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DESCRIÇÃO Funcionamento de algumas editorias tradicionais no jornalismo, com contextualização e descrição das características: jornalismo político, jornalismo econômico, jornalismo esportivo, jornalismo cultural, jornalismo policial e jornalismo de cidades. PROPÓSITO Conhecer a rotina das chamadas editorias tradicionais no jornalismo, seus métodos e processos de trabalho, além das questões éticas e técnicas, como base para orientação da carreira jornalística. OBJETIVOS MÓDULO 1 Analisar jornalismo político e jornalismo econômico MÓDULO 2 Analisar jornalismo esportivo e jornalismo cultural MÓDULO 3 Analisar jornalismo policial e jornalismo de cidades INTRODUÇÃO Descreveremos o funcionamento de seis editorias jornalísticas tradicionais: POLÍTICA ECONOMIA ESPORTES CULTURA POLÍCIA CIDADES A partir dos conceitos de jornalismo por editorias e jornalismo especializado, buscaremos apresentar rotinas, métodos e processos utilizados no trabalho nessas seis áreas específicas. Antes disso, porém, é imprescindível definir um ponto de partida: qualquer forma de jornalismo especializado é, antes de tudo, jornalismo. Assim, do jornalismo político ao jornalismo esportivo, vigoram os mesmos princípios éticos e métodos que norteiam o jornalismo de modo geral. Tais princípios, métodos e processos não mudam de uma área para outra — por mais que algumas rotinas se diferenciem de acordo com o tema a ser coberto. Ao mesmo tempo, por ser jornalismo, antes de ser especializado, mantém algumas características: Precisa estar, inegociavelmente, ancorado na realidade; Tem responsabilidade social e deve estar atento ao interesse público; Busca a apuração rigorosa dos fatos, exige espírito crítico e independência em relação às fontes; Cumpre rigores éticos, como evitar o conflito de interesses e garantir às partes acusadas o direito a apresentar sua versão. A divisão por editorias, unidades básicas de funcionamento da redação, permite a organização da equipe em grupos que cobrem áreas específicas. Cada área é coordenada por um editor e produz conteúdos sobre determinados assuntos. Detalharemos adiante o funcionamento de algumas dessas editorias, além de trazer dicas de trabalho e indicar exemplos concretos em cada área. MÓDULO 1 Analisar jornalismo político e jornalismo econômico JORNALISMO POLÍTICO, A COBERTURA DO PODER O jornalismo político pode ser entendido como a cobertura do poder — e tal definição permite uma compreensão mais restritiva ou mais ampla. No modo restritivo, atribui-se ao jornalístico político a cobertura cotidiana dos três poderes políticos, na concepção de Montesquieu: javascript:void(0) Foto: Shutterstock.com MONTESQUIEU (1689-1755) Pensador iluminista francês, célebre por sua teoria de equilíbrio entre os poderes do Estado, mediante separação triádica. Escreveu, entre outras obras, O Espírito das leis e Cartas persas. Também contribuiu com a famosa Enciclopédia, de Diderot e D'Alembert. O Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo. Gisele Pasquali / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0 EXECUTIVO O prédio principal do Congresso Nacional do Brasil, sede do Poder Legislativo. Foto: Shutterstock.com LEGISLATIVO O Palácio do Supremo Tribunal Federal, sede do Poder Judiciário. Foto: Shutterstock.com JUDICIÁRIO Não é pouca coisa: inclui os atos de governo, as negociações e decisões no Congresso Nacional e o acompanhamento das decisões judiciais. Mas ainda é possível pensar em poder numa concepção mais ampla, entendendo a sociedade como sujeito de poder — e isso permite incluir no escopo da cobertura política o acompanhamento dos movimentos sociais e políticos. Por esse entendimento, integram a cobertura de política, por exemplo, notícias e reportagens sobre greves no ABC paulista no fim dos anos 1970 e o movimento pelas eleições diretas no início dos anos 1980 — assim como o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, as discussões sobre reforma agrária e as manifestações de 2013 no Brasil. Flickr / Senado Federal / Wikimedia Commons / CC BY 2.0 Manifestações pelas eleições diretas para a presidência da República no Plenário da Câmara dos Deputados. Célio Azevedo. Abril de 1984. Dependendo de como o veículo organiza sua divisão em seções, temas não necessariamente ligados aos três poderes são distribuídos pelas editorias de Política/Poder, ou Nacional, ou ainda Geral. Nilson Lage (2001) e Juarez Bahia (2009b) afirmam que o jornalismo, em suas origens, nasce político: mais que um discurso informativo, era uma ferramenta de convencimento político. Franklin Martins (2005) lembra que, também no Brasil, o jornalismo político foi por muito tempo uma arma de combate, que oferecia uma cobertura afinada com determinado grupo político, e o leitor comprava o jornal esperando apoio a determinadas ideias. Aos poucos, o jornalismo político foi buscando separar de modo mais claro o que é informação e o que é opinião, que é apresentada de modo mais explícito nos editoriais (textos que trazem a opinião do veículo) e nos artigos de opinião assinados por articulistas fixos ou episódicos. Nos Estados Unidos, é comum que os veículos apresentem em editoriais seu posicionamento político e deixem claro para o leitor se estão apoiando algum candidato — contudo, no noticiário, deve prevalecer a informação. No Brasil, o apoio explícito a um ou outro candidato não é tão comum, mas já aconteceu; e a proposta é manter, no noticiário, o tom informativo. O problema é quando uma cobertura que deveria ser informativa, “vendida” como tal, aparece carregada da opinião do veículo. Se podemos entender o jornalismo político como a cobertura do poder, qual deve ser essa relação do jornalismo com o poder? Muito se usa a expressão “quarto poder” para falar do papel da mídia na sociedade, e vale a pena reconstituir historicamente sua origem. Imagem: Shutterstock.com, adaptada por Thiago Lopes. Atribui-se a expressão “quarto poder” ao filósofo e parlamentar Edmund Burke (1729-1797) quando, ao descrever a ocupação das cadeiras no Parlamento britânico, mencionou três grupos (Three Estates), quais sejam, os representantes do clero, da nobreza e dos comuns (do conjunto da sociedade). E apontou a galeria onde ficavam os repórteres como o Fourth Estate daquele país. No século XIX, nomes do pensamento político inglês, como Thomas B. Macaulay e Thomas Carlyle retomaram a expressão. Conforme Carlyle: BURKE DISSE QUE HAVIA TRÊS ESTATES NO PARLAMENTO; MAS, NA GALERIA DOS REPÓRTERES ALI, HAVIA UM QUARTO ESTATE, MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE TODOS ELES. NÃO É UMA FIGURA DE LINGUAGEM, OU UM DITADO ESPIRITUOSO; É UM FATO LITERAL — MUITO IMPORTANTE PARA NÓS NESTES TEMPOS. [...] QUEM PODE FALAR, FALANDO AGORA PARA TODA A NAÇÃO, TORNA-SE UM PODER, UM RAMO DO GOVERNO, COM PESO INALIENÁVEL NA LEGISLAÇÃO, EM TODOS OS ATOS DE AUTORIDADE. (CARLYLE, 1866) A ideia de jornalismo como quarto poder permite aprofundar a reflexão sobre o papel do jornalismo na sociedade. Afonso de Albuquerque, no Grupo de Trabalho Comunicação e Política da Compós (2009), alerta para o sentido que essa expressão vem tomando ao longo do tempo, de uma sociedade para outra. No conceito original, diz Albuquerque, o jornalismo questionaria os outros poderes em nome da sociedade — é a ideia de jornalismo como watchdog (Cão de guarda) , com um papel fiscalizador dos demais poderes. Mas outros entendimentos também foram se consolidando, avalia o autor, e muitas vezes o jornalismo abandona seu papel fiscalizador para se transformar, ele mesmo, em poder integrante da sociedade. Em sua reflexão, Albuquerque entende que, no Brasil, o jornalismo se consolida como um “Poder Moderador”, atribuindo a si a função de árbitro das disputas entre os demais poderes e buscando o entendimento entre as partes — com o risco de abandonar o papel fiscalizador. Sobre a relação do jornalismo com o poder, vale sempre lembrar a frase do genial Millôr Fernandes(1923-2012), jornalista, cartunista e escritor (FERNANDES, 1994, p. 386): COMPÓS javascript:void(0) Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, fundada em 1991, promove encontros e debates científicos na área da Comunicação. Em seu site, a associação expõe seus objetivos: “A COMPÓS tem como