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145 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Unidade II 5 NOÇÕES GERAIS DE TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR O século XXI é um momento particularmente emocionante para as ciências biomédicas. Houve grande avanço nos métodos para analisar células, proteínas, DNA e RNA, gerando uma imensa quantidade de informações e permitindo que os cientistas estudassem as células e suas macromoléculas de maneiras inimagináveis. Veremos agora os métodos clássicos da biologia molecular utilizados para estudar o DNA, RNA e proteínas. 5.1 Extração de ácidos nucleicos De forma geral, o primeiro passo para estudos de expressão gênica e caracterização de transcritos é a extração de DNA e RNA a partir de tecidos e/ou células. A extração pode ser realizada a partir de diferentes organismos como bactérias, fungos, vírus, tecidos vegetais e animais. Diversos métodos foram estabelecidos para isolar as moléculas de DNA e RNA a partir de materiais biológicos como sangue, saliva, células epiteliais, urina e outros fluidos corporais. Não há um método padrão para o isolamento dos ácidos nucléicos, existe uma infinidade de protocolos e reagentes específicos para cada tipo de tecido e/ou células. Cada um deles é destinado a aplicações distintas, muitas vezes uma metodologia usada para fins diagnósticos, por exemplo, pode não ser a mais adequada para determinação de paternidade ou para a prática de PCR, uma técnica muito sensível. A extração feita a partir de kits comerciais, com tubos e reagentes específicos de cada empresa, é uma forma mais simples e geralmente com maior reprodutibilidade e qualidade da extração tanto de DNA quanto de RNA. Esses kits utilizam colunas “filtrantes” nos tubos de extração; o que aumenta o rendimento das amostras e diminui o tempo do procedimento, em comparação à extração convencional a partir de solventes. Apesar de a qualidade e o rendimento dos ácidos nucléicos serem melhores, o custo desses tipos de kits muitas vezes é um fator limitante para sua utilização. 5.1.1 Extração de DNA Em sua forma original de dupla fita, o DNA apresenta alta estabilidade, é muito resistente e se mantém inalterado em várias condições de meio. Entretanto, alguns cuidados são aconselháveis, para que seja evitada a degradação das amostras obtidas em laboratório. Uma vez que o DNA é vulnerável a forças leves, a pipetagem ou agitação pode gerar tensão na molécula e quebra das ligações fosfodiéster. A extração de DNA inclui basicamente dois procedimentos: 1) lise das células (citólise) e 2) purificação do DNA. Após a citólise o DNA deve ser separado dos restos celulares e das proteínas, precipitado e suspenso em água ultrapura ou solução tampão adequada. 146 Unidade II A amostra de sangue periférico é a mais utilizada para extração de DNA a partir de leucócitos. Inicialmente, o sangue periférico é diluído em tampão concentrado de cloreto e bicarbonato de amônio, com a finalidade de promover lise das hemácias e obter pellet leucocitário. Em seguida, o rompimento da membrana leucocitária e liberação do DNA são realizados com o auxílio de enzimas proteases e reagentes desnaturantes em solução de pH alcalino e temperatura entre 37 ºC e 56 ºC. Na presença da solução salina saturada, as proteínas se precipitam e são descartadas. Posteriormente, na presença do etanol absoluto ocorre precipitação do DNA e, dessa maneira, torna-se possível separá-lo. Finalmente, o DNA é ressuspendido em água ou tampão. A seguir, é apresentado um protocolo de extração do DNA genômico em leucócitos de sangue periférico, como sugestão do procedimento (LIPAY, 2015). Analise-o cuidadosamente e identifique as etapas citadas anteriormente. Além disso, identifique a protease e o agente desnaturante responsáveis pela lise da membrana dos leucócitos. Protocolo para extração do DNA a partir de sangue periférico: • Material: 8 mL de sangue periférico coletados em tubo contendo EDTA. • Hemólise: transferir o sangue total para um tubo de 50 mL, adicionar 20 mL de tampão 1× de 0,144 M cloreto de amônia (NH4Cl) + 0,001 M de bicarbonato de amônia (NH4CO3), agitar em agitador de soluções por aproximadamente 30 s, incubar a 4 ºC por 10 min e centrifugar a 3.000 rpm por 10 min a 4 ºC. • Lavagem: descartar o sobrenadante e adicionar 20 mL do mesmo tampão. Em agitador de soluções, agitar por 30 s para ressuspender o sedimento leucocitário. Incubar por 10 min a 4 ºC. Centrifugar por 10 min a 3.000 rpm na temperatura de 4 ºC. • Lise: descartar o sobrenadante, retirar o excesso de sangue. Ao sedimento leucocitário, adicionar: — 200 μL de SDS 10% (dodecil-sulfato de sódio). — 3 mL de um segundo tampão preparado com 10 mM (0,010 M) Tris HCl pH 8 + 400 mM (0,400 M) NaCl + 2 mM (0,002 M) EDTA pH 8. — 500 μL de um terceiro tampão preparado com 50 μL de SDS 10% + 2 μL de EDTA 0,5 M pH 8 + 488 mL de água ultrapura + proteinase K. — Observação: a proteinase K deve ser diluída no terceiro tampão antes de ser adicionada na reação de