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Palavra da professora-autora Olá estudante, seja bem-vindo, seja bem-vinda à disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil! Para a sua prática profissional, é imprescindível conhecer os fundamentos teóricos e metodológicos que embasam a educação infantil. Por meio desse conhecimento, que o influenciará ao longo da vida, você entenderá a importância dessa etapa para o desenvolvimento do sujeito. Durante o módulo, será de grande relevância expor as reflexões adquiridas ao longo da disciplina. A sua participação no ambiente virtual de aprendizagem contribuirá com a sua instrução e a dos seus colegas. Lembre-se, as mídias disponibilizadas pelo curso o ajudará a se tornar um grande profissional. Portanto, não deixe de acessá-las. Bons estudos! Profa. Grazielle Tavares Aula 1 – Concepção de educação infantil Olá! Esta é a nossa primeira aula da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Nesse encontro, você conhecerá diferentes concepções de educação infantil, bem como as mudanças desse processo na história. Aprenderá sobre os diferentes conceitos de crianças abordados ao longo do tempo, que influenciaram a educação. Vamos à aula? Figura 1.1: Crianças e a educação Fonte: © Freepik Ao longo do tempo, as concepções sobre Educação Infantil (EI) passaram por alterações, em função dos diferentes entendimentos sobre esses conceitos. Dessa forma, se modificou o percurso da EI em todo o mundo. Concepção de infância A concepção sobre a infância em séculos anteriores é distinta da empregada atualmente, pois houve uma construção histórica e social para que se alterasse esse tratamento. Em cada período histórico a criança era vista com uma abordagem diferenciada. Causa estranheza tratar a criança de forma indiferente, ou percebê-la como um adulto em miniatura, no entanto, era algo natural nos séculos passados. Dessa forma, a organização social de um período, é fator preponderante para o sentimento relacionado à criança. As alterações ocorridas no decorrer dos tempos influenciaram o modo como atualmente é concebida a primeira infância. Por meio da arte é possível observar o modo como a infância e a família eram vistas da sociedade medieval até os dias atuais. O historiador francês Philippe Ariès, dedicou-se a esse estudo, por meio da análise de obras de arte, ou seja, a iconografia de vários séculos. Tal estudo foi publicado no livro História Social da Criança e da Família (2006). Glossário Iconografia: repertório de imagens próprio de uma obra, gênero de arte, artista ou período artístico. Com base nesse estudo de Ariès, Kramer (1987) distingue a criança em três categorias, conforme o contexto social: evolução histórica do sentimento de criança, relata a forma como o infante era percebido conforme o contexto social, econômico e político; a descoberta da infância, desvenda sentimentos de infância diferenciados da fase anterior, pois está embasado nos pensamentos pedagógicos tradicionais e da escola nova; a concepção atual de infância, que demonstra a criança como um sujeito que possui direitos. A seguir será relatado, minuciosamente, as particularidades de cada uma dessas concepções. Evolução histórica do sentimento de ser criança O conceito de infância ao longo dos séculos foi fonte de estudo do historiador Philippe Ariès, que, para observar como as crianças eram representadas, investigou minuciosamente obras de arte. Ariès (2006) constatou que, durante a Idade Média, a criança era pouco representada, inclusive nas pinturas. Provavelmente, isso não ocorria pela falta de habilidade dos pintores, mas sim porque acreditavam que não havia espaço para a criança no mundo dos adultos. O autor complementa que a criança em diferentes cenários era vista como adulto em escala menor, não havia diferenciação em traços ou modo de ser. Nas raras obras em que era apresentada a nudez, o artista exprimia músculos na composição dos pequenos sujeitos. Observe a figura a seguir e perceba essas características. Figura 1.2: Domenico Ghirlandaio (1449–1494) Fonte: © Bass Museum of Art / Wikimedia Commons Crianças com características de adultos são representadas em outras obras. Ariès (2006, p. 17) analisou o quadro O Evangelho, em que Jesus pede que deixe vir às criancinhas e observou os personagens representados pelo artista da seguinte forma: “agrupados em torno de Jesus oito verdadeiros homens, sem nenhuma das características da infância; eles foram simplesmente reproduzidos numa escala menor. Apenas seu tamanho os distingue dos adultos”. É notório o sentimento relacionado à infância, diferenciado da concepção atual, uma vez que não se refere ao sentimento de acolhimento, mas ao modo como o adulto pode se distinguir da criança. Ariès (2006) aponta em seus estudos que a infância era um período de passagem, que logo até mesmo as lembranças eram perdidas. No entanto, o pesquisador relata que aos poucos é possível observar representações da infância mais próxima ao sentimento atual. A respeito de uma percepção da infância similar à da atualidade, Kramer (1987) comenta que o sentimento para representar a infância é contraditório, pois os adultos consideram a criança inocente, ingênua e graciosa, ao mesmo tempo a infância é percebida como o momento em que é necessário cuidados, já que as crianças são vistas como imperfeitas e incompletas, por essa razão necessitam de cuidados para crescer de forma saudável e aprender habilidades sociais para viverem em sociedade. Na Idade Média, a criança era um mistério que não podia ser profanado pelos adultos, ao mesmo tempo em que não possuía humanidade, que só conseguiria chegar ao patamar social se fosse levada ou conduzida à casa de outra pessoa, que promoveria seu aprendizado. Esse costume de distanciar o infante da família ocorreu até aproximadamente o final da Idade Média (século XV). A descoberta da infância A concepção da infância sofreu profundas alterações ao longo dos séculos. Nas sociedades mais antigas, quando uma criança era abandonada, buscava-se dentro do próprio parentesco, alguém que assumisse a responsabilidade de cuidar dela. Na Idade Antiga, o papel da mãe mercenária foi criado com o intuito de cuidar dos infantes, no entanto, na maioria dos casos, por falta de saúde e higiene, eles acabavam falecendo. Pelo percurso histórico é possível observar nas obras analisadas por Ariès (2006), que demonstram nitidamente a falta de afeição com os pequenos, pelo menos na Inglaterra, pois logo que completavam sete anos, eram enviados para casa de outras pessoas, para fazerem serviços pesados, onde permaneciam por aproximadamente nove anos. O intuito dessa ação era proporcionar às crianças, oportunidades de aprenderem boas maneiras. Nesse período, o serviço doméstico estava intrinsicamente ligado à aprendizagem. Nas Idades Média e Moderna, a prática utilizada era de transferir os rejeitados para as igrejas e hospitais de caridade. Nos muros destes locais, havia as “rodas dos expostos” (cilindros giratórios feitos de madeira), que serviam para expor os rejeitados, no intuito de serem doados. É importante ressaltar que algumas mães que não podiam ficar com os filhos, ou não os queriam, os entregavam nesse espaço. Era uma forma de se livrar do problema, de forma oculta, sem ser observada. Nas cidades que não dispunham desse mecanismo, os desprezados eram deixados na porta da igreja. Figura 1.3: Roda dos expostos Fonte: © Fiore Silvestro Barbato / Wikimedia Commons A cultura criada naquela época, em relação ao modo como as crianças eram tratadas, disseminava a ideia de precariedade no atendimento voltado a elas, como se estivessem substituindo o papel da família. Infelizmente, essa concepção sobre os espaços destinados a esse atendimento, perpetua nos dias de hoje. Tanto é que muitos acreditam que não é necessário uma formação para atender o público infantil, dando a impressão de que é um atendimento fácil e que qualquer pessoa está habilitada a exercer. http://www.flickr.com/people/81227945@N00 A análise detalhada da Idade Média até a Modernidade, realizada por Ariès, possibilita o entendimento sobre a infância e as mudanças de sua concepção ao longo dos séculos. Observa-se o reflexo desses conceitos nos dias atuais, pelo modo como as crianças eram trajadas. No século XIII, logo que a criança deixava o cueiro (pano macio utilizado para enrolar o corpo do bebê), era vestida como as demais pessoas de sua condição. Assim, pode-se observar que não havia distinção entre a infância e os adultos. Sobre o vestuário infantil Ariès (2006) chegou à conclusão que no século XVI, as crianças eram vestidas como adultos em miniatura, passando para as roupas utilizadas nos dias atuais. A mudança no traje beneficiou primeiramente os meninos, no segundo momento, as meninas puderam utilizar vestimentas conforme sua faixa etária. Durante muito tempo a infância foi contemplada e vivenciada pelos meninos nobres ou burgueses. Os demais, filhos de camponeses, artesãos ou crianças do povo, não mudaram sua forma de se vestir, bem como continuavam a serem