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ANA CLAUDIA DE LIMA tcc

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FACULDADE MERIDIONAL – IMED 
ESCOLA DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
ANA CLAUDIA DE LIMA 
 
 
 
 
SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO: UMA 
ANÁLISE DA SUA ESTRUTURAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA 
 
 
 
 
 
 
 
PASSO FUNDO 
2016 
1 
 
Ana Claudia de Lima 
 
 
 
 
 
 
 
Seletividade do sistema penal brasileiro: uma análise da sua 
estruturação social e política 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Escola de Direito, da Faculdade Meridional – IMED, 
como requisito parcial para obtenção do grau de 
Bacharel em Direito, sob a orientação da Professora 
Doutora Leilane Serratine Grubba. 
 
 
 
 
 
Passo Fundo 
2016 
 
2 
 
Ana Claudia de Lima 
 
 
 
 
 
 
 
 
Seletividade do sistema penal brasileiro: uma análise da sua 
estruturação social e política 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora: 
 
Profª. Drª. Leilane Serratine Grubba - Orientadora 
Profª. Drª. Marília De Nardin Budó - Integrante 
Caroline Bresolin Maia - Convidada 
 
3 
 
RESUMO 
 
A seletividade é um traço visível do sistema penal brasileiro, sendo a população carcerária 
composta basicamente pelos estratos inferiores da estrutura social. Diante do questionamento 
de qual é o nível de influência da formação social e política e da estruturação do sistema penal 
na formação e aplicação de um direito penal seletivo no Brasil, formula-se a hipótese de que 
tais fatores exercem uma influência maciça na arbitrariedade das seleções realizadas pelo 
sistema penal, não sendo apenas fatores subsidiários na manifestação deste grave problema 
jurídico e social do país. Com o objetivo de verificar a atuação de fatores como a formação 
social e política e a estruturação do próprio sistema penal sobre a seleção criminalizante de uma 
pequena parcela da sociedade, na pesquisa, analisa-se essa estruturação social e política, bem 
como a sua relação com os meios de controle social, incluindo aí o sistema penal. Na sequência, 
procura-se compreender o desempenho do sistema, seus discursos legitimantes e como ocorrem 
as seleções realizadas por esse. O intuito do estudo é fornecer, não só ao meio acadêmico, mas 
à sociedade em geral, uma reconsideração quanto ao fenômeno da criminalidade, possibilitando 
a reforma do atual paradigma que perpetua uma criação e aplicação arbitrariamente seletiva do 
direito penal. A pesquisa se dá através do método hipotético-dedutivo, tendo por base a 
criminologia crítica e dados oficiais, o que possibilita verificar o nível de influência que a 
formação social e política e a estrutura do sistema penal exercem na seletividade da 
criminalização no Brasil. 
 
Palavras-Chave: Direito Penal. Criminologia Crítica. Seletividade Social. Seletividade 
Criminal.
4 
 
ABSTRACT 
 
Selectivity is a visible trace of Brazilian penal justice system, being the prison population 
composed mainly by the lower stratum of social structure. Before the question of what is the 
level of influence of social and political formation and organization of the penal system in the 
formation and implementation of a selective criminal law in Brazil, the hypothesis formulated 
are that these factors exert a massive influence on the arbitrariness of the selections carried out 
by the penal justice system, not being only ancillary factors in the manifestation of this serious 
legal and social problems of the country. Aiming to check the performance factors such as 
social and political formation and structuring of the own penal system on criminalizing 
selection of a small portion of society, the research analyzed that social structure and policy and 
its relation with the social control means, including the penal justice system. In the sequence 
we tried to understand the system performance, their legitimating discourses and by what means 
occur the selections realized. The study's purpose to provide, not only to the academic world 
but also the society in general, a rethinking about the crime phenomenon, enabling the reform 
of the current paradigm that perpetuates a creation and arbitrarily selective application of 
criminal law. The search is performed using the hypothetical-deductive method, based on the 
critical criminology and official data, which made it possible to check the level of influence 
that social and political formation and the penal justice system structure exercise the 
criminalization selectivity in Brazil. 
 
Key words: Criminal Law. Critical Criminology. Social Selectivity. Criminal Selectivity. 
 
5 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO 6 
2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E SISTEMA PENAL BRASILEIROS 10 
2.1 Organização social e política no Brasil 10 
2.2. Direito e outros meios de controle social 19 
2.3 Estruturação do sistema penal brasileiro 26 
3 SELETIVIDADE DO SISTEMA CRIMINAL 38 
3.1 Criminalização primária, secundária e terciária 38 
3.2 Discrepância entre o discurso e a realidade do sistema penal 44 
3.3 Seletividade na elaboração e aplicação do direito penal brasileiro 56 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 67 
REFERÊNCIAS 70 
 
 
6 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O sistema penal brasileiro, através de suas agências, atua de forma seletiva, punindo 
apenas parte daqueles que praticam ações consideradas desviantes. As punições do sistema 
penal são restritas a uma parte ínfima dos crimes, o que não representa, necessariamente, algo 
negativo, já que uma aplicação em massa do sistema penal, nos moldes em que é definido pela 
lei, causaria um forte impacto social. 
Entretanto, essa seletividade acaba quase sempre atingindo uma mesma camada da 
sociedade, enquanto outras, que também praticam ações consideradas desviantes, não sofrem 
as mesmas sanções. Dessa forma, se faz importante compreender como se estrutura a sociedade 
e o sistema penal do país. A sociedade, apesar de ter sua segmentação por meio de classes, 
possui uma particularidade quanto a sua formação política. O patronato político do Brasil forma 
praticamente um estamento. 
Esse poder político possivelmente ajuda que o estamento exerça influência nos meios 
de controle social, dentre os quais, se encontra o sistema penal. O sistema possui, em sua 
estrutura, um conjunto de agências que, por sua vez, tem suas próprias convicções, seus 
discursos legitimadores e práticas corriqueiras. 
A atuação arbitrária do sistema penal pode ser verificada através dos dados relacionados 
à população carcerária. Na realidade prisional brasileira podemos constatar que a grande 
maioria dos detentos que cumprem pena são homens, com idade entre 18 e 29 anos, negros, 
com baixo nível de escolaridade, sendo que a grande maioria não concluiu o ensino 
fundamental. Ademais, a maior parcela dos presos foi processada e julgada por crimes contra o 
patrimônio, como por exemplo, o roubo e o furto e, ainda, crime de tráfico (BRASIL; 
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2014).1 
Tal realidade possivelmente parece se relacionar com o fato de que se vive em uma 
sociedade excludente e com a estruturação do sistema penal vigente. Diante disso, cabe o 
questionamento de qual é o nível de influência da segmentação da sociedade e da estruturação 
do sistema penal na seletividade exercida por esse. 
Aparentemente, estes fatores exercem uma influência maciça na formação e aplicação 
de um Direito Penal arbitrariamente seletivo no Brasil, não sendo apenas fatores subsidiários 
na manifestação desse grave problema jurídico e social do país. Já que a seletividade do sistema 
 
1 Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 02 ago. 
2016. 
7 
 
atinge, principalmente, as classes mais baixas da sociedade, aquelas que já possuem algum 
estigma sobre si, seja ele de ordem, política, racial, econômica etc., como se pode perceber 
pelos dados penitenciários, que serão trabalhados nesta monografia. 
O objetivo geral da pesquisa é identificaro nível de influência que a organização social 
e a estruturação do sistema, têm na seletividade do sistema penal brasileiro. Porém, mais 
especificamente, os objetivos são descrever a organização social e a estrutura do sistema penal 
do país, abordando ainda a formação política desse. Após, relacionar tais fatores com o 
desenvolvimento e aplicação díspar do direito penal, que atinge apenas uma parcela muito 
pequena das ações que são consideradas desviantes, que ocorrem diariamente, e em geral, as 
cometidas pelas classes mais baixas da sociedade. 
Para alcançar tais objetivos serão desenvolvidos dois capítulos. O primeiro deles aborda 
a organização social e a estruturação do sistema penal. Inicialmente, procura-se observar como 
se dá a formação social do país, qual a espécie de estratificação que vigora na sociedade 
brasileira. Após, aborda-se a diferença que há entre a típica estrutura social, que se dá na forma 
de classes e o estamento que controla a política. Estamento esse, que mantém uma estrutura de 
caráter patrimonialista no Brasil. 
Na sequência o estudo procura elucidar a relação entre a formação social e política com 
os meios de controle social, além de explicitar pontos relevantes relacionados a estes meios. 
Por fim, o primeiro capítulo ainda levanta a questão da estruturação do sistema penal brasileiro, 
tratando das funções que são atribuídas a cada uma de suas agências, contrapondo-as com a 
falta de coerência que há entre essas ações. Aparece, também, uma carência de legitimidade 
que sofre o sistema por descumprir com tais funções. 
O segundo capítulo versará especificamente da seletividade do sistema penal brasileiro. 
Primeiramente, será abordado o desenvolvimento dos estudos criminológicos, dando-se ênfase 
na ideia de criminalização trazida pelo Labelling Approach e, posteriormente, explorado pela 
denominada criminologia crítica. Após o estudo partirá para uma análise das três espécies de 
criminalização, relacionando-as com os dados penitenciários. 
Posteriormente, serão estudados os discursos do sistema penal e a teoria que os 
fundamenta. Abordando para isso seus principais postulados e as respectivas críticas 
relacionadas a esses. 
Por fim, o estudo tratará da seletividade do sistema penal, através da ação de cada uma 
de suas agências, além das consequências da aplicação desigual da lei penal nos diferentes 
estratos sociais. 
8 
 