extração, ou seja, 2 μL de proteinase K na concentração de 20 mg/mL são suficientes para diluir em 5 mL do terceiro tampão, e esse volume é suficiente apenas para 10 amostras. No caso de maior quantidade de amostra, sugere-se realizar cálculo proporcional. Após adicionar todas as soluções anteriores, incubar a 37 ºC em estufa por 12 a 18 h. 147 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA • Precipitação: adicionar 1 mL do quarto tampão de NaCl 6 M, preparado com 175,3 g de NaCl, e completar o volume com 500 mL de água ultrapura. Misturar vigorosamente durante 1 min em agitador de soluções e centrifugar 3.000 rpm por 20 min a 4 ºC. Fazer a transferência do sobrenadante para tubo de 15 mL. Em seguida, adicionar 3 a 4 mL de etanol 100% mantido a –20 ºC, “capturar” o DNA precipitado com auxílio de uma ponteira e transferir para criotubo de 1,5 mL, que já deve conter 1 mL de etanol 70%. Essa etapa deve ser realizada em recipiente com etanol 70% mantido a -20 ºC contendo gelo, a fim de promover menores temperaturas. Centrifugar a 4 ºC por 15 min a 13.500 rpm, descartar o sobrenadante e aguardar evaporar o etanol à temperatura ambiente e em local seco e preservado de contaminação (ideal entre 12 e 8 h). Após a secagem, ressuspender o sedimento (DNA) em 1 mL de TE 1× preparado a 10 mM Tris-HCl pH 8 + 1 mM EDTA pH 8 ou hidratado em volume de água ultrapura estéril. Aguardar de 12 a 18 h para utilizar o DNA. O volume da solução para hidratar depende da concentração final de DNA desejada. Na maioria dos casos, pode-se hidratar com 1 mL. 5.1.2 Extração de RNA O processo de extração do RNA, assim como do DNA, envolve a lise celular e a posterior purificação do RNA. Entretanto, diferente do DNA, o RNA é altamente instável, ou seja, facilmente degradado. A maior dificuldade no processo de extração de RNA é evitar a ação das ribonucleases (RNases) ativas nos tecidos, enzimas muito estáveis responsáveis por essa degradação. Sendo assim, a primeira etapa na maioria dos métodos de isolamento de RNA após a homogeneização do tecido é a imediata exposição desse material a tampões de extração que apresentam substâncias como o cloreto de lítio, que auxilia a precipitação do RNA, e o isotiocianato de guanidina, que permite a manutenção do RNA intacto nas etapas posteriores da extração por meio da degradação das ribonucleases endógenas (SAMBROOK; RUSSEL, 2002). Evitar a contaminação com microrganismos é obrigatório quando se trabalha com RNA. É possível encontrar com facilidades RNases provenientes de fungos e bactérias que habitam a microbiota da nossa pele. Dessa forma, o uso de luvas, além da esterilização de toda estação de trabalho com inibidor de RNase é imprescindível na garantia de obtenção de RNA íntegro e de boa qualidade ao final do processo de extração. 5.2 Reação de polimerização em cadeia (PCR) A reação em cadeia da polimerase (PCR – polymerase chain reaction) é considerada uma técnica de biologia molecular revolucionária. Desenvolvida por Kary Banks Mullis (prêmio Nobelde química de 1993) em abril de 1983, essa técnica consiste na síntese enzimática de cópias de ácidos nucléicos. A PCR apresenta ampla gama de aplicações em vários ramos da pesquisa científica e diagnóstico. A utilização da PCR permite que uma determinada região do genoma de qualquer organismo possa ser amplificada e multiplicada em milhões de cópias. Os elementos envolvidos na reação de PCR, basicamente, são os mesmos presentes no processo de replicação que ocorre nas células. Para que seja possível o processo de amplificação de um segmento de DNA específico, é necessário que as extremidades da sequência de pares de bases sejam conhecidas. Os iniciadores ou primers que 148 Unidade II delimitam e são complementares à região alvo de amplificação apresentam cerca de 15 a 25 nucleotídeos de extensão. Os primers são projetados de modo que um é complementar ao filamento de uma molécula de DNA em um lado da sequência alvo e o outro é complementar ao outro filamento da molécula de DNA no lado oposto da sequência alvo. Para que ocorra a PCR, é necessária a presença dos seguintes componentes: DNA genômico total ou uma população de cDNA; DNA polimerase termoestável; primers, tampão (10 mM Tris-HCl, pH 8,3, 50 mM KCl), cloreto de magnésio (cofator da reação) e nucleotídeos necessários para a síntese das novas fitas de DNA (dNTPs: dATPs, dTTPs, dCTPs e dGTPs). Durante o procedimento, as amostras devem ser submetidas à combinação adequada de temperatura e de tempo. Cada ciclo da PCR apresenta três fases fundamentais: desnaturação, anelamento e extensão. A desnaturação ocorre por meio da elevação da temperatura para cerca de 94 ºC a 95 ºC. Nessa fase, o DNA perde sua estrutura de dupla hélice, separando as duas fitas. Dessa forma, o DNA os primers podem ligar à região complementar a sua sequência na fita simples que foi exposta. Uma vez desnaturado o DNA, a temperatura da reação é reduzida para a temperatura de anelamento (50 a 70 ºC) e ocorre o pareamento dos primers por meio de