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PATOLOGIA GERAL AULA 1 Profª Giane Favretto CONVERSA INICIAL Durante esta aula iremos estudar o histórico da patologia, suas divisões, o conceito saúde versus doença e suas modificações durante a história, analisando as diferenças entre os modelos explicativos da saúde e da doença até o modelo dos dias atuais. Também abordaremos os processos de lesão celular, adaptação e morte, processos de grande importância para o entendimento da patologia geral. TEMA 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PATOLOGIA A palavra patologia tem origem grega e significa estudo das doenças, em que Pathos = doença e Logos = estudo. O conceito da patologia é voltado para as alterações morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das células, órgãos e tecidos, com o objetivo de elucidar os mecanismos que levam ao surgimento de sinais e sintomas das doenças. A patologia fornece base para a compreensão da patogênese e dos fatores de risco envolvidos no processo do desencadeamento da doença, possibilitando a diagnose e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas. 1.1 HISTÓRICO DA PATOLOGIA O histórico da patologia pode ser dividido em fases, as quais conceitualizam a patologia de acordo com as doenças em evidência e de acordo com a corrente filosófica vigente. 1.1.1 Fase humoral Compreende o período da Idade Antiga até o final da Idade Média. A origem das doenças era explicada em função do desequilíbrio dos quatro humores do corpo, o sangue, a fleuma, a bile amarela e a bile negra. Em teoria, a falta, o excesso ou ainda a separação desses fluidos no organismo determinaria o estado de doença do corpo, e a harmonia na mistura dos humores em quantidade, proporção e propriedade apontaria o estado de saúde. Os gregos acreditavam que os deuses detinham o poder sobre o equilíbrio e o desequilíbrio desses fluidos no organismo. Hipócrates defendia a teoria de que a natureza restauraria a desarmonia dos fluidos, tornando-os harmônicos, ou seja, uma pessoa doente teria uma tendência a se curar naturalmente. 1.1.2 Fase orgânica De meados do século XV ao século XVI, o corpo passou a ser observado principalmente durante a necropsia e a autópsia. O italiano Antonio di Paolo Benivieni escreveu a obra De abditis non nvllis ac mirandis morborvm et sanationvm cavsis, a qual descreve 111 relatos, com informações clínicas incomuns, sendo relatados anomalias que explicariam a causa da morte de pacientes. Posteriormente, em 1543, Andreas Vesalius revolucionou a anatomia publicando um atlas de anatomia chamado De humani corporis fabrica. Em 1510, Leonardo da Vinci representou em suas pinturas gravuras de fetos. Rembrandt em 1632 fez a obra De Anatomische les van Dr. Nicolase Tulp, uma pintura a óleo que retrata uma aula de anatomia do doutor Nicolaes Tulp, no qual se pode observar a dissecação de uma mão. 1.1.3 Fase tecidual Compreende os séculos XVI a XVIII. A Era renascentista trouxe nessa fase um avanço importante para a patologia com crescente desenvolvimento na área científica. As superstições foram desmistificadas, e a necropsia deixou de ser considerada uma violação da alma. Esse período é marcado pelo aparecimento de periódicos e inúmeros livros da área. Em 1628, William Harvey, em sua obra Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinea in animalibus, descreve pela primeira vez o sistema circulatório. Marcello Malpighi foi o primeiro médico anatomista a utilizar o microscópio, fundador da anatomia microscópica e da fisiologia comparativa. Entre suas principais obras, destacam-se De viscerum structura exercitati, escrita em 1666, e Anatome Plantarum ideaLondon, escrita em 1675. Marie François Xavier Bichat é considerado o pai da histologia e da patologia dos tecidos. Na primeira metade do século XVII, introduziu o conceito de tecido, concluiu em seus estudos que no corpo humano existiam mais de 21 tipos de tecidos diferentes e defendeu a teoria de que as doenças ocorriam primariamente no tecido e não na totalidade do órgão e, por fim, dividiu a patologia em geral e especial. 