objetivos principais o fortalecimento e qualificação crescentes da Pós-Graduação em Comunicação no país; a integração e intercâmbio entre os Programas existentes, bem como o apoio à implantação de novos Programas; o diálogo com instituições afins nacionais e internacionais; o estímulo à participação da comunidade acadêmica em Comunicação nas políticas do país para a área, defendendo o aperfeiçoamento profissional e o desenvolvimento teórico, cultural, científico e tecnológico no campo da Comunicação.” Foto: Shutterstock.com O que Millôr quer dizer aqui? Para ele, o jornalismo não pode abrir mão de seu papel fiscalizador, em qualquer governo. Se mal compreendida, a lei de Millôr pode justificar muitos erros de atuação jornalística — afinal, o que importa é ser oposição, certo? Errado. O que importa é fiscalizar qualquer governo — e não apenas aqueles de que discordamos. Usar o jornalismo para perseguir inimigos é apropriar-se da frase de Millôr no pior sentido. JORNALISMO POLÍTICO Com a palavra, uma das nossas maiores referências atuais quando o assunto é Jornalismo Político no Brasil: Franklin Martins. JORNALISMO ECONÔMICO Jornalismo econômico é uma especialização do jornalismo voltada para a cobertura de assuntos de economia, negócios e finanças. Autores como Caldas (2008) e Basile (2002) afirmam que o jornalismo econômico é tão antigo quanto a própria imprensa, pois já os primeiros impressos traziam informes sobre a colheita, a chegada dos navios e o preço dos alimentos. Estão no escopo do jornalismo econômico a cobertura de assuntos fundamentais para o dia a dia da população. Isso inclui temas da: Macroeconomia Trata dos indicadores e fenômenos da economia em seu conjunto, como emprego, inflação e renda. Microeconomia Aborda mercados específicos, o comportamento dos indivíduos e das empresas. Ou seja, a cobertura econômica é ampla e crucial, pois envolve o acompanhamento das decisões de governo sobre temas variados (política de juros, criação de empregos) e o desempenho de setores da economia, a indústria automobilística, a construção civil e o impacto de tudo isso na vida das pessoas. Assuntos ligados à defesa do consumidor também fazem parte do noticiário econômico. No final do século XIX e no início do século XX, os jornais brasileiros já traziam colunas e seções com temas econômicos. Caldas e Basile situam na segunda metade do século XX a ampliação dessa especialização da atividade jornalística — a partir dos anos 1950, no segundo governo de Getúlio Vargas, e, principalmente, depois do golpe que iniciou uma ditadura no Brasil (1964-1985). Com a censura implementada pelo regime, havia diariamente uma lista de assuntos proibidos: OS AGENTES LIGAVAM PARA AS REDAÇÕES DE JORNAIS, REVISTAS, RÁDIOS E TEVÊS ENTRE 18H E 19H. A SECRETÁRIA DO EDITOR-CHEFE ATENDIA E ESCREVIA EXATAMENTE O QUE LHE ERA DITADO PELO AGENTE. ASSIM, AS PÁGINAS DE POLÍTICA EMAGRECIAM NA MESMA PROPORÇÃO EM QUE AS DE ECONOMIA ENGORDAVAM, INDIRETAMENTE INCENTIVADAS PELOS GENERAIS, ÁVIDOS EM DIVULGAR FEITOS DO “MILAGRE ECONÔMICO” E DA QUEDA DA INFLAÇÃO. (CALDAS, 2008, p.13) As editorias de economia cresceram. Também se fortalece a figura do setorista em economia, o repórter encarregado de acompanhar diariamente um determinado assunto. Assim como na política há setoristas de Congresso Nacional, no jornalismo econômico surgem os setoristas de órgãos como Petrobras e Banco Central. FUGINDO DO “ECONOMÊS” No trabalho de análise e interpretação dos acontecimentos continuamente exercido pelo jornalista especializado, alguns desafios se impõem. Entre eles, o de conhecer os termos próprios de sua área. Tomando o jornalismo econômico como exemplo, é imprescindível que um jornalista que cobre essa área domine alguns conceitos. Assim como o jornalista de política precisa conhecer a história política de seu país, o jornalista de economia precisa dominar alguns conceitos particulares de sua área. É preciso conhecer o conceito de PIB (Produto Interno Bruto, a medida das riquezas de um país, que inclui a soma de bens e serviços em um determinado período). E também conceitos que usamos cotidianamente, como inflação, desemprego e juros — mas sabendo o que eles significam (a nomenclatura própria do noticiário econômico, não apenas no que concerne a termos e conceitos, mas mesmo à teoria necessária, é extensa. Imagem: Shutterstock.com DICA E há cursos voltados para o jornalismo econômico. Os principais veículos brasileiros costumam ter, em seus manuais de redação, anexos temáticos explicando esses termos, e recomendamos uma consulta a esses manuais como forma de fixar alguns conceitos. Uma sugestão é consultar o Manual da Redação da Folha de S. Paulo (2018), com anexos temáticos variados para áreas como economia, ciência e religião. Mas, ao mesmo tempo em que precisa dominar os termos técnicos da área que cobre, o jornalista de economia não pode se transformar em mero repetidor deles, ou seja, um escravo do “economês”, sem se preocupar se as informações transmitidas estão sendo compreendidas pelo seu público. Caldas (2008, p. 9) alerta: É PRECISO RECONHECER QUE QUEM POR VEZES PODE TORNAR O JORNALISMO ECONÔMICO DIFÍCIL E CHATO É O PRÓPRIO JORNALISTA. ISSO OCORRE QUANDO O REPÓRTER OUVE DAS SUAS FONTES DE INFORMAÇÃO UMA SÉRIE DE EXPLICAÇÕES TÉCNICAS, UM AMONTOADO DE EXPRESSÕES ESPECÍFICAS (MUITAS EM INGLÊS), QUE REALMENTE BEM POUCOS ENTENDEM (ÀS VEZES, NEM MESMO ELE, REPÓRTER), E SE LIMITA A TRANSCREVÊ-LAS NESSE MESMO JARGÃO, O CHAMADO ECONOMÊS. O JORNALISTA AGE, ASSIM, COMO MERO PAPAGAIO QUE INSISTE EM IMITAR O DONO. Como qualquer jornalista especializado, o que cobre temas econômicos precisa conhecer seu público. Se ele se dirige ao público de modo geral, deve escrever para ele com termos mais simples. Se trabalha num veículo especializado, pode aprofundar mais suas matérias e usar termos que o público em geral não domina, mas seus leitores (do veículo especializado) sim. Por fim, a cobertura especializada exige ainda conhecer o funcionamento da instituição que ele cobre. Se um jornalista político precisa conhecer, por exemplo, regulamentos, normas, história do Congresso, práticas comuns (e outras nem tanto), alguém que cobre o Banco Central precisa conhecer regras e proibições referentes à política monetária. Um jornalista que cobre o IBGE precisa saber todos os índices que calculam a inflação. ATENÇÃO Conhecer as regras do jogo tornará mais fácil ao jornalista econômico, como qualquer jornalista especializado, navegar com mais segurança em seu universo e não ser enganado pelas fontes, ou fazer uma cobertura ingênua. Tudo isso sem deixar de lado o desafio de buscar a informação exclusiva, o ângulo original, oferecendo, além da informação factual, um olhar analítico e interpretativo sobre os acontecimentos. ALGUMAS QUESTÕES ÉTICAS E RELAÇÃO COM AS FONTES Existe uma ética própria do jornalismo político ou do jornalismo econômico? — costumam perguntar os alunos. Como já se sabe, o jornalismo especializado segue princípios éticos e técnicos do jornalismo. Também para essas duas formas de jornalismo especializado vale a máxima de Abramo (1988): a ética do jornalista é a ética do marceneiro, ou seja, é a ética do homem comum. O jornalista não pode, por ser jornalista, sentir-se autorizado a cometer crimes. No jornalismo político e no jornalismo econômico é a mesma coisa. O jornalista que cobre política ou economia é alguém que tem a tarefa cotidiana de entrevistar sujeitos de poder político e econômico em variadas esferas. Esses sujeitos de poder são suas fontes (lembrando que “fonte”, no jornalismo, designa a origem deuma determinada informação; pode ser humana, documental ou estatística, por exemplo; aqui estamos nos referindo às fontes humanas). Assim, o jornalista deve estar atento para manter, com essas fontes, uma relação de independência, confiança e espírito crítico. Foto: Shutterstock.com Franklin Martins (2005) e Rogério Christofoletti (2008), ao tratarem da relação com a fonte, afirmam que ela não pode ser tão distante que não gere confiança e, portanto, não resulte em informação, nem tão próxima que impeça o jornalista de uma avaliação crítica da informação recebida. Fontes, ao transmitirem uma informação, costumam ter interesses, e a informação pode chegar com a marca desses interesses. Cabe