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Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 1 TUTORIA 3 1. Caracterizar vírus, sua estrutura biológica, classificação, replicação. 2. Discutir acerca das formas de transmissão das doenças virais mais comuns. 3. Descrever os mecanismos de patogênese viral (porta de entrada, viremia primária e secundária, infecções líticas e lisogênicas). 4. Identificar principais grupos de risco para as doenças virais. 5. Descrever os mecanismos de agressão e evasão aos vírus. 6. Caracterizar os mecanismos de defesa específicos e inespecíficos da infecção contra vírus, e ainda os padrões de resposta envolvidos e células do sistema imunológico. 7. Identificar os mecanismos de lesão celular reversível e irreversível. 8. Descrever os mecanismos de reparação tecidual nas infecções virais, relacionado com os processos de adaptação e/ou morte celulares causados pela lesão. * 9. Identificar e caracterizar o papel da imunidade adquirida no mecanismo de defesa; 10. Caracterizar a dengue como grave problema de saúde pública, sua etiologia, transmissão, epidemiologia, sinais e sintomas. 11. Discutir sobre as formas de manutenção de microrganismos na população. 12. Identificar a influência dos fatores genéticos, nutricionais e psicológicos do indivíduo nos sistemas de defesa do organismo contra vírus; 13. Discutir sobre a importância da relação médico-paciente na orientação do caso, bem como prevenção e prognóstico. 14. Discutir sobre o papel social do estudante de medicina e as diversas formas de interação a fim de promover melhora da qualidade de vida das pessoas. 1. CARACTERIZAR VÍRUS, SUA ESTRUTURA BIOLÓGICA, CLASSIFICAÇÃO, REPLICAÇÃO. Os demais agentes infecciosos descritos neste livro, ou seja, bactérias, fungos, protozoários e vermes, são unicelulares ou compostos por várias células. As células são capazes de replicar-se de modo independente, podem sintetizar sua própria energia e proteínas, bem como podem ser visualizadas ao microscópio óptico. Contrariamente, os vírus não são células: são incapazes de replicar-se independentemente, não são capazes de sintetizar sua própria energia e proteínas, e exibem tamanho muito pequeno, o que impede sua visualização ao microscópio óptico. Os vírus caracterizam-se pelas seguintes propriedades: (1) Os vírus são partículas compostas por um cerne interno contendo ou DNA ou RNA (mas não ambos), recoberto por um capsídeo proteico protetor. Alguns vírus apresentam uma membrana externa lipoproteica, denominada envelope, externa ao capsídeo. Os vírus não possuem núcleo, citoplasma, mitocôndrias ou ribossomos. As células, tanto procarióticas como eucarióticas, apresentam ambos, DNA e RNA. As células eucarióticas, como células de fungos, protozoários e humanas, apresentam núcleo, citoplasma, mitocôndrias e ribossomos. As células procarióticas, como as bactérias, não são divididas em núcleo e citoplasma e não possuem mitocôndrias, porém apresentam ribossomos, podendo desse modo, sintetizar suas próprias proteínas. (2) Os vírus devem reproduzir-se (replicar-se) no interior de células, uma vez que são incapazes de gerar energia ou sintetizar proteínas. Já que são capazes de reproduzir-se apenas no interior de células, os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. (As únicas bactérias parasitas intracelulares obrigatórias são as Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 2 clamídias e riquétsias. Elas são incapazes de sintetizar energia suficiente para replicar-se de forma independente.). (3) Os vírus replicam-se de maneira distinta daquela das células; isto é, os vírus não sofrem fissão binária ou mitose. Um vírus pode replicar-se e originar uma progênie de centenas de vírus, enquanto uma célula divide-se e origina duas células-filhas. Tamanho e forma Os vírus variam de 20 a 300 nm de diâmetro; isso corresponde aproximadamente à variação de tamanho entre a maior proteína e a menor célula (ver Figura 2-2). Suas formas são frequentemente referidas em termos coloquiais, por exemplo, esferas, bastonetes, projéteis ou tijolos; todavia, na realidade, os vírus exibem estruturas complexas e de simetria geométrica precisa (ver a seguir). A forma das partículas virais é determinada pelo arranjo das subunidades repetitivas que formam o revestimento proteico (capsídeo) do vírus. Os tamanhos e as formas de alguns vírus importantes são apresentados na Figura 28-1. Ácidos nucleicos virais A anatomia de dois tipos representativos de partículas virais é apresentada na Figura 28-2. O ácido nucleico viral (genoma) situa-se internamente e pode consistir em DNA de fita simples ou dupla, ou em RNA de fita simples ou dupla.1 Apenas os vírus possuem material genético composto por DNA de fita simples ou por RNA de fita simples ou fita dupla. O ácido nucleico pode ser linear ou circular. O DNA sempre corresponde a uma única molécula, já o RNA pode apresentar-se como molécula única ou em vários fragmentos. Por exemplo, influenzavírus e rotavírus exibem genoma de RNA segmentado. Praticamente todos os vírus contêm uma única cópia de seu genoma, ou seja, são haploides. A exceção corresponde à família dos retrovírus, cujos membros apresentam duas cópias de seu genoma de RNA, isto é, são diploides. Capsídeo viral e simetria O ácido nucleico é circundado por um envoltório proteico denominado capsídeo, composto por subunidades denominadas capsômeros. Cada capsômero, consistindo em uma ou várias proteínas, pode ser visualizado ao microscópio eletrônico como uma partícula esférica, algumas vezes com um orifício central. A estrutura composta pelo ácido nucleico e pelas proteínas do capsídeo é denominada nucleocapsídeo. O arranjo dos capsômeros confere à estrutura viral sua simetria geométri ca. Os nucleocapsídeos virais exibem dois tipos de simetria: (1) icosaédrica, na qual os capsômeros são arranjados em 20 triângulos que formam uma figura geométrica (um icosaedro) de contorno aproximadamente esférico, e (2) helicoidal, na qual os capsômeros são arranjados em uma espiral oca de configuração semelhante a um bastão. A hélice pode ser rígida ou flexível. Todos os vírus humanos que apresentam nucleocapsídeo helicoidal são envoltos por uma membrana externa denominada envelope, isto é, não há vírus helicoidais nus. Os vírus que apresentam nucleocapsídeo icosaédrico podem ser envelopados ou nus (Figura 28-2). A vantagem da construção da partícula viral a partir de subunidades proteicas idênticas é dupla: (1) reduz a necessidade de informação genética e (2) propicia a Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 3 automontagem, isto é, não são requeridas enzimas ou energia. De fato, partículas virais funcionais foram montadas em um tubo de ensaio, combinando-se o ácido nucleico purificado com as proteínas purificadas, na ausência de células, fonte de energia e enzimas. Proteínas virais As proteínas virais atuam em várias funções importantes. As proteínas externas do capsídeo protegem o material genético e medeiam a ligação do vírus a receptores específicos na superfície da célula hospedeira. Essa interação das proteínas virais com o receptor celular corresponde ao principal determinante da espécie e da especificidade pelo órgão. As proteínas virais externas são também importantes antígenos que induzem anticorposneutralizantes e ativam células T citotóxicas a fim de matarem células infectadas por vírus. Essas proteínas virais externas não somente induzem os anticorpos, mas também são alvo de anticorpos, ou seja, os anticorpos ligam-se a essas proteínas virais e impedem (“neutralizam”) a penetração e replicação do vírus na célula. As proteínas externas induzem essas respostas imunes após a infecção natural e a imunização (ver a seguir). Algumas das proteínas virais internas são estruturais (p. ex., as proteínas do capsídeo dos vírus envelopados), enquanto outras são enzimas (p. ex., as polimerases que sintetizam o mRNA viral). As proteínas virais internas variam dependendo do vírus. Alguns vírus possuem uma DNA ou RNA polimerase ligada ao genoma; outros não a apresentam. Quando um vírus apresenta envelope, há uma proteína da matriz que medeia a interação entre as proteínas do capsídeo e as proteínas do envelope. Alguns vírus sintetizam proteínas que atuam como “superantígenos”, com ação similar aos superantígenos produzidos por bactérias, como a toxina da síndrome do choque tóxico de Staphylococcus aureus (ver Capítulos 15 e 58). Vírus que produzem superantígenos incluem dois membros da família de herpesvírus, isto é, vírus Epstein-Barr e citomegalovírus, bem como o vírus do tumor mamário de camundongo, um retrovírus. A atual hipótese para explicar a razão desses vírus produzirem um superantígeno refere-se ao fato da ativação de células T CD4-positivas ser requerida para que sua replicação ocorra. Alguns vírus contêm proteínas regulatórias no vírion, em uma estrutura denominada tegumento, localizada entre o nucleocapsídeo e o envelope. Essas proteínas regulatórias incluem fatores de transcrição e de tradução que controlam processos virais ou celulares. Membros da família de herpesvírus, como o vírus do herpes simples e o citomegalovírus, exibem tegumento proeminente e bem