uma cariomembrana e sem DNA organizado em verdadeiros cromossomas, como os das células eucariotas. As principais estruturas da célula procariota incluem: nucleoide, plasmídeos, hialoplasma, membrana celular, mesossomo, parede celular, cápsulas, fimbrias e flagelos. Nucleoide O nucleoide não é um verdadeiro núcleo, já que não está delimitado do resto da célula por membrana lipídica própria. O nucleoide consiste em fibrilas de DNA dupla hélice na forma de uma única molécula. O seu tamanho varia de espécie para espécie. Na Escherichia coli, uma bactéria típica, o genoma tem quase 5 milhões de pares de bases e vários milhares de genes codificando mais de 4000 proteínas (o genoma humano tem 3 mil milhões de pares de bases e cerca de 40.000 proteínas). Tem como função carregar informações genéticas da bactéria. http://pt.wikipedia.org/wiki/Coco_%28bact%C3%A9ria%29 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Coccus&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Bacilo http://pt.wikipedia.org/wiki/Bacilo http://pt.wikipedia.org/wiki/Vibri%C3%A3o http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%ADrgula http://pt.wikipedia.org/wiki/Vibrio http://pt.wikipedia.org/wiki/Espirilo http://pt.wikipedia.org/wiki/Espiral http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Spirillum&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Espiroqueta http://pt.wikipedia.org/wiki/Espiral http://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%B3nia_%28biologia%29 http://pt.wikipedia.org/wiki/Diplococo http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Diplococcus&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Estreptococos http://pt.wikipedia.org/wiki/Estafilococos http://pt.wikipedia.org/wiki/Sarcina http://pt.wikipedia.org/wiki/Diplobacilos http://pt.wikipedia.org/wiki/Estreptobacilos Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 3 Plasmídeos Os plasmídeos são pequenas moléculas de DNA circulares que coexistem com o nucleoide, ou seja, é um DNA extra-cromossômico situado no citoplasma da bactéria. São comumente trocadas na reprodução sexuada. Os plasmideos têm genes, incluindo frequentemente aqueles que protegem a célula contra os antibióticos. Estes elementos são capazes de autoduplicação independente da replicação cromossômica e podem existir em número variável. Ex de plasmídios: fatores sexuais (fator-F), fatores de resistência a antibióticos (fator-R), plasmídio de fixação de N2, etc. Hialoplasma O hialoplasma é um líquido com consistência de gel, semelhante ao dos eucariotas, com sais, glicose e outros açúcares, proteínas funcionais e várias outras moléculas orgânicas. Contém também RNA da transcrição gênica, e cerca de 20 mil ribossomas. Os ribossomas procariotas são bastante diferentes dos eucariotas (essas diferenças foram usadas para desenvolver antibióticos usados para só afetar os ribossomas das bactérias). Membrana celular A membrana celular é uma dupla camada de fosfolípidos, com proteínas importantes (na permeabilidade a nutrientes e outras substâncias, defesa, e na cadeia respiratória e produção de energia). É composta de 60% de proteínas imersas em uma bicamada lipídica(40%). Além das interações hidrofóbicas e pontes de hidrogênio, cátions como Mg2+ e Ca2+ são responsáveis pela manutenção da integridade da membrana. Tem como funções: Transporte de solutos: a membrana plasmática atua como uma barreira altamente seletiva (mecanismo de difusão facilitada e transporte ativo), impedindo a passagem livre de moléculas e íons. Moléculas hidrofílicas polares como ácidos orgânicos, aminoácidos e sais minerias não conseguem passar livremente pela membrana e, por isso, devem ser especificamente transportadas; Produção de energia por transporte de elétrons e fosforilação oxidativa: a presença de citocromos e de enzimas da cadeia de transporte de elétrons na membrana plasmática lhe confere uma função análoga à da membrana interna das mitocondrias em células eucarióticas; Biossíntese: as enzimas de síntese de lipídios da membrana e de várias classes de macromoléculas componentes de outras estruturas externas à membrana (peptidoglicano, ácidos teicoicos, lipopolissacarídios e polissacarídios extracelulares) estão ligadas à membrana citoplasmática; http://pt.wikipedia.org/wiki/RNA http://pt.wikipedia.org/wiki/Ribossoma http://pt.wikipedia.org/wiki/Membrana_celular Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 4 Duplicação do DNA: algumas das proteínas do complexo de duplicação de DNA estão localizadas na membrana plasmática; Secreção: macromoléculas como toxinas, bacteriocinas, penicilinases podem também ser secretadas através da membrana plasmática. OBS1: Algumas espécies de bactérias têm uma camada externa de polissacarídeos que protege contra desidratação e pode garantir resistência à antimicrobianos, chamada de cápsula. Mesossomo A membrana citoplasmática bacteriana pode apresentar invaginações multiplas que formam estruturas especializadas denominadas de mesossomos. Existem dois tipos: Septal: desempenha papel importante na divisão celular, pois, após a duplicação do DNA, ao qual se encontra ligado, atua como o fuso no processo de divisão na célula eucariótica, separando os dois cromossomos e conduzindo-os para os pólos da célula. Lateral: encontrado em determinadas bactérias e parece ter como função concentrar enzimas envolvidas no transporte eletrônico, conferindo à célula maior atividade respiratória ou fotossintética. Parede celular A parede celular bacteriana é uma estrutura rígida que recobre a membrana citoplasmática e confere forma às bactérias. É uma estrutura complexa composta por peptidoglicanos, polímeros de carboidratos ligados a proteínas como a mureína, com funções protetoras. A parede celular é o alvo de muitos antibióticos. Ela contém em algumas espécies infecciosas a endotóxina lipopolissacarídeo (LPS) uma substância que leva a reação excessiva do sistema imunitário, podendo causar morte no hóspede devido a choque séptico. É por meio da parede celular e da Técnica de Coloração Gram (nome em homenagem a Christian Gram) que se pode classificar o tipo de bactéria. As paredes de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas apresentam diferenças marcantes. Bactérias Gram-negativas possuem uma parede composta de várias camadas que diferem na sua composição quimica e, consequentemente, é mais complexa que a parede das Gram-positivas que, apesar de ser mais espessa, apresenta predominantemente um único tipo de macromolécula. O conhecimento das diferenças entre as paredes de bactérias Gram-positivas e Gram- negativas é da mais alta relevância para o estudo dos mecanismos de ação dos quimioterápicos, de patogenicidade e de outros tantos assuntos que estarão relacionados diretamente à composição química e estrutura da parede bacteriana. http://pt.wikipedia.org/wiki/Mure%C3%ADna Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 5 Na maioria das bactérias, a parede celular deve a sua rigidez a uma camada composta por uma substância somente encontrada em procariotos e que recebe diferentes denominações como: mureína, mucopeptídeo, mucocomplexo, peptidoglicano ou glicopeptídeo. O peptidoglicano representa a maior parte da parede das bactérias Gram- positivas, atingindo de 15% a 50% da massa seca da bactéria, ao passo que nas Gram-negativas não ultrapassa 5%. Trata-se de uma macromolécula formada por um arcabouço composto de uma alternância de N-acetil- glicosamina (NAG) e ácido N-acetilmurâmico (NAM). A este ultimo, encontram-se ligadas, covalentemente, cadeias laterais de tetrapeptídeos (L-alanina, D-glutamato, mesodiaminopimelato e D-alanina). O número de interligações entre as cadeias laterais de tetrapeptídeos em bactérias Gram-positivas é bem superior ao encontrado em bactérias Gram- negativas. Embora as ligações glicosídicas entre NAG e NAM sejam ligações fortes, apenas estas cadeias não são capazes de prover toda a rigidez que esta estrutura proporciona. A total rigidez do peptidoglicano é atingida quando estas cadeias são interligadas pelos aminoácidos. A forma de cada célula é determinada pelo comprimento das cadeias de peptidoglicano e pela quantidade de interligações existentes entre essas cadeias. Em contrapartida, a Gram-negativa apresenta uma dupla camada externa de lipopolissacarídeos (fosfolipídios e proteínas), ao passo que as Gram- positivas apresentam apenas uma fina camada de lipopolissacarídeos envolvendo a sua espessa camada de mucopeptídeo. Esta camada, nas Gram-positivas, geralmente é ausente. Tendo conhecimento das estruturas da parede celular de cada tipo de bactéria, pode-se fazer uso da Técnica Gram de Coloração. Faz-se uso de substancias na seguinte ordem: violeta (corante roxo) e lugol (juntos, formam o “complexo iodopararronilina” ou “complexo violeta-iodo”); trata- se a lâmina com álcool; em seguida, aplica a fucsina (corante avermelhado). As células Gram-positivas e Gram-negativas absorvem o complexo iodopararronilina, devido a ligação iônica entre os grupos básicos do corante e os grupos ácidos constituintes da parede celular. O iodo, em solução, penetra nos dois tipos de células e forma com o corante um complexo violeta-iodo. Ao fazer uso do alcool como substância descorante, nas células Gram-negativas, o mesmo dissolve o complexo corante-iodo (assim como as camadas externas de lipopolissacarídeos), elimina-o e deixa a célula incolor, a qual, ao ser corada com a fucsina, adquire a coloração avermelhada. Já nas células Gram-positivas, o álcool penetra com dificuldade na espessa camada de mucopeptídeo. A maior parte do complexo violeta-iodo permanece na célula, que retém assim, a sua coloração azulada. Bactérias Gram-positivas (parede celular espessa) Violeta + Lugol + Alcool + Fucsina Coloração Azulada Bactérias Gram-negativas (parede celular fina) Violeta + Lugol + Acool + Fucsina Coloração Avermelhada OBS2: A lisozima (enzima presente na lágrima e secreções lubrificantes do olho) quebra a ponte de ligação entre a NAG e a NAM, apresentando ação bactericida, quebrando a parede celular. Cápsula O termo cápsula é restrito a uma camada de polissacarídeos que fica ligada à parede celular como um revestimento externo da extenção limitada e estrutura definida. Nem toda bactéria apresenta cápsula, mas as que apresentam, usam-na para as seguintes funções: Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 6 Reservatóriode água e nutrientes: visto serem formadas por macromoléculas muito hidratadas, servem como proteção contra dessecação do meio e podem ser fonte de nutrientes; Aumento da capacidade invasiva de bactérias patogênicas: as bactérias encapsuladas são escorregadias e escapam à ação dos fagócitos; Aderência: as cápsulas possuem receptores que servem como sítios de ligação com outras superfícies. Ex: bactérias formadoras de cáries (Streptococcus mutans) produzem um polissacarídio extracelular que se liga ao esmalte do dente e promove o acúmulo de outros micro-organismos. Quanto maior o número de bactérias aderidas, maior a produção de ácido pela fermentação microbiana da sacarose, resultanto na desmineralização do esmalte do dente. Ex²: Formação de biofilmes: bactérias podem produzir o chamado biofilme capaz de aderir a diferentes superfícies, inclusive tubulações, que podem trazer prejuízos adversos às indústrias por causa de vazamentos por perfuração. Pili ou fímbrias Os pili são microfibrilas proteicas que se estendem da parede celular em muitas espécies Gram-negativas. Têm funções de ancoramento da bactéria ao seu meio e são importantes na patogénese. Um tipo especial de pilus é o pilus sexual, estrutura oca que serve para ligar duas bactérias, de modo a trocarem plasmídeos. (Pilus vem do Latim, que significa pêlo, cabelo. Pili - Plural; Pilus - Singular). Muitas bactérias Gram-negativas são dotadas desses apêndices filamentosos proteicos que não podem ser confundidos com flagelos. Tais apêndices – as fímbrias Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 7 (pili ou pelo) – são menores, mais curtos e mais numerosos que os flagelos e não formam ondas regulares. Suas funções são: Não desempenham papel relativo a mobilidade; Fímbria sexual: serve como porta de entrada de material genético durante a conjugação bacteriana; Outros tipos funcionam como sítios receptores de bacteriófagos; Servem como estruturas de aderência às células de mamíferos e a outras superfícies. Flagelo O flagelo é uma estrutura proteica que roda como uma hélice. Muitas espécies de bactérias movem-se com o auxílio de flagelos. Os flagelos bacterianos são muito simples e completamente diferentes dos flagelos dos eucariotas (como, no homem, os dos espermatozoides). Nem toda bactéria possui flagelo. O flagelo bacteriano confere movimento à celula e é formado de uma estrutura basal, um gancho e um longo filamento externo à membrana, sendo formado, predominantemente, pela proteína flagelina. Suas funções estão relacionadas com: Movimentação da célula: o movimeno que algumas bactérias realizam, estimuladas por fatores físicos ou quimicos, é chamada taxia (fototaxia: estimulado pela luz; quimiotaxia: estimulado por agente químico); Classificação de acordo com a quantidade de flagelos. o Componentes citoplasmáticos O citoplasma da célula bacteriana é uma solução aquosa limitada pela membrana plasmática. Imersas no citoplasma existem partículas insolúveis, algumas essenciais (ribossomos e nucleoide) e outras encontradas apenas em alguns grupos de bactérias, nos quais exercem funções especializadas como os grânulos e vacúolos gasosos. Ribossomos Partículas citoplasmáticas responsáveis pela síntese proteica, compostas de RNA (60%) e proteína (40%). Em procariotos, possuem coeficiente de sedimentação de 70S e são compostos de duas subunidades: uma maior (50S) e outra menos (30S) Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 8 Esporos bacterianos Algumas bactérias podem enquistar, formando um esporo, com um invólucro de polissacáridos mais espesso e ficando em estado de vida latente quando as condições ambientais forem desfavoráveis. Os endosporos são estruturas formadas por algumas espécies de bactérias Gram-positivas, sobretudo dos gêneros Clostridium e Bacillus, quando o meio se torna carente de água ou de nutrientes essenciais. Assim, a formação do esporo em procariotos é um tipo de diferenciação celular que ocorre como resposta a uma situação desfavorável do meio ambiente. O processo de formação do esporo dentro de uma célula vegetativa é chamado esporogênese. O pré-esporo desidratado (forma de esporo nos primeiros estágios da esporogênese, já com a maior parte da água do citoplasma eliminada) contém apenas DNA, RNA, ribossomos, enzimas e algumas quantidades de ácido dipícolínico, junto com grandes quantidades de íons cálcio. OBS3: Os vacúolos não são verdadeiros vacúolos já que não são delimitados por dupla membrana lipídica como os das plantas. São antes grânulos de substâncias de reserva, como açúcares complexos. Replicação do DNA A replicação do genoma bacteriano é desencadeada por uma cascata de eventos ligada à taxa de crescimento das células. A replicação do DNA bacteriano é iniciada em uma sequência específica do cromossomo chamada oriC. O processo de replicação necessita de uma série de enzimas, incluindo uma (helicase) capaz de desenrolar o DNA na origem de replicação e expor o mesmo; outra (primase) para sintetizar iniciadores necessários para o começo do processo; e a enzima ou as enzimas (DNA polimerases DNA-dependentes) que sintetizam a cópia do DNA, desde que haja uma sequência iniciadora a qual seja possível adicionar nucleotídeos e apenas na direção 5′ a 3′. O novo DNA é sintetizado de forma semiconservativa, utilizando-se ambas as fitas do DNA parental como moldes. A síntese do novo DNA acontece em forquilhas de replicação e se desenvolve bidirecionalmente. Uma fita (a fita líder) é copiada continuamente na direção 5′ a 3′, enquanto a outra fita (fita tardia) deve ser sintetizada na forma de diversas porções de DNA utilizando vários iniciadores de RNA (fragmentos de Okazaki). A fita tardia deve ser estendida na direção 5′ a 3′ conforme seu molde vai se tornando disponível. As peças então são conectadas pela enzima DNA ligase (Fig. 13-10). Para manter o elevado grau de exatidão exigido pela replicação, a DNA polimerase possui funções de revisão, as quais permitem à enzima confirmar que o nucleotídeo adequado foi adicionado e corrigir quaisquer erros que tenham sido cometidos. Durante a fase log de crescimento em um meio de cultura rico, diversas iniciações da replicação cromossômica podem ocorrer antes da divisão celular. Esse processo gera uma série de novelos (nested bubbles) dos novos cromossomos-filhos, cada um com seu par de forquilhas de replicação. A polimerase se move ao longo da fita de DNA, incorporando o nucletídeo apropriado (complementar) em cada posição. A replicação é completada quando as duas forquilhas de replicação se encontram a 180° da origem. O processo de replicação do DNA cria grande tensão de torção no cromossomo circular de DNA; essa tensão é aliviada pelas topoisomerases (p. ex., girase), que superenovelam o DNA. As topoisomerases são essenciais para as bactérias e são o alvo dos antibióticos da classe das quinolonas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Polissac%C3%A1rido Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 9 2) DISCUTIR OS MECANISMOS DE PATOGENICIDADE DAS BACTÉRIAS INTRA E EXTRA-CELULARES (PORTA DE