tratados como adultos em miniaturas. Estudante, esse ponto é importante para refletir sobre os trajes da atualidade. Muitas crianças, especialmente as meninas, usam roupas com características de adulto. Parece que a sociedade está retrocedendo, uma vez que leva a criança para o mundo adulto, sem que ela esteja preparada para vivenciar atitudes que não fazem parte do universo infantil. Ao longo dos séculos, a concepção de criança se alterou. Inicialmente, a sociedade não dispensava atenção a elas. Até mesmo quando falecia, a mãe tratava com naturalidade, pois o índice de mortalidade infantil era muito alto, devido às condições sanitárias precárias. “Era extremamente alto o índice de mortalidade infantil que atingia as populações e, por isso, a morte das crianças era considerada natural” (KRAMER, 1987, p.17). Em razão dessa situação, os pais não se apegavam aos seus filhos, uma vez que havia grandes chances de eles não ultrapassarem a primeira infância, por isso o pequeno que morria, logo era substituído por outro ser humano. Como disse anteriormente, a criança era considerada adulto em miniatura e pouca atenção lhe era oferecida. Essa situação começou a se alterar a partir do século XVI, com os avanços científicos que contribuíram para amenizar tal realidade, ao menos entre a classe dominante. Período em que a escola se tornou a instituição responsável por atender a criança. Dessa forma, ela era separada do convívio com o adulto, para ser orientada visando o seu futuro. Os pais, ao menos das classes mais abastadas, começam a ver os filhos da mesma forma e a oferecer as mesmas condições para que tivessem boas oportunidades na posteridade. Essa situação, proporcionada principalmente pelas reformas religiosas católicas e protestantes, trouxe um novo olhar sobre a criança e sua aprendizagem. O movimento trouxe a paparicação da criança, como se ela fosse a diversão do adulto, ou até mesmo um animal de estimação. Contudo, havia o cuidado para as crianças não ficarem sempre na presença dos adultos, até mesmo durante as refeições, pois acreditava-se que o fato de estarem próximas poderia torná-las mal-educadas e mimadas. No século XVII, a prática da paparicação estava sendo deixada de lado pelas pessoas que possuíam mais posses, pois receberam recomendações dos educadores e moralistas, preocupados com a disciplina, para não mimarem as crianças, para elas não ficarem “mal criadas”. Contudo, os sujeitos com menos recursos, por não terem acesso a essa nova forma de pensar, não aplicavam na educação de seus filhos. Logo, essas crianças apresentavam atitudes inadequadas, que não condiziam com o esperado no âmbito social. Os pais receberam o rótulo de não se importarem com os seus descendentes. O modo como é concebida a família se altera, a criança, além de receber atenção, precisa de guarita e orientação. Para tanto, foi conduzida para o meio escolar, onde ficou protegida, ao mesmo tempo em que foi educada para conviver em sociedade. Conforme aponta Àries (2006), a partir do século XVII a elite de pensadores e moralistas recomenda uma nova forma de pensar a infância. Afirmavam que as crianças bem educadas, ou seja, aquelas provenientes de família de posses, deveriam ser poupadas da imoralidade, isto é, deveriam ser separadas da convivência com os adultos. A falta de preparo e a rudeza seriam traços específicos das camadas populares. Estudante, perceba que ainda nos dias de hoje muitos conhecimentos inovadores restringem-se à elite. Dificilmente pessoas com menos condições financeiras, têm acesso a essas informações. Logo, o movimento que existia anteriormente, continua nos dias de hoje. Figura 1.4: Pierre-Auguste Renoir (1841–1919) Fonte: © Google Cultural Institute / Wikimedia Commons Nesse âmbito, foi percebida a necessidade de estudos psicológicos e morais relacionados ao educar, pois havia a necessidade de corrigir as crianças que não apresentavam o comportamento desejado, ou seja, que não possuíam boas maneiras. Esse sistema escolar preocupa-se com o comportamento de seus alunos e procura modos de contribuir com a sua disciplina fora de sala de aula. Com o aumento do número de crianças, uma nova estrutura familiar começa a ser formar, pois aumentou o total de filhos no mesmo núcleo. Eles tornaram-se importantes para seus pais, que se preocupavam com seu desempenho, com a educação, com a carreira e com seu futuro. No entanto, essa família própria do século XVII, ainda não definiu a criança como personagem principal da casa. Apesar dessas mudanças, ainda é possível verificar que o grupo familiar conservava a sociabilidade ao seu redor. A partir do século XVIII, a família passa a se preocupar com a criança, principalmente no que tange à saúde e à educação, situação que promoveu a diminuição dos índices de mortalidade. Tais cuidados a princípio beneficiaram a burguesia, as crianças mais pobres ainda eram direcionadas para o trabalho. Com o decorrer do tempo, todos tiveram acesso a essa visão, mas nem todos puderam se beneficiar dessas melhorias. Kramer (2003) aponta que tal mudança https://www.google.com/culturalinstitute/asset-viewer/aAGBKKw5YC7_2Q ocorreu devido ao contexto social no qual o sujeito se encontrava. Ela destaca dois pontos que promoveram as seguintes alterações: 1º) representa o avanço científico que levou à diminuição da mortalidade infantil, no século XVIII; 2º) retrata o sentimento moderno de infância, ao perceber a criança como um ser humano frágil e ingênuo, que precisa de carinho e atenção. Figura 1.5: Pierre-Auguste Renoir (1841–1919) Fonte: © Domínio Público / Wikimedia Commons Na medida em que as relações sociais, familiares e de trabalho se alteraram, a infância passou a ser compreendida de outra forma. A princípio a criança deveria ser produtiva desde a tenra idade. Com o passar do tempo, a criança passa a ser vista como quem precisa ter suas necessidades atendidas e respeitadas, sua concepção torna-se particular, com especificidades diferentes das dos adultos. Estudante você observou que nessa etapa, os pais passaram a ver a criança como investimento. Por isso, a família preocupa-se com a formação e com a aprendizagem escolar dos filhos. Dessa forma, os pais ocupam os filhos com atividades diferenciadas e programações culturais, que os tornem competitivos para o mundo do trabalho. Concepção da infância atual A concepção atual da infância altera-se com o modo como a família é concebida. Anteriormente, era compartilhada pela comunidade, atualmente, é uma ação singular pertencente ao núcleo familiar. A ideia era passar valores relacionados à obediência e às boas maneiras, ou seja, a preocupação com o cuidar. Uma nova estrutura familiar surge, pois aumentou o número de crianças vivendo na mesma residência. Com esse novo olhar, a família foca-se em sua intimidade e nas próprias vinculações. Somente com a família moderna, é possível ver um grupo solitário, constituído pelos pais e filhos, em que o desenvolvimento da criança é visto como importante para prepará-la para o mundo adulto. Por essa razão, os pais se esforçam para oportunizar formação de qualidade para seus descendentes. Tal sentimento é similar ao padrão burguês, que se tornou universal. A ideia da infância aparece com a sociedade capitalista, conforme aponta Kramer (2003). Na sociedade feudal, assim que passava o período de alta taxa de mortalidade, a criança precisava contribuir com a família, por isso exigia que ela produzisse como um adulto. Já na concepção burguesa, a criança precisava ser cuidada, ir para a escola e se preparar para exercer o ofício conforme a sua formação. Ou seja, o filho é encaminhado após a sua formação. As relações sociais e de compartilhamentos das responsabilidades são disseminados em prol dessa nova estrutura. A família se fecha, ou seja, há preocupação com os membros que fazem parte dessa constituição. Os pais passam a centralizar suas atenções nos filhos, e preocupam-se em desenvolvê- los para obterem bom desempenho escolar. Segundo Ariès (2006), no contexto familiar atual, os pais e filhos primam pela vida privada, e afastam-se das relações sociais, ou seja, distanciam dos vizinhos, das amizades e das tradições. Esse esforço em separar-se de outras pessoas, denota a dificuldade em viver em um meio que a pressão social com cobranças e imposições são grandes, por isso, a dificuldade em suporta-las. A infância concebida pela classe dominante baseia-se na padronização da infância, criada por meio do critério de idade e atitudes relacionadas a essa faixa etária. Essas características representam o papel da infância assumida socialmente. Por isso, a partir da Industrialização, as mães começaram a necessitar de um local para deixar seus filhos enquanto estivessem trabalhando. Com apoio de associações, por exemplo, conquistaram esse lugar formal e menos insalubre. A família da atualidade passou a viver de forma isolada e se preocupa com as próprias necessidades. Ela também preserva as crianças de situações que possam ferir sua inocência, e as direcionam a espaços que possam adquirir conhecimentos e habilidades