caracterizado. Envelope viral Além das proteínas capsidiais e internas, há dois outros tipos de proteínas associadas ao envelope. O envelope consiste em uma membrana lipoproteica composta por lipídeos derivados da membrana da célula hospedeira, e de proteínas vírus-específicas. Além disso, há, frequentemente na superfície, glicoproteínas na forma de projeções semelhantes a espículas, que se ligam a receptores da célula hospedeira durante a entrada do vírus na célula. Outra proteína, a proteína da matriz, medeia a interação entre as proteínas do capsídeo e o envelope. O envelope viral é adquirido à medida que o vírus deixa a célula, em um processo denominado “brotamento” (ver Capítulo 29). O envelope da maioria dos vírus é derivado da membrana externa da célula, com a Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 4 notável exceção dos herpesvírus, que derivam seu envelope da membrana nuclear da célula. Em geral, a presença de um envelope confere instabilidade ao vírus. Os vírus envelopados são mais sensíveis ao calor, ao dessecamento, a detergentes, e a solventes lipídicos, como álcool e éter, quando comparados aos vírus não envelopados (nucleocapsídeo), que são compostos apenas por ácido nucleico e proteínas do capsídeo. Uma interessante correlação clínica a partir dessa observação é que, virtualmente, todos os vírus transmitidos pela via fecal-oral (aqueles que devem sobreviver no meio ambiente) não apresentam envelope, isto é, são vírus de nucleocapsídeo nu. Exemplos incluem vírus da hepatite A, poliovírus, vírus coxsackie, echovírus, vírus Norwalk e rotavírus. Contrariamente, os vírus envelopados são transmitidos com mais frequência por contato direto, como pelo sangue ou por transmissão sexual. Exemplos destes incluem o vírus da imunodeficiência humana, o vírus do herpes simples do tipo 2 e os vírus da hepatite B e C. Outros vírus envelopados são transmitidos diretamente pela picada de insetos, por exemplo, vírus da febre amarela e vírus do Nilo Ocidental, ou por mordeduras animais, por exemplo, vírus da raiva. Vários outros vírus envelopados são transmitidos interpessoalmente por aerossóis de gotículas respiratórias, como influenzavírus, vírus do sarampo, vírus da rubéola, vírus sincicial respiratório e vírus varicela-zoster. Quando as gotículas não infectam diretamente, elas podem ressecar-se no meio ambiente, promovendo a rápida inativação de vírus envelopados. Observe que os rinovírus, transmitidos por gotículas respiratórias, são vírus com nucleocapsídeo nu e podem sobreviver no meio ambiente por períodos significativos. Portanto, também podem ser transmitidos pelas mãos após o contato com o vírus em superfícies contaminadas. As proteínas de superfície dos vírus, sejam proteínas do capsídeo ou glicoproteínas do envelope, correspondem aos principais antígenos contra os quais o hospedeiro dirige sua resposta imune aos vírus. Elas também são as determinantes da especificidade do tipo (frequentemente denominada sorotipo). Por exemplo, os tipos 1, 2 e 3 do poliovírus são diferenciados com base na antigenicidade de suas proteínas de capsídeo. É importante conhecer o número de sorotipos de um vírus, uma vez que as vacinas devem conter os sorotipos prevalentes. Frequentemente desenvolve-se pequena proteção cruzada entre sorotipos distintos. Vírus que apresentam múltiplos sorotipos, isto é, que apresentam variantes antigênicos, exibem maior capacidade de evitar nossas defesas, uma vez que os anticorpos contra um sorotipo não protegem contra outro sorotipo. Agentes do tipo viral atípicos Existem quatro exceções aos vírus típicos, conforme descrito a seguir: (1) Vírus defectivos são compostos por ácido nucleico e proteínas virais, porém são incapazes de replicar-se sem um vírus “auxiliar”, o qual confere a função ausente. Os vírus defectivos geralmente apresentam uma mutação ou uma deleção de uma porção de seu material genético. Durante o crescimento da maioria dos vírus humanos, são originadas mais partículas virais defectivas que infecciosas. A proporção entre partículas defectivas e infecciosas pode ser de 100:1. Uma vez que essas partículas defectivas podem interferir com o crescimento das partículas infecciosas, foi postulada a hipótese de que os vírus defectivos podem auxiliar na recuperação de uma infecção por limitarem a capacidade de crescimento das partículas infecciosas. (2) Pseudovírions contêm DNA da célula hospedeira, ao invés de DNA viral, no interior do capsídeo. São formados durante a infecção por determinados vírus, quando o DNA Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 5 celular é fragmentado e segmentos deste são incorporados no interior do capsídeo proteico. Os pseudovírions podem infectar células, contudo não se replicam. (3) Os viroides consistem apenas em uma única molécula de RNA circular sem envoltório proteico ou envelope. Há grande homologia entre as bases do RNA do viroide, levando à formação de extensas regiões de fita dupla. O RNA é bastante pequeno (MM 1 x 105 ) e aparentemente não codifica qualquer proteína. Apesar disso, os viroides replicam-se, porém o mecanismo por meio do qual isso ocorre é incerto. Os viroides causam diversas doenças em plantas, mas não parecem causar qualquer doença humana. (4) Os príons são partículas infecciosas compostas unicamente por proteínas, isto é, não contêm ácido nucleico detectável. Príons são implicados como a causa de determinadas doenças “lentas”, denominadas encefalopatias espongiformes transmissíveis, que incluem doenças como a doença de Creutzfeldt-Jakobem humanos e scrapie em ovelhas (ver Capítulo 44). Uma vez que DNA ou RNA não foram detectados neles, príons são nitidamente distintos dos vírus (Tabela 28-1). Além disso, a microscopia eletrônica revela filamentos em vez de partículas virais. Os príons são muito mais resistentes à inativação por luz ultravioleta e calor que os vírus. São significativamente resistentes a formaldeído e nucleases. Todavia, são inativados por hipoclorito, NaOH, e autoclavagem. O hipoclorito é utilizado na esterilização de instrumentos cirúrgicos e outros equipamentos médicos que não podem ser autoclavados. Os príons são compostos por uma única glicoproteína com massa molecular de 27.000-30.000. Empregando-se os príons do scrapie como modelo, foi descoberto que essa proteína é codificada por um único gene celular. Esse gene é encontrado em número igual nas células tanto de animais infectados como não infectados. A proteína priônica em células normais é sensível à protease, enquanto a proteína priônica em células infectadas é resistente à protease, provavelmente devido à alteração na conformação. A observação de que a proteína priônica consiste no produto de um gene celular normal pode explicar porque não há a indução de qualquer resposta imune contra esta proteína, ou seja, ocorre tolerância. De forma similar, não há qualquer resposta inflamatória no tecido cerebral infectado. Um aspecto vacuolado (espongiforme) é observado, sem a presença de células inflamatórias. As proteínas priônicas presentes no tecido cerebral infectado formam partículas bacilares morfológica e histoquimicamente indistinguíveis do amiloide, substância encontrada no tecido cerebral de indivíduos com doenças variadas do sistema nervoso central (assim como doenças em outros órgãos). Replicação viral Embora os vírus sejam diferentes no número de genes que contêm, o genoma viral deve codificar para três tipos de funções expressas pelas proteínas que sintetizam. Estas funções são: alterar a estrutura e/ou função da célula infectada, promover a replicação do genoma viral e promover a formação de novas partículas virais. Para que ocorra a replicação dos vírus é necessária a síntese de proteínas virais pela maquinaria de síntese da célula hospedeira. Essa replicação apresenta três etapas gerais: - Fixação, penetração e desnudamento: após a ligação irreversível do vírus a superfície da célula susceptível o próximo passo da infecção leva à entrada na célula de parte ou de todo vírion e na liberação do material Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 6 genômico viral. Existem quatro mecanismos básicos pelos quais os vírus podem penetrar nas células: injeção do ácido nucleico; endocitose; fusão do envelope viral; translocação. - Expressão de genomas e síntese dos componentes virais: esta infecção viral leva à produção de centenas ou milhares novas partículas virais por célula infectada. A essência deste tipo de multiplicação viral é dupla: replicação do ácido nucleico viral e produção de cápsides para conter esse ácido nucleico. –Morfogênese e liberação: alguns vírus são liberados por lise da célula hospedeira. Os vírus envelopados adquirem o envelope durante o brotamento através da membrana celular. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 7 Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 8 2. DISCUTIR ACERCA DAS FORMAS DE TRANSMISSÃO DAS DOENÇAS VIRAIS MAIS COMUNS. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 9 Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 10 3. DESCREVER OS MECANISMOS DE PATOGÊNESE VIRAL (PORTA DE ENTRADA, VIREMIA PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA, INFECÇÕES LÍTICAS E LISOGÊNICAS). Patogênese viral é o processo que ocorre durante a infecção viral de um hospedeiro. Como a infecção viral não resulta sempre em doença aparente ou imediata, a fronteira entre infecção e doença torna-se menos clara. Desta forma, é mais adequado considerar a patogênese da infecção viral, independente da produção de doença imediata ou aparente. Grande parte do conhecimento atual da patogênese viral foi obtida por estudos experimentais em modelos animais. A patogênese viral é o resultado integrado de fatores complexos e únicos, referentes a um determinado vírus, uma determinada espécie e um hospedeiro individual. Um vírus é patogênico para um hospedeiro quando pode infectar este hospedeiro. Virulência é a capacidade relativa de um vírus de causar doença; comparações de virulência só devem ser feitas para vírus relacionados, por exemplo, diferentes cepas de um mesmo vírus. Uma cepa viral mais virulenta que outra causa doença mais grave com maior frequência em um hospedeiro no qual ambas as cepas são patogênicas. A virulência depende de uma série de fatores do vírus e do hospedeiro, como dose de vírus, rota de entrada, idade, sexo, estado imune e espécie do hospedeiro. Alguns princípios são importantes com relação às doenças virais: (1) muitas infecções virais são subclínicas; (2) a mesma doença pode ser causada por vírus diferentes; (3) o mesmo vírus pode causar doenças diferentes; (4) a doença não tem nenhuma relação com a morfologia viral e (5) o resultado da infecção é determinado por características do vírus e do hospedeiro. Para muitos vírus, as infecções subclínicas ou inaparentes ocorrem em maior número que os casos clínicos sintomáticos. Em adição à infecção aguda, a interação vírus–hospedeiro pode levar a uma variedade de outros resultados, incluindo o desenvolvimento de infecções latentes ou persistentes e transformação celular. A infecção viral começa com a transmissão do vírus de um hospedeiro a outro. Essa transmissão pode ser horizontal, quando ocorre entre dois hospedeiros, e vertical, em que o vírus é transmitido à progênie. A transmissão horizontal pode ser direta, de um hospedeiro infectado para um suscetível, ou indireta, através de objetos contaminados, de um veículo, como água e alimentos ou de vetores, como os ar que transmitem os arbovírus. A transmissão vertical pode ser congênita, quando ocorre pela passagem do vírus através da placenta, como na rubéola; perinatal, durante a passagem pelo canal de parto, como os herpesvírus, ou pelo leite materno, como o HIV. Fases de Ataque ao Hospedeiro A infecção de um hospedeiro por um agente viral pode ser dividida em várias fases: penetração do vírus no hospedeiro, replicação primária, disseminação, tropismo celular e tecidual, replicação secundária, dano celular e tecidual e recuperação da infecção. - Penetração do vírus no hospedeiro São cinco as portas de entrada dos vírus num hospedeiro: a pele, o trato respiratório, o trato gastrointestinal, o trato geniturinário e a conjuntiva. Em qualquer dos casos, podem ou não ocorrer lesões locais, e a infecção pode ou não se manter localizada. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II)UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 11 Pele A penetração de vírus através da pele intacta é uma situação rara pela dificuldade de ser ultrapassada a camada impermeável de células queratinizadas. Assim, a introdução de partículas virais através da pele pode ocorrer após picada de artrópodes, como mosquitos e carrapatos (dengue, febre amarela e outros), mordedura de animais (raiva, herpesvírus símios), injeções com agulhas contaminadas, incluindo as para tatuagens e acupuntura (hepatites virais B e C, HIV) e transfusões (hepatites virais B e C, HIV). Em determinadas circunstâncias, pequenas soluções de continuidade da pele permitem a penetração de partículas virais, com produção de lesões locais (verruga por papilomavírus) ou mesmo quadros generalizados (varíola). Trato respiratório A superfície mucosa da árvore respiratória, que está em contato constante com o ambiente exterior no processo de respiração, desempenha um papel importante na penetração dos vírus em um hospedeiro. A entrada pelo trato respiratório pode ser inibida por vários fatores, como produção de muco, de proteases, de citocinas, e também pela imunidade humoral e celular. As partículas virais podem ser inaladas após transmissão aérea de gotículas de saliva contaminadas expelidas a alta velocidade, como no espirro ou na tosse, ou por contato direto, como no beijo, ou pelas mãos ou objetos contaminados (fômites). Alguns vírus, como os rinovírus, ocasionam quadros de resfriado comum, nos quais a infecção é localizada nos primeiros segmentos da árvore respiratória. Outros são responsáveis por infecções mais profundas, que atingem os alvéolos pulmonares, como, por exemplo, o vírus respiratório sincicial, causa de bronquiolite ou broncopneumonia. Numerosos vírus, como os adenovírus, vírus da influenza ou vírus do resfriado comum, ao atingirem a mucosa respiratória, ocasionam quadros clínicos localizados, como resfriados e gripes. Outros vírus penetram pela via respiratória, mas são capazes de disseminar, dando origem a quadros generalizados com exantemas, sem manifestações respiratórias acentuadas, como, por exemplo, os vírus do sarampo e da rubéola. Trato gastrointestinal O ambiente físico-químico do trato gastrointestinal parece ser extremamente inóspito para os vírus. O pH do estômago é 2,0 ou menor, e as células gástricas e pancreáticas secretam uma variedade de proteases. No duodeno, sais biliares estão presentes e o muco secretado pode conter inibidores específicos, como anticorpos, e inespecíficos da infecção viral. Assim, os vírus que infectam por esta via devem ser estáveis em pH ácido e resistentes à inativação por sais biliares e enzimas proteolíticas. Alguns vírus necessitam da ação de proteases para infectar as células do trato gastrointestinal. Por exemplo, a infectividade dos rotavírus é aumentada pela clivagem de proteína que forma as espículas virais, a VP4, com tripsina. O envelope viral, derivado da bicamada lipídica das células do hospedeiro, é sensível à dissociação pelos sais biliares. Esse fato pode explicar porque, com exceção dos coronavírus, os vírus envelopados não iniciam a infecção pelo trato entérico. Entre os vírus que utilizam essa via de penetração está a maioria dos picornavírus, entre eles os enterovírus e os vírus da hepatite A, os adenovírus, os vírus da hepatite C e os vírus causadores de gastroenterites, como os rotavírus, calicivírus e astrovírus. Os vírus Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 12 cuja porta de entrada é o tubo digestivo são eliminados pelas fezes, podendo infectar novos hospedeiros pela via fecal-oral, de forma direta ou indireta, após contaminação de água, leite ou outros alimentos. Trato geniturinário O trato geniturinário pode ser a porta de entrada de alguns vírus, tanto no homem como na mulher, durante o ato sexual. Os vírus de transmissão sexual incluem HIV, vírus herpes simples, papilomavírus humanos e vírus das hepatites B e C. Alguns, como os papiloma, produzem lesões locais e outros podem ser disseminados, como, por exemplo, o HIV. Conjuntiva A conjuntiva pode ser uma via de penetração de vírus que produzem infecções localizadas, como conjuntivites, e, mais raramente, disseminam, produzindo infecções sistêmicas. Entre os principais vírus que causam conjuntivite, estão os adenovírus e os herpesvírus. Certos tipos de enterovírus podem ocasionar lesões na conjuntiva, de maior ou menor gravidade. Têm sido descritas epidemias de conjuntivite ocasionadas pelo enterovírus 70. Este vírus pode, embora raramente, disseminar-se para o sistema nervoso central, produzindo sintomas neurológicos. - Replicação primária e disseminação Tendo penetrado em um hospedeiro suscetível, o vírus pode multiplicar-se nas células do local de entrada. A replicação primária pode determinar se a infecção vai ser localizada ou sistêmica. Os vírus que causam infecções localizadas, em geral, disseminam-se por infecção das células adjacentes, raramente atravessando a camada de células epiteliais. Entre esses, podem ser citados os vírus que causam infecções do trato respiratório superior, como influenza, parainfluenza, rinovírus e coronavírus; vírus do trato gastrointestinal, como rotavírus, e da pele, como os papilomavírus. Em alguns casos, a disseminação é controlada pela infecção de células epiteliais polarizadas e liberação preferencial pela superfície apical ou basolateral. A liberação apical favorece o desenvolvimento de infecções localizadas, e facilita a disseminação célula a célula na camada epitelial. Os vírus influenza, parainfluenza e rotavírus, entre outros, são liberados pela superfície apical. A liberação pela superfície basolateral leva, na maioria das vezes, a infecções sistêmicas, pois dirige os vírus, como, por exemplo, os vírus da estomatite vesicular, vaccínia e alguns retrovírus, para os tecidos mais profundos. A disseminação viral pode ocorrer pela via sanguínea, linfática ou neuronal. Dá-se o nome de viremia à presença de vírus na corrente sanguínea, e esta é a principal