ENTRADA, VIRULÊNCIA, INFECÇÕES LÍTICAS E LISOGÊNICAS); Entrada no corpo humanoPara uma infecção se estabelecer, a bactéria precisa primeiramente ganhar acesso ao interior do corpo . Os mecanismos de defesa e barreiras naturais, tais como pele, mucosa, epitélio ciliar e secreções, contêm substâncias antibacterianas (p. ex., lisozima, defensinas) que tornam difícil a penetração da bactéria no interior do corpo. No entanto, essas barreiras às vezes são quebradas (p. ex., um arranhão na pele, um tumor ou úlcera no intestino), promovendo um portal de entrada para a bactéria, ou a bactéria deve ter os meios para comprometer a barreira e invadir o corpo. Na invasão a bactéria pode se disseminar através do fluxo sanguíneo para outros sítios do corpo. A pele possui uma camada espessa e rígida (camada córnea) de células mortas que protegem o corpo da infecção. No entanto, cortes na pele, produzidos acidentalmente ou cirurgicamente ou mantidos abertos por cateteres ou outros dispositivos cirúrgicos, provêm meios de a bactéria ganhar acesso ao tecido suscetível subjacente mais profundo. Por exemplo, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis, os quais são parte da microbiota normal na pele, podem entrar no corpo através de rupturas na pele e causar um problema maior para pessoas com cateteres permanentes ou outras linhas intravenosas. A boca, o nariz, o trato respiratório, os ouvidos, os olhos, o trato urogenital e o ânus são sítios através dos quais a bactéria pode entrar no corpo. Essas aberturas naturais da pele e as cavidades corporais associadas são protegidas por defesas naturais tais quais o muco e o epitélio ciliar que limitam o trato respiratório superior, a lisozima e outras secreções antibacterianas na lágrima e no muco, e o ácido e a bile no trato GI. No entanto, muitas bactérias não são afetadas ou têm meios de evasão dessas defesas. Por exemplo, a membrana externa das bactérias Gram-negativas torna essas bactérias mais resistentes a lisozima, ácido e bile. Assim, as enterobactérias são também capazes de colonizar o trato GI. Um rompimento na barreira natural pode permitir a entrada dessas bactérias endógenas em sítios do corpo normalmente estéreis, tais como o peritônio e a corrente sanguínea, para causar doença. Colonização, adesão e invasão Bactérias diferentes colonizam partes diferentes do corpo. Essa colonização pode ocorrer na proximidade do local de entrada ou devido à presença de condições ótimas de crescimento do sítio. Por exemplo, Legionella é inalada e cresce nos pulmões, mas não se dissemina prontamente porque não tolera altas temperaturas (p. ex., 35 °C). A colonização de sítios que são normalmente estéreis implica a existência de um defeito nos mecanismos naturais de defesa ou uma nova porta de entrada. Pacientes com fibrose cística têm tais defeitos por causa da redução da função ciliar mucoepitelial e secreções mucosas alteradas; como resultado, seus pulmões são colonizados por S. aureus e P. aeruginosa. Em alguns casos a colonização requer estruturas e funções especiais para permanecer no sítio, sobreviver e obter alimento. As bactérias podem utilizar mecanismos especiais para aderir e colonizar diferentes superfícies do corpo. Se as bactérias puderem aderir às camadas de células epiteliais e endoteliais da bexiga, intestino e vasos sanguíneos, elas não poderão ser removidas, e essa aderência as permite colonizar o tecido. Por exemplo, a função natural da bexiga elimina qualquer bactéria não fixada na parede da bexiga. Escherichia coli e outras bactérias possuem adesinas que se ligam a receptores específicos na superfície do tecido e protegem os organismos de serem removidos. Muitas dessas proteínas adesinas estão presentes nas pontas das fímbrias (pili) e ligam-se firmemente a açúcares no tecido-alvo; essa atividade de Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 10 ligação ao açúcar define essas proteínas como lectinas. Por exemplo, a maioria das cepas de E. coli que causam pielonefrite produzem uma adesina fimbrial denominada fímbria P. Essa adesina pode se ligar a α-D-galactosil-β-D-galactosídeo (Gal-Gal), que é parte da estrutura de antígenos do grupo P do sangue em eritrócitos humanos e células uroepiteliais. Pili de Neisseria gonorrhoeae são importantes fatores de virulência; eles se ligam a receptores oligossacarídeos em células epiteliais. Espécies de Yersinia, Bordetella pertussis e Mycoplasma pneumoniae expressam proteínas adesinas que não são fímbrias. Streptococcus pyogenes usa ácido lipoteicoico e proteína F (liga-se à fibronectina) para ligar-se às células epiteliais. o Ações patogênicas das bactérias Destruição do Tecido Subprodutos do crescimento bacteriano, especialmente fermentação, incluem ácidos, gás e outras substâncias que são tóxicas ao tecido. Em adição, muitas bactérias liberam enzimas degradativas para romper o tecido, proporcionando nutrientes para o crescimento dos organismos e promovendo a disseminação da bactéria. Por exemplo, organismos de Clostridium perfrigens são parte da microbiota normal do trato GI mas também são patógenos oportunistas que podem estabelecer infecção em tecidos desprovidos de oxigênio e causar gangrena gasosa. Essas bactérias anaeróbias produzem enzimas (p. ex., fosfolipase C, colagenase, protease, hialuronidase), diversas toxinas, ácidos e gases provenientes do metabolismo bacteriano, que destroem o tecido. Estafilococos produzem muitas enzimas diferentes que modificam o ambiente do tecido. Essas enzimas incluem hialuronidase, fibrinolisina e lipase. Estreptococos também produzem enzimas, incluindo estreptolisinas S e O, hialuronidase, DNAses e estreptoquinases. Toxinas Toxinas são produtos bacterianos que prejudicam diretamente o tecido ou desencadeiam atividades biológicas destrutivas. Toxinas e substâncias com atividade tipo toxinas são enzimas degradativas que causam a lise celular ou de proteínas específicas que se ligam a receptores, e assim iniciam reações tóxicas num tecido-alvo específico. Em adição, endotoxinas (porção lipídica A do polissacarídeo) e proteínas superantígenos promovem estimulação excessiva ou inapropriada das respostas inata ou imune. Em muitos casos, a toxina é completamente responsável por causar os sintomas característicos da doença. Por exemplo, a toxina pré- formada presente em alimentos é responsável pela intoxicação alimentar por S. aureus e Bacillus cereus e o botulismo causado por Clostridium botulinum. Os sintomas causados pela toxina pré-formada ocorre mais cedo do que em outras formas de gastroenterites, porque o efeito é como ingerir veneno, e a bactéria não necessita crescer para os sintomas ocorrerem. Devido à toxina poder se disseminar sistematicamente pela corrente sanguínea, sintomas podem aparecer em sítios distantes do sítio de infecção, tal como ocorre no tétano, que é causado por Clostridium tetani. Exotoxinas Exotoxinas são proteínas que podem ser produzidas por bactérias Gram-positivas e Gram-negativas e incluem enzimas citolíticas e receptores de proteínas que alteram a função ou destroem a célula. Em muitos casos, o gene da toxina é codificado no plasmídeo (toxina tetânica de C. tetani, toxinas termolábeis [TL] ou termorresistentes [TR] de E. coli enterotoxigência), ou fago lisogênico (Corynebacterium diphteriae e C. botulinum). Toxinas citolíticas incluem enzimas que rompem as membranas, tais como α-toxina (fosfolipase C) produzida por C. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 11 perfringens, as quais rompemesfingomielina e outras membranas fosfolipídicas. Hemolisinas se inserem e rompem eritrócitos e outras membranas celulares. Toxinas formadoras de poros, incluindo estreptolisina O, podem promover vazamento de íons e água da célula e alterar as funções celulares ou causar lise da célula. Muitas toxinas são diméricas com subunidades A e B (toxinas A-B). A porção B da toxina A-B liga-se a receptores específicos da superfície celular, e depois a subunidade A é transferida para o interior da célula, onde ela age promovendo danos à célula (B de binding e A de action). Os tecidos-alvo dessas toxinas são bem definidos e limitados (Fig. 14-2; Tabela 14-3). Os alvos bioquímicos para toxinas A-B incluem ribossomos, mecanismos de transporte e sinalizadores intracelulares (produção de monofosfato de adenosina cíclico [AMPc], função de proteína G), com efeitos variando de diarreia até a perda de funções neurológicas e morte. As propriedades funcionais das toxinas citolíticas e outras exotoxinas são discutidas em maiores detalhes em capítulos que tratam da doença específica envolvida. Obs.: Superantígenos são um grupo especial de toxinas (Fig. 14-3). Essas moléculas ativam as células T ligando-se simultaneamente ao receptor