1.1.4 Fase celular A utilização do microscópio ótico para pesquisas médicas marca a fase celular da patologia, período considerado inicial da patologia moderna. A busca pela origem do processo da doença se dá pelo estudo celular, por meio da percepção das alterações funcionais e morfológicas das células. Antony Van Leeuwenhoek, em 1673, contribuiu para o melhoramento do microscópio criado por Hooke e aperfeiçoado por Hans e Zacharias Jansen e Cornelius Drebbec e descreveu a estrutura celular dos vegetais, micro-organismos, sendo o primeiro homem a ver o seu próprio espermatozoide. Em meados do século XIX, Rudolph Virchow, considerado o pai da patologia moderna e da medicina social, foi o criador da teoria celular, a qual defende que todos os organismos são compostos por células e que as doenças ocorrem por mudanças nessas células. Em 1858, escreveu Die Cellular pathologie (Patologia celular). Julius Conheim, no mesmo século, elucidou as bases histológicas da inflamação, revelando, sob o ponto de vista microscópico, os 4 sinais cardinais descobertos por Cornelius Celsus: tumor, calor, rubor e dor. 1.1.5 Fase ultracelular Com o início no século XX, a fase ultracelular é a fase atual que envolve os vários conceitos modernos sobre a patologia, como a biologia molecular. Podemos citar o crescente desenvolvimento do estudo da patologia nos avanços imunológicos, bioquímicos e microscópicos. Apesar de os procedimentos convencionais de análise micro e macroscópico ainda serem utilizados, o desenvolvimento tecnológico trouxe ferramentas valiosas para a elucidação do mecanismo das diversas doenças até hoje relatadas. 1.2 CONCEITOS GERAIS E DIVISÃO DA PATOLOGIA Como citado anteriormente, Bichat dividiu a patologia em geral e especial, divisão mantida até os dias atuais. 1.2.1 Patologia geral Tem como objetivo estudar os fundamentos das doenças, as diversas reações de células e tecidos em função de estímulos lesivos ou agentes agressores. Busca compreender e classificar as lesões básicas que podem vir a acarretar doenças. É denominada patologia geral por estudar doenças que normalmente estão associadas a todos os processos patológicos celulares e teciduais. 1.2.2 Patologia especial Tem como objetivo o estudo das características de cada doença, bem como a análise das respostas específicas de cada órgão e sistema a estímulos lesivos definidos. Existem alguns termos importantes que devem ser explanados aqui nesta aula, pois serão abordados durante todo o estudo da patologia. 1.2.3 Etiologia É o estudo e/ou a pesquisa da origem de todos os tipos de doenças, incluindo os fatores intrínsecos e extrínsecos (genéticos e ambientais). O entendimento desses fatores passou a ser o escopo da investigação das doenças na patologia moderna. 1.2.4 Patogenia É a área da patologia que tem por finalidade o estudo dos eventos que desencadeiam o processo da doença. Descreve como os fatores etiológicos que envolvem uma ação dão início ás alterações fisiológicas e bioquímicas das células. 1.2.5 Fisiopatologia Estuda as funções anormais ou patológicas dos órgãos e sistemas do organismo. Tem como objetivo elucidar a causa, a evolução e as alterações decorrentes do processo da doença. TEMA 2 – PROCESSO DE SAÚDE VERSUS DOENÇA O estudo da patologia em sua totalidade converge para o conceito e o compreendimento das causas da doença. Para que possamos entender melhor esse conceito, é necessário uma abordagem da história da doença e do processo saúde-doença. A definição de saúde e de doença vem sofrendo modificações ao longo do tempo. A doença era entendida como estado de ausência de saúde e a saúde como estado de ausência da doença. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS (1946), a saúde pode ser definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. No ano de 1986, durante a Conferência Internacional sobrea Promoção da Saúde em Ottawa, foi empregado o conceito de saúde como qualidade de vida vinculada a fatores como equidade, justiça social, recursos econômicos, alimentação, abrigo, educação, paz, renda e recursos sustentáveis. Em 1990, a Lei Orgânica de Saúde (LOS) n. 8.080 definiu, no art. 3º, o conceito de saúde de forma mais abrangente e completa, determinando que: A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso a bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país. (Brasil, 1990) Com esse conceito, o processo saúde-doença passa de uma visão mecânica, na qual erroneamente os profissionais de saúde descartavam os fatores emocionais e sociais, para uma visão flexível, holística e abrangente, que começa a considerar inúmeros aspectos causais da doença como os fatores biológicos, sociais e psicológicos. A relação saúde versus doença envolve o ambiente em que o indivíduo está inserido. Assim, a presença ou ausência de doença configura um problema não somente pessoal, mas um problema social, podendo afetar de forma efetiva outros membros da sociedade, como a família e colegas de trabalho por exemplo. 2.1 MODELOS DO PROCESSO SAÚDE VERSUS DOENÇA Durante a história da humanidade, o conceito saúde-doença passou por diversos modelos explicativos que ajudam a entender as principais semelhanças e diferenças da concepção de saúde e doença na atualidade. 2.1.1 Modelo xamanístico Os povos da Antiguidade acreditavam que a saúde e a doença eram geradas por elementos naturais e sobrenaturais. A chamada visão mágico-religiosa surgiu da concepção de que o adoecer faria parte de uma transgressão espiritual, sendo ela individual ou coletiva. A saúde poderia ser recuperada por meio do enlace com as divindades. O ritual era feito por xamãs e sacerdotes, que teriam uma maior proximidade com as entidades espirituais. Apesar de esse modelo não apresentar a cura para diversas doenças, estabelecia um elo de cuidados psicológicos e saúde comunitária. Correlacionando o modelo com o conceito de saúde da atualidade, é interessante observar que algumas pesquisas destacam que pessoas que possuem crenças religiosas são mais propícias à cura. 2.1.2 Modelo holístico A origem do modelo holístico deu-se no século V a.C. As medicinas orientais e hindu trouxeram uma nova concepção de saúde e doença. Nesse modelo, o equilíbrio e o desequilíbrio entre os elementos como os astros e o clima estariam inteiramente ligados à concepção de saúde ou doença. A busca pelo equilíbrio do corpo por meio dos elementos internos e externos seria essencial na busca pela saúde. A medicina tradicional chinesa possui concepções do modelo holístico no cuidado com a saúde como a acupuntura e meditações, que buscam a harmonia e o equilíbrio do corpo. 2.1.3 Modelo empírico-racional Também chamado de modelo hipocrático, teve seu início no Egito 3.000 a.C. Hipócrates, considerado o pai da medicina no século VI a.C., estabeleceu teorias que foram além do modelo sobrenatural para explicar os eventos que levam à saúde e à doença. Desenvolveu a teoria dos humores corporais que associava a doença e a saúde ao equilíbrio e ao desequilíbrio dos quatro humores do organismo humano. O cuidado dependeria da compreensão dos desequilíbrios para alcançar o equilíbrio. Essa teoria demonstrou que os elementos da natureza tais como a terra, o fogo, o ar e a água estariam em segundo plano na explicação do processo da doença e da saúde. 2.1.4 Modelo biomédico Também conhecido como modelo de medicina científica ocidental, teve seu início durante o Renascimento no século XVI e com o método de Descartes entre os séculos XVI e XVII. O controle do espaço social e dos corpos é o objetivo do cuidado na concepção biomédica. Nesse modelo, a visão holística do homem é perdida em suas dimensões sociais e psicológicas. O modelo mecanicista interferiu no tratamento, e os médicos da época passaram a observar o homem como uma máquina que pode ser consertada. O corpo passou a ser analisado em partes menores, reduzido a um funcionamento mecânico em que o estado de doença passa a ser considerado como um defeito, um desajuste, e a saúde o funcionamento normal e adequado do organismo. A atenção à saúde passa a ser em relação aos sinais e aos sintomas e é pautado principalmente com base nas ciências da vida. Nesse mesmo período, surgiu a teoria dos miasmas, que passou a associar as condições do ambiente com o surgimento de epidemias. 