ao jornalista, com o domínio do método jornalístico (apuração, entrevista, cruzamento da informação com outras fontes, busca de documentos e verificação de dados), filtrar a informação recebida e extrair dela o que for mais relevante para seu trabalho. Na relação com a fonte, é fundamental estabelecer claramente quais informações estão sendo transmitidas: On the record Quando a origem da informação é identificada para o público. Off the record Quando a identidade da fonte é preservada. O QUE LEVA ALGUÉM A, AO FALAR COM UM JORNALISTA, NÃO QUERER SE IDENTIFICAR? Em síntese, medo de sofrer retaliações de variados tipos, desde consequências políticas em seu partido ou governo; punições funcionais, como advertência e demissão; julgamentos sociais, pela recriminação pública e privada ao fato de ter transmitido a informação; e ameaças físicas para si ou pessoas próximas, como perseguição e até morte. A informação em off é, assim, uma forma de proteger a identidade da fonte. Regimes democráticos garantem ao jornalista o direito de preservar suas fontes. ATENÇÃO Na legislação brasileira, o sigilo de fonte está garantido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, dedicado aos direitos e garantias fundamentais. Diz o inciso XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros trata do sigilo da fonte como um direito do profissional (Art.5º: “É direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte”), mas também como um dever. O artigo 6º do código, ao apontar deveres do jornalista, afirma, em seu inciso VI: “Não colocar em risco a integridade das fontes”. Deve-se entender o sigilo de fonte como um direito do jornalista, mas também um dever, caso seja necessário proteger sua fonte de algum tipo de ameaça. O jornalista norte-americano Daniel Okrent (2006, p. 16) afirma: “Nada é mais tóxico para o jornalismo que o sigilo da fonte. Nada é mais necessário para o jornalismo que o sigilo da fonte”. Okrent foi o primeiro ombudsman do The New York Times, depois que o jornal criou o cargo na esteira do escândalo das reportagens falsificadas pelo repórter Jayson Blair. Muitas dessas reportagens eivadas de falsificações usavam fontes anônimas. O NYT decidiu aumentar os filtros para acompanhar o uso de fontes em off e reduzir o uso das mesmas. A lição do caso Jayson Blair foi mais uma a confirmar: o sigilo de fonte é indispensável em determinadas coberturas, mas não pode ser banalizado. Trago a discussão sobre fontes para nosso diálogo sobre jornalismo político e jornalismo econômico, mas ela se aplica a qualquer forma de jornalismo especializado. Será útil em todas as seções seguintes, sobre jornalismo esportivo, cultural, policial e de geral. Julguei importante inseri-la aqui porque o jornalismo político e o jornalismo econômico incluem uma rotina intensa de conversas com fontes ligadas ao poder político e econômico, fontes de posicionamentos variados, e muitas dessas conversas são em off. É preciso estar atento para que essas fontes não usem o off como escudo para fazer do jornalista seu porta-voz. Por isso mesmo, diz Franklin Martins (2008), não há off para opinião; se determinado político quer dar sua opinião sobre determinado assunto, que o faça em on. Vale lembrar que acusações em off precisam ser checadas, e o acusado precisa ser ouvido, antes de se decidir pela publicação. JORNALISMO ECONÔMICO O jornalista Claudio de Souza fala do jornalismo e do papel do jornalista de economia. Assista! INFORMAÇÃO, INTERPRETAÇÃO, ANÁLISE E OPINIÃO Se a opinião tem um lugar próprio — os artigos de opinião e os editoriais —, uma das características do trabalho do jornalista especializado é sua função de, mais que apenas noticiar fatos, ir além da informação factual que será transmitida por todos os outros veículos. O jornalista especializado tem obrigação de dispor de um conjunto de conhecimentos sobre aquele tema a fim de oferecer ao leitor análise original e interpretação aprofundada dos acontecimentos. Cabe a ele, ao relatar a aprovação de determinada lei, situá-la, de imediato, dentro do contexto de forças no Congresso e interpretar que significados ela traz, o que revela da relação entre o Congresso e o governo, que grupos políticos saem fortalecidos e enfraquecidos, e que consequências isso tem para o conjunto da sociedade. A depender do assunto, a interpretação dos fatos pode ser até mais importante que a notícia factual em si — pois, ao analisar o significado de uma votação, o jornalista se diferencia de quem apenas comunica o que aconteceu. É o que o torna um especialista no assunto. A capacidade de informar, analisar e interpretar os fatos vem com o tempo e com o acompanhamento cotidiano dos assuntos. O jornalista especializado deve acompanhar de modo sistemático a área que cobre, com uma rotina de leituras sobre aquele tema. Um jornalista que cobre política, por exemplo, precisa conhecer a história e os personagens da política nacional. É fundamental que leia textos de história do século XX no Brasil e no mundo para melhor compreender entrelaçamentos, heranças, acordos, conceitos e práticas políticas. DICA Um bom percurso é a leitura de livros sobre jornalismo e jornalistas. Entre tantos, é fundamental a leitura de Chatô, o rei do Brasil (1994), biografia do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, escrita pelo jornalista Fernando Morais. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA SOBRE O JORNALISMO POLÍTICO: A) É aquele em que o noticiário tem que expressar a opinião do repórter. B) É aquele em que o noticiário cobre apenas o que é de interesse do público. C) Usa apenas fontes off the record. D) É a cobertura de assuntos relacionados ao poder. E) É sinônimo da cobertura do setor Congresso Nacional. 2. FAZ PARTE DO TRABALHO DO JORNALISTA DE ECONOMIA: A) Apenas reproduzir fielmente as informações oficiais para evitar o erro. B) Conhecer conceitos fundamentais da linguagem econômica. C) Saber se o governo autoriza a publicação de determinada informação. D) Expressar a opinião do veículo. E) Não se preocupar em conhecer o público ao qual irá destinar a informação. GABARITO 1. Assinale a alternativa correta sobre o jornalismo político: A alternativa "D " está correta. O jornalismo político cobre temas relacionados aos poderes — Legislativo, Executivo e Judiciário — e suas implicações para a sociedade. 2. Faz parte do trabalho do jornalista de economia: A alternativa "B " está correta. O jornalista de economia precisa dominar conceitos do setor, para poder traduzi-los ao público, sem se tornar mero repetidor de termos do “economês”. MÓDULO 2 Analisar jornalismo esportivo e jornalismo cultural JORNALISMO ESPORTIVO, CONCEITOS E HISTÓRIA O jornalismo esportivo é a especialização que se encarrega da cobertura cotidiana das atividades esportivas e dos grandes eventos do setor, como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo. Juarez Bahia (2009b), que viveu o auge do jornalismo na plataforma impressa, já afirmava que o jornalismo esportivo se tornou, na era moderna, provavelmente a forma de maior expressão da informação especializada, por causa das transmissões de rádio e televisão,em âmbito mundial, de eventos esportivos. O que dizer dos dias de hoje, quando uma final de um campeonato pode alcançar milhões de espectadores? Mas não foi sempre assim. O noticiário esportivo não foi sempre um produto para milhões — ao contrário, era algo episódico numa imprensa que privilegiava assuntos de política e economia. Bahia afirma que, no Brasil, o jornalismo esportivo começou em 1856, com o jornal O Atleta, que trazia dicas de condicionamento físico. A invenção do jornalismo esportivo é, aliás, paralela à do futebol profissional. Segundo o antropólogo José Sérgio Leite Lopes (1994), são dois aspectos da mesma invenção. A historiografia oficial do futebol atribui a Charles Miller a introdução do esporte no Brasil: brasileiro, filho de pais ingleses, Miller voltou ao Brasil em 1894, depois de uma temporada de estudos em Southampton, trazendo na bagagem duas bolas de couro usadas pelos ingleses para praticar o esporte. Sevcenko (1994) afirma que o futebol foi se popularizando de duas formas: nos clubes de elite com frequência de ingleses e por meio dos trabalhadores das estradas de ferro, que criavam os times de várzea. Imagem: Arquivo Charles Miller de 1942 / Scan de Governo de São Paulo / Wikimedia Commons / Public Domain Retrato da década de 1940 de Charles Miller. A disseminação do futebol pelo Brasil foi decisiva também para o fortalecimento da imprensa esportiva a partir do século XX. As revistas começaram a fazer matérias associando esporte e saúde, e os jornais passaram a cobrir os eventos e competições esportivas, mesmo sendo este um tema ainda considerado de menor importância nos periódicos. O esporte da elite era o remo. Coelho (2008) lembra que em São Paulo, na década de 1910, o jornal Fanfulla, voltado para a comunidade italiana, circulou com um aviso convidando os leitores a fundar um clube de futebol — o Palestra Itália, futuro Palmeiras. O Fanfulla passou também a noticiar tudo sobre o clube. Segundo Bahia (2009a), foi só em 1922 que os principais veículos brasileiros da época passaram a publicar fotos com lances de futebol. Cinco anos antes, surgira, em São Paulo, a Associação dos Cronistas Esportivos, sinal de que o noticiário esportivo crescia. Em 1931, surgiria no Rio de Janeiro a primeira publicação dedicada apenas ao noticiário esportivo, o Jornal dos Sports. Narrador de futebol em transmissão de jogo para o rádio. O jornalista Mário Filho, irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, é personagem central para entender o fortalecimento da imprensa esportiva no Brasil. Segundo José Sérgio Leite Lopes (1994), foi Mário Filho quem, na segunda metade dos anos 1920: Introduziu modificações no noticiário esportivo dos jornais de sua família, A Manhã e A Crítica. Aumentou o espaço do futebol, que se popularizara muito. Passou a publicar fotos dos jogadores em ação. Em vez de apenas noticiar o resultado dos jogos, enviava repórteres para acompanhar os treinos e determinou que fossem produzidos relatos rotineiros sobre os clubes. Passou a valorizar textos com perfis e histórias de jogadores. Inovou também na linguagem: os clubes perderam os pomposos nomes oficiais e passaram a ser chamados de Flamengo, Fluminense, Bangu etc., como o torcedor conhecia. Os atletas do futebol inicialmente não ganhavam tanto espaço na imprensa quanto os de outros esportes. Nesse sentido, A Crítica também foi responsável por transformar o futebol, ainda amador, em assunto que vendida jornal, tanto quanto outras seções do noticiário. Suas matérias eram ilustradas e as manchetes, chamativas, como destacou Leite Lopes (1994). Em O Globo, a partir de 1931, n’O Mundo Esportivo (publicação de vida breve criada por ele) e no Jornal dos Sports, do qual se tornou diretor a partir de 1936, Mário Filho tornou-se narrador e personagem central da cena esportiva brasileira. Narrou a crescente participação dos negros nos times de futebol, estimulou a ampliação da cobertura desse e de outros esportes na imprensa, criou eventos esportivos, estimulou a construção do estádio do Maracanã para abrigar a Copa do Mundo de 1950 no Brasil. Foto aérea do Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã). Como afirma Lopes, Mário Filho compreendia o esporte como espetáculo: O CASO DE MÁRIO FILHO MOSTRA COMO ELE CONTRIBUIU PARA A INVENÇÃO SIMULTÂNEA DE UMA FORMA DE ESCRITA E DE UMA FORMA DE ESPETÁCULO. MAS ESSA DUPLA INVENÇÃO SÓ É POSSÍVEL COM A CONDIÇÃO DE INSTAURAR-SE UM MERCADO PROFISSIONAL DE JOGADORES E UM MERCADO JORNALÍSTICO QUE TEM INTERESSE NESSE MERCADO ESPORTIVO. DE UMA CERTA MANEIRA, É O JORNAL QUE CRIA A DEMANDA E QUE PRODUZ O EVENTO, QUER DIZER, TORNA-O VISÍVEL COMO FENÔMENO POLÍTICO OU NACIONAL. OU SEJA, A AÇÃO DA IMPRENSA É “REESCREVER” O EVENTO, CLASSIFICÁ-LO NUMA OUTRA CATEGORIA DE EVENTOS QUE NÃO AQUELA À QUAL PERTENCIA ENQUANTO FENÔMENO ESPORTIVO. (LOPES, 1994, p. 82) Mário Filho estava certo ao entender o esporte como espetáculo. Cada vez mais, a cobertura esportiva é um trabalho visto, ouvido e acompanhado por uma audiência de milhões. O mercado de trabalho para o jornalista que cobre esportes inclui: Foto: Sharaf Maksumov / Shutterstock.com 1) As editorias dos grandes veículos — impressos (O Globo, Folha de S. Paulo etc.) e/ou digitais (portais G1 e Uol, por exemplo). Foto: Shutterstock.com 2) As equipes de esportes das emissoras de rádio e televisão, como Globo, Record, CBN, Tupi e outras, com noticiários e programas específicos. Foto: Leonard Zhukovsky / Shutterstock.com 3) Canais especializados em esportes, como ESPN e SportTV. Imagem: placar.com.br / Editora Abril / Wikimedia Commons 4) Veículos impressos e digitais especializados em esportes, como o jornal digital Lance! e a revista Placar. O jornalista especializado em esportes tem que lidar com um público que, além de movido pela paixão, é grande conhecedor do assunto, mesmo em veículos de cunho generalista. E essa deve ser uma de suas primeiras preocupações: identificar a que público se dirige, a fim de melhor transmitir informações. Lembrando que, como em qualquer cobertura especializada, o jornalista esportivo deve ser um profissional capaz de ir além da notícia pura e simples. Deve ser capaz de oferecer interpretação, análise e, se for esse o seu papel, opinião e crítica, como é o caso dos colunistas. Coelho cita uma frase do jornalista Mauro Cezar Pereira (2008, p. 39) que dá uma ideia de quão especializado é o público do jornalismo esportivo: “NINGUÉM ENTENDE MAIS DO ASSUNTO DO QUE UM GAROTO DE 12 ANOS”. O QUE ELE QUER DIZER COM ISSO? Mauro Cezar quer dizer que qualquer garoto de 12 anos conhece seu time de futebol como ninguém. Sabe quem joga, quem está contundido e o que os jogadores andam postando nas redes. Assim, o jornalista esportivo escreve para esse público ao mesmo tempo apaixonado e informado. Como em outras especializações, o jornalista deve conhecer seu público para poder lhe oferecer informação inédita e análise original. Relatos de jornalistas, como o de Juca Kfouri (2017), ou coletâneas de grandes reportagens, como 11 gols de placa, organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), são ferramentas que ajudam a entender o dia a dia do jornalista esportivo e como se dá o investimento em grandes investigações. Como em qualquer outra área do jornalismo, o profissional especializado em esportes tem obrigação de manter espírito crítico e independência em relação às fontes. Não se deve confundir confiança com subserviência, proximidade com falta de independência — ou corre o risco de, em vez de jornalista, tornar-se divulgador esportivo. ATENÇÃO É importante também que o jornalista esteja atento ao chamado conflito de interesses, situação caracterizada quando a autonomia do jornalista como profissional pode ser questionada por causa de posicionamentos ou atitudes pessoais assumidas por ele. O Manual de Redação da Folha de S. Paulo (2018) recomenda que o jornalista recusepautas sobre pessoas ou organizações com as quais mantenha “relação que possa limitar ou pôr em dúvida sua autonomia ou isenção”. A orientação é que o superior hierárquico do jornalista seja informado sobre laços econômicos, políticos, familiares e pessoais que possam se enquadrar nesses casos. Assim como um jornalista político não pode organizar um comício a favor de um candidato, um jornalista esportivo não pode, por exemplo, intermediar transações envolvendo atletas, nem cobrir um jogo que tenha como personagem alguém que lhe é próximo. Por fim, num mundo em que o esporte, cada vez mais, é espetáculo, ele precisa entender que a convivência com atletas famosos não o torna também alguém famoso. Ao jornalista cabe buscar a notícia, não se transformar em notícia. JORNALISMO ESPORTIVO A jornalista e produtora Mariana Bomfim fala do jornalismo esportivo e da entrada das jornalistas mulheres nessa editoria tradicionalmente ocupada por homens. JORNALISMO CULTURAL, CONCEITOS E UM POUCO DE HISTÓRIA Antes de falar em jornalismo cultural, é preciso refletir brevemente sobre o conceito de cultura, tema que em si seria assunto não para uma aula, mas para um curso inteiro. A Antropologia ajuda a compreender a cultura como a dimensão humana fundamental; cultura é tudo o que o homem produz e o que o diferencia da natureza e dos demais animais. A cultura abrange, assim, a capacidade essencialmente humana de mediar, interpretar, produzir e reproduzir sentido. Os significados, práticas e rotinas adquiridos e transmitidos