No Brasil, há uma inclinação histórica de criminalizar parcelas da sociedade, em geral, 
as classes mais baixas e marginalizadas. Porém, esse revés não costuma ser amplamente 
discutido, pois se direciona contra os interesses das classes mais elevadas a modificação do 
atual paradigma excludente, que criminaliza a pobreza e reserva as penas alternativas e brandas 
aos grupos que detém o poder econômico e político do país. 
Além desta inclinação histórica de criminalização da pobreza, no Brasil, tem-se um 
sistema penal que, aparentemente, possui profundas deficiências estruturais que dificultam que 
o mesmo atinja seu intento de justiça e proteção de bens jurídicos de efetiva relevância. 
Surgindo assim uma enorme discrepância entre o discurso justificador do sistema penal e a real 
criação e aplicação do direito penal. 
Portanto, é pertinente que se busque compreender a genuína influência que a 
organização social segmentada, que exclui determinados indivíduos e supervaloriza outros, e a 
vigência de um sistema penal que não consegue cumprir sua proposta basilar de proteção dos 
bens jurídicos relevantes da sociedade, na aplicação arbitrariamente seletiva do direito penal 
brasileiro. Assim, é preciso difundir no meio acadêmico a importância do tema e a profunda 
necessidade de se compreender os fatores que fundam e estimulam a manutenção deste 
paradigma de forte exclusão social. 
Em função disso, o presente estudo busca trazer uma compreensão sobre elementos que 
aparentemente colaboram para a arbitrariedade nas seleções do sistema penal. O tema é 
importante, pois apesar de já ter sido discutido por autores de renome, necessita ser 
compreendido por todos, especialmente pelos acadêmicos de direito, porque é através desses 
que se dará a aplicação do direito e, consequentemente, é a eles que cabe realizar uma reforma 
no atual paradigma onde o direito penal é reservado a uma clientela determinada. 
O tema se mostra relevante, sendo necessária uma melhor compreensão do mesmo. 
Apenas essa assimilação possibilitará que, além dos operadores do direito, a sociedade em geral 
visualize de uma nova maneira, mais fidedigna e desprovida de pré-conceitos amplamente 
difundidos, o tema da seletividade na aplicação do direto penal. 
Assim, percebe-se que, ao analisar a influência da organização estamental da sociedade 
e da estrutura inadequada do sistema penal na formação desta adversidade, que é a 
arbitrariedade nas seleções levadas a cabo pelo sistema penal, conquista-se uma melhor 
inteligência de algumas de suas causas, surgindo assim, a possibilidade de combatê-la através 
de uma intervenção nos fatores que a fomentam. 
Diante do exposto, serão abordadas, além da estruturação social e do sistema penal, a 
influência deles na formação de um sistema penal seletivo no país, com base na criminologia 
9 
 
crítica. Para tanto, a pesquisa utilizará pensadores dessa fase do estudo criminológico, dando-
se ênfase à doutrina de Alessandro Baratta e Vera Regina Pereira de Andrade e dados empíricos 
carcerários brasileiros do ano de 2014. Quanto à organização política, a base de pesquisa serão 
os estudos de Raymundo Faoro. 
O método adotado para realização do estudo será o hipotético-dedutivo, de modo a se 
alcançar, através de determinadas premissas, onde se incluem dados empíricos do sistema 
carcerário brasileiro, uma conclusão. O estudo se dá através de pesquisa bibliográfica de 
doutrina, além de artigos e revistas jurídicas que versem sobre a problemática proposta. A 
pesquisa bibliográfica será complementada pela pesquisa em documentos oficiais que 
fornecerão dados relacionados ao sistema criminal brasileiro. 
 
10 
 
2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL, POLÍTICA E SISTEMA PENAL BRASILEIROS 
 
Este capítulo abordará inicialmente a forma como se dá a organização social e política 
do Brasil e como essas se legitimam, pois tais organizações parecem exercer forte influência na 
formação do sistema penal brasileiro. Após, serão analisados os meios de controle social, com 
ênfase na relação que possuem com o sistema penal. Por fim, realizar-se-á um estudo sobre as 
instâncias do sistema penal, bem como a relação entre elas e as ações que são programadas para 
cada uma dessas instâncias e a crise de legitimidade que esse sistema vem sofrendo. 
 
2.1 Organização social e política no Brasil 
 
Esta seção tratará da organização social e política do país, abordando inicialmente sua 
organização social, para compreender se essa se dá através de classes ou de estamentos, e, após, 
desenvolverá o tema da estruturação política, abrangendo os tipos de dominação, sua 
legitimação, e como todos estes processos ocorrem no Brasil. 
Para a compreensão da aplicação seletiva do direito penal, onde esse parece recair 
apenas sobre alguns estratos específicos da sociedade, é necessário primeiramente um bom 
entendimento quanto à formação social e política do país, pois de certa forma, ambas tem uma 
influência direta ou, pelo menos, indireta na formação e aplicação do direito penal. 
Estratificação social é a criação de camadas sociais distintas, uma forma de segmentação 
da sociedade que se dá com base em diferenças existentes entre indivíduos e grupos, 
designando-lhes posições e status (FERREIRA, 2006). Trata-se de um processo de 
hierarquização dos grupos sociais em uma escala onde há graus superiores e inferiores, sendo 
os direitos e as obrigações distribuídos de modo desigual dentro destes graus 
(STAVENHAGEN, 1994). 
Os sistemas de estratificação dasociedade são uma forma de exteriorização da dinâmica 
da estrutura dessa (BARCELLOS, 1980), e no Brasil essa exteriorização vem na forma de 
classes sociais. Tal tipo de organização social é difícil de ser conceituado, porque até mesmo 
entre os pensadores da Sociologia, não há um consenso quanto à ideia de classe social. 
A divergência está na escolha dos critérios objetivos que são utilizados em sua 
conceituação, num primeiro ponto, e após, consequentemente, se encontra na delimitação de 
cada classe, porque essa, por óbvio, se fez com base na conceituação formulada anteriormente 
(AVILA, 1970). Ademais a estruturação das classes sociais ocorre de forma diferente em cada 
11 
 
sociedade, de acordo com o restante da estrutura social, possuindo diferentes constituições e 
atuando de modos diversos (TOMAZI [et al.], 2000). 
Essa dificuldade em conceituar, definir critérios objetivos e delimitar as classes sociais, 
acaba dando origem a um grande número de doutrinas que podem ser consideradas deficientes 
quanto a esse tema (STEVENHAGEN, 1994). Pois acabam por decair em erros como 
classificações vagas e indefinidas, classificações que reduzem as classes a simples categorias 
sociais, as que as identificam erroneamente como um grupo univinculado, ou ainda, quando as 
classificam como grupo multivinculado, mas trazem defeitos em determinados aspectos da 
estrutura do conceito (SOROKIN,1968). 
Diante dos defeitos que visualizou em outras conceituações, Sorokin (1968, p. 424-425) 
desenvolveu o seguinte conceito de classe social: 
 
Trata-se de um grupo (1)legalmente aberto, mas na realidade semifechado; (2) 
“normal”; (3) solidário; (4) antagônico em relação a alguns outros grupos (classes 
sociais) da mesma natureza geral X; (5) em parte organizado, mas principalmente 
semi-organizado; (6) em parte consciente da sua unidade e existência, e em parte não; 
(7) característico da sociedade ocidental dos séculos XVIII, XIX E XX; (8) um grupo 
multivinculado, unido por dois ligames univinculados, o ocupacional e o econômico 
(ambos tomado no sentido mais lato), e por um vínculo de estratificação social no 
sentido da totalidade dos seus direitos e deveres essenciais, em contraste com os 
direitos e deveres basicamente diferentes dos outros grupos (classes sociais) da mesma 
natureza geral X. 
 
Diante do exposto, pode-se perceber que dificilmente um conceito de classe social seja 
perfeitamente adequado à realidade de tal grupo, em razão das diferenças de identidade que são 
próprias das pessoas que pertencem à classe ou grupo social. 
Compreendido o conceito de classe social, cumpre entender a partir de agora a realidade 
do Brasil com relação a esse tipo de grupo social. A estratificação social por meio de classes 
sociais expandiu-se após o século XVIII, sendo esse modo de estratificação, portanto, um 
sucessor cronológico das castas e dos estamentos (SOROKIN, 1968). 
No Brasil, a formação das classes sociais ocorreu ainda no período colonial e foi 
fortemente influenciada pelo fator econômico, sendo possível associar a evolução das classes 
no Brasil com a evolução econômica do país, já que ambos se deram de forma paralela (AVILA, 
1970). 
No período colonial existia no país a classe dos proprietários de terra e a dos 
trabalhadores servis, além dos escravos. Diante de uma evolução na economia, dada pela 
descoberta de minas de metais preciosos no Brasil, esse panorama se alterou, surgindo aí mais 
uma classe, a burguesia. Na sequência, a economia do país passou pelo ciclo do café, que 
12 
 
colocou na classe superior os latifundiários plantadores de café e os donos das indústrias, que 
começavam a surgir na época. Após, em decorrência da industrialização do país a força da 
classe média muito se ampliou e compondo a classe baixa restaram os escravos emancipados, 
os trabalhadores das indústrias e os imigrantes (FERREIRA, 2006). Atualmente, as classes no 
Brasil tem uma formação peculiar, segundo Ribeiro (1995, p. 213): 
 
As classes sociais brasileiras não podem ser representadas por um triângulo, com um 
nível superior, um núcleo e uma base. Elas configuram um losango, com um ápice 
finíssimo, de pouquíssimas pessoas, e um pescoço, que se vai alargando daqueles que 
se integram no sistema econômico como trabalhadores regulares e como 
consumidores. Tudo isso como um funil invertido, em que está a maior parte da 
população, marginalizada da economia e da sociedade, que não consegue empregos 
regulares nem ganhar o salário mínimo. 
 