que colaboram com o seu desenvolvimento. Em decorrência dessa nova postura, há a necessidade de terceirizar a responsabilidade da educação de seus filhos e orientá-los para receber formação adequada. Dessa forma, os pais buscam instituições de ensino, para contribuir com a formação de seus descendentes. Após o final da Primeira Guerra Mundial (1918), prospera a ideia de respeito ao desenvolvimento infantil. Tal situação culmina no movimento denominado Escola Nova, que tinha como norte o respeito às especificidades das crianças, com intuito de desenvolver características do pensamento infantil. Essa concepção referente à educação entende a igualdade entre todas as crianças, independente da classe social, que proporciona as mesmas condições escolares, padroniza a faixa etária, cria padrões de comportamentos esperados conforme os anos de vida do aluno. Logo, a família é responsável por qualquer conduta fora dos parâmetros desejados, pois o “reduto familiar, então, torna-se cada vez mais privado e, progressivamente, esta instituição vai assumindo funções antes preenchidas pela comunidade” (KRAMER, 1987, p. 18). Figura 1.6: A criança na modernidade Fonte: ©Freepik Do início dos anos 1920 até fins dos anos 1930, surgem pesquisadores que produzem visões diferenciadas sobre o mundo da criança, apropriando-se gradativamente das concepções psicológicas, para entender e aprender como atuar com os pequenos. A partir do fim da Segunda Grande Guerra (1945), a criança começa a ser entendida como um ser que possui direitos que devem ser respeitados, para desenvolver-se plenamente. Tal fato é confirmado com a Organização das Nações Unidas (ONU) que promulga em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança. Na concepção atual ressalta a criança como possuidora de direitos, que precisam ser conhecidos para serem respeitados. Há leis que regulamentam as ações que podem ou não ser realizadas, para que adultos e crianças tenham conhecimentos desses itens para não terem seus direitos violados. Dessa forma, é visível que essas mudanças visam proteger e cuidar das crianças para que se desenvolvam saudavelmente. Nessa aula, você conheceu diferentes concepções da infância e como elas se alteraram ao longo dos séculos. É importante lembrar que, a princípio, os pais não nutriam pela sua prole o sentimento de filho; após o desmame, o pequeno era conduzido para aprender com outra família. O atendimento a essa faixa etária acontecia de forma espontânea e improvisada, uma vez que uma família atendia aos filhos de outra. Esse era o meio de ensinar as atitudes necessárias para viver em sociedade. Você também viu que somente a partir do século XVII, famílias com mais condições recebiam orientações de moralistas e educadores para modificar o modo como estavam educando seus filhos. Para que essas crianças fossem consideradas bem educadas era necessário encaminhá-las para as instituições escolares. Nesses locais, a infância podia ser vivenciada, ao mesmo tempo em que recebiam formação para exercer uma profissão. Não se esqueça de que mesmo com esses avanços ainda permanecia o contato com grupo, vizinhos, sociedade em geral. Tal ruptura só ocorreu na sociedade moderna. Durante a aula você também pôde perceber que nos dias atuais, a família vive de forma privada. Além disso, você aprendeu que a criança possui importância para seus pais, que passam a percebê-la como um investimento, que necessita de cuidados com a saúde e preparo na área educacional, para ter uma bela carreira e colher bons frutos no futuro. Os infantes frequentam escolas e são preparados para a vida em sociedade. A institucionalização familiar tornou- se responsável por ações anteriormente realizadas pela comunidade. Atividade de aprendizagem Com base na aula apresentada, elabore um breve texto refletindo sobre as condições de vida da criança no período que ela era considerada adulto em miniatura. Aula 2 – O processo histórico da educação infantil no Brasil Olá! Seja bem-vindo, seja bem-vinda à segunda aula da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a aula, você aprenderá sobre o processo histórico de educação infantil no Brasil. Então, vamos para o aprendizado? Figura 2.1: Educação infantil Fonte: © Freepik As concepções sobre a educação infantil no Brasil sofreram modificações ao longo dos anos. Para entendê-las é necessário conhecer o conceito de cuidar e os modelos educacionais criados e implantados ao longo dos anos. O conceito relacionado à infância no Brasil e a atenção despendida ao atendimento da criança, sofreram mudanças desde o descobrimento, em 1500, até os dias de hoje. Na história do país é possível verificar as iniciativas relacionadas à criança, compreender o motivo que levou ao seu aparecimento e identificar as propostas relacionadas às classes com maior poderio econômico. Para fins didáticos, esse percurso é distinguido nas seguintes etapas: chegada dos portugueses a 1930; década de 1930 a 1980; anos 1980 aos dias de hoje. Da chegada dos portugueses a 1930 No período compreendido do Descobrimento do Brasil até 1884, o foco era o atendimento às crianças de 0 a 6 anos, sem o objetivo de desenvolvê- las. Nesse primeiro momento, aconteciam: a roda dos expostos para os pequenos e a Escola de Aprendizes Marinheiros para maiores de 12 anos (KRAMER, 1987). O papel de educar estava direcionado à família, especialmente à mulher, que tinha a função de conduzir a criança para o mundo do adulto. Caso a criança não tivesse mãe, essa atribuição era transferida para algum parente; não havendo, era entregue a uma instituição, normalmente religiosa, que cuidava da criança. Nesse local, era utilizada a roda dos expostos, também conhecida como a roda dos rejeitados. A grande maioria das crianças colocadas ali eram brancas e eram destinadas para a adoção, porém, com relação às crianças negras, o objetivo era tão somente evitar que elas fossem escravizadas. Os higienistas foram os primeiros a se preocupar com a infância. Para eles os altos índices de mortalidade infantil estavam ligados aos filhos ilegítimos, ou à falta de conhecimento da mãe. “Os poucos projetos desenvolvidos durante aquele 20 período tinham, portanto, um caráter preconceituoso e valorizavam diferentemente as crianças negras (filhas de escravos) e as elites (filhas de senhores)” (KRAMER, 1987, p. 52). . Glossário Higienista - médicos especialistas em resguardar a saúde, criando medidas para a prevenção de doenças. Entre 1874 e 1889, iniciou a preocupação com as crianças em grupos privados e distintos como os das damas e dos médicos, mas não na administração pública. “A ideia de proteger a infância começava a despertar, mas o atendimento se restringia a iniciativas isoladas e que tinham, portanto, um caráter localizado” (Kramer, 1987, p. 53). Sugeria-se o atendimento aos desvalidos, mas ocorria de forma isolada. Essas ações não conseguiam atingir o grande número de casos de saúde no Brasil. A partir do início do século XX, com a vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas fábricas brasileiras, principalmente italianos, muitos com qualificação profissional e politizados pelo contato com movimentos operários que aconteciam na Europa, os trabalhadores passam a reclamar por melhores condições de trabalho e de vida. Para acalmá-los, seus patrões oferecem benefícios como a criação de vilas operárias, clubes esportivos e creches, que eram indicadas por sanitaristas para manter as crianças saudáveis, ou seja, livre das epidemias. Na realidade, a preocupação era com a reprodução e preservação da mão de obra operária. Algumas damas de classes mais abastadas reuniam-se em associações e prontificavam-se a ensinar as mulheres com menos condições, a serem boas donas de casa e a cuidarem de seus filhos. Essas senhoras criaram inúmeras creches, mas acreditavam que o melhor caminho era a educação direta com a mãe. Concomitantemente a essa situação, surge o movimento em função da puericultura e escolarização, que começam a criar envergadura. Tal característica era de alguns grupos, que tinham a intenção de diminuir a apatia frente aos problemas da infância. Diante de tal situação, foi fundado em 1899, o Instituto de Proteção à Infância do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Seu objetivo era elaborar leis, regulamentar o serviço de ama de leite, atender as crianças com até oito anos e criar creches e jardins de infância. “A fundação do instituto foi contemporânea a uma certa movimentação entorno da criação de creches, jardins de infância, maternidade e da realização de encontros e publicações” (KRAMER, 1979, p. 54). Glossário Puericultura - conjunto de noções e técnicas voltadas para o cuidado médico, higiênico, nutricional, psicológico etc., das crianças pequenas, da gestação até quatro ou cinco anos de idade. Em 1919, por iniciativa da equipe do Instituto, foi criado o Departamento da Criança no Brasil. o local foi “criado e mantido em termos de recursos por Moncorvo Filho, sem receber qualquer auxílio do Estado ou da municipalidade [...]” (KRAMER, 1987, p. 55. Com todas as ações