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De modo bem brutal, cerca de 10 anos depois de Ortes, o mi-
nistro anglicano Townsend celebrava a pobreza como condição ne-
cessária da riqueza.
“A coação legal para trabalhar está ligada a excessiva encrenca,
violência e barulho (...) enquanto a fome não só constitui uma
pressão mais pacífica, silenciosa, incessante, mas, como motivo
mais natural para a indústria e o trabalho, provoca os esforços
mais poderosos.”
Portanto, tudo o que importa é tornar a fome permanente entre os
que pertencem à classe trabalhadora e disso cuida, segundo Townsend,
o princípio populacional, que é especialmente ativo entre os pobres.
“Parece ser uma lei da Natureza que os pobres sejam até certo
ponto imprevidentes (improvident)” (isto é, tão imprevidentes
quanto vir ao mundo sem uma colher de ouro na boca), “que
sempre há alguns (that there may always be some) para a rea-
lização das tarefas mais servis, mais sórdidas e mais ignóbeis
da comunidade. O fundo de felicidade humana (the fund of human
happiness) é muito incrementado com isso, enquanto os mais
delicados (the more delicate) estão livres do trabalho penoso e
podem seguir, sem serem perturbados, uma vocação mais alta
etc. (...) A Lei dos Pobres tem a tendência de destruir a harmonia
e a beleza, a simetria e a ordem desse sistema, que Deus e a
Natureza estabeleceram no mundo.”533
Se o monge veneziano via na fatalidade que perpetua a miséria
a razão de ser da caridade cristã, do celibato, dos conventos e das
fundações pias, o prebendário protestante acha, pelo contrário, nisso
um pretexto para condenar as leis por força das quais era assegurada
ao pobre uma escassa assistência pública.
“O progresso da riqueza social”, diz Storch, “gera aquela classe
útil da sociedade (...) que exerce as ocupações mais enfadonhas,
sórdidas e repugnantes, numa palavra, que põe tudo o que a
vida tem de desagradável e servil sobre os ombros e, por meio
OS ECONOMISTAS
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533 A Dissertation on the Poor Laws. By a Wellwisher of Mankind (The Rev. Mr. J. Townsend),
1786. Reeditado em Londres, 1817. pp. 15, 39, 41. Esse “delicado” ministro de cujo texto
agora citado, bem como de sua Journey Through Spain, Malthus copia muitas vezes até
páginas inteiras, tomou de Sir J. Steuart a maior parte de sua doutrina, a qual ele, no
entanto, deforma. Por exemplo, quando Steuart diz: “Aqui na escravatura havia um método
violento de tornar os seres humanos laboriosos” (para os não-trabalhadores). “(...) Outrora
os homens eram forçados a trabalhar” (isto é, a trabalhar de graça para os outros) “porque
eram escravos; agora os homens são forçados a trabalhar” (isto é, a trabalhar de graça
para não-trabalhadores) “porque são escravos de suas próprias necessidades”. Ele não conclui
daí, como o gordo prebendário — que os assalariados sempre devam viver à beira da fome.
Ele quer, pelo contrário, multiplicar suas necessidades e fazer do número crescente de
suas necessidades um acicate para trabalharem para “os mais delicados”.

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