Ademais, a organização social brasileira sofreu influência do período escravagista, pelo 
fato de o país ter tido um longo período de exploração da mão de obra escrava, em geral, 
composta de índios ou de negros provenientes do continente Africano. No país a escravidão 
chegava ao extremo de até mesmo os escravos, quando libertos, adquirirem escravos 
(CARVALHO, 2008). 
Diferentemente dos índios, que recebiam a proteção dos jesuítas, os escravos negros não 
possuíam defensores e eram vistos realmente como objetos, uma simples força bruta desprovida 
de intelecto que era tratada da mesma forma que os animais. A escravidão, relativamente tardia, 
no Brasil parecia mais justa se os escravizados fossem negros, já que se demonstrava certa 
desaprovação quanto à escravização de pessoas brancas (PRADO JUNIOR, 1885). 
A escravidão no Brasil “se difundiu social e espacialmente, com a disseminação da 
posse de escravos pelo tecido social e a criação de hierarquias étnicas e culturais bastante 
complexas” (MARQUESE, 2006, p. 109). Essa hierarquização, além de determinados estigmas 
atribuídos ainda naquela época, permaneceram enraizados na sociedade. A abolição não gerou 
grandes mudanças na condição social do escravo negro, que era visto como um ser inferior. A 
visão da sociedade permaneceu a mesma após a abolição, o que fez com que os ex-escravos 
permanecessem em uma situação de marginalização (PRADO JUNIOR, 1885). 
Essa visão do escravo negro como inferior evoluiu para uma visão do negro 
marginalizado e criminoso, tanto que os dados penitenciários trazem uma quantidade muito 
superior de aprisionamentos de negros do que de brancos2. Tal fato demonstra que a escravidão 
no Brasil teve profunda influência na formação das classes sociais, delegando aos ex-escravos 
 
2 Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/infopen_dez14.pdf>. Acesso em: 03 
dez. 2016. 
13 
 
os estratos sociais inferiores. Mantendo, desse modo, uma organização social semelhante a do 
período escravagista, mesmo após a abolição como demonstra Ribeiro (1995, p. 212): 
 
A estratificação social gerada historicamente tem também como característica a 
racionalidade resultante de sua montagem como negócio que a uns privilegia e 
enobrece, fazendo‐os donos da vida, e aos demais subjuga e degrada, como objeto de 
enriquecimento alheio [...]. 
Essas duas características [...] condicionaram a camada senhorial para encarar o povo 
como mera força de trabalho destinada a desgastar‐se no esforço produtivo e sem 
outros direitos que o de comer enquanto trabalha, para refazer suas energias 
produtivas, e o de reproduzir‐se para repor a mão‐de‐obra gasta. 
Nem podia ser de outro modo no caso de um patronato que se formou lidando com 
escravos, tidos como coisas e manipulados com objetivos puramente pecuniários, 
procurando tirar de cada peça o maior proveito possível. Quando ao escravo sucede o 
parceiro, depois o assalariado agrícola, as relações continuam impregnadas dos 
mesmos valores, que se exprimem na desumanização das relações de trabalho. 
 
Diante do exposto, é possível verificar que valores e estigmas vigentes durante a 
exploração da mão-de-obra escrava não caíram em desuso, apenas se adequaram a evolução do 
país e continuaram a basear a organização social atual, porém de modo velado. 
Apesar de a organizaçãosocial brasileira se dar na forma de classes sociais, a 
organização política do país ocorre de forma completamente diversa, atendo-se ainda ao 
antecessor cronológico das classes sociais: o estamento (STRECK, 2012). 
O Brasil, apesar de toda evolução histórica e econômica, continua em alguns aspectos 
pré-moderno, pois permanece preso ao binômio estamento-patrimonialismo em sua 
organização política (FAORO, 2001). Independentemente da organização social em classes, o 
grupo que controla o poder político pode ser considerado um estamento. Porém, para que se 
possa compreender adequadamente este revés, se faz necessária, primeiramente, a compreensão 
do que é exatamente um estamento e quais são as bases do patrimonialismo. 
Deve-se partir da ideia de que o patrimonialismo é uma das possíveis formas de se 
exercer o poder político. Em uma análise sobre o patrimonialismo, Campante (2003, p. 155) 
conceitua como um tipo de dominação: 
 
Patrimonialismo é a substantivação de um termo de origem adjetiva: patrimonial, que 
qualifica e define um tipo específico de dominação. Sendo a dominação um tipo 
específico de poder, representado por uma vontade do dominador que faz com que os 
dominados ajam, em grau socialmente relevante, como se eles próprios fossem 
portadores de tal vontade, o que importa, para Weber, mais que a obediência real, é o 
sentido e o grau de sua aceitação como norma válida - tanto pelos dominadores, que 
afirmam e acreditam ter autoridade para o mando, quanto pelos dominados, que creem 
nessa autoridade e interiorizam seu dever de obediência. 
 
14 
 
Essa dominação citada, necessita da aceitação da coletividade, e para que tal aceitação 
exista é preciso que se faça presente a legitimidade. A legitimidade da dominação ocorre através 
de uma destas três formas: a tradicional, a carismática e a racional-legal. E cada uma delas 
baseia-se em determinados valores explicitados por Weber (2000. p. 141) da seguinte forma: 
 
1. De caráter racional: baseada na crença na legitimidade das ordens estatuídas e 
do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para 
exercer a dominação (dominação legal), ou 
2. De caráter tradicional: baseada na crença cotidiana na santidade das tradições 
vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas 
tradições. Representam a autoridade (dominação tradicional), ou, por fim 
3. De caráter carismático: baseado na veneração extracotidiana da santidade, do 
poder heroico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta 
reveladas ou criadas (dominação carismática) (grifos do autor). 
 
Com base em tal explicação, pode-se verificar que o patrimonialismo é, portanto, uma 
forma de exercício do poder político, na qual a dominação patrimonial se legitima através de 
valores tradicionais. Preciso se faz complementar a ideia de dominação, pois neste caso ela está 
intimamente ligada à ideia de Poder. Para Weber dominação é “a probabilidade de encontrar 
obediência a alguma norma de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis” 
(WEBER, 1982, p. 33). 
Já o poder pode ser conceituado como “a probabilidade de impor a própria vontade 
numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessas 
legitimidades” (WEBER, 1982, p. 33), pois é através dessa diferenciação que pode-se perceber 
que para se caracterizar a dominação é essencial à concordância da coletividade, ou pelo menos 
a simples aceitação por parte dessas das imposições do dominador. 
Apesar das conceituações pode torna-se dificultoso reconhecer o patrimonialismo 
quando colocado num plano real, onde se afasta dos tipos-ideais contidos na literatura. Portanto, 
cabível diferenciar o patrimonialismo de outras formas de dominação com as quais ele pode se 
confundir. 
Primeiramente deve-se diferenciá-lo da gerontocracia (dominação exercida pelos mais 
velhos) e do patriarcalismo (dominação baseada em regras fixas de sucessão), o que pode ser 
feito através da verificação da existência/inexistência de um quadro administrativo. No caso da 
gerontocracia e do patriarcalismo, onde inexiste um quadro administrativo, a obediência se 
detém basicamente a vontade de obedecer dos próprios dominados, que ocorre por respeito, 
devoção ao senhor, com o qual se tem uma ligação tradicional, além da percepção positiva da 
dominação, essa é percebida como algo exercido em favor dos dominados (PORTELA 
JUNIOR, 2012). 
15 
 
No patrimonialismo, a existência de um quadro administrativo se deu para possibilitar 
que o senhor mantivesse sua dominação sobre um grupo maior e descentralizado de pessoas. O 
patrimonialismo tem por base o patriarcalismo, na organização familiar ocorre uma 
descentralização “onde alguns de seus membros não livres se desvinculam da relação direta 
existente dentro da família, mas mesmo com a desvinculação à relação de dependência 
estabelecida inicialmente com o patriarca permanece, porém com outra roupagem” (SILVA, 
2009, p. 4). 
Com isso formou-se o patrimonialismo, uma dominação exercida por meio do 
patrimônio, com legitimidade tradicional. É em virtude desta descentralização, que expandiu a 
dominação exercida pelo senhor, que se faz preciso um quadro administrativo. Esse quadro será 
formado pelo senhor de forma patrimonial, convocando os que estão tradicionalmente ligados 
a ele, ou, de forma extrapatrimonial, onde os recrutados pertencem ao seu círculo de confiança 
(SILVA, 2009). 
Este modelo patrimonial de administração da res publica acaba contaminando o quadro 
administrativo. O que traz como consequência, a falta de divisão entre os bens público e 
privados por parte desse funcionalismo, que, por ser escolhido de forma arbitrária, tem 
necessariamente de obedecer aos comandos do senhor (PORTELA JUNIOR, 2012). 
As esferas pública e privada são administradas da mesma forma pelo senhor, de acordo 
com seus valores e interesses individuais, não distanciando sua íntima convicção da gestão que 
exerce na coisa pública. É com base nesse arbítrio do senhor que se pode diferenciar o 
patrimonialismo do sultanismo, apesar de em ambos a legitimidade decorrer da tradição e a 
esfera entre público e privado se confundir, no sultanismo o arbítrio do senhor é mais amplo, 
quase ilimitado (PORTELA JUNIOR, 2012). 
Através deste arbítrio que possui o senhor no patrimonialismo, que dá causa a um quadro 
administrativo escolhido de forma arbitrária, por meio do recrutamento patrimonial ou 
extrapatrimonial do funcionalismo, se demonstra a total ausência de normas e regulamentos 
democráticos. A obediência emanada pelo funcionalismo provém da relação de dominação que 
possui com o senhor e não pelo fato de dever obediência à ordens objetivas e ao cargo que 
exerce (FAORO, 2001). 
Com base nisso, pode-se diferenciar o patrimonialismo do feudalismo, porque no 
feudalismo há um acordo entre as partes, no qual ficam definidos os deveres de cada um, não 
estando, portanto, os vassalos totalmente a mercê dos senhores feudais, como ocorre com o 
quadro administrativo submetido a uma ordem patrimonialista (PORTELA JUNIOR, 2012). 
16 
 
