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ANÁLISE DO DISCURSO Laís Virginia Alves Medeiros Discurso e Ideologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer as bases da teoria da Ideologia. � Identificar as características da Ideologia. � Relacionar Ideologia e discurso. Introdução A palavra Ideologia foi popularizada por meio de sua utilização em diversos contextos, mas você sabe dizer o que ela significa? Será que aquilo que você acredita ser Ideologia é semelhante à sua de- finição teórica? E será que ela tem alguma coisa a ver com a lin- guagem? Neste texto, você vai conhecer a base teórica da noção de Ideologia e entender como, pela perspectiva da Análise do Discurso, ela se relaciona com a nossa linguagem e o nosso modo de produzir sentido. Ideologia: noções iniciais A Ideologia com que trabalhamos hoje na Análise do Discurso tem suas bases na teoria marxista, que pressupõe uma relação entre os modos de produção dos sujeitos e suas realidades histórica e social. Pensando a relação entre as ideias e representações das pessoas com as suas realidades, a ideologia seria a explicação para que as realidades das pessoas não fossem percebidas exata- mente como são na verdade (MARX; ENGELS, 1986). Chauí (2004) explica essa visão invertida da realidade a partir da divisão do trabalho entre manual e intelectual: essa divisão é responsável pela manu- tenção dos indivíduos nos lugares que ocupam socialmente. Assim, é trazida a noção de alienação: uma vez que as pessoas não se percebem como produtoras da sociedade, as configurações sociais são percebidas como prontas, estabili- zadas, dadas de antemão – e não construídas. Analise_Discurso_U1_C2.indd 8 14/09/2016 15:46:21 Algumas características da Ideologia Relendo Marx, Althusser apresenta três proposições sobre a Ideologia. São elas: � A Ideologia não tem história: isto é, a Ideologia é uma realidade não his- tórica devido à sua estrutura e ao seu funcionamento. É eterna, atemporal, e, por isso, sem uma história sua. � A Ideologia é uma “representação” da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência: isto é, na ideologia, não são re- presentadas as condições reais de existência, mas, sim, as relações das pessoas com suas condições reais de existência, de forma necessariamente imaginária. � A Ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos: isto é, só existe ide- ologia quando existem sujeitos e só existem sujeitos porque existe ideo- logia. Dizer sujeito, então, é dizer sujeito ideológico, pois ele vive espon- taneamente na ideologia. Althusser traz o conceito de “efeito ideológico elementar” (1985, p. 94), que trata da evi- dência de que somos todos sujeitos. Evidência que, por sua vez, consiste no principal trabalho da ideologia: ela impõe as evidências como evidências, de modo que não venham a ser questionadas. Aparelhos Ideológicos de Estado: a manutenção da Ideologia As relações de classe de que fala Marx, não sendo dadas de antemão, pre- cisam ser asseguradas de alguma forma. Althusser propõe a noção de Apare- lhos Ideológicos de Estado (AIE) para explicar essa manutenção. Os AIE, nas palavras de Althusser, seriam “um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas”. São oito os AIE enumerados por Althusser: AIE religiosos, familiar, jurídico, político, sindical, cultural, de informação e escolar. É pela inserção do sujeito nesses aparelhos reprodutores da ideologia dominante que é assegurada a manutenção dessa ideologia em seu status de dominância. 9Discurso e Ideologia Analise_Discurso_U1_C2.indd 9 14/09/2016 15:46:21 Discurso e Ideologia Quando você pensa em discurso e ideologia, deve considerar que a Ideologia não é exterior ao discurso. Pelo contrário: é constitutiva da prática discursiva, é um elemento determinante do sentido que está no interior do discurso (LE- ANDRO FERREIRA, 2001). Aqui, vamos retomar o “efeito ideológico elementar” proposto por Al- thusser: a ilusão de que o sentido de um discurso já existe como tal, que seria interior à interpretação, é assegurada pela ideologia. Assim, é próprio da Aná- lise do Discurso questionar o efeito de evidência. Agora, você vai entender como a Ideologia se relaciona com o discurso a partir desses pressupostos. Quando Pêcheux (2010) apresentou a primeira definição de discurso, ele estava contestando a teoria comunicacional, que