via de disseminação sistêmica dos vírus. O nível de viremia tem sido correlacionado com a severidade da doença viral aguda, com o prognóstico de doença viral crônica, como no HIV; com a extensão da disseminação viral e a com a eficiência da disseminação viral entre os hospedeiros. A inoculação direta de vírus na corrente sanguínea, ou viremia passiva, pode ocorrer por mordidas de artrópodes, agulhas contaminadas ou pela transfusão de sangue ou produtos de sangue contaminados. Após a replicação primária, os vírus podem circular na corrente sanguínea ou linfática de forma livre (exemplo: togavírus, enterovírus), ou associados a elementos celulares, como linfócitos (ex.: vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, virus da hepatite B), monócitos e macrófagos (ex.: HIV, lentivírus, sarampo, Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 13 poliovírus), hemácias (ex.: parvovírus B19), plaquetas (ex.: herpes simples, retrovírus) e neutrófilos (ex.: influenza). Os principais vírus que se disseminam através do sangue, bem como os órgãos-alvo e os locais de liberação dos vírus, estão resumidos na Figura 77.2. Outro mecanismo importante de disseminação viral ocorre através dos nervos. Esse é o mecanismo pelo qual o vírus da raiva é disseminado. Herpesvírus, poliovírus e alguns arbovírus também podem utilizar essa via de disseminação. É importante reconhecer que a viremia e a disseminação neuronalnão são processos mutuamente exclusivos. As infecções generalizadas que envolvem o sistema nervoso central constituem um processo de ocorrência rara, e os togavírus (encefalite japonesa B), os enterovírus (poliomielite e meningites) e os herpesvírus (encefalites) são os mais incriminados. A generalização pode ocorrer por via hematogênica, com passagem dos vírus através do endotélio dos pequenos vasos sanguíneos ou por difusão neural. Neste caso, há multiplicação viral nas células nervosas. Também os axônios, os linfáticos, os espaços entre as fibras nervosas, bem como as fibras nervosas do bulbo olfativo, oferecem uma via de acesso possível ao sistema nervoso central. - Tropismo celular e tecidual e replicação secundária Após a disseminação do agente viral, segue-se sua fixação e replicação nos órgãos-alvo específicos. Tropismo é a predileção de vírus para infecção de certos tecidos e não de outros. O tropismo é dependente de pelo menos quatro parâmetros. Pode ser determinado pela distribuição de receptores para adsorção do vírus (suscetibilidade) ou por precisar de produtos de determinados genes para completar a infecção (permissividade). Mesmo que uma célula seja suscetível e permissiva, a infecção pode não ocorrer porque as partículas virais são impedidas de entrar em contato com tecido (acessibilidade). Mesmo com um tecido acessível e com células permissíveis e suscetíveis a infecção pode não ocorrer devido às defesas imunes inatas e adquiridas. O destino final das partículas virais é o ambiente extravascular, com início da multiplicação viral em células suscetíveis da pele, do sistema nervoso central, do coração, do fígado, do baço, das glândulas salivares ou de outros órgãos. Existem situações, como no caso das infecções pelo vírus da hepatite B, citomegalovírus e vírus de Epstein-Barr (EB), em que a viremia pode persistir por longos períodos de tempo, até vários anos, o que constitui sério risco nas transfusões de sangue. O padrão de doença sistêmica durante uma infecção viral depende dos órgãos infectados do hospedeiro e da capacidade de os vírus infectarem populações de células nestes órgãos. Essa capacidade depende da presença de receptores virais nas células e também de outros fatores intracelulares, como fatores que afetam a expressão dos genes virais. Outro mecanismo implicado no tropismo tecidual envolve enzimas proteolíticas. Por exemplo, alguns paramixovírus só se tornam infecciosos quando uma glicoproteína do envelope é clivada por proteases. Assim, não ocorrem ciclos seguidos de replicação viral em tecidos que não expressem as enzimas apropriadas. A distribuição de vírus em tecidos é um processo dinâmico, determinado por processos que competem entre si, incluindo a velocidade da replicação viral, a presença de receptores virais específicos e outros fatores que permitem a entrada e replicação do vírus, a taxa de mutação do vírus, os genes de virulência viral, a susceptibilidade e resistência do hospedeiro, e a imunidade inata e adquirida. A distribuição de um vírus nos tecidos é uma batalha constante entre o vírus e o hospedeiro Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 14 - Dano celular e tecidual A destruição de células infectadas por vírus nos tecidos-alvos e alterações fisiológicas produzidas no hospedeiro pela injúria tecidual são responsáveis pelo desenvolvimento da doença clínica. Chama-se período de incubação de uma doença infecciosa o período compreendido entre o início da infecção, isto é, o momento em que o agente infeccioso penetra no hospedeiro, e o momento em que aparecem os primeiros sintomas. De modo geral, nas infecções localizadas, como, por exemplo, resfriado comum ou gastroenterites virais, o período de incubação é curto, da ordem de três a dez dias. Nas infecções generalizadas, como doenças respiratórias acompanhadas de exantema, ou nas viroses do sistema nervoso central, cuja porta de entrada é o tubo digestivo (poliomielite), o período de incubação tem duração média de 10 a 20 dias. Finalmente, nas doenças, como a raiva, em que o agente viral tem disseminação neural, o período de incubação é, em geral, mais longo, com duração superior a 20 dias. Em algumas doenças, pode ocorrer um período prodrômico, em que o indivíduo apresenta sintomas clínicos inespecíficos, como febre, mal-estar, cefalEia etc. Esse período é imediatamente anterior ao aparecimento dos sintomas característicos da doença. Às vezes, a infecção viral generalizada pode estar associada a quadros exantemáticos, cujo aparecimento é relacionado com a formação de complexo antígeno– anticorpo (sarampo e rubéola) e dos quais os vírus não podem ser isolados. Os vírus da varíola, varicela, herpes simples e herpes zoster podem ser isolados das lesões cutâneas, que são resultantes da multiplicação local destes vírus. - Recuperação da infecção O hospedeiro pode recuperar-se da infecção ou não. Os mecanismos de recuperação incluem a imunidade inata e a imunidade adquirida. O interferon e outras citocinas, imunidade humoral e celular e outros mecanismos de defesa são envolvidos. A importância de cada componente varia de acordo com o vírus, o hospedeiro e a doença. (ver Cap. 76). Nas infecções agudas, a recuperação é associada à eliminação do vírus do organismo. Em alguns casos, o hospedeiro permanece infectado de forma persistente. A eliminação dos vírus para o ambiente é necessária para a manutenção da infecção nas populações de hospedeiros. Esta eliminação pode ocorrer em estágios diferentes da infecção, dependendo do vírus e representa o tempo em que um hospedeiro pode infectar outros que entram em contato. 4. IDENTIFICAR PRINCIPAIS GRUPOS DE RISCO PARA AS DOENÇAS VIRAIS. Manutenção de um Vírus na População A persistência de um vírus na comunidade depende da presença de um número crítico de pessoas suscetíveis e sem memória imunológica (soronegativas). A eficiência da transmissão do vírus determina o tamanho da população suscetível necessária para a manutenção desse vírus na população. A imunização, por meios naturais ou por vacinação, é a melhor maneira de reduzir o número dessas pessoas suscetíveis. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 15 Idade A idade é fator importante na determinação da suscetibilidade às infecções virais. Neonatos, crianças, adultos e idosos são suscetíveis a vírus diferentes e apresentam respostas sintomáticas diferentes à infecção. Essas diferenças podem resultar de variações no tamanho corporal, nas habilidades de recuperação e, o mais importante, na situação de imunidade das pessoas nesses grupos etários. Diferenças em estilos de vida, hábitos, ambiente escolar e de trabalho nas diferentes idades também determinam quando as pessoas estão expostas aos vírus. Os lactentes e as crianças adquirem várias doenças virais respiratórias e exantematosas na primeira exposição, pois não têm imunidade prévia. Os lactentes estão especialmente mais propensos a apresentações mais graves de infecções respiratórias por paramixovírus e gastrenterites virais por causa de seu tamanho corporal e exigências fisiológicas (p. ex., nutrientes, água, eletrólitos). Entretanto, as crianças geralmente não montam uma resposta imunopatológica tão intensa quanto os adultos, e algumas doenças (como as causadas pelos herpesvírus) são mais benignas nas crianças. Os idosos são especialmente suscetíveis às novas infecções virais e à reativação de vírus latentes. Já que sãomenos capazes de iniciar nova resposta imune, de reparar o dano tecidual e de se recuperar, os idosos se tornam, portanto, mais suscetíveis às complicações após a infecção e a surtos de novas cepas dos vírus influenza A e B. Os idosos também estão mais suscetíveis ao herpes-zóster (cobreiro), que é uma recorrência do vírus varicela-zóster, resultante