historicamente constituem a cultura. Para Geertz (1989, p. 12), a cultura é um conceito essencialmente semiótico: ACREDITANDO, COMO MAX WEBER, QUE O HOMEM É UM ANIMAL AMARRADO À TEIA DE SIGNIFICADOS QUE ELE MESMO TECEU, ASSUMO A CULTURA COMO SENDO ESSAS TEIAS E SUA ANÁLISE; PORTANTO, NÃO COMO UMA CIÊNCIA EXPERIMENTAL EM BUSCA DE LEIS, MAS COMO UMA CIÊNCIA INTERPRETATIVA, À PROCURA DO SIGNIFICADO. Tudo o que o homem produz é, portanto, cultura — o que nos permite entender, em diálogo com a Antropologia, que não existe sociedade humana sem cultura. Existem culturas distintas, diversas, assim como não existem culturas mais ou menos avançadas. Toda forma de expressão de um grupo humano integra sua cultura. Entendido isso, passamos a trabalhar a partir daqui com um conceito de cultura menos amplo, mais focado nas expressões e manifestações artísticas das sociedades. São essas manifestações o escopo do jornalismo cultural. Assim, o jornalismo cultural é comumente entendido como a especialização do jornalismo que se dedica à cobertura noticiosa, interpretativa e analítica dos produtos e processos da cultura. Desde os primeiros impressos publicados por Gutenberg, na segunda metade do século XV, era comum que, nos séculos seguintes, publicações também tivessem suas seções dedicadas à literatura. Muitos jornalistas foram escritores, e vice-versa. Suplementos literários têm longa tradição na imprensa, e o diálogo entre as duas áreas é profícuo. Para o jornalista Daniel Piza, autor de Jornalismo cultural (2008), essa especialização descende do humanismo que se espalha pela Europa após o Renascimento, com a valorização dos debates sobre ideias, valores e artes. Filósofos e romancistas escreviam em jornais, e o nascente jornalismo cultural misturava crítica de manifestações artísticas variadas, ensaios e cobertura da cena cultural da época. Piza cita como referência para o jornalismo cultural a criação da revista The Spectator, por dois ensaístas inglesas, em 1711. A revista propunha-se a tirar a filosofia dos gabinetes e levar a discussão sobre artes para o cotidiano das pessoas. Falava de livros, óperas, costumes, teatro, música, num tom culto, sem ser formal. Em toda a Europa, a elite intelectual exercia também o jornalismo cultural. E assim, ainda nesse formato mais ensaístico e crítico, ele chega aos EUA. Imagem: Saddhiyama / Wikimedia Commons / Domínio Público O jornalista e pesquisador Felipe Pena (2006) lembra a importância do folhetim como marca da convivência estreita entre jornalismo e literatura nos séculos XVIII e XIX. O termo feuilleton designava, inicialmente, um tipo de suplemento dedicado à crítica literária e a assuntos diversos, afirma Pena. Depois, passou a designar um produto específico, voltado para um crescente mercado leitor: a publicação, em capítulos, de romances nos jornais. Também no Brasil foi estreita a convivência entre literatura e jornalismo. Em extensa pesquisa, Cristiane Costa (2005) mostrou como muitos escritores foram jornalistas e vice-versa. PUBLICAR NARRATIVAS LITERÁRIAS EM JORNAIS PROPORCIONAVA UM SIGNIFICATIVO AUMENTO NAS VENDAS E POSSIBILITAVA UMA DIMINUIÇÃO NOS PREÇOS, O QUE AUMENTAVA O NÚMERO DE LEITORES E ASSIM POR DIANTE. PARA OS ESCRITORES, TAMBÉM ERA UM ÓTIMO NEGÓCIO. NÃO SÓ PORQUE RECEBIAM EM DIA DOS NOVOS PATRÕES, MAS TAMBÉM PELA VISIBILIDADE QUE GANHAVAM A PARTIR DA DIVULGAÇÃO DE SUAS HISTÓRIAS E DE SEUS NOMES. E O ÚLTIMO ELEMENTO DESSE TRIPÉ, OBVIAMENTE, ERAM OS ANUNCIANTES, QUE, COM O AUMENTO DAS TIRAGENS, PAGAVAM MAIS CARO PELO ESPAÇO PUBLICITÁRIO E AJUDAVAM A CONSOLIDAR A LÓGICA CAPITALISTA DOS JORNAIS. (PENA, 2006, p.5) É no século XX que o jornalismo cultural passa a utilizar mais intensamente ferramentas como a reportagem e a entrevista, diversificando ainda mais seus formatos. Mas o diálogo profícuo entre jornalistas e escritores já dera frutos. Entre eles, permitiu o surgimento da narrativa jornalística que, hoje, chamamos de jornalismo literário, ou seja, o uso de ferramentas da literatura na narrativa jornalística. ATENÇÃO O jornalismo literário não é sobre literatura. Pode-se fazer jornalismo literário em qualquer especialização do jornalismo. Jornalismo cultural é uma especialização a partir dos temas cobertos — pode usar ou não as ferramentas do jornalismo literário. Assim, apesar das confusões entre esses dois conceitos — e de afinidades entre um e outro –, jornalismo literário e jornalismo cultural não são sinônimos. Nos EUA, um marco na história do jornalismo cultural é a revista New Yorker. Criada em 1925, circula até hoje e investe em reportagens em profundidade, grandes perfis, ensaios e crítica. A revista não só revelou grandes escritores, como impulsionou, como gênero narrativo, o jornalismo literário. Revistas como a New Yorker e a Esquire foram fundamentais para o New Journalism, estilo jornalístico, surgido nos EUA, que radicaliza ao usar, num relato jornalístico, ritmo e estrutura ficcionais. O New Journalism consagrou jornalistas como Truman Capote, Gay Talese e Tom Wolfe, entre outros. Imagem: media.newyorker.com / The New Yorker / Wikimedia Commons / Domínio Público Também no Brasil, revistas foram e seguem sendo veículos fundamentais no fortalecimento do jornalismo cultural. Se no passado apostavam quase exclusivamente na colaboração de jornalistas-escritores, transformaram-se em alternativas num mercado impresso que encolhe continuamente. Assim como no passado houve revistas como Diretrizes e Flan, atualmente, publicações como Bravo! e 451 miram um público segmentado, oferecendo alternativas ao noticiário factual. Outro segmento de mercado no qual floresce o jornalismo cultural são cadernos e seções especializadas dos veículos tradicionais. Jornais como O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo. têm seus cadernos culturais, e revistas semanais, como Veja e IstoÉ, têm editorias especializadas em cultura, artes e entretenimento. No início do século XX, os jornais brasileiros tinham páginas e seções destinadas aos assuntos culturais. Mauad (1996) lembra os suplementos literários dos jornais nos anos 1930 e 1940. Porém, é unânime, na imprensa brasileira, o reconhecimento ao pioneirismo do Jornal do Brasil ao criar, em 1958, o SDJD, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, um encarte semanal dedicado a temas culturais, idealizado e implementado por Jânio de Freitas e Reynaldo Jardim. Mais tarde, o mesmo jornal criariao Caderno B, encarte diário voltado para temas culturais e que se tornaria referência na formação de gerações de jornalistas, influenciando outros veículos a criarem seus cadernos de cultura. Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira - Biblioteca Nacional / Jornal do Brasil / Wikimedia Commons / Domínio Público, adaptada por Thiago Lopes. INDÚSTRIA CULTURAL E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO Adorno e Horkheimer cunharam o conceito de indústria cultural para definir o conjunto de produtos culturais adaptados ao consumo das massas e que, em grande medida, determinam esse consumo. Os sociólogos e filósofos alemães punham em patamares distintos (o que os tornou alvo de críticas, por serem considerados elitistas): Arte superior A arte erudita. Arte inferior Demais manifestações artísticas. Não obstante, seu conceito de indústria cultural se tornou clássico. Por meio dele, Adorno e Horkheimer afirmam que, nas sociedades industriais modernas, a cultura também se torna um produto, as expressões culturais e artísticas são mercadorias e o público se torna consumidor passivo. NA MEDIDA EM QUE NESSE PROCESSO A INDÚSTRIA CULTURAL INEGAVELMENTE ESPECULA SOBRE O ESTADO DE CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA DE MILHÕES DE PESSOAS ÀS QUAIS ELA SE DIRIGE, AS MASSAS NÃO SÃO, ENTÃO, O FATOR PRIMEIRO, MAS UM ELEMENTO SECUNDÁRIO, UM ELEMENTO DE CÁLCULO; ACESSÓRIO DA MAQUINARIA. O CONSUMIDOR NÃO É REI, COMO A INDÚSTRIA CULTURAL GOSTARIA DE FAZER CRER, ELE NÃO É O SUJEITO DESSA INDÚSTRIA, MAS SEU OBJETO. (ADORNO apud COHN, 1977, p. 288) Adorno e Horkheimer são vistos muitas vezes como “apocalípticos”, por demonizarem a indústria cultural, em oposição aos “integrados”, para quem a indústria cultural é democrática e criativa. Nem um extremo, nem outro. Numa sociedade de massa, o jornalismo cultural necessariamente