falava em troca de informa- ções entre locutores e receptores. Para contestá-la, ele apresenta este esquema: Figura 1. Fonte: Pêcheux (2010, p. 80) O que Pêcheux propôs é que essa sequência verbal emitida por A para B seja chamada de discurso. Mas essa proposta não é apenas uma substituição dos termos, mas também dos conceitos. Para Pêcheux, esse discurso é um efeito de sentidos entre lugares sociais determinados pela estrutura social. E esse efeito de sentidos não está isento da Ideologia, que vai garantir que algumas palavras tenham um sentido “evidente” a depender do lugar social de que se fala. Você pode pensar, por exemplo, na palavra “protesto”. Será que o sentido que ela mobiliza é o mesmo para todos os sujeitos que a utilizam? Será que ela tem o mesmo sentido para o policial que está contendo o protesto, para as pessoas que estão organizando o protesto, para o jornalista que está noti- ciando o protesto? Análise do discurso10 Analise_Discurso_U1_C2.indd 10 14/09/2016 15:46:21 Você percebe como a Ideologia, do modo como foi proposta por Marx, na Análise do Discurso, vai repercutir na leitura do texto? Assim, quando você se depara com um texto, além de suas características sintáticas e enunciativas, você está frente a uma materialidade que veicula um discurso. Esse discurso, por sua vez, está determinado pela Ideologia, sem a qual não seria possível produzir sentido. Você já deve ter lido ou ouvido em algum lugar a palavra “Ideologia” sendo usada para ofender ou desqualificar um argumento. No senso comum, a crença é que alguns textos têm Ideologia e outros não. É comum que a Ideologia seja associada somente a pensamentos de esquerda, por exemplo. Mas para a Análise do Discurso, todo discurso veicula uma Ideologia. Se você não identifica imediatamente a Ideologia, isso não quer dizer que ela não esteja presente. O que acontece é que, como você acabou de ver, é próprio da Ideologia assegurar que algumas coisas sejam evidentes: ela funciona justa- mente quando dissimula seu funcionamento. Como a Análise do Discurso reconhece a Ideologia como constitutiva, não é possível pensar textos, discursos ou qualquer situ- ação que esteja isenta dela. Desse modo, você pode assumir que tudo que você lê, escreve, inter- preta, pensa e enuncia está inserido numa formação ideológica. Essa for- mação ideológica, segundo Haroche, Pêcheux e Henry (2007, p. 26), é “um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘indi- viduais’ e nem ‘universais’, mas que se relacionam mais ou menos direta- mente a posições de classes em conflito umas em relação às outras”. Isso quer dizer que o sujeito não é autônomo nem original diante da Ideologia; por outro lado, a Ideologia não é uma entidade homogênea que se repete da mesma forma em todos os lugares. A principal dificuldade no estudo da Ideologia é que, ao contrário de al- gumas noções que podem ser observadas de fora, é impossível para o sujeito se situar externamente à Ideologia. Você pode pensar na Ideologia como um tracejado que cerceia as nossas ações no mundo: quando pensamos sobre Ide- ologia, já estamos interpelados por ela. Reconhecer a Ideologia não nos isenta de seus efeitos. 11Discurso e Ideologia Analise_Discurso_U1_C2.indd 11 14/09/2016 15:46:21 ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). 2. ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Edições Graal,1985. CHAUÍ, M. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. HAROCHE, C; PÊCHEUX, M; HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano: língua, lingua- gem, discurso. Tradução de Roberto Leiser Baronas e Fábio Cesar Montanheiro. In: BA- RONAS, R. L. Análise do Discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2007. p. 13-32. LEANDRO FERREIRA, M. C. (org.). Glossário de termos do discurso. Porto Alegre, Gráfica da UFRGS, 2001. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). 5. ed. Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora Hucitec, 1986. PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso (AAD-69). Tradução de Eni Pulcinelli Or- landi. In: GADET, F.; HAK, T. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdu- ção à obra de Michel Pêcheux. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. Analise_Discurso_U1_C2.indd 13 14/09/2016 15:46:21 Análise do discurso12
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