Por meio dessas três diferenciações, é possível definir de forma mais precisa o 
patrimonialismo, reduzindo a possibilidade de o confundir com outros tipos de dominação. 
Sendo cabível, neste momento conhecer um conceito mais complexo de patrimonialismo dado 
por Reinhard Bendix (1986 apud SILVEIRA, 2006, p. 5-6), que aborda todas essas 
particularidades vistas anteriormente, segundo o autor: 
 
No patrimonialismo, o governante trata toda a administração política como seu 
assunto pessoal, ao mesmo modo como explora a posse do poder político como um 
predicado útil de sua propriedade privada. Ele confere poderes a seus funcionários, 
caso a caso, selecionando-os e atribuindo-lhes tarefas específicas com base na 
confiança pessoal que neles deposita e sem estabelecer nenhuma divisãode trabalho 
entre eles. [...] Os funcionários, por sua vez tratam o trabalho administrativo, que 
executam para o governante como um serviço pessoal, baseado em seu dever de 
obediência e respeito. [...] Em suas relações com a população, eles podem agir de 
maneira tão arbitrária quanto aquela adotada pelo governante em relação a eles, 
contanto que não violem a tradição e o interesse do mesmo na manutenção da 
obediência e da capacidade produtiva de seus súditos. Em outras palavras, a 
administração patrimonial consiste em administrar e proferir sentenças caso por caso, 
combinado o exercício discricionário da autoridade pessoal com a consideração 
devida pela tradição sagrada ou por certos direitos individuais estabelecidos. 
 
Devidamente explicitada a ideia geral de patrimonialismo, deve-se buscar compreender 
de maneira mais aprofundada os estamentos que, como visto anteriormente, é um antecessor 
cronológico das classes sociais. O estamento é uma forma de ordem social semifechada onde 
as atividades sociais de cada estamento são consideradas essenciais à manutenção dessa mesma 
ordem (TOMAZI [et al.], 2000). 
Esse tipo de ordem social permite a formação de um sistema onde as atividades sociais 
geram para um determinado grupo de indivíduos privilégios, que decorrem de ordens do 
estamento dominante e se justifica por meio de uma ideologia, imposta, igualmente, pelo 
estamento que detém maior poder (BARCELLOS, 1980). 
Cabe também saber que os estamentos diferem-se das classes sociais, que se definem 
basicamente de acordo com um fator econômico, no estamento a ideia de status e honrarias 
sociais se sobrepõe ao simples poder econômico (WEBER, 2005). Diferem-se também das 
castas, por serem menos fechados que essas, possibilitando assim a mobilidade entre um 
estamento e outro, não restando uma definição fixa quanto aos planos econômico e político 
determinada pelo nascimento como ocorre nas castas (TOMAZI [et al.], 2000). 
Além disso, nos estamentos existem estratos abertos e tem-se também a possibilidade 
de se fazer cessar um status, o que nas castas não ocorre de maneira alguma. Contudo, a 
principal diferença entre castas e estamentos, se encontra no fato de nas castas o status ser 
17 
 
definido com fundamento num fator religioso ou consuetudinário, o que nos estamentos ocorre 
através das leis estatais (SOROKIN, 1968). 
Nos estamentos a estratificação se dá em “termos de “honras” e estilos de vida peculiares 
aos grupos estamentais como tais” (WEBER, 1982, p. 224), reforça-se aí a ideia de que a mera 
condição econômica elevada não permite o acesso ao estrato superior da ordem social. 
E neste ponto surge um dos grandes problemas que acompanha a ordem estamental, o 
controle excessivo exercido pelo grupo dominante. Este grupo monopoliza a posse de bens, 
impede o livre desenvolvimento do mercado, atingindo assim, diretamente toda a ordem 
econômica da sociedade na qual se desenvolve, e freando a evolução da ordem social (WEBER, 
2000), mantendo, dessa forma, o estamento dominante no poder. Segundo Campante (2003, p. 
162): 
 
Uma sociedade estamental é uma "ordem de status" baseada em "prestígio social" para 
qualificar positiva ou negativamente os grupos sociais. Os grupos positivamente 
qualificados costumam manter um estilo de vida que desvalora o trabalho físico, o 
esforço premeditado e contínuo, o interesse lucrativo, e buscam, através de 
monopólios sociais e econômicos, a manutenção de um modus vivendi exclusivo, 
diferenciado, traduzido em privilégios de consumo. A razão de ser dos estamentos, 
portanto, é a desigualdade calcada na diferenciação da honra pessoal, no exclusivismo 
social e na ostentação do consumo (grifo do autor). 
 
Porém, esta ideia geral de estamentos, foi adaptada aos dias atuais e relacionada ao 
patrimonialismo. Assim, é possível definir a situação política do Brasil, que pode ainda ser 
considerado pré-moderno em determinados aspectos, já que não sofreu profundas alterações 
desde o período colonial como uma organização política estamental-patrimonialista (STRECK, 
2012). Esta forma estamental-patrimonialista de organização política surgiu ainda no período 
colonial e foi reforçada pela vinda da Coroa ao país (FAORO, 2001). Obviamente que essa 
organização sofreu adaptações com o passar dos anos, contudo, em sua essência, permaneceram 
os mesmos valores excludentes. 
Na definição da organização política brasileira, Faoro trata os estamentos como algo 
uno, “o estamento”, um grupo de indivíduos, que possuem honrarias e, portanto, um status 
elevado na sociedade. E utilizando-se deste poder concedido pelo status positivo consegue 
alcançar meios de controlar o poder político, fundando, assim, uma ordem social estratificada 
e excludente. Além de dar origem a uma ordem política baseada na dominação patrimonial, que 
permite a este grupo conduzir a seu livre arbítrio os bens públicos, como se privados fossem, 
buscando apenas satisfação pessoal e a manutenção da ordem por eles instituída e que apenas a 
eles favorece (CAMPANTE, 2003). 
18 
 
No Brasil, as alterações sociais e políticas se deram de maneira adaptada, numa forma 
que permitisse ao estamento conservar, ou até mesmo expandir seu poder sobre as demais 
camadas da sociedade. Assim ocorreu com o capitalismo, sendo adotado apenas o capitalismo 
politicamente orientado, e não o capitalismo moderno que pressupõe racionalidade e liberdade, 
inclusive quanto às propriedades, o que obviamente não seria interessante para o estamento. 
Porque esse não vê os bens dos indivíduos como particulares, mas como bens públicos, 
simplesmente entregues a tutela do povo, que a qualquer momento podem ser tomados de volta 
de acordo com seu livre arbítrio (FAORO, 2001). 
O mesmo sistema de adaptações foi utilizado em relação ao liberalismo. Em decorrência 
da evolução histórica o liberalismo passou a ser o novo modelo ideal, no qual haveria plena 
liberdade para negociar, vender, enfim, para dispor da propriedade. No momento em que o 
liberalismo tornou-se sinônimo de progresso, o estamento vendo-se impelido a recepcioná-lo 
no país, o fez somente de forma superficial, absorvendo apenas a ideologia, que utilizou como 
justificativa para o sistema de poder e para maneira como orienta a sociedade numa determinada 
direção. E não no sentido de real alteração na estrutura política e econômica do país, pois a 
economia continuou sendo controlada pelo estamento que controla o poder estatal, e o conduz 
a situação que mais o beneficiar e mantiver sua dominação (FAORO, 1993). 
Diante disso, é possível verificar que cada “evolução” política, social ou econômica, 
que ocorreu no Brasil, foi alterada e adaptada pelo estamento que detém o poder, para que se 
adequasse a estrutura que o mantém. Dessa forma, se manteve por séculos uma estrutura 
antiquada, que explora e segmenta a sociedade de acordo com seus interesses, buscando apenas 
o progresso pessoal, e não o da nação como um todo. 
 Nesse sentido, Faoro (2001, p. 824) caracteriza o estamento como um grupo de 
indivíduos que está acima das classes, que se renova, no entanto, sem alterar seus objetivos: 
 
Sobre a sociedade acima das classes, o aparelhamento político- uma camada social, 
comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes- impera, rege e 
governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando. Esta camada muda 
e se renova, mas não representa a nação, senão que, forçada pela lei do tempo, 
substitui moços por velhos, aptos por inaptos, num processo que cunha e nobilita os 
recém-vindos imprimindo-lhes os seus valores. 
Este estamento que controla o poder tem cunho centralizador, reduzindo drasticamente 
a participação social na gestão pública, pois encarrega-se da tomada das decisões que dizem 
respeito ao Estado. Em virtude disso, torna-se impossível a existência de um verdadeiro Estado 
de Direito, onde impera a democracia e as liberdadespolíticas, sociais e econômicas, pois o 
estamento dominante se mantém através do poder que provém da desigualdade e da 
19 
 
estratificação social que alcança por meio da dominação patrimonial (SILVEIRA, 2006). Não 
sendo, portanto, viável a adoção da democracia e do liberalismo político, sem que se 
desconstrua a ordem política e social vigente, e consequentemente, o estamento dominante. 
Diante do exposto, pode-se perceber que o Brasil possui uma organização social e 
política ambígua, que profere um discurso oposto ao que realmente ocorre na sociedade e no 
governo. Tais formas de organização, contudo, são essenciais ao estamento para que este se 
mantenha no poder, pois é exatamente a estratificação social, aliada a estrutura fechada do 
estamento governamental que possibilita o alto nível de controle social exercido sobre os 
cidadãos para que se mantenha a ordem vigente. Em função disso, torna-se imprescindível a 
compreensão deste fenômeno complexo que é o controle social. 
 