2.1.5 Modelo sistêmico O modelo teve início na década de 1970. Baseia-se no princípio de que o processo saúde versus doença está intimamente relacionado com as mudanças do ecossistema. Se um elemento desse ecossistema sofresse algum tipo de alteração, todo o sistema seria afetado. Nesse modelo, a concepção de doença é estabelecida como o desequilíbrio do sistema com a busca de um novo equilíbrio. Em contrapartida, a saúde é entendida como o equilíbrio dinâmico do sistema. O conceito saúde versus doença nesse modelo estaria correlacionado com fatores como fatores ambientais, socioeconômicos, políticos e culturais, por exemplo. 2.1.6 Modelo da história natural das doenças Criado no ano de 1976 por Leavell e Clark, esse modelo ficou conhecido também como modelo processual dos fenômenos patológicos. A saúde e a doença passam a ser consideradas um processo, sendo dividido em pré-patogênico e patogênico. Na concepção do período pré-patogênico, existe a possibilidade do emprego de ações para a promoção da saúde. O período patogênico, por sua vez, envolve as prevenções secundárias e terciárias. Esse modelo permite que o cuidado tenha diferentes níveis de complexidade. Estudando o processo saúde versus doença, é possível criar prevenções e ações antes do adoecimento, promovendo a qualidade de vida. TEMA 3 – PROCESSOS DE LESÃO CELULAR Em condições fisiológicas normais, as organizações celulares e teciduais são capacitadas a resistirem a condições de estresse extracelular e a alterações fisiológicas, garantindo a manutenção da vida. A preservação iônica, morfológica e funcional da célula perante essas condições é chamada de homeostasia. A homeostase celular depende dos mecanismos de regulação e proteção do nosso organismo. Esses mecanismos permitem que essas células sofram estímulos sem comprometer sua integridade e funcionalidade. Algumas variações, por exemplo, leves privações de oxigênio, são bem toleradas pelas células e não trazem prejuízos à maquinaria celular, mantendo a fisiologia e a morfologia em sua integridade. Toda vez que a célula é retirada de seu estado normal de homeostase, vai ocorrer algum tipo de resposta ou desfecho associado a esse processo. Dependendo do tipo de estímulo patológico ou estresse fisiológico que essa célula venha a receber, certas adaptações se fazem necessárias para que o equilíbrio intracelular seja mantido. As principais adaptações que as células podem sofrer são a atrofia, hipertrofia, hiperplasia e metaplasia. Todas essas serão discutidas com detalhes posteriormente. Com o estímulo constante ou intenso, a adaptação celular pode ser comprometida, levando à lesão celular. As lesões celulares podem ser de caráter reversível ou irreversível. A lesão reversível é passível de alterações celulares, porém não há progressão da lesão que determine um dano intenso. Quando o estímulo é retirado ou cessa, essa célula tem a capacidade de retornar ao seu estado normal de homeostase. A lesão celular se torna irreversível quando o estresse é intenso e progressivo. Nessa situação, mesmo com o cessar do dano, as células não retornam à sua homeostase, culminando na morte das células afetadas. A morte celular possui dois desfechos possíveis: a necrose celular e a apoptose. Ambas diferem fisiológica e morfologicamente em seus mecanismos no processo dadoença. Os desfechos serão abordados com maior propriedade no tema Processos de morte celular. O estímulo agressor ou agente lesivo ser classificados como exógenos (do meio ambiente). Dentro dessa classificação, temos os agentes físicos, químicos e biológicos e os desvios nutricionais. Podem ser classificados ainda como endógenos (do próprio organismo), do qual temos como exemplos o patrimônio genético, a resposta imunitária e os fatores emocionais. 3.1 ETIOLOGIA DAS LESÕES CELULARES A etiologia da lesão celular pode ser dividida nas categorias a seguir: 3.1.1 Privação de oxigênio Em células e tecidos, a privação de oxigênio é chamada de hipóxia, a qual pode ser de origem sistêmica ou localizada. Essa condição se deve à perda do aporte sanguíneo, alteração nos mecanismos de transporte de oxigênio e falha nas enzimas oxidativas. A hipóxia leva à diminuição de antioxidantes endógenos, causa depleção de ATP, resultando nas disfunções das bombas de íons e transportadores responsáveis para manter a concentração intracelular de cálcio. O cálcio aumentado ativa enzimas autólicas, responsáveis por causar danos celulares. 