de célula T e a uma molécula do complexo principal de histocompatibilidade classe II (MHC II) numa célula apresentadora de antígeno sem requerer o antígeno. Superantígenos ativam uma grande quantidade de células T, o que libera uma quantidade maior de interleucinas (tempestade de citocinas), incluindo IL-1, TNF, a IL-2, causando risco de morte por resposta autoimune. Essas estimulações por superantígenos da célula T podem também levar à morte células T ativadas, resultando em perda de clones de células T específicos e de suas respostas imunes. Os superantígenos incluem a toxina da síndrome do choque tóxico de S. aureus, as enterotoxinas estafilocócicas e as toxinas enterogênicas A ou C de S. pyogenes. Endotoxina e Outros Componentes da Parede Celular A presença de componentes da parede celular bacteriana age como um sinal de infecção que promove um multialarme poderoso avisando o corpo para ativar os sistemas de proteção do hospedeiro. Os padrões moleculares nessas estruturas (padrões moleculares associados a patógenos [PAMP]) ligam-se a receptores Toll-like (TLR) e a outras moléculas e estimulam a produção de citocinas (Caps. 8 e 10). Em alguns casos, a resposta hospedeira é excessiva e pode até apresentar risco à vida. A fração do lipídio A do lipopolissacarídeo (LPS) produzida por bactérias Gram-negativas é um ativador poderoso de fase aguda e reações inflamatórias, sendo denominada de endotoxina. É importante notar que endotoxina não é o mesmo que exotoxina e que apenas bactérias Gram-negativas produzem endotoxina. De forma mais fraca, respostas semelhantes às da endotoxina podem ocorrer devido a estruturas bacterianas de bactérias Gram-positivas, incluindo ácido teicoico e lipoteicoico. Bactérias Gram-negativas liberam endotoxina durante a infecção. A endotoxina liga-se a receptores específicos (CD14 e TLR4) em macrófagos, células B e outras, e estimula a produção e liberação de citocinas de fase aguda, tais como IL-1, TNF-α, IL-6 e prostaglandinas (Fig. 14-4). A endotoxina também estimula o crescimento (mitogênico) de células B. Em baixas concentrações, a endotoxina estimula o desenvolvimento de respostas protetoras, tais como febre, vasodilatação e a ativação de resposta imune e inflamatória (Quadro 14-3). No entanto, os níveis de endotoxina no sangue de pacientes com sepse devido a bactérias Gram-negativas (bactérias no sangue) podem ser muito altos, e a resposta sistêmica para isso pode ser avassaladora, resultando em choque e possível morte. Altas concentrações de endotoxina também podem ativar Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 12 um caminho alternativo de complemento e produção de anafilatoxinas (C3a, C5a), contribuindo para vasodilatação e extravasamento capilar. Em combinação com TNF-α e IL-1, isso pode levar a hipotensão e choque. Coagulação intravascular disseminada (CID) pode também resultar da ativação das vias de coagulação sanguínea. Febre alta, petéquias (manchas na pele resultantes de extravasamento capilar) e potenciais sintomas de choque (resultantes do aumento da permeabilidade capilar) associados à infecção por Neisseria meningitidis podem estar relacionados a grandes quantidades de endotoxina liberadas durante a infecção. Imunopatogênese Em muitos casos, os sintomas de infecção bacteriana são produzidos por respostas imune, inata e inflamatória excessivas deflagradas pela infecção. Quando limitada e controlada, a resposta de fase aguda aos componentes da parede celular é uma resposta antibacteriana protetora. No entanto, essas respostas também causam febre e mal-estar, e quando sistêmicas e fora de controle, a resposta de fase aguda e a inflamação podem causar sintomas associados a sepse e meningite com risco à vida (Fig. 14-4). Neutrófilos ativados, macrófago e complemento podem causar dano nos sítios de infecção. A ativação do complemento também podem causar liberação de anafilatoxinas que iniciam a permeabilidade vascular e o extravasamento capilar. A tempestade de citocinas geradas pelos superantígenos e endotoxina pode causar choque e interrupção da função corpórea. Formação de granuloma induzido por células T CD4 e macrófagos em resposta a Mycobacterium tuberculosis também pode levar à destruição do tecido. Respostas autoimunes podem ser deflagradas por proteínas bacterianas, tais como a proteína M de S. pyogenes, a qual antigenicamente imita o tecido do coração. Os anticorpos antiproteína M reagem cruzadamente e podem iniciar dano ao coração para causar febre reumática. Complexos imunes depositados no glomérulo do rim causam glomerulonefrite pós-estreptocócica. Para Chlamydia, Treponema (sífilis), Borrelia (doença de Lyme) e outras bactérias, a resposta imune do hospedeiro é a principal causa de sintomas de doença em pacientes. Mecanismos de Escape às Defesas do Hospedeiro Bactéria são parasitas, e a evasão às respostas protetoras do hospedeiro é uma vantagem seletiva. Logicamente, quanto mais a infecção bacteriana permanece no hospedeiro, mais tempo a bactéria tem para crescer e causar dano. Portanto, bactérias que podem evadir-se ou incapacitar as defesas do hospedeiro têm um potencial maior para causar doença. Bactérias evitam o reconhecimento e morte pelas células fagocíticas, inativam ou evitam o sistema do complemento e anticorpos, e até crescem dentro das células para se protegerem das respostas do hospedeiro (Quadro 14-4). A cápsula é um dos fatores de virulência mais importantes (Quadro 14-5). Essas camadas viscosas funcionam protegendo as bactérias de respostas imunes e fagocitárias. As cápsulas são normalmente constituídas de polissacarídeos, que apresentam baixa imunogenicidade. A cápsula de S. pyogenes, por exemplo, é feita de ácido hialurônico, que mimetiza o tecido conjuntivo humano, portanto mascarando a bactéria e mantendo-a sem que seja reconhecida pelo sistema imune. A cápsula também atua como uma cobertura escorregadia que é difícil de ser agarrada e que se rompe quando é capturada por um fagócito. A cápsula também protege a bactéria da destruição dentro do fagolisossomo de um macrófago ou leucócito. Todas essas propriedades podem estender o tempo da bactéria no sangue (bacteremia) antes de ela ser eliminada pelas respostas do hospedeiro. Cepas mutantes que perdem a capacidade de produzir cápsula, de bactérias que normalmente apresentam cápsula, também perdem sua virulência; exemplos de taisbactérias são o Streptococcus pneumoniae e Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 13 a N. meningitidis. O biofilme, que é feito de material capsular, pode evitar que o anticorpo e o complemento capturem a bactéria. Bactérias podem evitar a resposta dos antibióticos pela variação antigênica, pela inativação de anticorpos ou pelo crescimento intracelular. N. gonorrhoeae pode variar a estrutura da superfície de antígenos para evitar as respostas de anticorpos e também produz uma protease que degrada imunoglobulina A (IgA). S. aureus produz uma proteína IgG ligante, proteína A, que evita que o anticorpo ative o complemento ou uma opsonina e mascara a bactéria contra detecção. Bactérias que crescem intracelularmente incluem micobactéria, francisellae, brucela, clamídia e riquétsia (Quadro 14-6). Diferentemente de muitas bactérias, o controle dessas infecções requer respostas imunes de células T para ativar macrófagos para destruir ou criar uma parede (granuloma) ao redor das células infectadas (como para M. tuberculosis) Bactérias evitam a ação do complemento prevenindo acesso de componentes à membrana, mascarando elas mesmas, e inibindo a ativação da cascata. Um espesso peptidoglicano nas bactérias Gram-positivas e o longo antígeno O do LPS da maioria das bactérias Gram-negativas (não as espécies de Neisseria) fazem com que o complemento não tenha acesso e protegem a membrana bacteriana de ser danificada. Pela degradação do componente C5 do complemento, S. pyogenes pode limitar a quimiotaxia de leucócitos no sítio da infecção. Para compensar a falta de antígeno O, N. gonorrhoeae une o ácido siálico ao seu lipo-oligossacarídeo (LOS) para inibir a ativação do complemento. Fagócitos (neutrófilo, macrófago) são as mais importantes defesas antibacterianas, mas muitas bactérias podem evitar a morte por fagocitose de várias maneiras. Elas podem produzir enzimas capazes de promover a lise das células fagocitárias (p. ex., a estreptolisina produzida por S. pyogenes ou a α-toxina produzida pela C. perfringens). Elas podem inibir fagocitose (p. ex., os efeitos da cápsula e da proteína M produzidas por S. pyogenes) ou bloquear a morte intracelular. Mecanismos bacterianos para proteção de morte intracelular incluem bloqueio de fusão de fagolisossoma para prevenir contato com seus conteúdos bactericidas (espécies de Mycobacterium), resistência enzimática ou mediada pela cápsula às enzimas lisossômicas ou substâncias bacterianas, e a habilidade de sair do fagossomo dentro do citoplasma do hospedeiro antes de ser exposto às enzimas lisossômicas (Tabela 14-4 e Fig. 14-5). Produção de catalase por estafilococos pode quebrar o peróxido de hidrogênio pelo sistema da mieloperoxidase. Muitas bactérias que são internalizadas mas sobrevivem à fagocitose podem usar a célula para se abrigar para o crescimento e assim evitar a resposta imune; além disso, a capacidade de internalização permite que as bactérias se disseminem pelo corpo. 