2.2. Direito e outros meios de controle social 
 
A estratificação social, no Brasil, funciona como forma de controle social. Porém, para 
que se possa compreender melhor o significado disso, deve-se ter o entendimento do conceito 
de tal fenômeno. Controle social, segundo Trujillo Ferrari (1983, p. 448), é o "complexo 
processo para evitar o desvio social, no sentido de assegurar a continuidade de uma determinada 
sociedade”. 
Segundo Azevedo (2000, p. 91), trata-se do “conjunto de mecanismos tendentes a 
naturalizar e normalizar uma determinada ordem social, construída pelas forças sociais 
dominantes”. Assim, resta claro o motivo de a estratificação social reforçar o paradigma de 
desigualdade e exclusão da ordem social brasileira. 
O principal meio de controle social é a socialização do indivíduo, pois é desta que 
decorre a incorporação pelo mesmo das normas gerais de conduta que deverão ser seguidas para 
que se mantenha um bom convívio com os demais indivíduos e grupos sociais (VILA NOVA, 
2004). 
Contudo, na vida em sociedade sempre haverá conflito, que, caso não resolvidos, 
poderão enfraquecer, ou até mesmo suprimir, a ordem social vigente. Por isso, cada sociedade 
desenvolve, de acordo com sua estrutura, formas de controle social, das quais aufere o efetivo 
controle dos demais indivíduos, mantendo assim, a ordem institucionalizada estável 
(MANNHEIM, 1971). 
Esse sistema envolve diversos tipos de controle, desde complexas estruturas, como é o 
sistema penal, até o simples controle exercido entre os próprios cidadãos. Ademais, a expressão 
controle social, pode ser utilizada para designar as normas e valores que regulam a conduta dos 
20 
 
indivíduos e grupos, ou ainda, para designar as formas pelas quais esses valores e normas são 
transmitidos a sociedade. Nesse sentido, Bottomore (1987, p. 199) esclarece que: 
 
A regulação do comportamento na sociedade quer por indivíduos ou por grupos, é 
empreendida de duas formas: pelo uso da força e pelo estabelecimento de valores e 
normas que podem ser aceitos mais ou menos integralmente pelos membros da 
sociedade como “normas de conduta” obrigatórias. A expressão “controle social” é 
geralmente usada pelos sociólogos para denominar esse segundo tipo de controle, 
onde o recurso a valores e normas resolve ou minora as tensões e conflitos entre os 
indivíduos e grupos, a fim de manter a solidariedade de algum grupo mais inclusivo. 
A expressão é também utilizada para se referir às disposições pelas quais os valores e 
normas são comunicados e instilados. Podemos, portanto, distinguir entre os tipos de 
controle social e as agências e meios que são os veículos do controle social (grifos do 
autor). 
 
Para que o controle social seja efetivo se faz necessária a existência de autoridade 
(MANNHEIM, 1971), seja ela baseada em valores tradicionais, carismáticos ou racionais-
legais. Essa precisa se fazer presente, pois ordem social alguma consegue se impor somente por 
meio da força. Em virtude disso, os diversos meios de controle social alternam-se de modo a 
propiciar a permanência do grupo dominante no poder, assim, sempre que uma forma de 
controle não demonstra a eficácia desejada, logo é substituída por outra que atinja o objetivo 
almejado. 
A presença de grupos dominantes e dominados é indiscutível, pois em toda sociedade 
existem grupos mais próximos e grupos afastados do centro de poder (ZAFFARONI; 
PIERANGELI, 2011). No Brasil, onde, segundo Faoro, o poder é controlado por um estamento, 
necessariamente o direcionamento do controle social que será exercido sobre os indivíduos se 
dará por meio de decisões desse grupo. Tal controle atingirá toda sociedade, porém, em níveis 
diferentes, a princípio contendo as grandes massas, para que a ordem institucionalizada se 
mantenha e, por fim, regulando a conduta do próprio estamento dominante. 
Esse controle não se dá apenas pelos meios institucionalizados e explícitos de controle 
social, e sim através de diversos meios informais (COHEN, 1980), que muitas vezes passam 
despercebidos pela sociedade, sendo vistos como simples métodos pedagógicos ou recreações. 
Com isso, percebe-se que o controle social é realizado pela sociedade como um todo, desde a 
família, a comunidade, o grupo de amigos, até as escolas e a mídia, não se detendo apenas aos 
meios institucionalizados. 
Como qualquer outra imposição feita pelo Estado de forma arbitrária, o controle social 
destituído de legitimação seria amplamente contestado pelos grupos sociais, em geral, os grupos 
mais afastados do centro de poder. Por essa razão o controle frequentemente vem acompanhado 
de uma ideologia que o legitima. Para Abbagnano (2007, p. 533), ideologia é: 
21 
 
 
Toda crença usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o 
termo crença (v.), em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da 
conduta, que pode ter ou não validade objetiva. Entendido nesse sentido, o conceito 
de I. é puramente formal, uma vez que pode ser vista como I. tanto uma crença fundada 
em elementos objetivos quanto uma crença totalmente infundada, tanto uma crença 
realizável quanto uma crença irrealizável. O que transforma uma crença em I. não é 
sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os 
comportamentos em determinada situação (grifo do autor).3 
 
Diante disso, resta claro que uma ideologia legitimadora é essencial à execução do 
controle social, e para que essa cumpra sua função, não necessariamente deve ser racional e 
inteligente, desde que obtenha um controle efetivo do comportamento dos indivíduos, ela pode 
ser totalmente anômala. 
Assim, é comum visualizar grupos dominantes que adotam ideologias, deturpando-as e 
retirando dessas apenas as partes que lhes é conveniente e aplicando isso na sociedade de forma 
absurda. Como ocorreu com o liberalismo, que segundo Faoro (1993), foi recepcionado apenas 
em partes pelo Estado, em sua essência permanecendo estamental-patrimonialista. 
Como já referido anteriormente, existem muitas formas de controle social, e essas se 
dividem em controle social difuso e controle social institucionalizado. O controle difuso é 
aquele que se dá pela própria sociedade, pelas escolas, a mídia, etc. Já o controle 
institucionalizado subdivide-se em não punitivo e punitivo, podendo este último, ser 
formalmente punitivo, ou formalmente não punitivo, o que diferencia um do outro é o discurso 
que profere (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). 
Esses meios de controle se utilizam de sanções, sejam elas positivas ou negativas, como 
uma forma de moldar o comportamento dos indivíduos (COHEN,1980). Contudo, como pontua 
Vila Nova (2004, p. 113): 
 
Punições e recompensas atuam sobre o comportamento do individuo na medida em 
que são dotados de um significado subjetivo para ele. Punições e recompensas 
somente possuem um sentido para os indivíduos quando partem de gruposcom os 
quais eles se identifiquem e dos quais dependam para satisfazer a necessidade de 
aceitação social. 
 
Diante disso, resta claro que as sanções aplicadas pelo grupo social no qual o indivíduo 
está inserido são as únicas capazes de fazê-lo interiorizar os valores e normas que deve seguir, 
pois possuem para esse um significado. E já que a simples ameaça de sanção não tem o condão 
de impedir totalmente a violação às normas sociais cada grupo social terá suas respectivas 
 
3 O autor utiliza a abreviatura I. para designar ideologia. 
22 
 
sanções, que serão aplicadas aos transgressores (CHINOY, 2006). Tais sanções podem ser 
apenas a aprovação ou desaprovação de determinada atitude, como ocorre, por exemplo, na 
família ou grupo de amigos, até as penas de multa e prisão, como ocorre nos casos de 
transgressão à lei penal. 
As sanções positivas, como por exemplo, elogios, encorajamento, recompensas 
simbólicas ou concretas, têm a função de promover no indivíduo uma maior socialização, elas 
possibilitam, muita vezes, de maneira mais eficaz, que as sanções negativas, a interiorização 
dos valores e normas sociais, fazendo com que o indivíduo haja de acordo com a ordem 
institucionalizada de forma espontânea (LAKATOS, 2011). 
Já as sanções negativas, que em geral são mais perceptíveis que as positivas, cabem aos 
que desafiam as normas sociais. Pois, além de punirem o transgressor, reforçam a submissão 
dos demais indivíduos, desestimulando-os à pratica de ato semelhante (CHINOY, 2006). 
Diante de todo o exposto, percebe-se que o controle social se dá por diversos meios, 
sejam eles institucionalizados ou difusos, que aplicam sanções positivas ou negativas, com o 
intuito de modular o comportamento dos indivíduos. Mantendo, assim, a ordem social vigente, 
mesmo quando essa beneficia de maneira tão díspar os grupos sociais, como ocorre no Brasil. 
Com base nisso, cabe agora compreender de modo mais aprofundado o papel do direito nesse 
sistema de controles. 
O direito pode ser conceituado como o "conjunto de normas e regras impostas 
coercitivamente pelo Estado como forma de pautar o viver em sociedade" (MAIA, 2010, p. 4). 
Trata-se de umas das formas institucionalizadas do controle social, que possui uma parte não 
punitiva, como é o caso do direito privado, e uma parte punitiva, no caso do direito penal 
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). 
O Direito como forma de controle social, via de regra, aplica mais sanções negativas do 
que positivas e, basicamente, isso se deve ao fato de caber ao direito o controle de fatos que 
ferem os interesses do grupo dominante, atingindo assim, a ordem social estabelecida. 
Outro ponto relevante é o fato de o Direito se aplicar, em geral, quando as demais 
instâncias falharem, o que não significa, necessariamente, que esse é a forma de controle mais 
importante. Sendo, no máximo, a mais visível. Com relação ao tema dispõe Machado Neto 
(1980, p. 147) que “como instrumento de socialização em última instância, o direito cumpre 
um papel conservador do status quo, também servindo a legitimar o poder político e a favorecer 
o seu domínio sobre a opinião pública”. 
23 
 