3.1.2 Agentes infecciosos Podem ser classificados como agentes acelulares. Os vírus, príons e viroides fazem parte dessa classificação. Agentes unicelulares compreendem as células procarióticas, por exemplo, bactérias, clamídias, micoplasmas e rickettsias, agentes multicelulares, helmintos e artrópodes. Os mecanismos de lesão desses agentes infecciosos são via efeito citopático, toxinas endógenas, exotoxinas, inflamação, indução da resposta imunitária, entre outros. Todos os mecanismos de lesão serão discutidos detalhadamente em momento posterior. 3.1.3 Agentes químicos e drogas Podem ser de ação externa ou interna. Os agentes químicos de ação externa são também chamados de agentes cáusticos, produzem efeitos coagulantes com desidratação dos tecidos, tornando-os com aspecto enegrecido. O nitrato de prata é um exemplo. Outro efeito é o liquefasciante, responsável por produzir escaras amolecidas e úmidas. Bases fortes como o hidróxido de sódio e a amônia são responsáveis por esse tipo de lesão. Os agentes de ação interna são denominados venenos, abrangem substâncias sólidas, líquidas e gasosas e são substâncias tóxicas que têm a capacidade de alterar as funções do organismo, perturbando a homeostase celular, podendo culminar em morte. De acordo com Paracelso (1443- 1541) “todas as substâncias são venenos, não existe nenhuma que não seja. A dose correta diferencia um remédio de um veneno”. 3.1.4 Agentes físicos São as diversas formas de energia e traumas que podem vir a causar algum dano à homeostase celular, tais como: temperaturas extremas, radiações ionizantes e radiações não ionizantes, choque elétrico, força mecânica, variações da pressão atmosférica, ruídos, vibrações, infrassom e o ultrassom. 3.1.5 Reações imunológicas A resposta imunológica é essencial na defesa de agentes infecciosos. Embora ela constitua o principal impedimento para que ocorram infecções generalizadas, pode ocasionar lesões às células e aos tecidos do organismo. As doenças autoimunes, por exemplo, se originam de uma reação imunológica anormal, na qual o corpo não reconhece as células normais do organismo e acabam por atacar seus próprios tecidos. Outro exemplo são as reações anafiláticas, causadas por processos alérgicos graves, súbitos, com sintomas exacerbados e muitas vezes letais. 3.1.6 Alterações nutricionais A privação nutricional é a principal causa da lesão celular. Pode levar a célula a alterar seu mecanismo de funcionamento, acumular componentes tóxicos ou parar seu funcionamento. Podemos citar como exemplo a falta de vitaminas, as deficiências proteo-calóricas, o excesso de glicose na diabetes, o excesso de lipídeos que pode levar à formação de placas ateroscleróticas nas artérias coronárias. 3.1.7 Envelhecimento celular O processo de envelhecimento ocorre quando os sistemas que mantêm as células em homeostase entram na fase de declínio, e a codificação do DNA entra em envelhecimento, causando a deterioração progressiva na síntese de enzimas, proteínas e macromoléculas. Essas alterações fazem com que o organismo não responda de forma eficaz ao combate da lesão celular, levando à degeneração progressiva, à morte celular e do organismo. Os radicais livres são os principais agentes que atuam no processo de envelhecimento, possuem ação acumulativa e atingem de forma direta e constante as células e tecidos. 3.1.8 Fatores genéticos As mutações ou as alterações genéticas podem resultar em doenças congênitas. A deficiência enzimática pode resultar em doenças de depósitos lisossomiais, por exemplo. A substituição de aminoácidos pode ocasionar uma anemia falciforme. A lesão celular é causada por falta ou deficiência de proteínas funcionais, alterações no metabolismo, proteínas mal dobradas e acúmulo de DNA danificado, e todas essas alterações genéticas são passíveis de culminar em morte celular. TEMA 4 – MECANISMO DE ADAPTAÇÃO CELULAR As adaptações celulares são dependentes dos estímulos do meio extracelular. Em geral, são alterações reversíveis dependendo das células por que passam, modificando suas funções dentro de sua faixa de normalidade em resposta às agressões sofridas em seu ambiente, escapando da lesão celular. As adaptações consideradas patológicas