3) CONCEITUAR MICROBIOTA NORMAL E TRANSITÓRIA, E LOCALIZÁ- LA & 4) IDENTIFICAR OS FATORES QUE INTERFEREM NO FUNCIONAMENTO DA MICROBIOTA; Entende-se por microbiota do organismo a presença de micro-organismos que estabelecem residência permanente ou não, sem causar infecções ou nenhum outro dano ao hospedeiro em situações normais. No corpo humano a microbiota distribui-se pelas partes do corpo que estão em contato com o meio externo como pele e mucosas. A colonização destas regiões do organismo não ocorre de maneira homogênea, sendo que cada sítio possui uma microbiota com características próprias. A microbiota pode ser dividida em i) transitória ou alóctone, compreendendo os micro- organismos que permanecem por pouco tempo no organismo, sem estabelecer uma colonização significativa; ou ii) residente ou autóctone, compreendendo os micro-organismos que colonizam o organismo em Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 14 condições de simbiose com o hospedeiro, por período de tempo indeterminado, em situações normais. São vários os benefícios observados entre essa relação de simbiose entre hospedeiro e micro-organismo, tendo destaque para o antagonismo microbiano, em que a microbiota protege o hospedeiro impedindo a colonização por micro-organismos potencialmente patogênicos, através da competição por nutrientes, sítios de adesão, produção de substâncias nocivas aos patógenos e alterações das condições ambientais, como alteração de pH local e disponibilidade de oxigênio. Qualquer alteração na microbiota, portanto, pode resultar no desenvolvimento de doenças causadas por micro- -organismos patogênicos. Além disso, é importante ressaltar que a microbiota de um determinado sitio do hospedeiro pode causar infecções quando, em situações anormais, atingem outros sítios, originariamente estéreis ou compostos por uma microbiota diversa. A instalação desta microbiota ainda é um assunto em estudo. Durante a gestação, o ambiente uterino é estéril e o recém-nascido passa a ser colonizado ainda no canal vaginal materno, durante o parto normal. Crianças nascidas de parto cesáreo passam a ser colonizadas logo após o nascimento, por micro-organismos maternos, do ambiente local e da equipe médica que o manipula. Recentemente foi publicado um estudo com evidências de colonização intrauterina por bactérias simbiontes da microbiota materna, porém, ainda não há dados que expliquem o mecanismo de translocação destas bactérias para o útero materno, nem a passagem dos mesmos pela barreira placentária. Com poucos dias de vida, o recém-nascido já se encontra totalmente colonizado, porém, o tempo que a microbiota residente leva para se estabelecer pode variar, levando até dois anos para se estabilizar, como é o caso da microbiota intestinal. A evolução da instalação da microbiota ainda não é totalmente conhecida, porém, sabe- se que alguns fatores são fundamentais na primeira infância da criança, como por exemplo, condições socioeconômicas, sanitárias, alimentares e interferência medicamentosa. A seguir estão listados os diferentes sítios do organismo humano colonizados e os principais micro-organismos encontrados. Pele A pele apresenta uma microbiota residente bem definida e mais concentrada na região das axilas e períneos, apresentando cerca de 106 bact./cm2 . Nas outras regiões, a concentração bacteriana é de cerca de 104 bact./cm2 . A pele está regular e frequentemente em contato com as bactérias no meio ambiente, porém, as condições para colonizar uma pele saudável estão limitadas aos sítios anatômicos onde a umidade, a temperatura e a presença de nutrientes (como suor e sebo) permitem a sobrevivência das bactérias. A microbiota da pele encontra-se aderida à superfície do extrato córneo e no interior do folículo piloso. Uma vez que a microbiota do extrato córneo é removida por processos mecânicos ou químicos, a microbiota do folículo piloso é a responsável pela recolonização da pele, e em até 8 horas, a microbiota já está restabelecida. A população bacteriana da pele inclui principalmente bactérias Gram- positivas aeróbias obrigatórias, como Micrococcus, anaeróbias facultativas, como Staphylococcus e Corynebacterium, e anaeróbias estritas como Propionibacterium. O gênero Staphylococcus é um dos principais colonizadores da pele humana. S. epidermidis está presente como principal componente da microbiota da pele em 90% da população; já S. aureus é encontrado em torno de 10 e 40%. As mulheres, porém,apresentam altos índices de colonização na região da vulva por este micro-organismo, cerca de 60% da população feminina em idade fértil. De 50 a 70% dos profissionais de saúde que trabalham em hospitais apresentam as fossas nasais colonizadas por S. aureus. S. saprophyticus está presente como colonizador da vulva, e tem Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 15 papel importante na Infecção no Trato Urinário (ITU) em mulheres jovens. As regiões do ouvido externo e ouvido médio apresentam a microbiota semelhante à da pele. A conjuntiva é normalmente estéril, porém, pode ser colonizada por Corynebacterium xerosis e S. epidermidis. Vias Aéreas As fossas nasais são colonizadas predominantemente por Staphylococcus e Corynebacterium. Há indivíduos que após receberem antibióticos β- lactâmicos passam a serem colonizados por Klebsiella pneumoniae, E. coli e P. aeruginosa, devido à supressão ou redução da microbiota da região. Esse fato tem especial importância em indivíduos que trabalham na área da saúde. Na faringe e traqueia encontramos Streptococcus alfa- - hemolíticos e não hemolíticos, Neisseria, Staphylococcus, difteróides, Haemophilus e Mycoplasma. Os bronquíolos e alvéolos são normalmente estéreis. Trato Genital Feminino A composição da microbiota do Trato Genital feminino varia com a idade, pH, secreção hormonal, ciclo menstrual, uso de anticoncepcional e atividade sexual. Quando a menina nasce, o nível de estrogênio materno presente no organismo estimula a proliferação de Lactobacillus, gênero dominante nos primeiros seis meses de vida. A presença de Lactobacillus em mulheres saudáveis é importante na manutenção do equilíbrio da microbiota, uma vez que as bactérias deste gênero fermentam o glicogênio presente na vagina, diminuindo o valor do pH local, criando, assim, um ambiente desfavorável às bactérias com crescimento em pH neutro. Estudos recentes utilizando metodologias moleculares mostram que a microbiota vaginal em mulheres em idade reprodutiva é composta por cerca 85% de Lactobacillus, além de Gardnerella e Atopodium. Devido à contaminação com a microbiota da pele e do Trato Gastrointestinal, a microbiota da região externa da vagina pode apresentar os gêneros Staphylococcus coagulase negativo, S. saprophyticus e E. coli. Durante a pré-menarca e a menopausa, o valor do pH vaginal aumenta e a população de Lactobacillus já não é mais tão abundante, coexistindo com Corynebacterium, Staphylococcus e Escherichia. Trato Genital Masculino A microbiota da uretra é composta basicamente por Staphylococcus epidermidis, Corynebacterium, Streptococcus e E. coli. Cavidade Bucal A cavidade bucal possui uma microbiota muito diversificada, estendendo-se à superfície dos dentes, mucosas e gengiva. Estima-se que mais de 700 espécies bacterianas habitam a cavidade bucal, e mais da metade deste número são bactérias que não podem ser cultivadas, evidenciando a complexidade desta comunidade. A saliva contém 108 bactérias/ml e as placas dentais contém 1011 bactérias/cm. Os gêneros predominantes na cavidade bucal são Staphylococcus, Streptococcus, Neisseria, Bacteroides, Actinomyces, Prevotella, Porphyromonas, Treponema, e Mycoplasma. O esôfago não apresenta microbiota própria e as bactérias presentes são originadas da cavidade oral, do trato respiratório superior ou dos alimentos ingeridos. A microbiota bucal tem grande importância médica e odontológica, uma vez que algumas doenças como cárie, periodontites, actinomicoses e endocardites subagudas são causadas por membros da microbiota oral. Trato Gastrointestinal O trato gastrointestinal (TGI) alberga o maior número e a maior diversidade de coleções