O direito, como controle da sociedade, em determinados momentos não se mostra 
completamente dissociado das demais formas de controle. Portanto, cabível se faz relacionar 
esse e outras formas de controle como a religião, a moral, os costumes etc. 
Iniciando pela religião, importante forma de controle social nos séculos passados e que 
ainda mantém parte de seu poder na atualidade ou até mesmo se funde ao direito em casos 
extremos, a exemplo do que ocorre com parte da comunidade islâmica (BOTTOMORE, 1987). 
Existem certos pontos convergentes entre a religião e o direito, como por exemplo, a 
necessidade de se respeitar determinados ritos, a presença de regras estabelecidas, ambos 
possuem uma ligação com a moral, a religião, contudo, de uma forma muito mais profunda. 
Porém, o direito possui características avessas à religião, como ocorre com a alteridade 
e a segurança, pois na religião a relação primordial se dá com a divindade e não com o outro e 
pelo fato de no direito a segurança advir da organização e do estabelecimento de regras, objetivo 
considerado inatingível pela religião (LEGAZ Y LACAMBRA, 1961). Ademais, o direito, 
logicamente, atinge um número muito maior de pessoas do que a religião, porque essa exerce 
poder apenas sobre seus seguidores, diferentemente da lei que, como mencionado 
anteriormente, é genérica e age sobre todos os grupos sociais. 
Quanto a moral, pode-se dizer que é uma forma de controle social de alta abrangência, 
pois cada grupo social possui suas regras morais estabelecidas. A maior dificuldade em sua 
compreensão se deve, exatamente, ao fato de existir grande número de regras morais, muitas 
vezes divergentes, que podem ser encontradas em uma única sociedade (BOTTOMORE, 1987). 
A moral tem uma ligação direta com o direito, pois muitas vezes, as leis tem sua base 
em regras morais, obviamente que nem todas as regras morais tornar-se-ão leis (FERRAZ 
JUNIOR, 2007), ou que as que servirem de base para leis representarão a moral dominante na 
sociedade. Até porque, dificilmente é possível definir as crenças morais dominantes numa 
sociedade onde coexistem um sem número de regras distintas. 
Ademais, cabível aqui a ideia de manipulação de ideologias, citada anteriormente, que 
apoiada na dificuldade de se definir a ideia moral dominante, o estamento que detém o poder 
busca a crença que mais lhe favorece, utilizando-a durante a criação das leis e também os 
diversos campos do Poder Judiciário. 
Entretanto, não podemos considerar o direito como simples extensão da moral, como já 
verificado, nem todas as leis são baseadas na moral, e muitas regras morais, não poderiam 
tornar-se leis porque perderiam seu caráter moral em razão da imposição. Além disso, o direito 
possui maior precisão em suas regras e sanções, gerando uma estabilidade social que jamais 
poderia ser alcançada pelas regras morais (BOTTOMORE, 1987). 
24 
 
Com relação aos costumes, que são um tipo menos formal de controle social, em razão 
de serem imprecisos quanto às regras que devem ser seguidas e as sanções que podem ser 
aplicadas (BOTTOMORE, 1987), deve-se compreender que, em geral, a conformidade com 
esses se dá em função da reciprocidade. 
Conformidade, segundo Lakatos (2011, p. 226), é "a ação orientada para uma norma (ou 
normas) especial, compreendida dentro dos limites de comportamento por ela permitido ou 
delimitado". Já reciprocidade é basicamente a dívida social que um indivíduo tem com os 
demais, é o cumprimento das obrigações que as pessoas têm umas com as outras, ou ainda, uma 
troca recíproca de benefícios (CHINOY, 2006). 
Portanto, os costumes se perpetuam por meio da socialização do indivíduo e da 
reciprocidade que há em suas relações, decorrente da possibilidade de aplicação de sanções, 
que poderão ser positivas ou negativas, de acordo com a presença, ou não, dessa reciprocidade, 
pelos demais grupos sociais dos quais se faz parte. 
Entretanto, apesar da interferência que os costumes exercem nas relações sociais 
comuns, seu poder se reduz drasticamente quando se trata de comportamentos que necessitam 
ser controlados de forma mais rigorosa, já que existem diversos costumes antagônicos na 
sociedade (BOTTOMORE, 1987). Nesses casos cabe, na maior parte das vezes, ao direito 
exercer seu controle, em razão de possuir uma organização sistemática e precisa, diferenciando-
se assim, dos costumes. 
A escola, não a educação de uma forma geral, e sim a instituição escola, apesar de não 
ser um dos meios institucionalizados de controle da sociedade, exerce um poder de controle 
imenso. Além de socializar os indivíduos, influindo em seus aspectos éticos, morais e culturais, 
pode muitas vezes definir o grupo socialdo qual esses indivíduos irão fazer parte, já que em 
razão do nível de instrução se dá frequentemente a exclusão social (CHINOY, 2006). 
Relevante também frisar que esta exclusão social pode iniciar-se dentro do 
estabelecimento de ensino, por outras razões, que não o nível de instrução, mas que, entretanto 
acabarão exercendo influência nesse quesito, devido à própria estrutura educacional (CHINOY, 
2006). Em geral, a estrutura educacional é definida de acordo com os interesses dos grupos 
dominantes. Portanto, a exclusão social pode, muitas vezes, ser definida ou reforçada pela 
escola que, em alguns países, concede o saber somente aos selecionados pelo poder 
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). 
Quanto à educação, da mesma forma que o direito, é possível considerá-la altamente 
organizada e executora de forte controle sobre a sociedade. Entretanto, a grande diferença entre 
25 
 
eles é que a educação é um meio difuso de controle, que em geral nem mesmo é vista desta 
forma por grande parte da sociedade. 
Já o direito é um meio institucionalizado de controle, que pode possuir um discurso 
punitivo ou não punitivo. Contudo, ambos irão agir na sociedade de forma extremamente 
semelhante, possuindo o poder de destinar, através do controle que exercem, determinados 
indivíduos a marginalização e exclusão social enquanto outros serão selecionados a fazer parte 
do grupo dominante (BARATTA, 2002). 
Porém, esse “dever-ser” dos meios de controle social explicitado até o momento, não se 
efetiva totalmente, pois além dessas funções os meios de controle social utilizam sua influência 
para manutenção dos status quo. É através da ação dos meios de controle, inclusive o direito, 
que se mantém uma determinada ordem social (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). 
Pode-se perceber que o direito é um meio institucionalizado de controle social, que 
possui como características a segurança e a alteridade. Além de atingir um grande número de 
indivíduos, de todos os grupos sociais, em razão de sua organização sistemática e precisa, o 
direito é capaz de exercer um controle mais forte e rigoroso, gerando uma estabilidade social 
muitas vezes inalcançável por meio das demais espécies de controle. 
Pode-se perceber também, que o direito é apenas uma parte ínfima do sistema de 
controle social que interfere na sociedade, sistema que se inicia dentro da própria família e 
escola, indo até sua instância mais perceptível, contudo, não a mais importante, o direito penal. 
No controle exercido especificamente por esta área do direito, o penal, se vê reforçada 
a ideia de ultima ratio. Ao direito penal, teoricamente, só deveriam chegar os casos extremos 
de desvio, os quais as demais instâncias, mais complacentes com as falhas na socialização, não 
puderam controlar e conformar (MACHADO NETO, 1980). Quanto a isso dispõe Queiroz 
(2014, p. 61) que: 
 
O ordenamento penal não é, pois, o começo da socialização, mas a sua culminação; 
não é todo controle social, nem sequer é sua parte mais importante; é, mais 
exatamente, a parte visível de um iceberg, em que o que não se vê seja talvez o que 
mais importa, mesmo porque a norma penal não cria valores, nem constitui um 
sistema autônomo de motivação de comportamento humano. 
 
Apesar de o grupo dominante utilizar-se do direito como um todo para reforçar sua 
dominação, é por meio do direito penal que isso se dá na forma de seletividade e marginalização 
dos grupos dominados. Em razão da legitimidade conferida pela legalidade, o estamento 
dominante tem a possibilidade de fazer uso de todo o sistema penal a seu favor, e ainda assim, 
26 
 
transparecer que busca favorecer a todos igualmente e que os interesses defendidos são da 
sociedade em geral (SCURO NETO, 2010). 
Essa aparente legitimidade torna possível ao estamento agir em todo sistema penal, 
intervindo desde a criação da lei, até a aplicação da norma de forma a manter seus benefícios, 
controlar os dominados e preservar a ordem social excludente vigente. 
 