ligações de hidrogênio ao DNA-alvo de fita simples. A temperatura de anelamento é sempre específica para cada par de primers e depende da quantidade de citosina e guanina da sequência a ser amplificada. A última etapa do processo é a extensão. Nesse momento, a temperatura é elevada até cerca de 72 ºC, para que a enzima DNA polimerase (Taq-DNA-polimerase) se posicione junto aos primers que se anelaram anteriormente e seja iniciada a síntese da cadeia complementar. A síntese da nova fita de DNA se inicia a partir dos primers ou iniciadores. A enzima DNA polimerase catalisa a reação que insere os nucleotídeos (dNTPs) complementares à fita-molde. Dessa maneira, novas fitas de DNA de dupla hélice são formadas, correspondentes a região alvo de amplificação (delimitada pelos primers). A figura a seguir esquematiza as etapas de um ciclo da PCR. Etapa 1 Aquecer para separar as fitas Primeiro ciclo de amplificação Região do DNA de fita dupla a ser amplificada + DNA - polimerase + dATP + dGTP + dCTP + dTTP Produtos do primeiro ciclo Par de iniciadores 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’ Etapa 2 Resfriar para anelar os iniciadores Etapa 3 Síntese de DNA Figura 85 – Ciclo de PCR. Cada ciclo da PCR inclui três etapas: (1) o DNA de fita dupla é aquecido brevemente para separar as duas fitas; (2) o DNA é exposto a uma quantidade excessiva de um par iniciadores específicos – projetados para limitar a região do DNA a ser amplificada – e a amostra é resfriada para permitir que os iniciadores hibridizem com as sequências complementares nas duas fitas de DNA; (3) essa mistura é incubada com DNA-polimerase e os quatro desoxirribonucleosídeos trifosfato, de modo que o DNA possa ser sintetizado, a partir dos dois iniciadores. Para amplificar o DNA, o ciclo é repetido muitas vezes por meio do reaquecimento da amostra para separar as fitas de DNA recém-sintetizadas 149 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Saiba mais A técnica de PCR depende do uso de uma DNA polimerase especial isolada a partir de microrganismos cujos habitats naturais são as fontes quentes (p. ex., a amplamente utilizada Taq DNA polimerase é obtida de Thermus aquaticus); essa polimerase é estável a temperaturas muito mais altas do que as DNA polimerases eucarióticas, assim ela não é desnaturada pelo tratamento de calor. Portanto, essa enzima não precisa ser adicionada novamente após cada ciclo. Saiba mais sobre o descobrimento da técnica em: BO, G. M. Nobel Lectures, Chemistry 1991-1995. Singapura: World Scientific Publishing Co., 1997. Disponível em: https://www.nobelprize.org/ prizes/chemistry/1993/mullis/lecture/. Acesso em: 27 abr. 2020. O processo de desnaturação, anelamento e extensão é repetido várias vezes, até que se obtenha grande quantidade do DNA a ser amplificado. Os filamentos de DNA recém-sintetizados, mesmo complementares, formam uma segunda cópia da sequência alvo original, gerando, assim, uma amplificação exponencial (2, 4, 8, 16, 32… cópias). A PCR é uma reação em cadeia porque as fitas de DNA, recentemente sintetizadas, atuarão como molde para mais uma síntese de DNA nos ciclos subsequentes. Após cerca de 25 ciclos de síntese de DNA, os produtos da PCR incluem, além do DNA que iniciou a reação, cerca de 105 cópias da sequência alvo específica. Na PCR convencional, para visualização do produto da reação, também chamado de amplicon, é necessário realizar uma eletroforese e os resultados são qualitativos. 150 Unidade II Aquecer para separar as fitas e resfriar para anelar os iniciadores Síntese de DNA Produto do primeiro ciclo Final do primeiro ciclo Segundo ciclo (produz 4 moléculas de DNA de fita dupla) Terceiro ciclo (produz 8 moléculas de DNA de fita dupla) Síntese de DNA Aquecer para separar as fitas e resfriar para anelar os iniciadores Figura 86 – PCR utiliza repetidos ciclos de desnaturação, anelamento e extensão para amplificar o DNA. Cada ciclo duplica a quantidade de DNA sintetizada no ciclo anterior, de modo que dentro de poucos ciclos, o DNA predominante seja idêntico à sequência delimitada pelos dois iniciadores no molde original, incluindo a sequência deles. No exemplo aqui ilustrado, três ciclos de reação produzem 16 cadeias de DNA, 8 das quais (em amarelo) correspondem exatamente a uma ou a outra fita da sequência original Além da análise do DNA, pequenas amostras de RNA podem ser analisadas pela reação em cadeia da polimerase. Nesse caso, é utilizada a RT-PCR, uma reação da transcriptase reversa seguida de PCR. A partir do RNA (fita simples), a enzima transcriptase reversa sintetiza uma cadeia de DNA complementar (chamada de cDNA). Ao cDNA, aplica-se a técnica de PCR. Uma vez que analisa o RNA responsável pela síntese de proteínas, a RT-PCR é amplamente utilizada para verificar a expressão gênica. Observação A tecnologia da reação em cadeia da polimerase apresenta vasta aplicabilidade, porém, não existe um protocolo único que seja apropriado para todas as situações. Dessa forma, é necessário que seja realizada uma otimização