podem ser classificadas em geral, inespecíficas ou sistêmicas em resposta ao estresse causado por agentes biológicos, físicos, químicos ou emocionais. Frente aos estímulos a célula começa a ativar mecanismos de alteração de genes que sinalizam a diferenciação celular. As consequências da adaptação celular podem acontecer de duas diferentes formas. Na primeira, a célula tem sua homeostase restaurada pelo término do estímulo e, na segunda situação, o estímulo se torna constante e acontece a degeneração ou lesão celular. Os tecidos do nosso organismo não possuem a mesma capacidade de adaptação celular, podendo ser classificados de acordo com a sua capacidade de proliferação: Tecidos lábeis: são os tecidos de divisão contínua. São tecidos que estão constantemente no ciclo celular, por exemplo, a pele e as mucosas. Esses tecidos normalmente estão expostos a agentes agressores e lesivos; Tecidos quiescentes: são tecidos estáveis, com baixo nível de replicação celular, permanecem e repouso e, frente a estímulos agressivos, possuem a capacidade de alta replicação e regeneração. Alguns exemplos de tecidos são os tecidos renais e hepáticos; Tecidos não divisores: depois do desenvolvimento embrionário, as células não possuem mais o poder de divisão. Esses tecidos não têm o poder de regeneração frente a lesões. Como exemplo, temos o tecido do músculo cardíaco e as células nervosas. 4.1 PRINCIPAIS TIPOS DE ADAPTAÇÕES CELULARES As adaptações celulares podem ser de origem fisiológica ou patológica. Na adaptação fisiológica, as células se modificam frente a estímulos normais do organismo como mediadores químicos internos e liberação de hormônios. Um exemplo clássico é a alteração nas células do útero no período gestacional. A adaptação patológica ocorre frente à resposta ao estresse de um agente agressor, fazendo com que a célula modifique sua função e sua estrutura para que a lesão não aconteça. Nesse caso, podemos citar o aumento do tamanho do músculo cardíaco na insuficiência cardíaca. Como mencionado no Tema 3, as principais adaptações que as células podem sofrer são a hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. 4.1.1 Hipertrofia É a adaptação que provoca o aumento do tamanho das células e, como consequência, o tamanho do órgão ou tecido, com a síntese de mais componentes estruturais, em resposta a estímulo hormonal ou por uma maior demanda funcional. Normalmente ocorre em células que não possuem a capacidade de divisão celular. A hipertrofia pode ser de origem patológica ou fisiológica. Podemos citar na hipertrofia patológica o aumento ventricular em pacienteshipertensos devido à sobrecarga hemodinâmica crônica. Na hipertrofia fisiológica, podemos citar o aumento do miométrio durante a gestação. 4.1.2 Hiperplasia Diferente da hipertrofia, é caracterizada pelo aumento do número de células. Essa é uma adaptação característica de células com capacidade mitótica, como as células lábeis e quiescentes. A hiperplasia pode ser de origem fisiológica, sendo dividida em hormonal e compensatória. Na hiperplasia hormonal, podemos citar como exemplo a proliferação do epitélio glandular da mama na puberdade e gravidez. A hiperplasia compensatória ocorre quando um tecido é removido ou lesionado. Um exemplo clássico é a hepatectomia parcial (retirada de um pedaço do fígado) para realização de transplante. A atividade mitótica das células hepáticas é aumentada até a restauração do órgão em seu tamanho normal. A hiperplasia pode ser também de origem patológica, causada por fatores de crescimento sobre células-alvo ou por estimulação hormonal excessiva. Como exemplo, podemos citar a hiperplasia nodular que geralmente afeta o órgão como um todo e pode ocorrer como nódulos, por exemplo, os nódulos que aparecem em tecidos mamários. É importante salientar que esse tipo de hiperplasia pode evoluir para uma proliferação cancerosa. 