2.3 Estruturação do sistema penal brasileiro 
 
A ideia de sistema penal como forma de controle social institucionalizado e punitivo, 
requer agora certas complementações para que se possa compreendê-lo melhor. Tal 
entendimento é muito amplo, abrangendo não só as agências do sistema penal, as quais serão 
analisadas a seguir, mas também ações que a princípio não se costuma relacionar ao sistema, 
mas que, contudo, são uma parte importante desse, como ocorre com as ações controladoras e 
repressoras. 
Por controladoras e repressoras, entende-se as ações que buscam sancionar condutas, 
estejam elas ou não, previstas na lei penal, chegando a sancionar ações típicas de determinadas 
parcelas sociais em razão da seletividade que permeia a atividade filtradora do sistema penal. 
Cabível ainda, colocar nesse grupo as ações ilícitas utilizadas pelo sistema para o controle dos 
setores sociais marginalizados e até mesmo as que se utilizam de discursos terapêuticos e 
assistenciais para encobrir seu caráter punitivo (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). 
Entretanto, o foco desta parte do estudo é o sistema penal em um sentido mais estrito, 
que busca compreender cada uma de suas agências políticas e a suposta crise em que se 
encontram. Inicialmente, cabe entender o que é um sistema, para Boudon [et al.] (1990, p. 225): 
 
[...] a noção de sistema serve para designar um objecto complexo formado por 
elementos distintos ligados entre si quer por relações de interacção quer por relações 
de interdependência. Tais elementos são considerados como subsistemas, ou seja, 
pertencem à mesma categoria que o conjunto de que fazem parte. O sistema, sendo 
aberto, está por outro lado situado num meio com o qual está em interacção (caso 
contrário, trata-se de um sistema fechado). A ideia essencial é que o sistema constitui 
um todo de um grau de complexidade superior ao das suas partes, isto é, que tem 
propriedades próprias. 
 
Assim, sistema pode ser visto como um conjunto de unidades que interagem ou 
dependem umas das outras para poder atingir a finalidade estipulada por um princípio geral 
comum a todos. Para que se caracterize um sistema é necessário o preenchimento de certos 
pressupostos, sendo o primeiro deles, que as ações de um dos elementos produzam efeitos nos 
27 
 
demais. Outro pressuposto é o de que os comportamentos dos elementos são interdependentes, 
e por fim, a ausência de autonomia dos efeitos de um dos elementos nos demais elementos do 
sistema (DOTTI, 2004). 
Com base nessa ideia genérica de sistema, pode-se entender o sistema penal como a 
reunião de elementos que, apesar de autônomos, possuem um determinado grau de 
interdependência entre si. Esses elementos podem ser considerados como subsistemas, nos 
quais estão compreendidos o legislativo, o policial, o judicial e o executivo, que abrangem 
praticamente todas as áreas do direito penal no Brasil, desde o momento da criação da lei penal 
até a execução da pena aplicada pelo judiciário. Nesse sentido tem-se o conceito de sistema 
penal dado por Batista (2004, p. 103-104), segundo o qual trata-se de um “conjunto coordenado 
de agências políticas - legislativas, judiciárias, policiais, penitenciárias e [...] de comunicação 
social - que programam a criminalização primária e promovem a secundária”. 
O sistema penal, como visto, possui diversos elementos que o compõem. Esses 
elementos podem atuar de modo simultâneo, não cabendo uma etapa específica a cada um. 
Claro que, em geral, um elemento irá predominar em uma etapa, contudo, isso não significa 
que não possa atuar nas demais (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011). Um exemplo disso são 
as prisões cautelares, onde o acusado fica sob a custódia do executivo, apesar de se estar ainda 
na fase policial ou judicial, outro exemplo se encontra na necessidade de autorização judicial 
para que se adotem certos procedimentos pela polícia, como buscas, interceptações telefônicas,etc. 
Portanto, é preciso compreender que a criminalização possui sim etapas, mas elas não 
irão pertencer a uma única agência política. Na verdade, elas serão resultado de uma interação 
desuniforme entre estas agências, tendo em cada etapa a simples predominância, ao invés da 
supremacia de uma delas. 
Para que seja possível entender o sistema é necessário compreender antes, como 
funciona cada uma de suas agências, como operam e o que cabe a cada um desses elementos 
do sistema penal. 
Iniciando pelo legislativo, a parte do sistema onde se originam as leis penais, que 
posteriormente serão a base para as demais etapas da criminalização (ZAFFARONI; 
PIERANGELI, 2011). É concedido ao legislador pela Constituição Federal o poder de definição 
dos bens jurídicos que serão tutelados pelo direito penal, para Bittencourt (2008, p. 7) bem 
jurídico é “todo valor da vida humana protegido pelo Direito, [...] são bens vitais da sociedade 
e do indivíduo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social”. 
28 
 
É o legislador quem irá decidir, não apenas qual bem jurídico será protegido pela lei, 
mas também de que forma se dará essa proteção, qual a espécie de pena será aplicada em caso 
de transgressão à norma, privativa de liberdade, restritiva de direitos ou apenas pena de multa, 
qual será o tempo desta pena, estipulando tempo mínimo e máximo que servirá de parâmetro 
no momento do cálculo dessa e também para definição do regime aplicável, da possibilidade 
de interceptação telefônica, de transação penal e outros procedimentos que serão levados a cabo 
pelos outros elementos do sistema. 
Com relação à norma produzida pelo legislador, essa será dirigida não apenas aos 
cidadãos, mas também a outro elemento do sistema penal, o judiciário. Nesse sentido prevê 
Salvador Netto (2008, p. 76): 
 
[...] ao mesmo tempo em que se dirigem ao cidadão para transmitir, informar e 
persuadi-lo socialmente a respeito da conduta proibida, também se voltam ao julgador, 
determinando que este último imponha a sanção em face do descumprimento da 
norma anterior. A primeira delas, voltada aos cidadãos em geral e capa de comunicar-
lhes o comportamento proscrito, é denominada norma de conduta, comando jurídico 
principal ou, mais comumente, norma primária e a segunda, norma de sanção, 
comando jurídico secundário ou norma secundária. Ambas estão enunciadas 
descritivamente, porém exercem função prescritiva para os seus respectivos 
interlocutores. 
 
Formalmente, o legislativo é o elemento do sistema penal que possui maior parcela de 
liberdade, já que é nele que se define o que será aplicado pelos demais elementos do sistema 
(DIAS, 1999). Contudo, é preciso sempre levar em conta que essa liberdade não é ilimitada, o 
legislador sempre deve se ater aos limites impostos pela Constituição Federal, que lhe concede 
o poder, mas de forma restrita às suas garantias. Não podendo simplesmente o legislador criar 
qualquer norma, e caso consiga instituir uma norma contrária a Constituição, ainda haverá para 
contê-la todos os meios de controle de constitucionalidade (LIMA, 2012). 
Além das restrições impostas pela Constituição Federal, o legislador ainda sofre 
influência da sociedade, que pode desempenhar papel fundamental na criação das leis. A 
pressão exercida pela sociedade, logicamente não possui o caráter protetivo que possui a 
limitação dada pela Constituição Federal, mas, deve ser considerada, pois atua fortemente sobre 
a produção legislativa. Um dos motivos dessa influência é o fato de o legislador ser eleito, 
ficando assim propenso as ingerências da sociedade de uma forma muito mais robusta que nas 
outras esferas do sistema penal. Em razão disso, pode-se perceber na legislação pátria leis 
dispensáveis e em alguns casos até mesmo ilegítimas. 
29 
 
Portanto, o elemento legislativo do sistema penal, é aquele no qual são produzidas as 
leis que permearão todos os demais elementos do sistema, e também onde se dá a primeira etapa 
do processo de criminalização. 
Com relação ao elemento policial, “o símbolo mais visível do sistema formal de 
controle” (ANDRADE; DIAS, 1997, p. 443), é a ele que cabe, de um modo geral, a preservação 
da ordem pública, o que envolve um serie de obrigações, como a investigação das infrações à 
lei penal, o patrulhamento, o recebimento das delações. Segundo Barbosa (2010, p. 9): 
 
[...] à Polícia como instituição do Estado Moderno foi conferida, basicamente, desde 
seu nascimento e qualquer que seja sua forma de organização e inserção institucional, 
duas tarefas diametralmente opostas: a função de prevenir delitos perseguíveis de 
ofício pelo Estado; e a função de investigar os ilícitos penais já cometidos e auxiliar 
os funcionários encarregados da persecução penal em juízo na formação da culpa. A 
primeira claramente executiva de prevenção e defesa social. A segunda, de reação ao 
fato punível, em cumprimento a qual trabalha em auxílio ao sistema de justiça penal. 
 