para cada nova aplicação da PCR. Existe uma grande variedade de técnicas resultantes de modificações da reação em cadeia da polimerase. Neste livro-texto, focaremos apenas em esmiuçar os princípios da PCR em tempo real. 5.2.1 PCR em tempo real Derivada da PCR convencional, a PCR em tempo real é uma inovação tecnológica e vem conquistando espaço nos diagnósticos clínicos e nos laboratórios de pesquisa por apresentar a capacidade de gerar resultados quantitativos, além de ser mais rápida e precisa, quando comparada à PCR convencional, que 151 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA apresenta resultados qualitativos. O método original de PCR apresentava algumas limitações sérias, ao amplificar primeiro a sequência de DNA e depois analisar o produto, a quantificação era extremamente difícil, uma vez que, independentemente da quantidade inicial de moléculasde DNA, ao fim de toda a reação era originado essencialmente a mesma quantidade de produto. Essa limitação foi resolvida em 1992 pelo desenvolvimento da PCR em tempo real por Higuchi et al. (1992). Na PCR em tempo real, o produto formado é monitorado durante o curso da reação. A fluorescência de corantes ou sondas introduzidas na reação é monitorada em tempo real e é proporcional à quantidade de produto formado e ao número de ciclos de amplificação necessários para obter a amostra. A quantificação desses materiais ocorre com maior precisão e com maior reprodutibilidade, uma vez que os valores são determinados na fase exponencial da reação. Assumindo que a amplificação ocorra com eficiência, que normalmente é quase uma duplicação do número de moléculas por ciclo de amplificação, é possível calcular o número de moléculas de DNA da sequência amplificada que estavam inicialmente presentes na amostra. A principal característica da PCR em tempo real é a sua capacidade de monitorar o progresso da PCR enquanto ocorre a reação, e os dados são coletados ao longo dos ciclos. A detecção da formação dos amplicons ocorre por meio de um termociclador com sistema óptico para a captação da fluorescência e um computador com um software para aquisição de dados e análise da reação. Existe grande variedade de fabricantes desses equipamentos que apresentam diferenças quanto à capacidade da amostra, ao método de captação da fluorescência, à sensibilidade e aos softwares para a análise dos dados. Os usos típicos da PCR em tempo real incluem quantificação e análise de patógenos (viral, bacteriana ou de protozoários), análise de expressão gênica, análise de polimorfismo de nucleotídeo único (SNP), análise de produtos transgênicos, análise de aberrações cromossômicas e, mais recentemente, também detecção de proteínas por imuno PCR em tempo real. 5.3 Clivagem de DNA com endonucleases de restrição A fita de nucleotídeos que forma a molécula de DNA é longa e pode ser considerada quimicamente monótona, uma vez que é uma mistura de apenas quatro tipos de nucleotídeos. O DNA é formado por centenas de milhares de genes que estão contidos nessa imensa molécula. Diferentemente das proteínas que podem ser separadas por tamanho, cargas ou propriedades de ligação diferentes, os genes estão interligados por regiões de DNA não codificante. A descoberta das endonucleases de restrição, também chamadas de enzimas de restrição, possibilitou a fragmentação do DNA em sequências de nucleotídeos menores possibilitando o avanço das principais técnicas de biologia molecular. As endonucleases de restrição foram isoladas de bactérias, diferentes espécies produzem diferentes endonucleases que a protegem da entrada de DNA viral, por exemplo. As endonucleases de restrição reconhecem e se ligam a sequências específicas de DNA, chamadas de sítios de restrição. Cada enzima de restrição reconhece apenas uma sequência específica de quatro a oito nucleotídeos de DNA. Quando ela encontra suas sequências alvo, a enzima de restrição fará um corte na dupla hélice da molécula de DNA. 152 Unidade II Sítio de clivagem HaeIII EcoRI HindIII 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ C T T T T C A G A A G G A A G C T T A A T T C G G A 3’ 3’ G GC C G GC C T T C G A A T T A A G C3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ G A C T 5’ 5’ T T T C A G A A C C 3’ G G 5’C C Figura 87 – Nucleases de restrição clivam o DNA em sequências nucleotídicas específicas. Assim como as proteínas de ligação, as sequências específicas do DNA, as enzimas de restrição muitas vezes atuam como dímeros, e a sequência de DNA que elas reconhecem e clivam normalmente são simétricas em torno do ponto central. Aqui, ambas as fitas da dupla hélice de DNA são cortadas em pontos específicos dentro da sequência alvo (cor laranja). Algumas enzimas, como HaeIII, cortam direto através da dupla hélice e deixam duas moléculas de DNA com extremidades cegas; com outras enzimas, como EcoRI e HindIII, os cortes em cada fita formam degraus. Esses cortes em degrau geram “extremidades coesivas” – sobreposição de fita simples curtas que ajudam as moléculas de