bacterianas que colonizam o corpo humano. Embora as bactérias possam ser encontradas em todo TGI, maior número de bactérias residem no cólon e ceco. A população microbiana do TGI seria da ordem de 1011 a 1012 UFC/ml de conteúdo intestinal, e estima-se a existência de aproximadamente 700 diferentes espécies de micro-organismos, a maioria bactérias. O estômago é caracterizado pelo pH baixo em adultos saudáveis, Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 16 limitando o nível de colonização da microbiota a 103 UFC/ml de suco gástrico. Neste ponto do TGI, os micro-organismos usualmente presentes são Lactobacillus, Streptococcus e Candida albicans e um alto percentual de pessoas são colonizados por Helicobacter pylori, porém, o reconhecimento de H. pylori como membro da microbiota estomacal ainda é discutido. O duodeno é composto por uma microbiota semelhante ao estômago e no jejuno, é observada uma colonização de 105 a 107 UFC/ml. A microbiota consiste principalmente de Streptococcus, Lactobacillus, Haemophilus, Veillonella, Bacteroides, Corynebacterium e Actinomyces. No íleo a população de bactérias é representada por 107 a 108 UFC/ml e a microbiota é composta por anaeróbios facultativos, Enterobactérias e anaeróbios obrigatórios tais como, Bacteroides, Veilonella, Clostridium, Lactobacillus e Enterococcus. O cólon apresenta a maior densidade e diversidade de micro-organismos no corpo humano, na ordem de 1010 e 1011 UFC/ml e os gêneros mais frequentemente encontrados são Bacteroides, Bifidobacterium, Escherichia coli, Clostridium, Eubacterium, Bacillus, Peptostreptococcus, Fusobacterium e Ruminococcus. De uma maneira geral, as bactérias anaeróbias facultativas como E. coli, Enterococos faecalis e E. faecium são as primeiras bactérias a colonizarem o TGI do recém-nascido, devido ao elevado teor de oxigênio que existe inicialmente. À medida que estas bactérias consomem o oxigênio, o meio se torna mais adequado para as bactérias anaeróbias estritas, como Bifidobacterium, Bacteriodes e Clostridium. Depois disso, pouco se conhece sobre quem são e como e quando se dá a entrada dos outros componentes do ecossistema digestivo. Devido a presença de produtos ácidos, originados de processos fermentativos, o valor do pH luminal é, aproximadamente, 5,5. Este ambiente levemente acidificado permite a competição entre as bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), e bactérias que utilizam carboidratos, como Bacteroides spp., além de estimular a produção de butirato. A diminuição desse valor do pH, dificulta a permanência de bactérias do gênero Eubacterium, utilizadoras de lactato, e com isso, permitem acúmulo de ácido láctico. A presença de butirato no cólon intestinal é responsável por modificações da microbiota. Os substratos butirogênicos levam a modulação da população microbiana colônica, induzindo a multiplicação de espécies produtoras de butirato e permitindo um equilíbrio entre a presença de Eubacterium spp. e Bifidobacterium spp. Bactérias produtoras de butirato são capazes de fermentar produtos do metabolismo de oligossacarídeos produzidos por bifidobactérias. Produtos intermediários de processos fermentativos de bifidobactérias da microbiota, como lactato, por exemplo, são encontrados em baixas concentrações em indivíduos saudáveis, pois são metabolizados por Eubacterium spp. O equilíbrio da diversidade na microbiota intestinal é mediado por interações bacterianas que modula a composição da microbiota controlando a densidade celular. Essas interações são observadas tanto na produção de AGCC como visto acima, como também no controle de expressão gênica por “quorum sensing” (ver capítulo 18). Bactérias benéficas controlam via “quorum sensing” a densidade polulacional de bactérias patogênicas presentesna microbiota, como Clostridium, por exemplo. A microbiota intestinal, adquirida no período pós- -natal é composta por uma grande diversidade de bactérias e desempenha diferentes funções no hospedeiro humano. O conteúdo bacteriano intestinal, ainda não totalmente conhecido, é influenciado por fatores internos e principalmente externos que, portanto modulam sua composição e função. Componentes específicos da microbiota intestinal, com destaque principalmente para as bifidobactérias, foram associados a efeitos benéficos para o hospedeiro como modulação imune e antagonismo contra patógenos, contribuindo ainda no processo de nutrição e metabolismo. Existem, em contrapartida, evidências do envolvimento da microbiota (ou da desregulação da mesma) em certos estados patológicos como a doença inflamatória intestinal e o câncer colônico. Maior destaque Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 17 tem sido dado à microbiota intestinal nas últimas décadas devido a resultados promissores, tanto preventivos como terapêuticos, com o uso dos pré e probióticos, produtos que visam modular de maneira benéfica a microbiota intestinal. A microbiota bacteriana intestinal normal tem papel fundamental na proteção ecológica do hospedeiro impedindo o estabelecimento de bactéria patogênica no TGI. Este fenômeno é conhecido como “resistência à colonização”, “interferência microbiana” ou “efeito barreira”. Entre os mecanismos usados pelas bactérias fala-se na produção de substratos que inibiriam o crescimento das bactérias patogênicas (antagonismo), competição por nutrientes e competição por sítios de adesão. A mucosa intestinal humana é a principal interface entre o sistema imunológico e o ambiente externo. O intestino é considerado o maior órgão imunológico do corpo humano, abrigando cerca de 80% das células imunológicas e é responsável pela produção de um terço de anticorpos, necessários ao Sistema Imunológico Inato e Adaptativo, além de modular as funções digestivas, imunológicas, metabólicas, endócrinas e o tropismo intestinal. A microbiota tem efeito estimulante no desenvolvimento do sistema imunológico do hospedeiro. A presença destas bactérias na luz intestinal não existe de forma “silenciosa” para o sistema imunológico, uma vez que os linfócitos B locais produzem continuamente anticorpos contra diversos componentes bacterianos. O padrão de produção de anticorpos pelos linfócitos B intestinais é diferente do sistema imunológico sistêmico, de maneira que o isótipo de imunoglobulina produzido preferencialmente é a IgA, que possui várias funções importantes na proteção das superfícies mucosas. São produzidos dímeros de IgA ligadas a um componente secretório, sendo o complexo molecular chamado IgA secretória, diferente daquela encontrada no sangue. Esta IgA secretória alcança o lúmen intestinal e reage com antígenos específicos, impedindo a interação física dos agentes nocivos com a superfície da mucosa. O efeito estimulante da microbiota no tecido imunológico do hospedeiro está envolvido em aspectos da resistência que são importantes nos estágios inicias das infecções pelos patógenos. No TGI existe um estado de modulação imunológica constante. Ao mesmo tempo em que o sistema imunológico está pronto para reagir contra bactérias patogênicas, é capaz também de se manter tolerante em relação à microbiota, sendo esta capacidade chamada de tolerância oral, que é um processo ativamente mantido. Uma terceira função atribuída à microbiota intestinal está relacionada à sua contribuição para a nutrição e metabolismo do hospedeiro. Esta contribuição pode ser evidenciada pela sua capacidade de interferir no valor do pH do intestino e na motilidade intestinal, favorecendo a absorção de íons e água e na diferenciação de células da mucosa. A microbiota ainda exerce atividade bioquímica produzindo vitamina K e outras vitaminas. Algumas diferenças são observadas na composição e no processo de colonização da microbiota dependendo do ftipo de parto. A microbiota da criança que nasce por parto vaginal é derivada inicialmente da microbiota fecal materna que contamina o canal de parto. Mais tarde a criança adquire bactérias presentes nos alimentos e no meio ambiente. Na criança que nasce por meio de parto cesáreo, não há participação da microbiota fecal materna, e o estabelecimento da microbiota intestinal normal é mais tardio. As crianças amamentadas com leite materno têm mais bifidobactérias e estafilococos na microbiota intestinal, em relação às que tomam mamadeira que têm maior número de enterococos e clostrídeos. O leite materno favorece o crescimento de alguns grupos bacterianos de importância para a saúde do hospedeiro como as bifidobacterias cujo crescimento é favorecido pelos fatores bifidi. A baixa capacidade tamponante do leite humano permite também uma melhor atuação das bactérias produtoras de ácido lático pela redução do valor do pH intestinal desfavorável ao crescimento de vários