de declínio na resposta imune específica nessa faixa etária. Estado Imunológico A competência da resposta imune de uma pessoa e seu histórico imunológico determinam a rapidez e a eficiência com que a infecção é resolvida e também podem determinar a gravidade dos sintomas. A reexposição de uma pessoa a um vírus para o qual possua imunidade prévia geralmente resulta em infecção assintomática ou moderada e sem transmissão viral. As pessoas que se encontram em estado de imunossupressão como resultado de AIDS, câncer ou terapia imunossupressora estão em risco maior de sofrer doenças mais sérias na infecção primária (sarampo, vacínia) e estão mais suscetíveis à recorrência de infecções com vírus latentes (p. ex., herpervírus, papovavírus). Outros Fatores do Hospedeiro O estado geral de saúde da pessoa desempenha papel importante na determinação da competência e da natureza da resposta imune e da habilidade de reparar danos teciduais. A má nutrição pode comprometer o sistema imune de uma pessoa e reduzir sua capacidade de regenerar tecidos. As doenças e as terapias imunossupressoras podem permitir que a replicação viral ou a recorrência se desenvolvam sem serem combatidas. A constituição genética também exerce papel importante em determinar a resposta do sistema imune à infecção viral. Especificamente, as diferenças genéticas em genes de resposta imune, em genes para receptores virais e em outros loci genéticos afetam a suscetibilidade a uma infecção viral e a gravidade da doença. Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 16 Considerações Geográficas e Sazonais A distribuição geográfica de um vírus é geralmente determinada pela presença dos cofatores ou vetores requeridos ou pela existência de uma população suscetível e sem imunidade prévia. Por exemplo, muitos dos arbovírus são limitados ao nicho ecológico de seus vetores artrópodes. O transporte global intenso está eliminando muitas das restrições à distribuição viral determinada geograficamente. As diferenças sazonais na ocorrência da doença viral correspondem aos comportamentos que promovem a disseminação do vírus. Por exemplo, os vírus respiratórios prevalecem mais no inverno, pois as aglomerações facilitam a disseminação, e as condições de temperatura e de umidade estabilizam os vírus disseminados. Os vírus entéricos, por outro lado, prevalecem no verão, possivelmente porque os hábitos de higiene ficam mais relaxados nesse período. As diferenças sazonais em doenças por arbovírus refletem o ciclo de vida do vetor artrópode ou de seu reservatório (p. ex., os pássaros). Surtos, Epidemias e Pandemias Os surtos de uma infecção viral geralmente resultam da introdução de um vírus (p. ex., hepatite A) em uma nova localidade. O surto se origina de uma fonte comum (p. ex., preparação dos alimentos) e, com frequência, pode ser contido uma vez identificada a fonte. As epidemias ocorrem em uma área geográfica maior e resultam da introdução de uma nova cepa de um vírus em uma população sem imunidade prévia. As pandemias são epidemias mundiais, resultantes geralmente da introdução de um novo vírus (p. ex., o HIV). As pandemias do vírus influenza A costumavam ocorrer aproximadamente a cada 10 anos, como resultado da introdução de novas variantes do vírus. 5. DESCREVER OS MECANISMOS DE AGRESSÃO E EVASÃO AOS VÍRUS. Mecanismo de agressão: 1-Efeitos citopáticos diretos: síntese de proteínas e indução da apoptose 2-Respostas antivirais (pelos CTL e NK) 3-Alguns vírus transformam as células em tumorais Mecanismo de evasão -Inibição do MHC classe 1 -Variação antigênica para fugir dos leucócitos -Destruição de célula imune -Liberação de secreções semelhantes a IL, não deixando as IL se ligarem Infecção do tecido-alvo O vírus tem acesso ao corpo por meio de lesões na pele (cortes, mordidas, injeções) ou através das membranas mucoepiteliais que revestem os orifícios do corpo (olhos, trato respiratório, boca, genitália e trato gastrointestinal). A pele íntegra é uma barreira excelente contra a infecção. Lágrimas, muco, epitélio ciliado, ácido estomacal, bile e a imunoglobina A (IgA) protegem esses orifícios. A inalação é Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 17 provavelmente a rota mais comum de entrada das partículas virais. Ao penetrar no corpo, o vírus se replica em células que expressam receptores virais e possuem o maquinário biossintético apropriado. Muitos vírus iniciam a infecção na mucosa oral ou no trato respiratório superior, e os sinais da doença podem acompanhar a replicação viral no sítio primário. Os vírus podem se replicar e permanecer no sítio primário, ou então se disseminar para outros tecidos via corrente sanguínea, via sistema mononuclear fagocitário e linfático, ou ainda via neurônios (Fig. 45-1B). A corrente sanguínea e o sistema linfático são as principais vias de disseminação dos vírus no corpo. O vírus obtém acesso a esses meios após dano ao tecido, mediante absorção por macrófagos ou no transporte através das células mucoepiteliais da orofaringe, do trato gastrointestinal, da vagina ou do ânus. Vários vírus entéricos (picornavírus e reovírus) se ligam aos receptores em células M, que os translocam para as placas de Peyer subjacentes do sistema linfático. Viremia é o nome dado ao transporte do vírus na corrente sanguínea. O vírus pode ou estar livre no plasma ou associado com linfócitos ou macrófagos. Os vírus fagocitados pelos macrófagos podem estar inativados, podem se replicar ou podem ser carreados para outros tecidos. A replicação de um vírus em macrófagos, no revestimento endotelial de vasos sanguíneos ou no fígado pode causar a amplificação da infecção e iniciar o desenvolvimento de viremia secundária. Em muitos casos, essa viremia secundária antecede o envio dos vírus ao tecido-alvo (p. ex., fígado, cérebro, pele) e a manifestação dos sintomas específicos. Os vírus podem ter acesso ao sistema nervoso central ou ao cérebro (1) pela corrente sanguínea (p. ex., encefalite por arbovírus); (2) pelas meninges ou líquido cefalorraquidiano infectados; (3) pela migração de macrófagos infectados; ou (4) pela infecção de neurônios periféricos e sensoriais (olfatórios). As meninges são acessíveis a muitos dos vírus disseminados por viremia, as quais também podem fornecer acesso aos neurônios. Os vírus do herpes simples, varicela-zóster e da raiva infectam inicialmente as mucosas, a pele ou o músculo e só depois atingem o neurônio de inervação periférica, que transporta o vírus para o sistema nervoso central ou para o cérebro. Patogênese viral As quatro consequências principais de uma infecção viral em uma célula são as seguintes 1. Falha da infecção (infecção abortiva) 2. Morte da célula (infecção lítica) 3. Replicação sem morte da célula (infecção persistente) 4. Presença de partículas virais sem replicação viral, mas com potencial para reativação (infecção latente- recorrente) Os mutantes virais, que causam infecções abortivas, não se multiplicam e, portanto, desaparecem. As infecções persistentes podem ser (1) crônicas (não líticas, produtivas); (2) latentes(quantidade limitada de macromoléculas virais, mas sem síntese viral); (3) recorrentes (períodos de latência seguidos de produção de partículas virais); ou (4) de transformação (imortalizantes). A natureza da infecção é determinada pelas características do vírus e da célula-alvo. Uma célula não permissiva pode não ter um receptor, uma via enzimática importante, um ativador de transcrição, ou expressar um mecanismo antiviral que não permitirá a replicação de um tipo ou variante especial de vírus. Por exemplo, neurônios e células que não se multiplicam não possuem o maquinário e os substratos para a replicação de um vírus de DNA. Essas células também podem limitar a síntese proteica interna Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 18 pela fosforilação de eIF-2α (fator-2α de iniciação de alongamento) para evitar a montagem dos ribossomos sobre o RNAm, o qual é responsável pela conclusão da síntese proteica. Essa proteção pode ser desencadeada pelo aumento da síntese de proteína exigida durante a produção de novas partículas virais ou ativação do estado antiviral induzido por α-interferon (α-IFN) ou β-interferon (β-IFN). Os herpes-vírus e alguns outros vírus evadem desse processo ao inibirem a ação da enzima de fosforilação (proteína quinase R) ou ativando um processo de fosfatase celular proteica para remover o fosfato dos eIF-2α. Outro exemplo é a APOBEC3, uma enzima que causa a inativação da hipermutação do DNAc dos retrovírus. A proteína do fator de infectividade do virion (Vif) do vírus da imunodeficiência humana (HIV) supera esse bloqueio ao promover a degradação da APOBEC3. Uma célula permissiva possui o maquinário biossintético capaz de completar o ciclo replicativo de um vírus para dar suporte ao ciclo completo de replicação do vírus. A replicação do vírus em uma célula semipermissiva pode ser muito ineficiente durante o processo replicativo, ou a célula pode suportar algumas, mas não todas as etapas da replicação viral. A replicação do vírus pode iniciar alterações nas células que acarretam citólise ou alterações na aparência, propriedades funcionais ou antigenicidade da célula. Os