DNA cortadas a se unirem novamente pelo pareamento de bases complementares. As nucleases de restrição normalmente são obtidas a partir de bactérias, e seus nomes refletem suas origens: por exemplo, a enzima EcoRI é proveniente de Escherichia coli. Atualmente, existem centenas de enzimas de restrição diferentes disponíveis; elas podem ser compradas de companhias que as produzem para fins comerciais 5.4 Análise de DNA por eletroforese em géis de agarose Eletroforese é um método simples e muito eficiente para separar, identificar e purificar fragmentos de moléculas. Consiste na separação de moléculas ionizadas (aminoácidos, peptídeos, proteínas, nucleotídeos, ácidos carboxílicos e outras substâncias de relevância biológica), de acordo com sua carga elétrica e seu peso molecular. Moléculas com carga negativa migram para o polo positivo (ânodo) e moléculas com carga positiva migram para o polo negativo (cátodo). Para que ocorra migração, é necessário estabelecer uma diferença de potencial entre dois eletrodos ligados aos terminais de uma fonte de corrente contínua e dispostos em dois compartimentos, catódico e anódico; ambos os compartimentos contêm, em geral, uma solução-tampão. O meio físico de separação (gel), também tamponado, comunica-se através de suas extremidades com as soluções-tampão dos eletrodos, fechando assim o circuito elétrico. Devido à presença do grupamento fosfato, os ácidos nucléicos possuem carga total negativa, migrando sempre em direção ao polo positivo (ânodo). 153 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Cuba de eletroforese Solução-tampão Frangmentos de DNA Eletrodo (cátodo) Os fragmentos de DNA menores deslocam-se mais rápido ao longo do gel do que os fragmentos maiores Eletrodo (cátodo) Eletrodo (ânodo) Eletrodo (ânodo) Gel de agarose Figura 88 – Separação de DNA por eletroforese em gel. A figura mostra um corte transversal lateral de um gel. A “canaleta” (poço no gel) em que a mistura de DNA é colocada está indicada à esquerda, na parte superior do gel. Essa também é a extremidade em que o cátodo do campo elétrico está localizado, com o ânodo localizado na base do gel. Como resultado, os fragmentos de DNA, que são carregados negativamente, deslocam-se pelo gel da esquerda para a direita (da parte superior para a base). A distância que cada DNA percorre é inversamente proporcional ao tamanho do fragmento de DNA Os métodos de eletroforese em gel são úteis na análise do tamanho e da pureza das moléculas de DNA e RNA, assim como na análise de proteínas. Fragmentos pequenos de DNA (menores do que 500 nucleotídeos de comprimento) podem ser separados em géis de poliacrilamida especialmente projetados para permitir a separação de moléculas que diferem em apenas um nucleotídeo no comprimento. Entretanto, moléculas de DNA maiores não podem ser separadas nesse tipo de gel, uma vez que os poros do gel são muito pequenos para permitir a sua passagem. Nesse caso, o mais indicado é a utilização de um gel muito mais poroso formado por uma solução diluída de agarose (polissacarídeo isolado de algas marinhas). A eletroforese em gel pode ser utilizada para separar por tamanho as moléculas de DNA ou de RNA de uma mistura bruta. Não é possível observar as bandas de DNA separadas pela eletroforese em gel de agarose se o DNA não for marcado ou corado de alguma forma. O corante brometo de etídeo, que emite fluorescência sob a luz ultravioleta, é amplamente utilizado para corar o DNA. Outro método de detecção ainda mais sensível é a incorporação de radioisótopos na molécula de DNA antes mesmo da eletroforese. Observação O brometo de etídeo é um potente agente mutagênico. Utilize luvas e máscara para preparar a solução de estoque e para manipular os géis; não olhe diretamente para a luz ultravioleta. 154 Unidade II Marcadoresde tamanho de DNA DNA de fita dupla Corte com EcoRI Aplicar DNA no gel e aplicar tensão Eletrodo negativo Direção da migração Pa re s d e nu cl eo tíd eo s ( x 1. 00 0) Acima 6.5 4.3 2.3 (A) (B)Gel de agarose 2 +Eletrodo positivo 9 23 - Abaixo Corte com Hindlll Figura 89 – Moléculas de DNA podem ser separadas por tamanho utilizando eletroforese em gel. Ilustração esquemática comparando os resultados do corte da mesma molécula (nesse caso, o genoma de um vírus que infecta vespas) com duas nucleases de restrição diferentes, EcoRI (esquerda) e HindIII (direita). Os fragmentos são, então, separados por eletroforese em gel usando uma matriz de gel de agarose. Como os fragmentos maiores migram mais lentamente do que os menores, as bandas na parte inferior do gel contêm os fragmentos de DNA menores. Os tamanhos dos fragmentos podem ser estimados comparando-os com um conjunto de fragmentos de DNA de tamanhos conhecidos – esquerda (A). Fotografia de um gel de agarose mostrando “bandas” de DNA que foram coradas com brometo de etídeo (B) 5.5 Hibridização O DNA, uma vez desnaturado, é capaz de restaurar os pares de bases entre as fitas, reanelando-se. Dessa forma, quando misturados com segmentos de DNA desnaturados, homólogos ou com origens diferentes e sob condições apropriadas de temperatura e força iônica, formam moléculas híbridas. Esse processo de pareamento entre polinucleotídeos complementares de fita simples é conhecido como hibridização. 