direcionadas para as pessoas menos favorecidas, esse espaço tinha como função apoiar iniciativas voltadas às crianças e às mulheres grávidas; promover conhecimentos e congressos; e aplicar leis. Os órgãos governamentais modificaram suas ações a favor dos pobres e desvalidos, em razão do preparativo para a comemoração do Centenário da Independência, em 1922. Ocasião em que foi organizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. O objetivo dessa ação foi tratar de pormenores que envolviam a criança, direta ou indiretamente e, suas relações com a família, a sociedade e o Estado. Acreditava-se que o atendimento direcionado à infância resolveria os problemas sociais e renovaria a sociedade. Nos anos 1920, a educação das crianças pequenas era de responsabilidade da família, que se responsabilizava em desenvolvê-las para viver em sociedade. Cartaxo (2013, p. 31) aponta que: Naquele período (transição para o período industrial), o papel da mãe e das outras mulheres era o de cuidar da criança, atendendo-lhe no seu desenvolvimento físico a fim de que essa crescesse e assumisse seu papel social no mundo dos adultos. (CARTAXO, 2013, p. 31) No período seguinte, a mão de obra feminina passa a ser exigida no ambiente profissional, devido ao momento de industrialização e urbanização dos centros urbanos, “a criança passa a ser atendida por terceiros, ficando a maior parte do tempo fora do contato com os pais” (CARTAXO, 2013, p. 32). As mulheres ficam parte de seus dias trabalhando fora do lar e, o contato com os filhos se torna cada vez mais escasso. O atendimento à criança foi terceirizado pelas instituições religiosas e filantrópicas, com o intuito de ajudar a mãe com os cuidados dos filhos. Nessa época a educação infantil estava voltada ao assistencialismo, não havia programa para o atendimento dessas crianças. “Para responder a essa situação, creches e pré-escolas foram criadas. Porém, o atendimento visava, prioritariamente, combater a pobreza e a mortalidade infantil” (CARTAXO, 2013, p. 35). Figura 2.2: Alunos na sala de aula Fonte: © Freepik Esse atendimento era destinado para as mães trabalhadoras, ou seja, eram essencialmente assistencialistas. A prioridade eram os cuidados básicos com a higiene, segurança e nutrição da criança. A educação, quando havia, era voltada para o “adestramento” das crianças, ou seja, eram educadas para a disciplina e a obediência. Vale ressaltar que “[...] o papel da mãe e das mulheres era o de cuidar da criança, atendendo-lhe no seu desenvolvimento físico a fim de que essa crescesse e assumisse seu papel social no mundo dos adultos” (CARTAXO, 2013, p. 31). Inicialmente, a mão de obra feminina dirigiu-se para a indústria, já que a masculina estava voltada para a lavoura. Por haver a necessidade de um espaço para deixar os filhos, os sindicatos lutaram para conquistar um local, onde os filhos pudessem ficar até o fim do horário de trabalho. “Para responder a essa situação, creches e pré-escolas foram criadas. Porém, o atendimento visava, prioritariamente, combater a pobreza e a mortalidade infantil” (CARTAXO, 2013, p. 35). Ressalta-se que a origem da educação infantil, nasce com o conceito de ajudar e não no sentido de educar. Década de 1930 a 1980 Na década de 1930, Getúlio Vargas instaura o Estado Novo, refletindo na concepção das instituições dirigidas à educação, saúde e política. Assume de modo compartilhado com instituições particulares e religiosas, a responsabilidade direcionada a esses setores. Valorizou-se a criança, pois a ela cabia desenvolver-se para transformar o país. Ainda hoje é possível ouvir no âmbito escolar frases direcionadas à criança: “O país está em suas mãos”. Kramer (1987, p. 57) aponta que o infante era considerado sem classe social e que “[...] o Estado que se tinha em vista engrandecer era uma entidade apresentada como se não tivessem ligadas aos interesses de uma classe social, e como se pudesse superar conflitos e divergências existentes entre as classes sociais que a compunham”. A educação anteriormente direcionada à elite, torna-se democrática. O discurso proferido é que a ascensão social ocorre por meio do ensino, direito adquirido por todos. Concomitantemente, a esse período articulam-se fundamentos direcionados a psicologia do desenvolvimento, em especial o da Escola Nova. Esse movimento não tratava especificamente da primeira infância. Ressalta-se que “naquele momento, as crianças de zero a seis anos, porém, eram assistidas basicamente por instituições de caráter médico, sendo muito poucas as iniciativas educacionais a elas destinadas” (KRAMER, 1987, p. 57). O Estado se mostrava autoritário e preocupado com as crianças de baixa renda, por isso ele defendia o cuidado com os infantes, reforçando a necessidade da criação de pessoas fortes e sadias, que contribuiriam com o país. O discurso oficial da época do Estado Novo era que [...] têm relacionado permanentemente a assistência médico-pedagógica à criança com o desenvolvimento da nação. Há, no entanto, diferença significativa no que diz respeito aos setores que se devem responsabilizar pelo atendimento: ora a ênfase recai sobre a iniciativa oficial, ora sobre a particular, ora sobre ambas, ora sobre a própria população. (KRAMER, 1979, p. 59). Salienta-se que, nessa época, a preocupação com a criança mantem-se na concepção abstrata de infância. Contudo, cresce o número de setores destinados a esse atendimento, com a criação de espaços como jardins de infância, lactários e maternais. A tônica de tal momento é médica, que tinha o intuito de prevenir e remediar possíveis situações relacionadas à criança. No entanto, qualquer situação diferente relacionada ao meio, a família era responsabilizada por essas situações desgastantes. Não se levava em conta as disparidades entre diferentes núcleos familiares, oriundos de classes sociais diferentes. Com essa situação, o governo mantinha-se neutro, e se eximia de situação que pudesse culpá-lo. Na década de 1940, foram criados diferentes órgãos oficiais voltados à assistência infantil. Você verá a seguir, a forma como as crianças eram atendidas por esses órgãos. Departamento Nacional da Criança: criado em 1940, vinculado ao Ministério da Saúde, seu objetivo era coordenar ações relativas à proteção da infância, adolescência e maternidade. “A tendência de suas ações era médico-higiênica e desenvolveu várias campanhas de vacinação e de combate à desnutrição, pesquisas de cunho médico e palestras populares para mães, fortalecendo o papel da mulher no lar com o cuidado com os filhos” (Cartaxo, 2006, p. 45). Serviço de Assistência a Menores: criado em 1941, vinculado ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores, dirigido ao atendimento aos menores de 18 anos, abandonados e delinquentes. Em 1964, foi extinto, por não conseguir cumprir com suas tarefas. Com as mesmas atribuições, surge a Fundação Social do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Legião Brasileira de Assistência (LBA): criada em 1942, seu objetivo era disponibilizar serviços sociais à família e às crianças. Essa ação seria conjunta entre a esfera particular e pública. Em 1974, tornou-se uma fundação, com unidades implantadas em todo o Brasil, nas quais eram assistidas crianças de 0 a 6 anos, por meio de um projeto denominado Casulo. Atendia carências nutricionais e realizava atividades recreativas. Organização Mundial para Educação Pré-Escolar (OMEP): criada em 1953, no Rio de Janeiro. Atendia crianças de 0 a 7 anos, independente da classe social, com ações direcionadas à consciência sobre a necessidade da criação da educação infantil. Coordenação de Educação Pré-Escolar (COEPRE): originada em 1975, pelo Ministério da Educação e Cultura. Tentativa de criar um programa escolar para crianças pequenas. Realizou seminários para diagnóstico da educação pré-escolar no Brasil, com intuito de provocar a existência de programas para nortear o país. Em 1950, o Departamento Nacional da Criança identificou que a mortalidade infantil era resultado da incompetência das mães. Ou seja, era necessário “domesticar” as pessoas das classes menos favorecidas, com os princípios da classe média, a fim de torná-las mais “civilizadas”. Em nenhum momento, a real situação econômica, que envolve moradia, alimentação e outros itens necessários para o bem viver, foi verificada e discutida. Nessa época, chega às creches a vertente psicanalista, que defendia a importância do afeto da mãe com o filho, para o desenvolvimento saudável da criança. As mães que precisavam deixar seus pequenos sentiam-se culpadas, pois acreditavam que tal atitude poderia promover danos irreparáveis. “A relação entre a situação econômica precária e o ato de delegar a outrem a educação das crianças propiciou o surgimento da conotação negativa do atendimento à criança fora da família” (CARTAXO, 2013, p. 37). Na década de 1960, surge a educação compensatória, que nada mais é que um modelo de criança média, que deveria ser seguido pela sociedade. Aquele que não se enquadrava nesse padrão era estigmatizado como carente e inferior. Nessa época verificou-se que [...] a homogeneidade da escola tem excluído muitas crianças do processo de ensino-aprendizagem. Começam a ser valorizadas as diferenças no modo como são selecionados os conhecimentos, a consideração pelas riquezas e experiências socioculturais, as diferenças subjetivas das crianças e suas histórias de vida”. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 29). Acreditava-se que para desenvolver-se era necessário frequentar a creche, agora responsável por promover essa mudança. Entretanto, tal responsabilidade não é dever da escola, envolve outros eixos mais complexos, que exigem mudanças políticas e sociais que não cabe à instituição escolar. Na década de 1970, eleva-se o número de movimentos sociais que exigem maior quantidade de creches, por parte do Estado. Em alguns lugares, como São Paulo, houve gradativamente a expansão de instituições que atendem crianças. Ressalta-se nesse período, a criação do Projeto Casulo, que tinha como objetivo “atender às crianças [...], proporcionar às mães tempo livre para ingressar no mercado de trabalho, de modo a que possam elevar a renda familiar” (Kramer, 1987, p. 76). Implantadas em todo o território nacional, as unidades atendiam as crianças de quatro a oito horas diárias, conforme as condições locais. Promovia atividades recreativas específicas a sua faixa etária, sem foco direcionado à escolarização futura, e preocupava-se com as carências nutricionais. A falta de recursos humanos foi o maior desafio desse projeto. Anos 1980 aos dias de hoje Na década de 1980, universalizou-se a ideia de que todas as crianças pequenas, independente da classe social, devem ser beneficiadas com o atendimento promovido pela creche. Com a pressão realizada por movimentos sociais e feministas, a Constituição de 1988, reconheceu a educação das creches como direito da criança e dever do Estado. Nos anos 1990, “[...] o MEC realizou vários seminários e debates, envolvendo a participação de vários segmentos da sociedade, com o propósito de construir uma nova concepção para a educação de crianças de 0 a 6 anos” (Cartaxo, 2013, p. 48). A legislação foi revisada, para atender com maior qualidade a educação infantil, pois a concepção da criança alterou-se. Momento em que as pessoas percebem a importância das instituições infantis para o desenvolvimento do sujeito, e o estado assume tal responsabilidade. Figura 2.5: Educação infantil acessível para todos Fonte: ©Freepik Vários documentos são elaborados visando à melhoria da educação: Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil – 2006. Política Nacional de Educação Infantil. Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício em Educação Infantil. Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Os documentos visam ampliar e garantir a educação infantil e oferecê-la com qualidade. Dessa forma, “[...] a escola deve sair da sua função de transmissora de conhecimentos a serem acumulados para assumir a capacidade de atuar e organizar os conhecimentos em função das questões que se levantem” (BARBOSA; HORN, 2008, p. 28). Para tanto, é necessário que os profissionais que atuam com essa faixa etária tenham qualificação e preparo acadêmico. Assim, conseguem proporcionar atividades embasadas em estudos relacionados a essas áreas, saindo do improviso e de ações relacionadas ao senso comum. Passou-se de uma concepção segundo a qual as crianças eram vistas como seres em falta, incompletos, apenas a serem protegidos, para uma concepção das crianças como protagonistas do seu desenvolvimento, realizado por meio de uma interlocução ativa com seus pares, com os adultos que as rodeiam, com o ambiente no qual estão inseridas (BARBOSA; HORN, 2008, p. 28). A concepção de educação infantil atual proporcionou mudanças significativas na utilização dos espaços, nas atividades empregadas, na formação dos professores e principalmente no modo como é entendida a criança. Agora é um local direcionado ao aprendizado e ao desenvolvimento do sujeito. Todas as ações estão direcionadas para garantir que o aluno evolua em seu aprendizado e obtenha bons resultados. A educação infantil no Brasil foi marcada pelo caráter preconceituoso, a princípio utilizada por pessoas desfavorecidas economicamente e consideradas ignorantes pela classe dominante. Da Roda dos Expostos às ações empregadas até o início da década de 1980, evidencia-se que as crianças mais pobres eram levadas a esses espaços com o intuito de seus progenitores se livrarem de um problema, ou trabalhar para garantir melhor renda para a família. Somente a partir do fim dos anos 1980, a educação infantil passa a ser entendida como o espaço direcionado ao desenvolvimento do sujeito. Após esse período, vários estudos, pesquisas, congressos são proferidos com o intuito de refletir sobre o ensino das crianças pequenas. Tais ações culminaram na elaboração de documentos por parte do Estado, que finalmente assume a responsabilidade de garantir ensino de qualidade para a educação infantil. Atividades de Aprendizagem A partir de 1980, algumas mudanças ocorreram no âmbito relacionado à educação infantil. Quais foram as principais transformações? 1 Aula 3 – Determinações Legais para a Educação Infantil no cenário educacional brasileiro As determinações legais orientam o sistema educacional brasileiro, apontam como deve ser conduzido o ensino no país e os avanços em relação à educação infantil. Estatuto da Criança e do Adolescente Historicamente, a concepção de criança sofreu alterações. Atualmente, o infante é considerado um sujeito com direitos, portanto, necessita que a legislação reze sobre tal conceito e dirija a ele atenção e proteção necessárias para viver em ambiente salutar e digno, que contribua plenamente para o seu desenvolvimento. Por isso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, determina os direitos e deveres correspondentes a essa faixa etária. O ECA surge com o intuito de regular a Constituição Federal de 1988, mais especificamente o art. 227, que trata sobre a proteção integral e o princípio da prioridade absoluta. Sua formulação apresenta duas propostas fundamentais: a primeira concerne direito à criança, tratada anteriormente como mero sujeito que sofria intervenção da família e do Estado; a segunda, aponta para a necessidade da criação de uma nova política pública de atendimento a esse público, com a descentralização política administrativa, ou seja, a sua municipalização, aliada a ações da sociedade civil. Glossário Rezar: fazer uma determinação; dar uma ordem: isto é o que reza a lei. Olá! Seja bem-vindo à terceira aula da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a aula, você conhecerá o Estatuto da criança e do Adolescente e as Leis de Diretrizes e Bases da Educação. Estudante, que tal irmos para o aprendizado? 2 Tais ações serão essenciais para oferecer o alicerce necessário para minimizar os efeitos relacionados à marginalidade para um público desprovido de assistência, vulnerável e envolto na exclusão social. Diante desse contexto, a falta de cuidados com as crianças, por diferentes sujeitos que a negligenciaram, seja em nível familiar, social ou mesmo do Estado, faz-se necessário proporcionar aos infantes atenção e proteção, e que lhes sejam concedidos seus direitos fundamentais, minimizando os efeitos relacionados ao abandono social. Esses apontamentos podem ser observados no Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme os artigos abaixo: Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Assim, no referido Estatuto observa-se o apontamento claro e objetivo sobre a faixa etária considerada como criança e adolescente. Tais idades podem sofrer alterações se forem observadas sobre o crivo da psicologia e da pedagogia. Além disso, nota-se outro ponto interessante, quando refere a substituição da designação anterior de menor, que era discriminatória e pejorativa, para a aplicação da denominação de criança e adolescente, que concede a esse sujeito o direito à cidadania e à dignidade. Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Glossário Exclusão social: é o distanciamento de uma pessoa ou grupo que esteja em situação desfavorável ou vulnerável em relação aos demais indivíduos e grupos da sociedade. 3 Nesse ponto está evidente a necessidade da ação conjunta de todas as esferas sociais, para propiciar meios de oportunizar a promoção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Vale ressaltar que a família foi a primeira a ser selecionada para desenvolver tal ação, haja vista que todo o empenho às ações deve ocorrer preferencialmente nesse âmbito. Ademais, aponta como direito a convivência familiar, pois é considerada como essencial para o progresso integral do sujeito. A proteção à criança e ao adolescente, estabelecida no Art. 