efeitos sobre a célula podem ser resultado da síntese de macromoléculas virais, do acúmulo de proteínas ou partículas virais, da modificação ou rompimento das estruturas celulares ou da manipulação de funções celulares - Infecções Líticas Essas infecções se desenvolvem quando a replicação do vírus resulta na destruição da célula-alvo. Alguns vírus impedem o crescimento e o reparo inibindo a síntese de macromoléculas celulares ou produzindo enzimas de degradação e proteínas tóxicas. Por exemplo, o HSV e outros vírus produzem proteínas que inibem a síntese do ácido desoxirribonucleico (DNA) celular e do RNA mensageiro (RNAm) e sintetizam outras proteínas que degradam o DNA do hospedeiro disponibilizando componentes celulares para a replicação do genoma viral. A síntese das proteínas celulares pode ficar ativamente bloqueada (p. ex., o poliovírus inibe a translação do RNAm dependente na extremidade cap 5’) ou passivamente (p. ex., pela produção de boa parte do RNAm viral que compete por ribossomos) (ver Cap. 44). A replicação do vírus e o acúmulo de componentes virais e da progênie viral no interior da célula podem romper a estrutura e o funcionamento da célula ou romper os lisossomos, causando a morte celular. A expressão de antígenos virais na superfície da célula e o rompimento do citoesqueleto podem alterar as interações intercelulares e a aparência da célula, tornando-a um alvo para a citólise imune. A infecção por vírus ou as respostas citolíticas imunes podem induzir a apoptose na célula infectada. Apoptose é uma cascata de eventos predefinidos que, quando desencadeada, resulta em morte celular. Esse processo pode facilitar a liberação do vírus da célula, mas também limita a quantidade de vírus produzidos ao destruir a “fábrica” viral. Como resultado, muitos vírus (p. ex., herpes-vírus, adenovírus, vírus da hepatite C) codificam métodos para inibir a apoptose. A expressão das glicoproteínas de alguns paramixovírus, herpes-vírus e retrovírus, na superfície celular, desencadeia a fusão das células vizinhas, originando células gigantes multinucleadas chamadas sincícios. A fusão célula a célula pode ocorrer na falta de nova síntese proteica (fusão a partir de fora), como acontece nas infecções com o vírus Sendai e com outros paramixovírus, ou pode Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 19 exigir uma nova síntese proteica (fusão a partir de dentro), como ocorre na infecção por HSV. A formação de sincícios permite que o vírus se dissemine de uma célula para outra e escape da detecção pelos anticorpos. Os sincícios podem ser frágeis e suscetíveis à lise, e aqueles que se formam na infecção com o HIV também causam a morte das células. Algumas infecções virais ocasionam alterações características na aparência e nas propriedades das células- alvo. Por exemplo, aberrações e degradação cromossômicas podem ocorrer e ser detectadas a partir da coloração histológica (p. ex., cromatina marginada ao redor da membrana nuclear nas células infectadas por HSV e por adenovírus). Além disso, estruturas novas e passíveis de coloração, chamadas corpúsculos de inclusão, podem aparecer dentro do núcleo ou do citoplasma. Essas estruturas podem resultar de alterações induzidas por vírus na membrana ou estrutura cromossômica ou podem representar os sítios de replicação viral ou, ainda, o acúmulo de capsídeos virais. Uma vez que a natureza e localização desses corpúsculos de inclusão sejam características de infecções virais específicas, a presença dessas estruturas facilita o diagnóstico laboratorial. A infecção viral também pode causar vacuolização, arredondamento das células e outras alterações histológicas não específicas que são características de células infectadas. - Infecções não Líticas Infecção persistente é aquela que ocorre em uma célula infectada que não é destruída pelo vírus. Alguns vírus causam infecção persistente produtiva porque o vírus é liberado gradualmente da célula por meio da exocitose ou de brotamento (vírus envelopados) a partir da membrana citoplasmática. Infecção latente é aquela que resulta da infecção com vírus de DNA de uma célula que restringe ou perde o maquinário para a transcrição de todos os genes virais. Os fatores de transcrição específicos exigidos por esse tipo de vírus podem ser expressos somente em tecidos específicos e em células em crescimento, mas não em repouso, ou após a indução de hormônio ou citocina. Por exemplo, o HSV estabelece uma infecção latente em neurônios que perdem os fatores nucleares exigidos para transcrever os genes virais precoces imediatos, mas o estresse e outros estímulos podem ativar as células para permitir a replicação viral. - Vírus Oncogênicos Alguns vírus de DNA e retrovírus estabelecem infecções persistentes que também podem estimular o crescimento celular descontrolado, causando a transformação ou imortalização da célula (Fig. 45-2). As características das células transformadas incluem: crescimento contínuo sem envelhecimento, alterações na morfologia e no metabolismo celular, taxa aumentada de crescimento celular e de transporte de açúcar, perda de inibição de crescimento por contato celular e habilidade de crescerem em suspensão ou agrupadas, quando cultivadas em meio de ágar semissólido Diferentes vírus oncogênicos possuem mecanismos diferentespara imortalização de células. Os vírus imortalizam as células (1) ativando ou fornecendo genes de estimulação de crescimento; (2) removendo os mecanismos inerentes de interrupção da síntese do DNA e do crescimento celular; ou (3) evitando a apoptose. A imortalização por vírus DNA ocorre em células semipermissivas, que expressam somente Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 20 alguns genes virais específicos, mas que não produzem vírus. A síntese do DNA viral, do RNAm tardio, de proteínas tardias ou da partícula viral completa provoca morte da célula, impedindo a imortalização. Vários vírus de genoma DNA com potencial oncogênico se integram ao cromossomo da célula hospedeira. Evasão das defesas do hospedeiro Os vírus apresentam várias maneiras de escapar de nossas defesas. Esses processos são frequentemente denominados evasão imune. Alguns vírus codificam receptores para vários mediadores da imunidade, como a interleucina-1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF, do inglês, tumor necrosis factor). Por exemplo, o vírus da vacínia codifica uma proteína que se liga à IL-1, enquanto o vírus do fibroma codifica uma proteína que se liga ao TNF. Quando liberadas por células infectadas pelo vírus, essas proteínas se ligam aos mediadores imunes e bloqueiam sua capacidade de interagir com os receptores de seus alvos, nossas células imunes que medeiam as defesas contra a infecção viral. Ao reduzir nossas defesas, a virulência do vírus é intensificada. Essas proteínas codificadas pelo vírus que bloqueiam mediadores imunes do hospedeiro são frequentemente denominadas disfarces de citocinas. Além disso, alguns vírus (p. ex., HIV, citomegalovírus) são capazes de reduzir a expressão de proteínas MHC de classe I, reduzindo, assim, a capacidade de células T citotóxicas matarem as células infectadas por vírus, enquanto outros (p. ex., vírus do herpes simples) inibem o complemento. Diversos vírus (HIV, vírus Epstein-Barr e adenovírus) sintetizam RNAs que bloqueiam a fosforilação de um fator de iniciação (eIF-2), reduzindo a capacidade do interferon bloquear a replicação viral (ver Capítulo 33). O citomegalovírus (CMV) codifica um micro RNA que se liga ao mRNA de um ligante de superfície celular de células natural killer. A ligação do micro RNA impede a síntese do ligante, impedindo que as células NK matem as células infectadas pelo CMV. O vírus do sarampo bloqueia a síntese de IL-12, reduzindo, assim, uma resposta Th-1 efetiva. O vírus Ebola sintetiza duas proteínas: uma delas bloqueia a indução de interferon, enquanto a outra bloqueia sua ação. Coletivamente, esses fatores de virulência viral são denominados virocinas. Uma terceira maneira importante pela qual os vírus escapam de nossas defesas refere-se à existência de múltiplos tipos antigênicos (também referidos como múltiplos sorotipos). A importância clínica de um vírus apresentar múltiplos sorotipos está na possibilidade de um paciente ser infectado por um sorotipo, recuperar-se e apresentar anticorpos que protegem contra a infecção futura por aquele sorotipo; contudo, o mesmo indivíduo pode ser infectado por outro sorotipo daquele mesmo vírus. O exemplo clássico de um vírus com múltiplos sorotipos é o rinovírus, que apresenta mais de 100 sorotipos. Essa é razão de o “resfriado comum” causado por rinovírus ocorrer de forma tão corriqueira. O influenzavírus também possui múltiplos sorotipos, e as graves epidemias de gripe em nível mundial são atribuídas à emergência de novos tipos antigênicos. O HIV e o vírus da hepatite C apresentam múltiplos sorotipos, contribuindo para a dificuldade de desenvolvimento de uma vacina contra esses vírus. Observe que apenas alguns vírus apresentam múltiplos sorotipos. Vários patógenos humanos importantes (como vírus do sarampo, vírus da rubéola, vírus varicela-zoster e vírus da raiva) apresentam apenas um sorotipo, enquanto outros possuem somente poucos sorotipos (p. ex., o poliovírus apresenta três sorotipos). Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 21 6. CARACTERIZAR OS MECANISMOS DE DEFESA ESPECÍFICOS E INESPECÍFICOS DA INFECÇÃO CONTRA VÍRUS, E AINDA OS PADRÕES DE RESPOSTA ENVOLVIDOS E CÉLULAS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO. Mecanismos inespecíficos Imunidade Natural ou Inata Os componentes da imunidade natural, ou inata, são os primeiros a realizar o controle das infecções por vírus pelo bloqueio da disseminação de partículas virais às células do hospedeiro, devido aos interferons do tipo I assim como à morte das células infectadas, mediada pela ação de células NK. - Interferons do tipo I Interferons do tipo I (IFN tipo I) são uma família de citocinas cuja atuação precoce na resposta imune inata induz a estado antiviral nas células infectadas, assim como, nas células vizinhas não infectadas. IFN tipo I são constituídos por três grupos de proteínas distintas: interferon alfa (IFN-α), interferon beta (IFN-β) e interferon ômega (IFN-ω). O primeiro grupo é produzido por macrófagos e células dendríticas; compreende família de 12 polipeptídeos, constituídos por cadeia de 143 aminoácidos e massa molecular aproximada de 18 kDa, codificados por 13 genes localizados no cromossomo 9 (humanos). O segundo grupo (IFN-β) consiste em uma glicoproteína codificada por um único gene, também localizado no cromossomo 9 nos humanos. A cadeia proteica é constituída por 145 aminoácidos, é glicosilada, diversamente aos subtipos moleculares de IFN-α, e apresenta massa molecular de 20 kDa. O IFN-β é produzido por muitos tipos celulares. Um único gene codifica IFN-ω, uma glicoproteína monomérica secretada por leucócitos. Tanto os vírus DNA como os RNA induzem a produção de IFN tipo I pela célula infectada. A síntese de mínima quantidade de moléculas de RNA de fita dupla viral leva à produção das moléculas de IFN tipo I. A quantidade secretada para cada milhão de células infectadas é de cerca de um A Resposta Imune às Infecções Virais Celidéia Aparecida Coppi Vaz picograma (10–12g). A estrutura molecular dos interferons é variável entre as espécies e também pode variar entre células de uma mesma espécie. Embora apresentem estruturas diferentes, as moléculas de IFN tipo I (IFN-α, IFN-β, IFN-ω) interagem com o mesmo receptor da superfície das células, um heterodímero formado pelas cadeias IFN- αR1e IFNαR2, denominado IFN-α/βR, presente em, praticamente, todas as células. A ação biológica dos IFN tipo I é parácrina e, assim, a célula infectada secreta moléculas desse interferon que agirão em outras células vizinhas, não infectadas, protegendo-as da infecção viral. Para sinalizar a célula da emergência em sintetizar IFN tipo I, o receptor IFN- α/βR usa a via JAK-STAT que consiste na ação de três elementos essenciais: um receptor, JAK-tirosina-quinases e STAT (signal transducer and activator of transcription). Dessa forma, após a ligação do receptor IFN-α/βR com as moléculas de IFN-α, IFN-β ou IFN-ω forma-se um complexo que ativa as JAK – tirosina-quinases citoplasmáticas, as quais fosforilam as proteínas STAT2; esta transduz sinais e ativa a transcrição de vários genes codificadores de citocinas, inclusive o de IFN tipo I. Entre esses genes há também um que codifica a 2´,5´-oligo A-sintetase a qual ativa RNAse L, uma enzima que digere moléculas de RNA genômico do vírus, de RNA mensageiro celular e do vírus e de RNA ribossômico celular. Esse mecanismo leva à redução da síntese proteica pela célula, inibindo a replicação de partículas viraise Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 22 ao consequente dano celular (Figura 76.1A). Outro processo resultante da ligação de moléculas de IFN tipo I ao receptor IFN-αβR é o da ativação de PKR (RNA – activated protein kinase), uma proteína de 68 kDa que fosforila um fator celular – eIF2a – requerido pelos ribossomos para o início da tradução; esse evento também resulta no bloqueio da síntese de proteínas (Figura 76.1B). Dessa forma, ambos os mecanismos têm como resultado a inibição da produção de proteínas, com a consequente inibição da replicação do vírus, protegendo, assim, as células de dano ou morte. - Células NK As células NK (natural killer) representam uma subpopulação de linfócitos, essenciais nos mecanismos da imunidade natural contra os vírus; detectam partículas virais e destroem as células infectadas. Ainda, produzem IFN- citocina com ação em outros mecanismos antivirais. O IFN-γ é outra espécie molecular de interferon, conhecido como interferon do tipo II e produzido, predominantemente, por linfócitos T durante a resposta imune específica. É uma proteína estruturalmente diferente dos interferons do tipo I, codificada por um único gene localizado no cromossomo 12 (humanos), que estimula a atividade microbicida dos fagócitos, promovendo a destruição de micro-organismos fagocitados. Também, estimula a produção de anticorpos com propriedades opsonizantes, facilitando a fagocitose de microorganismos. Os linfócitos NK derivam de precursores da medula óssea, porém, não passam pelo timo para maturar como os linfócitos T, não expressam em sua membrana moléculas de imunoglobulinas ou do receptor TCR, características dos linfócitos B e T, respectivamente, e não se diferenciam em células de memória. Duas classes de receptores são expressas na superfície das células NK: os receptores ativadores e os inibidores. Quando ocorre a ligação desses receptores com seus ligantes há a ativação ou a inibição dos mecanismos de lise das células alvo. Entre os receptores inibidores destacam-se KIR (killer inhibitory receptor) e NKG2 (humanos). Esses receptores inibidores interagem com moléculas de classe I do Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC – major histocompatibility complex – MHC- cl I) presentes nas células nucleadas. Se a célula NK interagir com uma célula normal ocorre a ligação do receptor inibidor à molécula de MHC- cl I da célula alvo e o resultado será a inibição da ação lítica o que impedirá a morte da célula normal. Como é conhecido, as moléculas de classe I do MHC (MHC-cl I) se associam a peptídeos antigênicos de origem endógena, como as proteínas virais; os linfócitos T citotóxicos (CD8+), células envolvidas na imunidade celular, podem reconhecer esse complexo peptídeo-molécula de classe I do MHC (peptídeo/MHC- cl I) através dos receptores de antígeno expressos na sua membrana – os TCRs. Após esse primeiro sinal de ativação, outros sinais mediados por citocinas, principalmente IL-2, ocorrem e desencadeiam os mecanismos da resposta citotóxica que leva à morte da célula alvo. Porém, vários vírus desenvolveram mecanismos de escape do sistema imune, como o que inibe a célula infectada de expressar as moléculas MHC-cl I; desse modo, podem escapar da ação lítica dos linfócitos T CD8+ . Porém, a presença das células NK garante a ação lítica sobre as células infectadas, mesmo aquelas em que as moléculas MHC-cl I não estão expressas na superfície celular. No período inicial de uma infecção viral, a presença das células NK é fundamental porque elas lisam as células infectadas numa fase em que os linfócitos T CD8+ ainda não estão ativados. As células NK, assim como os linfócitos T CD8+, têm no Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 23 seu citoplasma grânulos que contêm perforina, uma proteína que gera poros na membrana da célula infectada. Têm, também, as granzimas que entram na célula- -alvo pelos poros feitos pela perforina e induzem a morte daquela célula por apoptose. A proliferação das células NK é estimulada por IL-12, citocina produzida por macrófagos, e por IL-15, produzida por macrófagos e outros tipos celulares. Essas citocinas, além de estimularem a proliferação das células NK, aumentam sua atividade citolítica e, também, aumentam a produção de IFN-γ por essas células. Mecanismos específicos Imunidade Adquirida ou Específica A primeira linha de defesa nos estágios iniciais da infecção viral é constituída pelos componentes da imunidade inata. A resposta imune adquirida, ou específica, estabelece- -se após um intervalo de tempo, necessário para a ativação, proliferação e diferenciação de linfócitos potencialmente reconhecedores dos epítopos antigênicos virais. Além de linfócitos, outros elementos participam de uma resposta específica: células apresentadoras de antígenos (APC do inglês antigen presenting cell), os anticorpos (imunoglobulinas), as citocinas e as moléculas de classe I e classe II do complexo de histocompatibilidade principal (MHC, major histocompatibility complex), que são proteínas expressas na membrana das células do hospedeiro, codificadas por genes do MHC, e que se associam com peptídeos antigênicos. Há dois tipos de resposta imune específica: a resposta humoral, mediada por anticorpos, que são produzidos pelos linfócitos B, e a resposta celular ou imunidade celular, mediada pelos linfócitos T. Os linfócitos B e T são produzidos a partir de células precursoras, na medula óssea. Os linfócitos B tornam-se células maduras na própria medula óssea, enquanto os linfócitos T são maturados ao passarem pelo timo. Nesse órgão, os linfócitos T