155 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Aquecimento Resfriamento lento Desnaturação em fitas simples (quebra das ligações de hidrogênio entre os pares de nucleotídeos) Dupla hélice de DNA Renaturação restaura as duplas hélices do DNA (pares de nucleotídeos restaurados) Figura 90 – Uma molécula de DNA pode sofrer desnaturação ou renaturação (hibridização). Para que duas moléculas fita simples hibridizem, elas devem ter sequências nucleotídicas complementares que permitam o pareamento das bases. Nesse exemplo, as fitas em vermelho e laranja são complementares entre elas, e as fitas em azul e verde são complementares entre elas. Embora a desnaturação por calor seja mostrada, o DNA também pode ser renaturado após a desnaturação por tratamento alcalino A hibridização de DNA pode ser utilizada para identificação de moléculas de DNA específicas. Nesse caso, um fragmento purificado ou uma molécula de DNA sintetizada quimicamente com sequência definida, chamado de sonda, é utilizado para procurar moléculas que contenham uma sequência complementar a ela em misturas de ácidos nucléicos. Para facilitar sua localização, uma vez que ela tenha encontrado sua sequência alvo, a sonda de DNA deve ser marcada. Existem vários métodos para a marcação de DNA. Um método básico envolve a adição da marcação a uma das extremidades de uma molécula de DNA intacta. Por exemplo, a adição do γ-fosfato (radioativo) do ATP a um grupo 5’-OH do DNA enzima pela enzima polinucleotídeo quinase. Outra forma de adicionar marcação à sonda é utilizando o método por incorporação. Nesse caso, a síntese de um novo DNA ocorre na presença de um precursor marcado. Essa abordagem é frequentemente realizada pela utilização da PCR com um precursor marcado. Geralmente, os precursores marcados são nucleotídeos modificados com uma porção fluorescente ou com átomos radioativos. Em geral, a porção fluorescente necessita apenas ser ligada à base de um dos quatro nucleotídeos utilizados como precursores para a síntese de DNA. A detecção do DNA marcado com os precursores fluorescentes é realizada pela irradiação da amostra de DNA com luz UV de comprimento de onda apropriado e pelo monitoramento da luz emitida em resposta (com comprimento de onda mais longo). Quando os precursores são marcados radioativamente, geralmente possuem 32P ou 35S incorporados no α-fosfato de um dos quatro nucleotídeos. Esse fosfato é retido no produto de DNA, que pode ser detectado pela exposição da amostra de interesse a um filme de raios X ou por fotomultiplicadores, que emitem luz em resposta à excitação pelas partículas β emitidas a partir dos isótopos 32P ou 35S. 156 Unidade II A) Fragmento de restrição de DNA duplex Desnaturação e anelamento com mistura de hexanucleotídeos Adição de DNA-polimerase e nucleotídeos marcados com 12P A DNA-polimerase incorpora nucleotídeos com 12P, resultando em uma população de moléculas de DNA radiomarcadas que contém sequências de ambas as fitas 5’ 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’ 5’ B) O O O O P O O- O- O P O O- O P O OH H O- N N Espaçador H OH H O O Esta região permanece disponível para pareamento de base com A H OH OH O N N O Nucleosídeo trifosfato modificado Digoxigenina Figura 91 – Métodos para marcar moléculas de DNA in vitro. A enzima DNA polimerase purificada pode incorporar nucleotídeos radiomarcados conforme sintetiza novas moléculas de DNA. Assim, as versões radiomarcadas de qualquer sequência de DNA podem ser preparadas no laboratório (A). O método anterior também é utilizado para produzir moléculas de DNA não radioativas que carregam um marcador químico específico que pode ser detectado com um anticorpo apropriado. A base no nucleosídeo trifosfato mostrado é análoga à da timina, na qual o grupo metila no T foi substituído por uma sequência espaçadora ligada ao esteroide digoxigenina de plantas. Um anticorpo antidigoxigenina ligado a um marcador visível como um corante fluorescente é, então, usado para visualizar o DNA. Outros marcadores químicos, como a biotina, podem ser ligados a nucleotídeos e utilizados do mesmo modo. O único requisito é que os nucleotídeos modificados formem pares de base de forma apropriada e pareçam “normais” para a DNA-polimerase (B) 5.6 Southern blot, northern blotting e western blot Segmentos de DNA e RNA separados por eletroforese podem ser identificados por sondas de hibridização. A identificação da abundância ou do tamanho de uma molécula de DNA ou RNA específica dentro de muitas outras moléculas similares muitas vezes é desejável. Em situações em que se deseja comparar a expressão de mRNA em dois tipos celulares diferentes, por exemplo, métodos de marcação que localizam ácidos nucléicos específicos depois que eles tiverem sido separados por eletroforese podem ser extremamente úteis. Imaginando que o genoma de levedura foi clivado com a enzima de restrição EcoRI e que o tamanho do fragmento que contêm um determinado gene de interesse precisa ser conhecido, quando corados com brometo de etídeo, os milhares de fragmentos de DNA gerados pela clivagem do genoma de levedura são tão numerosos que não podem ser resolvidos em bandas visíveis e separadas, e formam um padrão que se assemelha a um arraste, centralizado em torno de 4 kb. A técnica de hibridização de southern blotting permite a identificação, dentro desse arraste, do tamanho do fragmento específico que contém o gene de interesse. 