Assim, será de responsabilidade do segmento policial, em razão de ser parte do Poder 
Executivo, manter a ordem social vigente e em sua máxima efetividade, além de possuir sua 
óbvia função na criminalização como instrumento do sistema penal. Com o intuito de executar 
suas funções deve a polícia se balizar na Constituição Federal. Nesse sentido prevê Goldstein 
(2003, p. 28) que “a policia não está apenas obrigada a exercer sua limitada autoridade em 
conformidade com a Constituição e, por meios legais, aplicar suas restrições: também está 
obrigada a observar que outros não infrinjam as liberdades garantidas constitucionalmente”. 
Portanto, é dever da policia agir de acordo com a Constituição Federal e impedir que os outros 
ajam em desacordo com essa. 
Com base no exposto, pode-se compreender o segmento policial, como parte do Poder 
Executivo que tem a capacidade de dar início aos procedimentos de criminalização, e que 
também age diretamente em outras fases desse processo, seja essa fase judicial ou executória, 
em razão de suas múltiplas funções. 
Antes de partir para o segmento judicial propriamente dito do sistema penal, interessante 
se faz avaliar o Ministério Público, pois atualmente esse possui total autonomia com relação 
aos poderes estatais, não podendo ser analisado juntamente com um deles. 
O Ministério Público não pode ser comparado a nenhum outro órgão do Poder Público, 
porque possui características que o distinguem de todos os demais, o que torna o Ministério 
público tão singular é a reunião de “autonomia, instrumentos de ação, discricionariedade e 
amplo leque de atribuições” (KERCHE, 2007, p. 260). 
30 
 
 Tais características foram atribuídas ao Ministério Público pela Constituição Federal 
de 1988, no período anterior esse fazia parte do Poder Executivo, o que o submetia as decisões 
políticas, nesse sentido Sadek (2010, p. 107-108) afirma que: 
 
O Ministério Público pode ser considerado, do ponto de vista institucional, a maior 
novidade trazida pela Constituição de 1988, mesmo quando comparado aos Poderes 
de Estado ou outras instituições como o Exército Brasileiro ou o Banco Central. Ou 
seja, mesmo com modificações, as atribuições básicas dessas instituições e Poderes 
foram mantidas. De fato, o Legislativo continuou bicameral; o Executivo manteve 
suas atribuições administrativas e preservou grandes poderes para legislar; o Banco 
Central permaneceu ligado ao Poder Executivo. Quanto ao Ministério Público, 
entretanto, há um claro ponto de inflexão. Antes de 1988, tratava-se de uma instituição 
ligada ao Executivo, responsável principalmente pela ação penal pública junto aos 
tribunais. Após a Constituição de 1988, o Ministério Público passa a ser independente 
de todos os Poderes do Estado e detentor de atribuições extremamente reforçadas de 
representante da sociedade. 
 
Essa autonomia foi concedida para que o órgão não fosse submetido às ingerênciasdos 
demais poderes do Estado, possibilitando que ele desempenhe as funções previstas para ele na 
Constituição Federal de modo efetivo, inclusive as que vão contra os interesses dos poderes 
estatais (KERCHE, 2007). 
Logicamente que diante da autonomia desse órgão, ele também possui funções 
específicas. Ao Ministério Público cabem às funções de promover as denúncias, dando início 
ao processo judicial, acusar, nos casos de ação penal pública, e também de fiscalizar todo o 
decorrer dos procedimentos judiciais. . 
Assim, se é o Ministério público possui a capacidade de fazer as denúncias, certamente 
que terá alto poder seletivo, já que a ele cabe decidir quais delações ou investigações tornar-se-
ão objeto de apreciação pelo judiciário e quais serão arquivadas. Obviamente que não se trata 
de uma simples faculdade a realização das denúncias, ou que exista um poder discricionário 
ilimitado por parte do Ministério Público. Como os demais segmentos do sistema penal, esse 
órgão necessariamente precisa se balizar na Constituição Federal, que prevê além de suas 
funções, suas limitações. 
Ademais, a legislação pátria prevê possibilidades de se contornar a inércia do Ministério 
Público. Um bom exemplo disso é a ação penal privada subsidiária da pública, que concede 
legitimidade ao próprio ofendido para propor a ação, que a princípio seria de responsabilidade 
do Ministério Público quando esse permanece inerte. 
Com relação ao elemento judiciário do sistema penal, é onde ocorre o processo que 
absolverá o réu ou o levará a fase executória, tudo através de uma série de procedimentos 
previstos na legislação pátria. Primeiramente deve-se saber que esse elemento possui duas 
31 
 
espécies de independência, uma com relação aos demais poderes estatais, e outra com relação 
as suas próprias instâncias, não havendo uma hierarquia entre essas (COMPARATO, 2004). 
Portanto, além de ser independente dos demais poderes, no Judiciário não há subordinação entre 
as diversas instâncias. 
O Judiciário possui características exclusivas que o diferem dos demais poderes estatais, 
as principais segundo Lessa (1915, p. 1) são as seguintes: 
 
[...] as suas funções são as de um árbitro; para que possa desempenhá-las, importa que 
surja um pleito, uma contenda; [...] só se pronuncia acerca de casos particulares, e não 
em abstrato sobre normas, ou preceitos jurídicos, e ainda menos sobre princípios; [...] 
não tem iniciativa, agindo - quando provocado, o que é mais uma consequência da 
necessidade de uma contestação para poder funcionar. 
 
Quanto às funções do Judiciário, segundo parte da doutrina, são cinco. A primeira delas 
é aplicar contenciosamente a lei aos casos concretos, assim, cabe ao Judiciário identificar a lei 
aplicável aos casos que forem levados a seu conhecimento. A próxima trata do controle dos 
demais poderes, sendo dever do Judiciário controlar os poderes Executivo e Legislativo, 
refreando os excessos praticados por esses no uso de suas prerrogativas. Cabe ao Judiciário 
também realizar seu autogoverno, pois em razão de sua independência administrativa, 
financeira e funcional este não necessita de qualquer autorização para praticar os atos que visam 
sua organização. As duas últimas funções são concretizar os direitos fundamentais e garantir o 
Estado Democrático, não possuem unanimidade na doutrina, contudo, são plenamente cabíveis 
na fase atual do direito, onde se preza pelas garantias fundamentais, o respeito a Constituições 
e aos Direitos Humanos (FACHIN, 2009). 
Dessa forma, é possível concluir que a autonomia do Poder Judiciário e suas funções 
específicas concedem ao elemento judiciário do sistema penal legitimidade para desenvolver 
um complexo de procedimentos que podem gerar a absolvição ou a condenação do réu, que 
neste caso, fixará a esse, consequentemente, a passagem pelo último elemento do sistema penal 
- o executivo. 
O executivo, último elemento do sistema penal, é alcançado após a atuação de todas as 
demais agências que fazem parte do complexo do sistema. É nesse elemento do sistema que 
ocorre o cumprimento da pena aplicada pelo elemento judicial, é no executivo que se ultimam 
os atos de todo o sistema, pois somente após o regular processo realizado por todos os elementos 
deste sistema – legislativo, policial e judicial- que se pode chegar a pena, e consequentemente, 
seu cumprimento. 
32 
 
O elemento executivo do sistema penal envolve uma atividade complexa, da qual 
participam os Poderes Estatais Executivo e Judiciário, nesse sentido Grinover (1987. p.7) 
dispõe que: 
 
[...] a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos 
planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade 
participam dois Poderes estaduais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, 
respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais. 
 
Diante disso, se discute se a natureza jurídica da execução é jurisdicional ou 
administrativa. Para se chegar a tal definição é preciso levar em conta que apesar de envolver 
ampla atividade administrativa no que diz respeito aos estabelecimentos onde se dá o 
cumprimento das execuções, a supervisão desses se dá por um juiz (MARCÃO, 2012). 
Ademais, impossível dissociar a execução do direito penal e processual penal, já que ela 
só ocorre em razão de condenação proveniente do Poder Judiciário e deve em seu cumprimento 
obedecer aos princípios e garantias aplicáveis a esses ramos do direito (NUCCI, 2014). Assim, 
pode-se concluir que a natureza jurídica da execução é jurisdicional, e não administrativa. 
Apesar de sua natureza jurisdicional, o elemento executivo possui autonomia. Como 
visto anteriormente, ele se vincula aos princípios e garantias do direito penal e processual penal, 
contudo, isso não extingue sua autonomia, já que também possui institutos próprios e 
específicos desse elemento (NUCCI, 2014). 
Diante do exposto, o elemento executivo pode ser visto como elemento autônomo e de 
natureza jurídica jurisdicional, que efetiva o cumprimento da punição aplicada pelo Estado por 
meio do elemento judiciário do sistema penal. 
Compreendendo assim as funções básicas de cada elemento do sistema, precisa-se 
destacar que a uniformidade necessária para que todos eles funcionem em sintonia e alcancem 
seu objetivo, que consiste na “proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à 
comunidade” (DOTTI, 2004, p. 3), basicamente não existe. 
Cada elemento construiu sua própria lógica, dando origem a uma autonomia extrema 
que os distancia da ideia de um sistema (COPETTI, 2000), no qual há integração entre os 
elementos e onde se desenvolvem atividades orientadas para um fim comum, de acordo com 
um principio geral comum. No mesmo sentido, Grubba (2012, p. 87) prevê que cada instância 
do sistema age de forma a proteger seus próprios interesses: 
 
 
33 
 
[...] esse sistema punitivo – sistema penal – é o conjunto das agências (políticas, 
judiciais, policiais, etc) que, em suas relações recíprocas e com o exterior, operam e 
convergem na produção de criminalização primária e secundária. Essas agências não 
atuam de maneira coordenada, mas por interesses próprios. Assim, por mais que, ao 
fim, o resultado do funcionamento possa parecer harmonioso, trata-se apenas de 
referencia discursiva em virtude das funções manifestas. 
 
Assim, o sistema penal, da forma em que se encontra hoje, não caracteriza os 
pressupostos de um verdadeiro sistema, pois reduziu-se a interdependência entre esses 
elementos o que os caracteriza como sistema, subsistindo apenas “subsistemas dotados de 
racionalidade, de métodos, de objetivos e de valores próprios- razão de acentuada dissintonia 
na actuação de cada um” (ANDRADE; DIAS, 1997, p. 381). Tal desintegração reduz 
drasticamente a eficiência do sistema penal, já que inexiste coesão entre os subsistemas, a 
realização de um objetivo

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