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste em dar proteção à vida e à saúde dessas pessoas, oportunizar o desenvolvimento harmonioso e condições dignas de existência. Ademais, o Estatuto reza sobre a atenção despendida para o bem- estar da gestante e da parturiente, de modo que sejam oportunizados meios para o desenvolvimento saudável do bebê. Nesse sentido, considera-se o cuidado com a vacinação, a odontologia e os tratamentos médicos. Figura 3.1: Vacinação de crianças Fonte: Istockphoto Atenção! O Estatuto da Criança e do Adolescente é um documento importantíssimo em sua totalidade, pois versa sobre questões específicas da criança e do adolescente. 4 Em relação à liberdade, o art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Dessa forma, é inviolável que essas ações sejam respeitadas. No próximo artigo é tratado de forma específica o direito que rege a liberdade. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir,vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV – brincar, praticar esportes e divertir-se; V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Assim sendo, o referido artigo evidencia o cuidado com os sujeitos menores de dezoito anos, no que tange à liberdade e à participação da vida social e interação com seus pares. Ressalta-se a preocupação do inciso III, ao apontar a liberdade de crença e culto religioso. Dessa forma, ações dirigidas ao público mais vulnerável não podem ter como pano de fundo a religiosidade. Em caso de atividades beneficentes, os órgãos religiosos não podem impor sua forma de pensar às crianças ou aos adolescentes, tampouco utilizarem de barganhas para oferecer o serviço. Devem, sim, zelar para que as ações desenvolvidas sejam laicas e ecumênicas, em qualquer espaço, principalmente na escola. Veja o que prevê o artigo do Estatuto que segue: Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Cabe a todos zelar pela integridade física e humana de todos os sujeitos com menos de dezoito anos. Respeitar essas pessoas e agir em sua defesa, caso seja violada. Os sujeitos que descumprirem esse ponto do Estatuto poderão ser encaminhados para programas oficiais, a tratamento 5 psicológico, a cursos ou programas de orientação ou receber advertência. Tais ações serão encaminhadas pelo Conselho Tutelar. No art. 53 do Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente são apontados o Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer. Nesse capítulo, particularmente, são evidenciados aspectos relacionados à educação. Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. Como pode observar, esse artigo enfatiza a atenção à cidadania e ao desenvolvimento pleno do sujeito, oportunizando ações pedagógicas destinadas a tal fim. Ressalta-se a importância da participação da família nesse processo, de forma a contribuir com definições importantes para esse processo, uma vez que é indelegável o papel da família no preparo dos sujeitos para a sociedade. Assim, nada mais justo que a cooperação na elaboração de regimentos escolares e outras ações próprias da escola. O próximo artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se à educação infantil. “Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade”. Esse ponto sofreu alteração após o ensino de nove anos ser promulgado. Ao Poder Público cabe se adequar para atender à demanda da matrícula na pré- escola. Talvez seja pelo fato da educação infantil não ser obrigatória que o artigo 56 menciona como responsabilidade dos dirigentes do ensino fundamental comunicar sobre casos envolvendo maus-tratos. Em nenhum momento se dirigiu para as instituições que atendem crianças de zero a cinco anos. Dá a entender que a preocupação recai no Ensino Fundamental, desconsiderando outras etapas, principalmente a infantil. 6 Os artigos mencionados são os mais empregados no âmbito educacional, principalmente na Educação Infantil. Você sabia? Que o ECA coloca o Brasil em posição de destaque entre os demais países do mundo por ser considerado uma das leis mais avançadas na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) de 1996 regulamenta o fundamento, a estrutura e a normatização do sistema educacional no âmbito nacional. A primeira versão ocorreu em 1961 (Lei nº 4.024/61), a última em 1996 (Lei nº 9.394/96). Tal caminho foi trilhado no final do Estado Novo, em 1946, mas somente com a Constituição de 1988 concedeu à União o direito de legislar sobre a educação nacional. A LDB 9.394/96 regulamenta todos os níveis de ensino, reitera o direito à educação garantido pela Constituição Federal, determina os princípios da educação e os deveres do Estado, em se tratando das responsabilidades entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Quando criada, a LDB de 1996 respaldou-se na Constituição Federal de 1988, nela consta os “direitos sociais à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e à assistência aos desamparados”. Essas legislações foram essenciais para o sistema educacional brasileiro, uma vez que aponta para ascensão em relação às conquistas relacionadas ao bem comum, denotando a preocupação em regulamentar esse processo e a busca em proporcionar tais direitos. Ressalta-se que, durante esses anos, a LDB sofreu inúmeras alterações. O art. 205 da Constituição Federal estabelece que: “A educação, é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A educação infantil, entendida como dever do Estado e da família, deve buscar diálogos constantes com a sociedade, para oportunizar troca de 7 informações sobre a criança. No entanto, é papel específico das instituições escolares ampliar as vivências das crianças e enriquecê-las com saberes diferenciados para expandir suas referências pessoais. Ademais, também é papel da escola propiciar a integração social, por meio da convivência com seus pares e com adultos. Figura 3.2: Capa da Constituição do Brasil de 1988 Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bandeira_do_Brasil_Constiti%C3%A7% C3%A3o_do_Brasil.JPG Com o intuito de pensar na educação e garantir a sua qualidade, o Estado assume a responsabilidade de delimitar sobre a formação e sistematização do conhecimento no âmbito nacional. Dessa forma, a mesma temática poderia ser trabalhada em diferentes lugares do país, uma vez que se parte “[...] do pressuposto que uma lei é um ornamento jurídico de aplicação universal que deve ser obedecida por todos os membros de uma sociedade” (NASCIMENTO, 2005, p. 101). Assim, ocorreu a reestruturação e renormatização do sistema educacional brasileiro. Com a criação da LDB não se encerrou o assunto sobre o sistema educativo, pois havia a necessidade de refletir sobre o processo envolto em suas 8 especificidades. Essa abertura oportunizou reflexões acerca de suas nuances com enfoque na educação. De modo geral, não há dúvidas que o discurso dessa lei denota progressivos avanços educacionais no Brasil, pois há interesse em oferecer qualidade no ensino, sem distinguir classes sociais. Tal interesse observa-se no art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases: “Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”. Os princípios acima perpassam todos os níveis de educação, inclusive a infantil. Dessa forma, esses conceitos precisam ser aplicados no âmbito escolar, em se tratando da documentação vigente dessas instituições. Logo, são regras preestabelecidas pelo Ministério da Educação que devem ser aplicadas no dia a dia, aliando as especificidades locais. Tais orientações devem nortear o Projeto Político Pedagógico (PPP) do ambiente escolar que de forma alguma pode se dissociar da LDB/1996. Aos Estados e Municípios cabem deliberar sobre a Proposta Pedagógica de suas instituições. Essas especificações podem ser verificadas no art.15 da LDB: 9 [...] essa lei deixa explícito que às unidades escolares públicas de educação básicas integradas ao sistema serão assegurados graus de autonomia pedagógica e administrativa, além de autonomia financeira, desde que sejam seguidas as normas gerais de direito financeiro público (CARTAXO, 2013, p. 168). Ao verificar o processo histórico, é visível o posicionamento do Estado brasileiro que se eximia de assumir a responsabilidade pela garantia da educação. Na LDB/1996 é possível observar claramente a mudança dessa atitude, por meio do seu art. 40: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; A inserção da pré-escola na educação infantil denota o reconhecimento de que os princípios educacionais na tenra idade são importantes para o desenvolvimento do sujeito. Nascimento (2005, p. 102) corrobora esse entendimento ao afirmar que “A educação infantil integra a educação básica juntamente com o ensino fundamental e médio. Ou seja, por lei, a educação infantil é um nível de ensino [...]”. Apesar de tais avanços, que incube o poder público de garantir a educação básica gratuita, ela não contempla as fases iniciais da educação infantil. Assim, as crianças de menor faixa etária não são enquadradas nessas especificações. Em outro ponto da lei, mais especificamente no art. 21, novamente é ressaltada a composição da educação escolar, sendo o ensino infantil integrado à educação básica: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II – educação superior. Na LDB/1996 é possível observar a importância que a Educação Infantil assume na contemporaneidade, uma vez que uma nova concepção de infância é instaurada socialmente. 