inclui em seu escopo os produtos da indústria cultural. Mais ainda, a mercantilização da cultura se aprofunda no que Debord (1997) chama de sociedade do espetáculo, dominada pelas imagens e na qual, mais que a cultura, as relações sociais são midiatizadas. Só isso já ampliaria muito o trabalho de um jornalista cultural diante da miríade de conteúdos a serem cobertos. DICA O jornalista que deseja cobrir a área cultural deve ser um leitor ávido e ter sólida formação intelectual. Precisa conhecer história cultural, história política, demonstrar interesse por manifestações culturais variadas, além de se aprofundar na área na qual trabalha. O jornalismo cultural permite ampla variação dos formatos de texto — e, exatamente para que isso não se transforme em beletrismo, o profissional precisa de amplo e profundo domínio do idioma. Deve dominar as ferramentas tradicionais da linguagem jornalística para, se necessário, utilizá-las de modo criativo e inovador. O jornalismo cultural permite crítica, análise, interpretação — mas tudo isso corre risco de se perder diante de um texto pobre e sem profundidade. JORNALISMO CULTURAL Quer saber mais sobre o jornalismo cultural? Clique e assista. O JORNALISTA DIANTE DE FAMOSOS: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Autores como Manuel Castells (2017) nos fazem refletir sobre a força das redes na organização social contemporânea, e sobre como tudo se difunde de modo ainda mais veloz. Zygmunt Bauman (2005), por sua vez, alerta que, nessa sociedade em transformação, também os nossos conceitos tradicionais de política, economia e, naturalmente, cultura, se transformarão, porque a sociedade se movimenta: é a modernidade líquida. E, nela, a segurança de conceitos como emprego e nação, por exemplo, se altera. Foto: Forumlitfest / Wikimedia Commons / CC BY 3.0 Zygmunt Bauman em Berlim, Alemanha, em 2015. Ora, mas o que isso tem a ver com jornalismo? Tudo. O jornalismo e a comunicação se transformam, e especializações como o jornalismo cultural e o jornalismo esportivo transitam em mundos em que, cada vez mais, o espetáculo, muitas vezes vazio, se transforma em conteúdo de destaque no noticiário; o que importa é o espetáculo por si. Por outro lado, a ideia de um consumidor apenas passivo se transforma na modernidade líquida: o consumidor também transita entre redes e interfere no que consome e de que modo consome cultura. Por herança, cabe ao jornalismo cultural a cobertura dos assuntos ligados às formas modernas de entretenimento: Assim, um jornalista cultural que considera “cultura” apenas os conteúdos tradicionais, no melhor estilo de Adorno e da alta cultura, terá dificuldades num mercado cada vez mais espetacularizado. Por outro lado, um jornalista que se contenta apenas em agradar o interesse do público corre risco de submergir na própria superficialidade e se tornar irrelevante. Reflexão semelhante, com nuances próprias, pode ser feita para o jornalismo esportivo. Até que ponto esses tipos de jornalismo informam, de fato, o leitor ou apenas propagandeiam cenas vividas por atletas/celebridades? Em todas as especializações do jornalismo, é preciso refletir sobre a necessidade de manter o espírito crítico e a independência em relação às fontes, e a leitura contínua ajuda nessa reflexão sobre a atividade jornalística. Assim com o jornalismo de política e o de economia correm o risco da sedução do poder, no esporte e na cultura, o risco é sucumbir diante do convívio com famosos. É possível fazer jornalismo crítico e estimular o debate de ideias sobre cultura, esporte e entretenimento num mundo cada vez mais fluido? É o desafio que se impõe a tais especializações, mas que perpassa o jornalismo como um todo. Cabe ao profissional discernir, com base no método jornalístico, o que é interesse público e o que é interesse do público; é dele a obrigação de buscar uma relação de independência e senso crítico com as fontes, sem se deixar hipnotizar pelos atrativos da fama. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A ROTINA DE APURAÇÃO DO JORNALISTA ESPORTIVO EXIGE: A) Torcer pelo clube que ele cobre. B) Praticar esportes. C) Independência em relação às fontes. D) Uma ética própria, afinal o esporte lida com paixões. E) Não torcer para um time. 2. O JORNALISMO CULTURAL É: A) Aquele exercido por jornalistas que também são artistas. B) O mesmo que jornalismo literário. C) A cobertura crítica e analítica de manifestações artísticas e culturais. D) Cobertura da chamada cultura erudita, como música clássica e artes plásticas. E) Cobertura exclusiva de artes e espetáculos. GABARITO 1. A rotina de apuração do jornalista esportivo exige: A alternativa "C " está correta. O jornalista esportivo tem de manter independência em relação às fontes. Em todas as especializações do jornalismo, é preciso refletir sobre a necessidade de manter o espírito crítico e a independência em relação às fontes. 2. O jornalismo cultural é: A alternativa "C " está correta. O jornalismo cultural é a cobertura crítica e analítica das manifestações culturais e artísticas. Houve jornalistas que foram escritores — embora jornalismo seja bem diferente de literatura. MÓDULO 3 Analisar jornalismo policial e jornalismo de cidades JORNALISMO POLICIAL O Brasil registrou, em 2019, 41 mil homicídios dolosos (em que há intenção de matar), mostram os dados do sistema de informações sobre mortalidade do SUS. A cada oito minutos, uma mulher é estuprada — são 66 mil estupros por ano, 180 por dia, de acordo com os boletins de ocorrência dos estados, compilados por organizações, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Num país com números assim, notícias sobre violência e crime não faltam. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA Organização não governamental que pesquisa e analisa dados de violência no país. A PERGUNTA QUE NOS MOVE AQUI É: QUE NOTÍCIA SOBRE CRIME QUEREMOS PUBLICAR? A cobertura dos temas criminais é, desde os primórdios do jornalismo, uma área que atrai o público. “Espreme que sai sangue” era uma forma de se referir aos jornais que expunham corpos na primeira página, reproduziam em sua cobertura o discurso policial e apoiavam aeliminação de criminosos. Não que isso não exista mais — existe. O que chama a atenção de pesquisadores e jornalistas que investigam a área ou atuam nela profissionalmente é, em javascript:void(0) perspectiva histórica, a transformação do jornalismo policial “espreme-que-sai-sangue” em uma cobertura que cada vez mais discute políticas de segurança pública, justiça e violência policial. O jornalista Fernando Molica (2007), em introdução ao volume 50 anos de crimes — reportagens policiais que marcaram o jornalismo brasileiro, ao apresentar as reportagens selecionadas, relata: A POLÍCIA, ANTES VISTA PELA IMPRENSA — COM AS EXCEÇÕES DE PRAXE — QUASE COMO SINÔNIMO DO BEM E DA ORDEM, PASSA, AO LONGO DOS ANOS, A DISPUTAR COM CRIMINOSOS COMUNS O LADO DE CÁ DO RINGUE. UMA CERTA CONIVÊNCIA COM PRÁTICAS IRREGULARES COMETIDAS POR POLICIAIS É AOS POUCOS SUBSTITUÍDA PELA DENÚNCIA SISTEMÁTICA DOS ABUSOS COMETIDOS POR INTEGRANTES DAS DIVERSAS CORPORAÇÕES. A DIVISÃO ENTRE POLÍCIA E BANDIDO SE TORNA MAIS TÊNUE, OS CONJUNTOS PASSAM A SE MISTURAR COM ALGUMA FREQUÊNCIA E COMPLEXIDADE — UMA HISTÓRIA QUE FOI CONTADA PELOS JORNAIS. (MOLICA, 2007, p.11) Outro ponto a destacar é que a criminalidade também mudou. Para tomar apenas o caso do tráfico de drogas, por exemplo, as quadrilhas locais se transformaram em organizações cada vez mais armadas, com um esquema mais estruturado de lavagem de dinheiro e atuação transnacional. O jornalismo teve de acompanhar essa transformação: entender como o “meliante” morto na rua (embora tenha significado não pouco relevante para a rotina do leitor que convive com o tiroteio), era peça menor na engrenagem das quadrilhas. O jornalismo precisou encarar o desafio de deslindar essa teia de histórias. Ramos e Paiva (2007), em pesquisa com noventa jornalistas, reportam a mudança no tom da cobertura, com a diminuição do uso, pela maioria dos veículos jornalísticos, de recursos sensacionalistas, linguagem policialesca (chamar o acusado de "meliante” ou “elemento”, por exemplo), fotos explícitas ou defesa da “eliminação” do dito “meliante”. Apontam, para além da mudança da linguagem, a mudança de enfoque: UMA ALTERAÇÃO SIGNIFICATIVA FOI O INGRESSO NAS PÁGINAS DOS JORNAIS, ESPECIALMENTE A PARTIR DA SEGUNDA METADE DOS ANOS 1990, DE PAUTAS SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA. A ESCADA DAS ESTATÍSTICAS DE HOMICÍDIOS, O AUMENTO DE VÍTIMAS ENTRE AS CLASSES MÉDIA E ALTA E A CHEGADA DE ESPECIALISTAS A CARGOS DE GESTÃO EM SECRETARIAS DE SEGURANÇA FIZERAM COM QUE A IMPRENSA PASSASSE A INCORPORAR ESTA TEMÁTICA. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 17) As pesquisadoras apontam o aumento da participação do tema da segurança no volume da cobertura, ao mesmo tempo em que as editorias de polícia deixam de existir em muitos veículos. São incorporadas às editorias de geral ou cidades, e os repórteres de polícia são aqueles que cobrem não só segurança pública, mas também outras questões urbanas. EXEMPLO Na Folha de S. Paulo, por exemplo, temas de polícia são publicados na editoria Cotidiano, que concentra assuntos de cidades, segurança pública, educação e saúde. Do mesmo modo, no jornal O Globo, por mais que haja repórteres que acompanham com maior frequência os temas de polícia, o noticiário é publicado na editoria Rio — onde saem os temas da cidade. Foto: impunidad.com / Wikimedia Commons / CC BY-AS 4.0 Jornalistas que atuam na área policial também têm de lidar com a questão da segurança — a própria segurança. Um marco nessa discussão é o assassinato do jornalista Tim Lopes, morto em 2002, por traficantes do Complexo do Alemão quando apurava uma reportagem. O assassinato de Tim Lopes foi um divisor de águas na forma como as redações passaram a fazer a cobertura das comunidades no Rio. Depois de sua morte, foi criada a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e a preocupação com a segurança dos profissionais cresceu. Alguns veículos passaram a adotar o uso de coletes à prova de balas e veículos blindados. Sindicatos e associações ofereceram treinamentos para cobertura em áreas de risco. Reportagens nessas áreas, acompanhando ou não operações policiais, tiveram de ser discutidas de modo mais criterioso com as chefias de reportagem. Como em qualquer especialização, a cobertura jornalística nas áreas de polícia, justiça e segurança pública — nomenclatura mais contemporânea e que vai além da etiqueta de “jornalismo policial” — exigiu dos profissionais o domínio de alguns conceitos frequentemente usados no noticiário. O repórter de segurança pública aprendeu que, por mais que o número total de homicídios seja impactante numa reportagem, é preciso buscar formas de comparar a quantidade de mortes com outros períodos e lugares. Lugares mais populosos tendem a ter, em números absolutos, mais mortes que os menos populosos. Por isso é importante usar, além do valor absoluto, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, indicador usado internacionalmente, que permite a comparação entre locais com diferentes tamanhos de população e em distintos períodos. Imagem: ipea.gov.br / Érico / Wikimedia Commons / CC0 Homicídios no Brasil (total), de 1996 a 2015, segundo o Atlas da Violência (2017) em pesquisa realizada pelo Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um indicador como esse neutraliza dúvidas do tipo: será que o crime cresceu pelo fato de a população ter aumentado? Usar a taxa permite, assim, a comparação a médio e longo prazos. A taxa é calculada de modo simples: o número de homicídios dividido pela população daquela região em determinado ano, multiplicando-se o resultado por cem mil. O que indica, em cada grupo de cem mil habitantes, quantas pessoas foram assassinadas. ATENÇÃO Como qualquer jornalista especializado, um jornalista que atue na área de segurança e justiça também precisa conhecer a nomenclatura básica do setor. Precisa saber — e precisa explicar ao leitor — a diferença entre homicídio doloso (quando há intenção de matar) e culposo (não intencional). Um exemplo de termos comumente utilizados de modo errado é a qualificação do suspeito de um crime. 1. Quando ocorre um crime comum, a polícia investiga e indicia suspeitos, que se tornam indiciados. 2. O inquérito é enviado ao Ministério Público, que opta por fazer ou não uma denúncia criminal contra aquele suspeito — se houver denúncia, o indiciado se torna denunciado. 4. Ao final do processo, será absolvido ou culpado. Os dois lados podem recorrer da decisão e apelar a uma segunda instância judicial. 3. Depois disso, a denúncia é enviada ao juiz. Se o magistrado receber a denúncia, é aberto um processo, e o suspeito torna-se réu. Erros em reportagens sobre ocorrências criminais são comuns, pela falta de domínio dos termos técnicos. Instituições como o Ministério Público e a Justiça costumam publicar manuais breves para jornalistas, traduzindo esses termos. Vale lembrar também que conhecer bem o jargão da justiça há muito deixou de ser exigência de jornalistas que cobrem polícia: na economia, na política e nos esportes, esses termos estão no noticiário cotidiano. JORNALISMO POLICIAL Quer saber mais sobre o jornalismo policial? A jornalista e professora Fernanda da Escóssia traz mais informações para você! JORNALISMO DE CIDADES Na literatura sobre as especializações tradicionais do jornalismo, como política, economia, esportes, cultura, o jornalismo de cidades, ou de geral, é muitas vezes comparado à clínica geral na medicina. O jornalista de geral é, segundo Ricardo Kotscho, “como o médico de pronto-socorro quando chega um paciente todo estropiado. É preciso atendê-lo enquanto não se define para qual clínica especializada deve ser encaminhado” (Kotscho, 1986, p.57). É o jornalismo de cidades/de geral que cobre os temas relacionados ao cotidiano do leitor, como saúde, educação, questões urbanas, enchentes, acidentes, transportes, funcionamento dos serviços urbanos, IPTU etc. É uma cobertura fundamental para o veículo e para a relaçãocom seu público mais próximo, aquele da região na qual está baseado. É nesse noticiário que o veículo apresenta seu entendimento da relação com a territorialidade mais próxima, sua leitura sobre as questões urbanas e sobre o direito à cidade. Tavares e Vaz (2005), em estudo sobre os cadernos de cidades dos jornais, afirmam: OLHAR PARA A CIDADE A PARTIR DESTES CADERNOS É QUASE QUE OPERAR COM UMA ESPÉCIE DE LUPA JORNALÍSTICA QUE AUMENTA, ELEVA O VOLUME E O VALOR DE CERTOS FRAGMENTOS CITADINOS QUE, UMA VEZ NO JORNAL, CONSTROEM REPRESENTAÇÕES, REALIDADES. OS CADERNOS “CIDADE” SE ENQUADRAM COMO PEÇAS IMPORTANTES NA CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DA CIDADE. TAIS CADERNOS SÃO UM RECORTE DO ESPAÇO URBANO, DEFINEM UMA CIDADE E UM COTIDIANO ESPECIFICAMENTE DELIMITADOS E CONSTRUÍDOS PELOS JORNAIS. NELES A RELAÇÃO ENTRE O COTIDIANO, A CIDADE E O JORNALISMO SE DÁ DE MANEIRA PARTICULAR E MUITO PRÓXIMA, DIFERENTEMENTE DE TODOS OS OUTROS ESPAÇOS (CADERNOS E SEÇÕES) EXISTENTES AO LONGO DOS PERIÓDICOS. ALI, COMO O PRÓPRIO NOME DIZ, ESTÁ ‘A CIDADE’. (TAVARES e VAZ, 2005, p.59) O leitor busca se reconhecer no noticiário de cidades. É lá que ele vai procurar informação sobre o trânsito, a obra na praça, o parque fechado, as vagas na escola para os filhos, mudanças no comércio ou a existência de um surto de sarampo em sua cidade. É também, por excelência, o lugar para tratar de personagens da cidade. Por sua diversidade temática, o noticiário de cidades é extremamente rico. Pode abrigar várias outras editorias ou seções, como saúde, interior, polícia... Foto: Shutterstock.com Já abordamos aqui o fato de o noticiário policial ter sido incorporado à cobertura de cidades — mudança que é consequência da dinâmica urbana cada vez mais afetada pela violência. É tarefa do jornalismo de cidades estar atento a essas dinâmicas urbanas, seja a violência, o aumento de moradores de rua ou a moda de uso de patinetes, para dar exemplos simples, mas que traduzem bem a rotina desse jornalista. Se lugar de repórter costuma ser na rua, no jornalismo de cidades, essa exigência se torna ainda mais importante. Da redação não se vê a cidade pulsar — e, por isso, as restrições sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19 prejudicam tanto a rotina jornalística. Entrevistas por telefone, estudos, números, todos esses elementos ajudam na apuração, mas a observação da rotina da cidade exige o deslocamento