diferenciam-se em linfócitos T auxiliares, ou T CD4+, e em linfócitos T citotóxicos, ou T CD8+. A característica dos linfócitos maduros é a expressão, na sua membrana, de receptores para antígenos, mas também de algumas moléculas necessárias à transdução de sinais e ativação da célula. Os receptores para antígenos, nos linfócitos B, são as imunoglobulinas (Igs), que interagem diretamente com epítopos antigênicos. Nos linfócitos T, os receptores para antígenos são denominados TCR (T-cell receptor), têm estrutura molecular similar às imunoglobulinas mas, diferente destas, somente reconhecem peptídeos antigênicos associados a moléculas de classe I ou de classe II do MHC (MHC-cl I ou MHC-cl II). De maneira geral, o reconhecimento de peptídeos antigênicos pelas Igs ou pelos TCRs exige a participação de moléculas coestimulatórias e da cooperação de citocinas, produzidas pelos linfócitos T, para que se realize a ativação, proliferação e diferenciação dos linfócitos em células efetoras da resposta imune e em células de memória. A especificidade a epítopos antigênicos distintos e a capacidade de memória, que resulta em respostas mais rápidas e ampliadas, representam as características da imunidade adquirida, humoral e celular. - Imunidade Humoral A presença de anticorpos específicos, que caracteriza a resposta imune humoral, é muito importante para impedir a disseminação do vírus na fase em que as células infectadas foram destruídas pela replicação e as partículas virais são liberadas no meio extracelular para infectar outras células. Igualmente, na fase inicial de uma Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 24 reinfecção, a presençade anticorpos específicos já formados é fundamental para bloquear a penetração do vírus nas células. Os anticorpos, também chamados imunoglobulinas (Ig), são constituídos por quatro cadeias polipeptídicas ligadas entre si por pontes dissulfídicas; são duas cadeias leves com, aproximadamente, 214 aminoácidos e 23 kDa e duas cadeias pesadas com cerca de 1.328 aminoácidos e 50 kDa. O sítio de combinação com o antígeno se localiza nas porções amino-terminais de uma cadeia leve e de uma pesada onde a sequência de aminoácidos é extremamente variável (Figura 76.2). Existem cinco tipos diferentes de cadeia pesada (µ, δ, γ, α, ε) que definem as cinco classes de Ig, respectivamente, IgM, IgD, IgG, IgA e IgE. Como já mencionado, as imunoglobulinas expressas na membrana celular (mIg) são os receptores para antígeno dos linfócitos B, os quais, quando imaturos, expressam moléculas da classe IgM. Os linfócitos B maduros expressam IgM e IgD simultaneamente. A ativação celular pode dar-se pela ligação de uma ou mais moléculas de mIg à partícula antigênica. Ainda, como têm a função de células apresentadoras de antígenos (APC), os linfócitos B internalizam e degradam os complexos formados pela ligação de partículas antigênicas com as mIg. Os peptídeos antigênicos degradados associam-se a moléculas de classe II do MHC e este complexo (peptídeo/MHC-cl II) é, então, expresso na membrana do linfócito B para apresentação aos linfócitos T. O reconhecimento do peptídeo/MHC-cl II pelo TCR ativa o linfócito T que prolifera gerando células efetoras, as quais secretam várias citocinas necessárias para a proliferação e diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos, células efetoras da imunidade humoral, secretoras de Igs específicas ao epítopo antigênico inicial (Fig. 76.3). Dependendo da classe a que pertencem, as Igs desempenham funções diversas para realizarem a eliminação do vírus e, assim, inibirem a infecção ou a reinfecção. A IgA secretora, principal Ig presente nas membranas mucosas que revestem os tratos respiratório e gastrointestinal, bloqueia a ligação do vírus às células do hospedeiro destes locais. A ligação de IgG, IgM ou IgA aos vírus bloqueia a fusão do envelope viral com a membrana plasmática da célula do hospedeiro. A IgG aumenta a fagocitose das partículas virais por fagócitos que expressem receptores para a região Fc de IgG. Ainda, as classes IgM e IgG apresentam a propriedade de ativar o sistema complemento (série de proteínas com atividade enzimática sequencial) o que resulta na formação de dois componentes importantes para a eliminação dos vírus: o complexo de ataque à membrana MAC (membrane attack complex) que lisa as partículas virais com envelope, e o fragmento C3b que facilita a fagocitose do vírus por fagócitos que expressem receptores para essa proteína. Também, a IgM tem a propriedade de aglutinar as partículas virais. O primeiro contato de um vírus com o sistema imune do hospedeiro leva à ativação de linfócitos B virgens, os quais, como já visto, proliferam e diferenciam-se em células de memória e plasmócitos, estabelecendo uma resposta primária de produção de anticorpos específicos àquele vírus. Os primeiros anticorpos produzidos nas respostas primárias pertencem à classe IgM e, pouco mais tarde, são produzidas as moléculas de IgG específicas. A segunda vez que o hospedeiro é infectado pelo vírus, encontra-se uma população bem maior de linfócitos B específicos que a da a produção predominante de IgG específica. A Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 25 concentração dos anticorpos formados na resposta secundária é muito superior à detectada na resposta primária, e a produção é bem mais persistente. - Imunidade Celular As células responsáveis pela especificidade da resposta imune celular são os linfócitos T. No timo, essas células se diferenciam em linfócitos T citotóxicos CD8+ (Tc) e linfócitos T auxiliares CD4+ (Th), os quais reconhecem pelos seus receptores TCRs os peptídeos antigênicos virais associados a moléculas MHC-cl I e MHC-cl II, respectivamente. As moléculas MHC-cl I são encontradas na membrana de quase todas as células nucleadas, enquanto as moléculas MHC-cl II são expressas apenas por poucos tipos celulares – as APCs –, geralmente macrófagos e células dendríticas. Os peptídeos associados a moléculas MHC-cl I (peptídeo/MHC-cl I) são reconhecidos pelos TCRs dos linfócitos Tc, enquanto os peptídeos associados a moléculas MHC-cl II (peptídeo/ MHC-cl II) são reconhecidos pelos TCRs dos linfócitos Th (Figura 76.4). O processo de ativação dos linfócitos Th é desencadeado por um primeiro sinal gerado pela interação do TCR com o peptídeo/MHC- cl II expresso na APC e, ainda, por um segundo sinal consequente à interação de moléculas coestimulatórias presentes nas membranas do linfócito e da APC. Uma vez ativado, o linfócito Th prolifera levando à expansão clonal. Assim, a população de linfócitos específicos para o peptídeo viral indutor aumenta e as células diferenciam-se, parte em células efetoras da resposta específica e parte em células de memória. Os linfócitos Th efetores têm como principal função a secreção de várias glicoproteínas de baixo peso molecular — as citocinas — que auxiliam a regulação da resposta imune. Para a ativação dos linfócitos Tc, também são necessários dois sinais: o primeiro dá-se pela interação do TCR com o peptídeo/MHC-cl I expresso na superfície da célula-alvo e o segundo sinal é transmitido pela ação de IL-2, citocina produzida pelos linfócitos Th. Como se vê, a ativação dos linfócitos é um processo integrado que inclui células e moléculas solúveis e de membrana. Após a ativação celular, os linfócitos Tc passam pelo processo de expansão clonal e diferenciam-se nos linfócitos citotóxicos efetores ou em células de memória (Figura 76.5). Numa infecção viral, quando os vírus já penetraram as células do hospedeiro e estão na sua fase intracelular, a neutralização das partículas virais por anticorpos não é possível uma vez que estes não têm acesso ao interior das células infectadas. Nesses casos, os linfócitos Tc são os mais eficientes elementos da imunidade adquirida para conter a infecção. A interação do Tc com a célula infectada com vírus — célula-alvo — desencadeia alterações que resultam na desgranulação do linfócito. Nesse processo, os grânulos são dirigidos para a área de interação entre Tc e célula-alvo onde se fundem com a membrana do Tc (Fig. 76.6). Os grânulos do Tc (como os das células NK) contêm moléculas de perforina e granzimas que são liberadas sobre a célula- -alvo. A perforina forma poros na membrana da célula-alvo, resultando em lise osmótica, e as granzimas induzem a morte da célula-alvo por apoptose. Nessa ocasião, em que Tc, ou mesmo pela replicação viral ou ação de células NK, as partículas virais são expulsas da célula e voltam a ficar expostas no ambiente extracelular. Nesse momento, os anticorpos são muito eficazes para interagir com os epítopos antigênicos dos Pâmela Brandão da Silva – Medicina UniFG 2020.2 (Semestre II) UCVI – Mecanismos de Agressão e Defesa 26 vírus e, assim, impedir que novas células sejam infectadas. Como se percebe, o controle de uma infecção representa a eficiência da cooperação dos elementos das diversas vias efetoras da resposta imune — inata e adquirida, humoral e celular. 7. IDENTIFICAR OS MECANISMOS DE LESÃO CELULAR REVERSÍVEL E IRREVERSÍVEL Visão geral A discussão da patologia da lesão e necrose celulares estabeleceu um cenário para a
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