10 Dessa forma, a criança é concebida de forma única e, neste sentido, torna-se necessário pensar no ensino direcionado para a sua faixa etária. Por isso, a educação infantil foi colocada em destaque, inexistente nas legislações anteriores, sendo criada a Seção II, do Capítulo II da Educação Básica, específica para ela, levando em conta as particularidades próprias do infante e atribuindo significado às ações que consideram o desenvolvimento integral do sujeito. Tal aspecto pode ser observado no artigo que segue: Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Figura 3.3: Desenvolvimento integral da criança Fonte: Shutterstock Sabendo-se das singularidades das crianças referentes a cada etapa de seu desenvolvimento, a LDB no seu art. 30 procurou segmentar a oferta do atendimento ao infante da seguinte forma: creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; pré-escolas para as crianças de 4 a 5 anos de idade. “Embora a educação infantil seja parte integrante da educação básica, sua especificidade é pouco reconhecida, para não dizer desconsiderada. Aliás, com relação à especificidade, a única diferença apontada pela lei entre a creche e a pré-escola diz respeito à faixa etária” (NASCIMENTO, 2005, p. 107). Ações referentes à escolarização na educação infantil, apontadas na LDB, precisam ter posicionamento cauteloso, uma vez que é necessária a junção do cuidado e da assistência no processo educativo, quando se refere a crianças pequenas. 11 Além disso, é importante propiciar reflexões acerca do processo educativo que ocorre na creche, para não correr o risco de primar somente pelos aspectos referentes ao cuidar. Assim, “O assentado na LDB corre o risco de desconsiderar as ações de assistência e do cuidado pelo fato de privilegiar o educativo por meio da escolarização” (NASCIMENTO, 2005, p. 108). Esse posicionamento pode ser identificado no artigo abaixo: Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional; III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Glossário Assentado: que é membro de um assentamento, local onde estão acampados trabalhadores rurais. Na LDB é claro o posicionamento sobre as práticas de avaliação referentes à promoção, seleção e classificação, principalmente no que tange às práticas que retêm a criança que não está alfabetizada na educação infantil, impedindo sua ida para o ensino fundamental. O processo avaliativo pressupõe atitudes referentes à observação e ao modo como será registrado o desenvolvimento do infante. Essas atitudes promovem reflexões sobre a prática que deve ser adotada para atingir os objetivos propostos, bem como refletirá no aperfeiçoamento do profissional. A LDB utiliza sete artigos para fazer considerações importantes sobre o papel do profissional da Educação, passando a privilegiar o perfil do professor. Assim sendo, o art. 62 determina que “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, 12 admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”. Desse modo, é possível observar na legislação que o magistério é a formação mínima exigida ao profissional que atuará na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental. Para os outros níveis, a exigência é o ensino superior, apesar da LDB/1996 apontar que, se o professor tiver apenas o nível médio, na modalidade normal, pode lecionar nas etapas referidas. Esse posicionamento dá a entender que não é necessário diploma para atuar com as crianças pequenas. Dessa forma, identifica-se com o modo como historicamente a educação é concebida, ou seja, está intrinsecamente ligada ao fazer doméstico. Por esse viés, parece que o ensino infantil é desvalorizado, pois não há a necessidade de utilizar os conhecimentos presentes no mundo acadêmico nesse tipo de trabalho. “Embora a educação infantil seja parte integrante da educação básica, sua especificidade é pouco reconhecida, para não dizer que é desconsiderada” (NASCIMENTO, 2005, p. 107). Atualmente, a LDB/1996 foca-se na questão específica dos professores e procura valorizar o profissional, por meio de planos de carreiras, progressão funcional, aperfeiçoamento contínuo, piso salarial, período reservado para estudos, planejamento e avaliação dos conteúdos ministrados. Para promover essa valorização, a legislação estabelece o regime de colaboração entre União, Estados e Municípios, de modo que haja colaboração entre eles para a organização de seus sistemas de ensino. A esse respeito, Nascimento (2005, p. 105) afirma que “A questão, no entanto, diz respeito à ausência de uma definição precisa das fontes de recursos que farão com que a educação infantil efetivamente se constitua em um atendimento de caráter nacional”. Nesse sentido, notam-se avanços significativos em relação a pontos sobre a educação infantil na LDB/1996. As suas especificidades denotam o reconhecimento dessa etapa da educação, principalmente em se tratando do modo como são expostos pontos importantes na legislação. Desse modo, a legislação tem o intuito de formar cidadãos, mas há que ter o cuidado para não escolarizar o ensino infantil, ou voltar-se ao 13 assistencialismo. Logo, há a necessidade de trabalhar harmoniosamente com o cuidar ao mesmo tempo que emprega propostas relacionadas ao educar. A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro documento a apontar a educação como dever do Estado Brasileiro. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi criado para nortear novas concepções relacionadas com a infância. Depois, surgiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996, que determina sobre o sistema educacional brasileiro. Suas orientações concernem ao modo como deve ser conduzido o ensino no país. Nesse contexto, notam-se avanços significativos em relação à concepção relacionada com a criança, principalmente quando se refere às determinações legais. Da Constituição de 1988 às Leis de Diretrizes e Bases de 1996, é notória a preocupação em perceber as nuances direcionadas à educação de torná-la obrigatória, com clareza e equidade para o ensino nacional. Assim, o caráter doméstico e desprovido de profissionalismo é rechaçado, ou seja, é orientado para o fazer, o trabalho, pelo viés pedagógico. As leis mencionadas são referências bibliográficas imprescindíveis para compor seu acervo profissional e orientá-lo em seu trabalho pedagógico. Atividade de aprendizagem 1) Segundo a LDB, quais diferenças podem ser apontadas entre a creche e a pré-escola? 14 Aula 4 – As Diretrizes e o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil O Referencial Curricular Nacional (RCNEI) foi criado para embasar as ações referentes à educação infantil, apresentando-lhe possibilidades diferenciadas das empregadas no âmbito escolar. Características do Referencial Curricular Nacional Olá! Seja bem-vindo, seja bem-vinda, à quarta aula da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil. Durante a aula, você conhecerá as Diretrizes e o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil. Então, vamos mergulhar neste aprendizado? 15 Figura 4.1: Capa da Introdução do Referencial Curricular Nacional Fonte: Portal do MEC O Referencial Curricular Nacional (RCNEI), criado em 1998, constitui um conjunto de referências e orientações que buscam propiciar práticas educativas de qualidade. Sua função visa socializar informações, promover discussões e pesquisas e contribuir para a educação infantil em seus diferentes sistemas. Nesse documento a proposta é aberta, flexível e não é obrigatória, ou seja, pode ser adaptada conforme as especificidades de cada recôndito do país. A primeira versão foi analisada por quinhentos especialistas que apontaram as conquistas políticas referentes à educação infantil e a inseriram no sistema de ensino regular, atualmente conhecido como Educação Básica. Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais (MEC, 1998, p. 15). O Referencial aponta a importância de a educação infantil ser reconhecida e apoiada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no entanto há muito a ser conquistado. Assim, entre os estudiosos sobre o Referencial destaca-se a crítica de que “A estrutura do documento foi considerada complexa. O excesso de divisões, títulos e subtítulos prejudica a compreensão do todo. Alguns tópicos estão fora de lugar, alguns repetidos” (CERISARA, 2005, p. 25). O documento é a primeira proposta voltada para a educação infantil, constituído por objetivos gerais e específicos, conteúdos e ações didáticas direcionadas para crianças de 0 a 6 anos de idade, e refere os aspectos históricos, relacionados ao assistencialismo e ao educar, de forma superficial e polarizada. A concepção do RCNEI está embasada nas teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Logo, a fundamentação baseia-se na psicologia cognitiva, quase que prioritariamente de base piagetiana. 