4.1.3 Atrofia Na atrofia, ocorre a diminuição do tamanho da célula e, por consequência, do tamanho do órgão, devido à perda da substância celular. Ocorre pela diminuição da atividade metabólica, aumento da degradação proteica e diminuição da síntese proteica. Da mesma forma que a hipertrofia e a hiperplasia, a atrofia pode ser classificada em patológica e fisiológica, mas nos dois casos as alterações celulares fundamentais são idênticas. Como exemplo de atrofia fisiológica, temos a perda da estimulação estrogênica durante a menopausa e o estreitamento da notocorda no desenvolvimento fetal. Como exemplo de atrofia patológica, podemos citar a diminuição da carga de trabalho, da perda da inervação, diminuição do suprimento sanguíneo, nutrição inadequada, perda da estimulação endócrina, envelhecimento e pressão. 4.1.4 Metaplasia É caracterizada por uma alteração reversível na qual um tipo celular ou tecido é substituído por outro capaz de resistir ao estresse a que está sendo submetido, com o intuito de evitar a lesão e a morte. Por ser uma resposta a um estímulo agressivo, é sempre considerada uma alteração patológica para diminuir a lesão celular. A metaplasia pode ser classificada em escamosa, colunar e do tecido conjuntivo. Um exemplo clássico de metaplasia escamosa é do epitélio pseudoestratificado ciliado das vias aéreas por irritação crônica ao fumo. Com a constante agressão, o epitélio se transforma em epitélio escamoso. A metaplasia colunar ocorre principalmente em pessoas com gastrite crônica e refluxo gastresofágico ou esôfago de Barrett. O epitélio pavimentoso estratificado normal pode se transformar em epitélio colunar. A metaplasia do tecido conjuntivo é caracterizada por alterações patológicas e não por alterações por estresse. Afeta principalmente ossos e cartilagens, por exemplo, a miosite ossificante, em que há a formação óssea no músculo. Se as influências que induzem à metaplasia continuarem agindo, isso pode servir de estímulo para transformação maligna das células metaplásicas. TEMA 5 – PROCESSOS DE MORTE CELULAR Como abordado anteriormente, muitas vezes a célula fica exposta a condições que podem provocar lesão celular. Essa lesão pode ser reversível, mas, com a constante agressão à célula, a lesão pode vir a se tornar irreversível e, em consequência, levar à morte celular. A morte celular pode ocorrer por dois processos: a necrose e a apoptose. A necrose é considerada sempre como um processo patológico e a apoptose pode acontecer em processos fisiológicos do organismo e patológicos. 5.1 NECROSE A necrose é resultante da morte celular originada de uma lesão exógena irreversível. É caracterizada por alterações morfológicas como a perda da integridade da membrana e o extravasamento do conteúdo celular. A ação das enzimas lisossomais sobre as células resulta na destruição celular, também chamada de autólise. Os restos celulares resultantes da autólise são reconhecidos pelo organismo como antígenos, os quais iniciam uma inflamação no tecido adjacente com o intuito de eliminar as células mortas e iniciar o processo de reparo celular. A necrose pode ser subdividida em seis principais padrões morfológicos distintos: 5.1.1 Necrose coagulativa Ocorre principalmente na morte do tecido por isquemia e só não ocorre na isquemia cerebral. É a forma de necrose em que a estrutura dos tecidos é preservada por alguns dias e passam a ter uma estrutura firme, por existir coagulação proteica. É caracterizada pelo bloqueio da proteólise celular, com a desnaturação de proteínas e enzimas pela acidose intracelular. Nesse tipo de necrose não ocorre o rompimento da membrana celular e a cariólise (lise do núcleo celular). 5.1.2 Necrose liquefativa Observada principalmente nas infecções causadas por microrganismos com acúmulo de células inflamatórias no local da lesão, as células mortas são completamente digeridas. Com o predomínio de liquefação enzimática, o tecido necrótico fica com uma aparência mole e sem forma. A necrose liquefativa ocorre também morte por hipóxia do sistema nervoso. 5.1.3 Necrose gordurosa Caracterizada por destruição focal de áreas gordurosas, ocorre principalmente no tecido adiposo. É resultado da liberação de lipases (enzimas que quebram a gordura). Esse tipo de necrose ocorre principalmente na pancreatite aguda. As lipases são liberadas, formando áreas esbranquiçadas no tecido. 