157 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Gel Membrana de transferência (blot) Figura 92 – Southern blot. Fragmentos de DNA gerados pela digestão de uma molécula de DNA por uma enzima de restrição são submetidos à corrida em um gel de agarose. Uma vez corados, observa-se um padrão de fragmentos. Quando transferidos para uma membrana e sondados com um fragmento de DNA homólogo a apenas uma sequência na molécula digerida, observa-se uma única banda, correspondente à posição do fragmento contendo a sequência no gel A técnica tem esse nome em homenagem ao seu inventor, Edward Southern. Inicialmente o DNA clivado é separado por eletroforese em gel e os fragmentos de DNA de dupla fita são desnaturados sob a ação de uma solução alcalina. É realizada a transferência dos fragmentos para uma membrana positivamente carregada. Os ácidos nucléicos aderem a essa membrana em posições equivalentes às que eles assumiram no gel após a eletroforese, criando uma impressão ou “carimbo”(blot) do gel. A membrana, então, é incubada com uma mistura de fragmentos de DNA não específicos para saturar todos os sítios de ligação remanescentes, diminuindo a probabilidade da sonda se ligar inespecificamente à membrana. Sob condições de concentração salina e temperatura próximas às condições de desnaturação e renaturação dos ácidos nucléicos, a membrana é incubado com a sonda de DNA contendo uma sequência complementar a uma sequência interna ao gene de interesse. Geralmente, a sonda de DNA está presente em excesso na solução, comparado ao alvo imobilizado na membrana, o que favorece a hibridização frente ao reanelamento do DNA desnaturado. Diferentes tipos de métodos, que sejam sensíveis à luz ou aos elétrons emitidos pelo DNA marcado podem ser utilizados no processo de revelação da membrana. Se uma sonda de DNA radiomarcada é usada, por exemplo, a membrana é exposta a um filme de raios X e é produzida uma autorradiografia, na qual o padrão de exposição do filme corresponde à posição dos híbridos na membrana. Para identificar um mRNA específico em uma população de RNAs, é possível fazer um procedimento semelhante ao Southern blot, denominado hibridização de northern blot. Moléculas de mRNA devem ser purificadas a partir de amostras de células ou tecidos. Nesse caso, não há a necessidade de digestão com enzimas uma vez que os mRNAs são relativamente curtos (geralmente menores que 5 kb). Após a extração devem ser fracionadas de acordo com seus tamanhos por eletroforese em gel. As moléculas de RNA presentes no gel de acrilamida são transferidas para uma membrana de nitrocelulose ou de náilon para eu sejam acessadas pelas sondas de DNA. A membrana então é incubada com a sonda marcada. Nesse caso, os híbridos são formados pelo pareamento de bases entre fitas complementares de RNA e DNA). 158 Unidade II A hibridização de northern blotting pode ser utilizada para determinar a quantidade de um mRNA em particular presente em uma amostra, refletindo o nível de expressão do gene que codifica o mRNA em questão. Dessa forma, essa metodologia pode ser utilizada, por exemplo, para investigar quanto de um determinado tipo específico de mRNA está presente em uma célula tratada com um indutor do gene em questão, comparada a uma célula não induzida. A hibridização de northern blotting também pode ser realizada com o objetivo de comparar os níveis relativos de um dado mRNA (e, consequentemente, os níveis de expressão do gene em questão) em diferentes tecidos de um organismo. Os princípios das hibridizações de southern blotting e northern blotting também são utilizados nas análises por microarranjos. Um microarranjo é construído pela ligação de várias centenas a milhares de sequências de DNA conhecidas a uma superfície sólida. Cada sequência é derivada de um gene diferente do organismo em estudo, essas sequências fixas conhecidas e não marcadas são chamadas de “sondas”. Por outro lado, as sequências alvo são compostas por cDNAs marcados amplificados, gerados a partir do RNA total de uma célula ou tecido. A intensidade do sinal de hibridização a cada espécie de DNA no arranjo é uma medida do nível de expressão do gene em questão. As proteínas são, obviamente, bastante diferentes do DNA e do RNA, dessa forma, para identificá-las quando separadas por eletroforese é necessário o uso de anticorpos. O procedimento pelo qual uma única proteína é