micro-organismos patogênicos. As crianças amamentadas ao seio, quando comparadas com as alimentadas artificialmente, são menos colonizadas Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 18 por enterobactérias, como E. coli e Klebsiella, sendo ainda menor o número de sorotipos de E. coli enteropatogênicos. Quando o desmame inicia, as crianças são expostas, pela primeira vez, a muitos carboidratos, diferentes e complexos. Uma quantidade significativa destes carboidratos vai escapar da digestão no intestino delgado e chegar ao cólon, assim como toda fonte de fibra dietética. Sabe-se que esses produtos servem de substratos alimentares para as bactérias colônicas e, possivelmente, influenciariam a composição da microbiota intestinal das crianças neste período de vida. Segundo estudos experimentais, o impacto da introdução de alimentos não lácteos, provavelmente persistirá até a vida adulta. O uso de antibiótico pode afetar o padrão de colonização do TGI na criança. Os agentes antimicrobianos têm efeitos específicos em componentes individuais da microbiota ao invés de uma supressão geral e não específica e o perfil microbiano resultante influencia a população que emerge após a parada do tratamento. Algumas características fazem com que determinadas bactérias sejam consideradas benéficas para os seres humanos. As bifidobactérias e os lactobacilos talvez sejam os principais representantes entre as bactérias benéficas. São micro-organismos que não apresentam nenhum fator de patogenicidade para o homem e nunca foram envolvidas em episódios infecciosos no trato gastrointestinal. Alguns fatores favorecem a implantação destas bactérias no TGI dos recém-nascidos como o “fator bífido”, nutriente presente no leite materno que favorece especificamente a instalação e atuação destas bactérias, além de características próprias deste gênero bacteriano com uma alta capacidade de adaptação destas ao trato gastrointestinal humano. A otimização da microbiota intestinal pelo uso de pré e probióticos durante o período de colonização intestinal tem sido sugerida, entretanto, ressalta-se a importância de se conhecer mais profundamente como ocorre a instalação da microbiota e quais as consequências, em longo prazo, de possíveis intervenções neste processo. As técnicas moleculares têm revelado uma grande diversidade da microbiota nas amostras analisadas. Análises filogenéticas baseadas em sequências de DNA têm sido utilizadas para caracterizar microbiota de fezes humana. A biblioteca de 16SrRNA (RNA ribossomais) vem demonstrando uma ótima técnica molecular para evidenciar a composição da microbiota intestinal. A alta especificidade e a natureza cumulativa dos bancos de dados de sequências de DNA de RNA ribossômicos têm incentivado a descoberta e o reconhecimento desta biodiversidade. As moléculas de rRNA são excelentes para a medida da inter-relação evolucionária. Em contraste com a taxonomia tradicional que é baseada nos traços fenotípicos, este tipo de taxonomia reflete a inter- relação evolucionária natural entre os organismos. Utilizando-se a sequência de ácidos nucléicos derivados diretamente da comunidade microbiana, combinado com reação de polimerase em cadeia (PCR) e clonagem, inúmeros micro-organismos, inclusive os não cultiváveis, tornam-se acessíveis para caracterização e identificação. Com o uso de técnicas moleculares avançadas, nas quais se podem examinar múltiplos organismos de múltiplos doadores, uma descrição exata da complexidade destas comunidades bacterianas pode ser obtida. Probióticos Apesar de todos os efeitos benéficos, existem evidências do envolvimento da microbiota (ou da desregulação da mesma, chamada disbiose) em certos estados patológicos, como processos alérgicos, obesidade, doença inflamatória intestinal e o câncer colônico, entre outros. Com o objetivo de tentar corrigir esses efeitos danosos da disbiose, os probióticos, prebióticos e simbióticos vem sendo estudados. Os prebióticos são substâncias não digeríveis, presentes nos alimentos, que estimulam seletivamente o crescimento e atividade de bactérias no cólon, trazendo efeitos benéficos ao hospedeiro. Além de favorecer o crescimento de bactérias benéficas para o hospedeiro, os prebióticos exercem efeito direto Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 19 sobre a saúde do hospedeiro. Inulina e oligofrutose (ou fruto- oligossacarídeos - FOS), galacto-oligossacarídeos (GOS) e lactose, são os principais compostos prebióticos. Estes compostos estão presentes naturalmente em alimentos como a cebola, o alho, chicória e o leite. No leite materno existe a presença de oligossacarídeos não absorvíveis, conhecidos como fatores bifidogênicos. Eles são substâncias prebióticas e favorecem a implantação destas bactérias no TGI dos recém-nascidos. Os prebióticos também podem ser encontrados em produtos farmacêuticos e fórmulas infantis. Estes compostos, quando fermentados pelas bactérias colônicas, levam a produção de AGCC, principalmente o acetato, o propionato e o butirato (efeito butirogênico). A maioria dos AGCC é absorvida pelo organismo humano sob a forma de energia. O butirato é oxidado e utilizado pelo próprio epitélio colônico e é considerado o AGCC com maior impacto sobre saúde epitélio intestinal. Ele cria um ambiente mais ácido, que protege contra a colonização por patógenos, possui efeito trófico no epitélio, favorece a diferenciação do enterócito, inibindo a proliferação (efeito anticarcinogênico) e possui atividade anti-inflamatória. Os probióticos são definidos como organismos vivos que proveem benefícios ao hospedeiro, quando inoculadas em quantidades adequadas. Os probióticos devem possuir pré-requisitos básicos para serem utilizados no ser humano, incluindo: ausência de propriedade virulenta, capacidade de sobreviver no ambiente gastrointestinal, capacidade de aderir às superfícies mucosas e células epiteliais e ação inibidora de patógenos. Entre os anaeróbios, alguns bacilos Gram-positivos, como Bifidobacterium spp. e Lactobacillus spp., representam as principais bactérias simbiontes benéficas, sendo algumas espécies possuem os pré-requisitos para probióticas. Deve ficar claro, portanto que, nem toda bactéria simbionte pode ser considerada probiótica. A levedura Saccharomyces boulardii também tem seus efeitos benéficos e probióticos comprovados. O potencial probiótico difere entre cepas. Cada cepa bacteriana tem sítios de aderência definidos e efeitos específicos, portanto, para cada situação clínica, existiria um, ou um conjunto de micro-organismos, com potencial efeito benéfico. Deve-se ressaltar o benefício transitório do uso do probiótico uma vez que, os probióticos utilizados atualmente, não colonizam de forma permanente o trato gastrointestinal, exercendo seu efeito apenas enquanto estão sendo consumidos pelo organismo humano. Os mecanismos através do quais os probióticos exercem seus efeitos benéficos não são totalmente conhecidos e são possivelmente multifatoriais (Figura 12.1). Estudos indicam que o uso de probióticos pode aumentar a expressão de genes envolvidos na sinalização de proteínas das junções firmes, prevenindo a ruptura da barreira intestinal e também favorecendo sua recuperação após dano. Além disso, a capacidade de adesão tem sido uma das principais características buscada nos novos probióticos. Essa propriedade é importante para que interajam com as células epiteliais e células imunes do hospedeiro, e também para que estes atuem como antagonistas da adesão de patógenos. Algumas cepas de probióticos, como Lactobacillus reuteri, Lactobacillus plantarum, Bifidobacterium lactis, Bifidobacterium bifidum e Bifidobacterium longum produzem e secretam proteínas adesinas de muco, denominadas MUB (mucus-binding protein) que ficam ancoradas na parede celular, permitindo a adesão a estruturas específicas da mucosa intestinal humana. A competição pelos sítios de adesão nas células epiteliais e na camada de muco também é um efeito benéfico das bactérias probióticas, assim como das bactérias simbiontes. Lactobacilos e bifidobacterias demonstraram inibir a adesão de uma variedade de patógenos, incluindo E. coli, Salmonella, Helicobacter pylori, Listeria monocytogenes e rotavírus. Algumas bifidobacterias e lactobacilos compartilham os mesmos receptores de adesão de certos enteropatógenos, o que justificaria a competição pelos sítios de adesão na mucosa do hospedeiro. Alguns probióticos são capazes de sintetizar ácidos orgânicos e substâncias antibacterianas denominadas bacteriocinas. Os Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 20 ácidos orgânicos, particularmente o ácido acético e o ácido lático, têm um forte efeito inibitório sobre bactérias Gram-negativas, e têm sido considerados os