5.1.4 Necrose caseosa Associada a infecções fúngicas e bacterianas, encontrada principalmente na tuberculose, possui esse nome devido à aparência de queijo nas áreas necróticas. O tecido é completamente comprometido, e os contornos celulares não podem ser distinguidos. Na necrose caseosa, ocorre o processo inflamatório chamado de granuloma, resultante de uma área nítida de células inflamatórias circundando a área de necrose caseosa. 5.1.5 Necrose gangrenosa É conhecida também como gangrena úmida. A região necrosada perde suprimento sanguíneo e sofre uma necrose por coagulação isquêmica, envolvendo várias camadas de tecido. Além da autólise das células, da superposição de bactérias e da atração dos leucócitos para o local da lesão, a necrose por coagulação é modificada pela ação liquefativa, ocorrendo a putrefação da área da lesão. 5.1.6 Necrose fibroide Ocorre principalmente nas doenças autoimunes e no processo de arteriosclerose. É visível por microscopia ótica. A principal característica dessa necrose é a aparência tecidual amorfa, rósea e vítrea semelhante a fibrina. 5.2 APOPTOSE A apoptose é a morte celular programada, em que não ocorre a autólise e, por consequência, o tecido não passa por processos inflamatórios. A apoptose é estritamente regulada, ocorrendo a ativação de enzimas que degradam seu próprio DNA nuclear e proteínas citoplasmáticas, com a preservação da membrana citoplasmática. A célula encolhe e começa a apresentar bolhas em sua superfície, também chamados de corpos apoptóticos. O núcleo celular sofre convolução e fragmentação da membrana nuclear, evento chamado de cariorrexe. As alterações que ocorrem nas células são o suficiente para que o organismo sinalize a fagocitose. As células apoptóticas são reconhecidas por macrófagos e fagocitadas antes de se desintegrarem, garantindo que as células subjacentes não sejam afetadas pelo extravasamento do conteúdo celular, garantindo o funcionamento normal do tecido. A apoptose pode ser de origem patológica ou fisiológica. A apoptose de origem patológica ocorre na presença de estímulos nocivos como na radiação e drogas citotóxicas anticancerígenas, na presença de vírus, tumores e atrofia patológica dos órgãos. A apoptose fisiológica se deve a vários eventos tais como a eliminação de populaçõescelulares em proliferação exacerbada, células inflamatórias ao final do processo de inflamação e reparo, morte celular induzida por células T citotóxicas, morte celular nos processos embrionários entre outros. NA PRÁTICA Caso clínico Paciente feminina, 21 anos, astronauta. Relata perda de força na musculatura da panturrilha, desequilíbrio corporal e perda de postura após ter passado seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS). Os exames clínicos da paciente demonstraram a perda de 40% dos músculos da panturrilha, membro inferior direito diminuído, paciente fisicamente inativa e com incapacidade de se mover normalmente. Os exames laboratoriais descartaram esclerose lateral amiotrófica, desnutrição, artrite reumatoide e osteoartrite. De acordo com as informações da patologia da paciente, descreva qual foi a possível adaptação celular sofrida e qual foi o fator determinante para o desencadeamento dessa patologia. FINALIZANDO Nesta aula, abordamos o histórico e os principais conceitos da patologia. Classificamos a patologia em geral e especial, lembrando que na patologia geral estudamos o fundamento das doenças e na patologia especial estudamos as características das doenças. Abordamos o conceito saúde versus doença. No conceito atual, a saúde não é somente o estado de ausência da doença, mas o conjunto de elementos sociais, psicológicos e físicos que promovem o bem-estar. Estudamos ainda que os processos de doença envolvem lesão, adaptação e morte celular. A lesão celular pode ser reversível e irreversível, levando a célula à morte. A adaptação celular ocorre com o intuito de proteger o tecido de uma lesão por estresse ou agentes agressores. A morte celular pode ser dividida em necrose e apoptose. A necrose vai ser sempre de origem patológica, e a apoptose normalmente é de origem fisiológica, podendo acontecer em alguns processos patológicos. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 20 set. 1990. OMS – Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO). OMS, 1946.
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