do repórter ao local dos acontecimentos. Em tempos de informação cada vez mais globalizada, alguém poderia pensar que o jornalismo de cidades desapareceria — mas, isso é um engano. O jornalismo local mostra-se cada vez mais relevante como forma de permitir ao público tomar conhecimento do que acontece em sua região. Repórter formada em jornalismo de cidades, justiça e direitos humanos, vejo essa área como uma grande escola para um jovem profissional. Não é a única, por óbvio — cada especialização do jornalismo ensina, num aprendizado contínuo, o domínio de conceitos e o diálogo com fontes distintas. Mas o jornalismo de geral permite ao repórter mergulhar na realidade do cidadão comum, em suas dores e alegrias, conhecer a desigualdade, a pobreza — e transformar isso tudo em reportagens. JORNALISMO DE CIDADES A jornalista Fernanda da Escóssia fala da riqueza e da importância do jornalismo de cidades, que pode ser uma grande escola para o jovem jornalista. POLÍCIA, CIDADES E HISTÓRIAS PARA CONTAR Ao escrever sobre jornalismo de polícia e de cidades, percebi que o percurso desse módulo se mistura com a minha história profissional, e faço esse parêntesis em primeira pessoa por entender sua relevância para os estudantes. Foi exatamente em meados dos anos 1990 que comecei a atuar como repórter da Folha de S. Paulo, baseada na Sucursal do Rio. A cobertura da violência no Rio de Janeiro, com o aumento dos homicídios dolosos no país e a intensificação dos tiroteios entre grupos criminosos, se tornou parte de minha rotina profissional. Vivi o privilégio dessa mudança de foco do jornalismo policial — que me exigia o domínio de conceitos em áreas tão variadas como justiça, segurança pública, direitos humanos e questões urbanas. Cito a seguir duas reportagens, nas quais tentei reproduzir essa compreensão. Uma delas buscou compreender a alta rotatividade dos chefes do tráfico, mergulhando na história e a genealogia do tráfico em cinco áreas do Rio. A partir de informações da Polícia Militar, relatos de moradores, líderes comunitários e profissionais que trabalhavam nessas áreas, a reportagem reconstituiu como se dera a sucessão dos chefes do tráfico de 1981 a 2000. Chegou-se à conclusão de que eles morriam cada vez mais rápido: de 1981 a 1990, um chefe "durava" em média 35 meses, mas, de 1991 a 2000, o comando durava apenas 13 meses. Mais que mera contabilidade, a reportagem buscou mostrar, por um ângulo original, como a organização criminosa das quadrilhas se tornava cada vez mais violenta, com o aumento dos conflitos entre os grupos ou eles com a polícia. Foi publicada em 13 de agosto de 2000. Um dia, o diretor da Sucursal do Rio, o jornalista Marcelo Beraba, me chamou em sua sala e mostrou um mapa da cidade do Rio de Janeiro. Apontou os subúrbios da zona oeste e da zona norte, e disse que queria saber como viviam os jovens daquelas áreas, pois só via reportagens sobre os jovens das favelas da zona sul. Entrei em contato com lideranças comunitárias que eu conhecia de outras reportagens, elas indicaram outras, e assim mergulhei em histórias e números que me ajudassem a entender a juventude. Entrevistei 30 jovens, e contei as histórias de seis deles na reportagem publicada em fevereiro de 2000. Intitulada “Jovem vive entre tráfico e desemprego”, a reportagem mostrava que 98 mil jovens de 15 a 24 anos na região metropolitana do Rio não estudavam nem trabalhavam. Outros 305 mil só ajudam nos serviços de casa. Entre jovens fluminenses, a taxa de homicídios era de 112 por 100 mil habitantes, a mais alta do país. A média nacional é de 44,8 por 100 mil habitantes nessa faixa etária, segundo dados do IBGE. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. O JORNALISMO POLICIAL DEVE REPRODUZIR: A) O que diz o juiz, pois é a versão oficial. B) A linguagem policial, pois é a correta. C) Só a palavra dos acusados, pois a polícia não é confiável. D) Todas as versões de um fato. E) Somente as conclusões de um julgamento. 2. O JORNALISMO DE CIDADES: A) Só pode ocorrer em veículos impressos. B) É exclusividade do rádio. C) Só é possível em veículos que atuem com tempo real. D) Cobre acontecimentos locais. E) Só pode ser exercido por jornalistas com formação em urbanismo. GABARITO 1. O jornalismo policial deve reproduzir: A alternativa "D " está correta. O jornalismo policial deve buscar ouvir todas as versões de um fato. Pautando-se nos fatos, com análise crítica, e verificando todas as versões. Como em qualquer especialização, aciona princípios éticos e técnicos comuns ao jornalismo em geral. 2. O jornalismo de cidades: A alternativa "D " está correta. O jornalismo de cidades é aquele voltado para acontecimentos locais, do cotidiano do leitor, relacionado a saúde, educação, questões urbanas, enchentes, acidentes, transportes, funcionamento dos serviços urbanos, entre outros. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Num sobrevoo amplo, apresentamos conceitos e contextos úteis em seis áreas tradicionais do jornalismo: política, economia, esportes, cultura, polícia e cidades. Não é tarefa pouco ambiciosa, pois cada uma dessas áreas motivaria, não uma aula, mas uma disciplina inteira. Diante da amplitude do tema, buscamos, em cada módulo, abordar um aspecto: a relação com o poder no jornalismo político e econômico, o convívio com a fama no jornalismo de esportes e de cultura, a compreensão de conceitos específicos no jornalismo de polícia e de cidades. Mas esses eixos gerais valem para todas as áreas do jornalismo. Reiteramos que qualquer especialização aciona princípios éticos e técnicoscomuns ao jornalismo em geral. Exige narrativa respaldada em fatos, espírito crítico e independência com relação às fontes, apuração rigorosa e busca de uma abordagem plural dos acontecimentos, dando ao acusado numa reportagem chance de apresentar sua versão dos fatos. Tudo isso num texto claro, informativo e correto. Ao mesmo tempo, cabe ao jornalista especializado conhecer profundamente sua área de cobertura, inclusive em perspectiva histórica. Ele deve acompanhar o noticiário, dominar conceitos específicos e manter diálogo com fontes variadas. O jornalista especializado deve dominar o vocabulário de sua área, sem se tornar mero repetidor dele. Deve conhecer sua audiência e ser capaz de discernir até que ponto precisa ser didático ao usar determinados conceitos. É esse conjunto de ferramentas que lhe permite oferecer, além da notícia, interpretação e análise original dos fatos abordados. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ABRAMO, C. A Regra do jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. ALBUQUERQUE, A “As três faces do quarto poder”. trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Política”, do XVIII Encontro da Compós, na PUC-MG, Belo Horizonte, junho de 2009. Consultado na internet em: 20 abr. 2021. 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Leia sobre a força das redes na organização social contemporânea em: CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2017. BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Leia o clássico: MORAIS, F. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. Conheça a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), que tem como objetivos principais o fortalecimento e qualificação crescentes da Pós-Graduação em Comunicação no país; a integração e intercâmbio entre os Programas existentes, bem como o apoio à implantação de novos Programas; o diálogo com instituições afins nacionais e internacionais; o estímulo à participação da comunidade acadêmica em Comunicação nas políticas do país para a área, defendendo o aperfeiçoamento profissional e o desenvolvimento teórico, cultural, científico e tecnológico no campo da Comunicação. Acesse o site da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e veja os relatos e coletâneas de reportagens investigativas. Aprofunde seus conhecimentos sobre jornalismo cultural em: GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. Entenda o caso do escândalo das reportagens falsificadas pelo repórter Jayson Blair nas reportagens Problemas no "New York Times" vêm de longe, da Folha de São Paulo CONTEUDISTA Fernanda Melo da Escóssia CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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