16 O termo empregado pelos seus autores é “construtivismo socialmente determinado”, respaldado no construtivismo do desenvolvimento, do ensino e da aprendizagem. Muitos pesquisadores, que avaliaram o referencial, comentam que a sua base teórica é confusa e pouco aprofundada. Algumas vezes, as abordagens são contraditórias, simplificadas ou até mesmo mal-empregadas. Tais situações geram problemas de coerência e entendimento, principalmente por dar a impressão de que o processo de ensino-aprendizagem tradicional pode ocorrer antes do tempo da maturidade da criança (CERISARA, 2005). A estrutura do documento apresenta-se da seguinte forma: Volume 1: Documento introdutório Volume 2: Formação pessoal e social Volume 3: Conhecimento de mundo No primeiro documento, é apresentada a diferença entre creche e pré- escola, sendo que a primeira se refere a crianças de 0 a 3 anos e a segunda de 4 a 5 anos. Ele relata, brevemente, sobre o preconceito existente quando se faz referência à creche, destinada a crianças oriundas de famílias humildes, e ao jardim de infância, voltado para a classe privilegiada. No segundo momento, enfatiza os seguintes aspectos: criança, educar, cuidar, brincar, professor de educação infantil, organização por idade, organização em âmbitos e eixos, bem como a instituição e o projeto educativo. Refere também as relações familiares, os objetivos gerais da educação infantil, a importância da observação, o registro e a avaliação. Nos volumes dois e três, em cada área de trabalho, pode se verificar alguma variação, mas em sua maioria são apresentados os seguintes tópicos: as concepções vigentes nas instituições de educação infantil; a concepção do eixo ou da área; a aprendizagem na área; os objetivos, os conteúdos, os critérios de avaliação e as orientações didáticas para crianças de 0 a 3 anos e de 3 a 6 anos; e a bibliografia. O segundo volume, denominado “Formação Pessoal e Social”, é composto pelos seguintes assuntos: Conhecimento de si e do outro; Movimento 17 e Brincar, que tratam de vivências relacionadas ao desenvolvimento afetivo e global e seus esquemas simbólicos. O terceiro volume intitulado “Conhecimento do Mundo”, é constituído pelos temas: Artes Visuais; Língua Escrita e Língua Oral; Música; Matemática; Natureza e Sociedade. As linguagens são escolhidas por representar parte da produção cultural, enfatizando-se as diferentes linguagens em contato com a cultura. No que concerne à divisão em eixos de trabalho e em áreas, é priorizado o aspecto cognitivo sobre os demais aspectos relacionados ao ser humano, como ser integrado e único. Esse rompimento pode levar ao equívoco de trabalhar com o conhecimento de forma fragmentada, ou então, levar os profissionais da área que atendem “crianças de 0 a 6 anos a usarem o documento ‘Desenvolvimento Pessoal e Social’, e aqueles que atendem crianças de 4 a 6 anos o de ‘Ampliação do Universo Cultural” (CERISARA, 2005, p. 32). Os conceitos abordados no RCNEI propõem oportunizar práticas que favorecem o pensar, o sentir e o compreender a realidade na qual a criança está inserida. No entanto, a sua estrutura baseia-se no modelo tradicional escolar, pautado pelo modo instrumental de trabalho dos professores. E em cada eixo, o documento organiza-se por meio de objetivos, conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas. Assim sendo, os conceitos dessa organização podem levar o professor a tratar as crianças como pequenos alunos e a exigir o comportamento e a aprendizagem equivalente ao ensino fundamental, situação essa que fere o desenvolvimento do infante. No documento nota-se, ainda, o intuito de tratar a educação infantil da mesma forma que a do ensino fundamental, ou melhor, foca-se o ensino e o modo como se trabalha com essa etapa de desenvolvimento. Contudo, tal concepção é um “[...] retrocesso em relação ao avanço já encaminhado na educação infantil, de que o trabalho com crianças pequenas em contexto educativo deve assumir a educação e o cuidado enquanto binômios indissociáveis, e não o ensino” (CERISARA, 2005, p. 28). 18 Logo, nessas concepções há especificidades claras que as distinguem, mas que não são respeitadas, pois a educação deve focar o respeito às etapas de desenvolvimento e criar situações lúdicas, prazerosas para que ocorra o aprendizado pleno do sujeito. Em vários trechos do texto é possível identificar a terminologia que dá a impressão do desejo de promover a escolarização do aluno desde os primeiros dias de vida. Contudo, o eixo principal refere-se à criança e a todo o seu entorno, que precisa ser acolhedor e criativo, sem a burocracia e o controle mantido pela intervenção do adulto. Quanto ao texto escrito, não há clareza em relação ao interlocutor, ou seja, para quem foi escrito o documento? Em alguns momentos da leitura, dá a entender que o destinatário é a equipe gestora, em outros parece que é dirigida aos professores. Assim, enfatiza-se a linguagem simplificada e o teor que se assemelha a receitas que devem ser seguidas, e não promovem reflexões que favorecem o aprendizado (CERISARA, 2005). O referencial refere as concepções históricas da criança em um processo histórico, a princípio destinado às famílias humildes. Anteriormente, o assistencialismo estava fortemente presente, sendo que esse documento propõe modificar tal conceito. Para tanto, são necessárias reflexões sobre a criança e a classe social, bem como a responsabilidade assumida pelo Estado e pela sociedade. Cerisara (2005, p. 29), acerca do parecer, considera que: [...] predomina no RCNEI uma concepção abstrata e reducionista que a vê unicamente como aluno, pois apesar de ter uma concepção de histórico-social, o documento não toma a criança como princípio educativo, uma vez que privilegia mais o “sujeito escolar” que o “sujeito criança”. O entendimento de que a criança possui direitos fica alheio a essa concepção; dessa forma, não há menção à importância da felicidade e da cidadania em relação à criança. O documento considera o infante como ser abstrato que frequenta a instituição escolar, e não o coloca como sujeito que tem desejos, sonhos, 19 vontades e constrói a singularidade de sua história, sem deixar de ser criança, independentemente de sua condição financeira, histórica, física, ou qualquer especificidade pertinente a ela. Figura 4.2: Criança em situação lúdica Fonte: PublicDomainPictures No decorrer do documento, há diversas concepções referentes à primeira infância. Parte-se do modo como cada um entende o que é necessário trabalhar para o desenvolvimento da tenra idade. Alguns pareceres tiveram a intenção de apontar as diferentes concepções de criança e de contextualizá-las. Cerisara (2005, p. 30) afirma que “Em vários pareceres é indicado que no transcorrer do documento há várias concepções de criança sem que seja possível relacionar as concepções teóricas apresentadas com o conteúdo das demais partes da referida proposta”. Alguns consideram que o atendimento à infância deve ser iniciado com os procedimentos físicos, uma vez que o infante é frágil e precisa de cuidados, o que significa priorizar o aspecto relacionado ao cuidar. De acordo com o RCNEI (1998, p. 18), “Essas práticas tolhem a possibilidade de independência e as oportunidades de as crianças aprenderem o cuidado de si, do outro e do ambiente”. Todavia, as concepções que não se restringem a esse olhar entendem que esses cuidados não se referem somente à proteção, à saúde e à alimentação da criança, mas também à interação, à segurança, ao brincar, ao explorar o espaço e descobrir as possibilidades que o local apresenta. 20 Há ainda concepções que concentram as práticas no aspecto emocional, nesse caso, a cobrança recai sobre os profissionais, que são induzidos a ter a mesma postura que os pais das crianças. Em alguns casos, o foco das relações da criança é apenas o adulto, sem o ampliar para outros contextos. Diante dessas concepções, observa-se um contraste entre a relação do cuidar e a do educar: ora o cuidado é enaltecido, num momento, ora o educar é reverenciado, no momento seguinte. Para tanto, é preciso repensar as concepções de criança, como um sujeito histórico e social que faz parte de um contexto familiar que, por sua vez, está inserido em um contexto cultural e histórico. Assim, além das características comuns às crianças, importa conhecer e respeitar as particularidades individuais delas, no que se refere à forma única como sentem e pensam o mundo. A análise do processo histórico possibilita observar que, inicialmente, as concepções do cuidar foram predominantes, pois a tônica era colocada no assistencialismo. O cuidado estava relacionado com atitudes, auxiliar as crianças nas tarefas que não desenvolviam sozinhas, proteção, higiene e nutrição. Ora, tais ações podiam ser executadas por qualquer pessoa, não necessitavam de profissionalização para realizá-las. No entanto, o ato de cuidar, entendido como elemento essencial na interação com a criança pequena, possibilita criar vínculo afetivo. Ao profissional da educação cabe desvendar as nuances que podem ser expressas pelo aluno, por meio do cuidado, “principalmente, as necessidades das crianças que, quando observadas, ouvidas e respeitadas, podem dar pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo”
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