principais compostos antibacterianos responsáveis pela atividade inibitória dos probióticos sobre patógenos. Quando penetram a célula bacteriana, eles causam a redução do valor do pH intracelular ou o acúmulo de ácidos orgânicos ionizados, levando a morte bacteriana pela formação de poros e/ou inibição da síntese da parede celular. Foi demonstrado que determinados lactobacilos e bifidobacterias probióticas são capazes de matar diretamente a Salmonella typhimurium, in vitro. Além disto, alguns probióticos, principalmente lactobacilos, seriam capazes de produzir substancias inibidoras do crescimento de fungos. Os probióticos são capazes de interagir com o sistema imune do hospedeiro através de vários mecanismos. Bactérias probióticas têm demonstrado aumentar os níveis de IgA total e específica contra patógenos em vigência de infecção, sem induzir a produção de IgA contra o próprio probiótico. Micro-organismos simbiontes e probióticos podem induzir um estado de tolerância imunológica mediado pela ativação dos receptores do tipo Toll (TLR) na superfície das células dendríticas. Após ativação pelas bactérias probióticas, as células dendríticas iniciam uma resposta apropriada, induzindo a diferenciação do linfócitoTho em Treg, que tem um efeito inibitório sobre a resposta inflamatória Th1, Th2 e Th17. Lactobacillus induzem a diferentes perfis de secreção de citocinas pró e anti- inflamatória. Vários estudos têm demonstrado a importância da sinalização de probióticos através do TLR 2, como uma via importante para que alguns lactobacilos e bifidobaterias probióticas exerçam seu efeito imunomodulador, ora induzindo a síntese de citocinas de defesa, ora inibindo a síntese de citocinas pró-inflamatória ou induzindo a síntese de citocinas anti-inflamatórias. A utilização de algumas cepas de lactobacilos parece ter papel importante na indução de resposta de defesa contra patógenos invasores, através da sinalização do TLR 4. A sinalização através do receptor TLR 9 também parece ser uma via para obtenção de uma resposta anti-inflamatória induzida pelo probiótico. Probióticos e doenças intestinais Ao lado da terapia de reidratação oral, o uso de probióticos para diarreia aguda parece reduzir a frequência evacuatória e a duração da diarreia em 1 dia (efeito observado principalmente em países em desenvolvimento). Estudos utilizando S. boulardii, L. rhamnosus GG e outras cepas, registraram redução na ocorrência de diarreia nosocomial, redução na diarreia associada ao uso de antibiótico e redução na diarreia por Clostridium difficile. A síndrome do intestino irritável (SII) é uma das desordens gastrointestinais mais comuns dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, afetando 10% a 15% da população. Ocorrem episódios recorrentes de dor abdominal, associada a distúrbios do hábito intestinal, na ausência de doença orgânica. Tal distúrbio está relacionado a alterações da motilidade intestinal e na sensibilidade visceral. Estudos sugerem a ocorrência de alteração na composição da microbiota intestinal destes indivíduos, não estando claro se esta alteração é primária ou secundária à dismotilidade intestinal. Estudos atuais ainda sugerem que os probióticos podem ser benéficos na SII através de diversos mecanismos: redução da hipersensibilidade visceral, efeito benéfico sobre a motilidade gastrointestinal, diminuição da permeabilidade intestinal, combate a disbiose e melhor resposta imune. Várias cepas de probióticos isoladas (L. rhamnosus GG, B. infatis, B. lactis, B. bifidum) ou em associação demonstraram efeitos benéficos diversos, embora não reprodutíveis com outros tipos de probióticos. Porém, o tipo de probiótico utilizado deve ser escolhido de acordo com a sintomatologia específica do paciente. Apesar de muita expectativa, o uso dos probióticos na doença inflamatória intestinal (DII) ainda não alcançou os resultados esperados. Nenhum feito consistente foi observado na prevenção ou tratamento da doença de Crohn. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 21 Já na retocolite ulcerativa benefícios foram observados com o uso de mistura de probióticos na indução e na manutenção da remissão de doença. O impacto do Lactobacillus GG e do VSL#3, na prevenção primária e redução na recorrência de bolsite também estão bem estabelecidos. Existem evidências de que alteração na microbiota de recém-nascidos prematuros pode atuar como um dos fatores de predisposição para a enterocolite necrosante. O intestino imaturo do bebê prematuro é propenso à inflamação e perda da integridade epitelial. Os probióticos teriam o potencial de interferir neste processo. Estudo de meta-análise indica que o uso de determinados probióticos (Bifidobacterium, Lactobacillus, Saccharomyces e S. thermophilus) em prematuros, reduz a frequência e a mortalidade por enterocolite necrosante. Ainda assim a Academia Americana de Pediatria recomenda que sejam realizados mais estudos para que se estabeleça a dose e a cepa específica de probiótico que deve ser recomendada. Mudanças nos hábitos de higiene das sociedades modernas levaram a mudanças na composição da microbiota, favo- 107 recendo a maior indução de indivíduos alérgicos (chamada hipótese da higiene expandida). O uso dos probióticos tem sido sugerido como uma intervenção capaz de prevenir ou atenuar o curso das doenças alérgicas. O uso de algumas cepas de probióticos (Lactobacillus GG e B. lactis) no período neonatal pode reduzir a ocorrência de eczema, por exemplo. 5) DESCREVER OS MECANISMOS DE RESPOSTA INATA, ESPECIFICANDO EM BACTÉRIAS INTRA E EXTRACELULARES – Impressão I (extra) Imunidade a bactérias extracelulares As bactérias extracelulares são capazes de se replicar fora das células hospedeiras, por exemplo, no sangue, em tecidos conjuntivos, e nos espaços teciduais, como os lumens das vias aéreas e do trato gastrintestinal. Muitas espécies diferentes de bactérias extracelulares são patogênicas, e a doença pode ser causada por dois mecanismos principais. Em primeiro lugar, essas bactérias induzem inflamação, o que resulta na destruição dos tecidos no local da infecção. Em segundo lugar, as bactérias produzem toxinas, que têm diversos efeitos patológicos. As toxinas pode ser endotoxinas, que são componentes da parede celular bacteriana, ou exotoxinas, que são secretadas pelas bactérias. A endotoxina de bactérias Gram-negativas, também chamada de lipopolissacarídeo (LPS), foi mencionada no Capítulo 4, como um potente ativador de macrófagos, células dendríticas e células endoteliais. Muitas exotoxinas são citotóxicas e outras causam doença por vários mecanismos. Por exemplo, a toxina da difteria desliga a síntese de proteínas em células infectadas, a toxina da cólera interfere no transporte de íons e de água, a toxina do tétano inibe a transmissão neuromuscular, e a toxina antraz interrompe várias vias bioquímicas de sinalização essenciais nas células infectadas. Outras exotoxinas interferem nas funções celulares normais sem destruir as células, outras exotoxinas ainda estimulam a produção de citocinas que podem causar doença. Imunidade Inata contra Bactérias Extracelulares Os principais mecanismos de imunidade inata contra bactérias extracelulares são a ativação do complemento, a fagocitose e a resposta inflamatória. • Ativação do complemento. Os peptideoglicanos na parede celular das bactérias Gram-positivas e o LPS em bactérias Gram- negativas ativam o complemento da via alternativa (Cap. 13). As bactérias que expressam manose na sua superfície, podem se ligar à lectina de ligação a manose, que ativa complemento pela via das lectinas. Um resultado da ativação do complemento é opsonização e fagocitose aumentada de bactérias. Além disso, o complexo de ataque à membrana gerado pela ativação do complemento leva à lise de bactérias, em especial das espécies Neisseria que são particularmente suscetíveis à lise porque Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 22 possui paredes celulares finas, e os subprodutos do complemento estimulam a resposta inflamatória, recrutando e ativando os leucócitos. • Ativação de fagócitos e inflamação. Fagócitos (neutrófilos e macrófagos) utilizam receptores de superfície, incluindo os receptores de manose e receptores scavenger para reconhecer as bactérias extracelulares, e eles utilizam receptores Fc e receptores de complemento para reconhecer bactérias opsonizadas com anticorpos e proteínas do complemento, respectivamente. Os produtos microbianos ativam receptores do tipo Toll (TLRs) e vários sensores citoplasmáticos em fagócitos e em outras células. Alguns desses receptores funcionam principalmente para promover a fagocitose dos microrganismos (p. ex., receptores
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