visualizada entre milhares de outras proteínas, análogo em conceito às hibridizações de Southern blotting e Northern blot, é conhecido como Western blotting ou immunoblotting. As proteínas separadas por eletroforese são transferidas e ligadas a uma membrana. Os sítios de ligação não específicos remanescentes são bloqueados por incubação com uma solução de proteínas não relacionadas às que estão sendo estudadas (geralmente, usa-se albumina). A membrana é, então, incubada com uma solução que contém um anticorpo produzido contra uma determinada proteína de interesse. Por fim, uma enzima cromogênica artificialmente ligada ao anticorpo (ou a um anticorpo secundário que se liga ao primeiro anticorpo) é utilizada para visualizar o anticorpo ligado à membrana. Os experimentos de southern, northern e immunoblotting têm em comum a utilização de reagentes seletivos para a visualização de moléculas particulares em misturas complexas. Membrana de transferência Figura 93 – Immunoblotting. Após sua separação por eletroforese, as proteínas são transferidas para uma membrana (novamente pelo uso de campo elétrico) de maneira que mantêm a mesma posição relativa ocupada no gel. Após o bloqueio não específico de sítios de ligação para proteínas, é adicionado anticorpo que se liga à proteína de interesse. O local de ligação do anticorpo é detectado usando-se uma enzima ligada que é capaz de gerar luz quando age sobre seu substrato 159 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA 6 TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR APLICADAS À PESQUISA E AO DIAGNÓSTICO 6.1 Técnicas de biologia molecular aplicadas ao diagnóstico clínico‑laboratorial de doenças infecto‑parasitárias, malignas e genéticas As técnicas de biologia molecular concentram-se na obtenção, identificação e caracterização do material genético de um organismo. Esse organismo pode ser paciente ou de um agente infeccioso que esteja lhe causando uma infecção ou doença. Dessa forma, a biologia molecular contemporânea tem contribuído para identificação de agentes infecciosos, mutações específicas que levam a proteínas com funções prejudicadas ou predisposição a doenças oncológicas, estabelecer prognóstico de doenças ou elencar o melhor tratamento a ser seguido especificamente para um paciente. 6.1.1 Doenças infecto-parasitárias As técnicas de biologia molecular podem ser utilizadas para detectar patógenos invasores em estágios bastante iniciais da infecção. Mesmo com poucas cópias de uma bactéria invasora ou de um genoma viral presentes em uma amostra de um paciente, utilizando sequências curtas complementares a um segmento do genoma exógeno como iniciadores e a reação em cadeia da polimerase, é possível fazer a detecção do agente infeccioso. A detecção, a identificação e a determinação da suscetibilidade a medicamentos são primordiais nos laboratórios de microbiologia clínica. O tempo para identificação e a realização de testes de resistência/suscetibilidade a medicamentos dos patógenos, em especial bactérias, é de pelo menos 24h a 72h, porém, na maioria dos casos, é necessário iniciar a antibioticoterapia do paciente de forma empírica até a liberação do laudo laboratorial. As técnicas de biologia molecular são alternativas importantes aos métodos clássicos utilizados hoje, uma vez que essas técnicas são realizadas facilmente, têm baixo custo e proporcionam identificação do patógeno de maneira mais rápida. Além disso, têm importância fundamental para aqueles microrganismos de crescimento lento em cultura e não cultiváveis. Considerando as metodologias moleculares mais amplamente utilizadas nos laboratórios clínicos, destacam-se a PCR e a PCR em tempo real (qPCR). O quadro seguinte sumariza as aplicações clínicas da PCR e suas variações nas áreas de bacteriologia e virologia clínica e micologia médica das principais doenças infecciosas. 160 Unidade II Quadro 7 – Principais microrganismos identificados por métodos moleculares em uso no diagnóstico de doenças infecciosas Áreas Microrganismos Virologia Vírus da herpes simples, citomegalovírus (CMV), vírus Epstein-Barr (EBV), vírus da varicela-zóster, herpesvírus humano tipos 6, 7, 8 Vírus respiratórios (vírus influenza, vírus parainfluenza, adenovírus, rinovírus) SARS-CoV, vírus da influenza aviária Vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV), vírus do papiloma humano (HPV), rotavírus, norovírus, adenovírus entérico Bacteriologia C. trachomatis, N. gonorrhoeae, B. pertussis, M. tuberculosis, nontuberculous mycobacteria, T. whipplei, B. henselae, genitalmycoplasmata, C. burnettii, M. pneumoniae, C. pneumoniae, Legionella spp., N. meningitidis, S. pneumonia Micologia Pneumocystis jiroveci, Candida spp., Aspergillus spp. Fonte: Lipay (2015). As ferramentas de biologia molecular permitem rápido diagnóstico de infecções causadas por bactérias, evitando a espera de dias a semanas para o crescimento dos microrganismos em meios de cultura. No caso de dificuldade de crescimento do organismo e/ou da introdução de terapia antimicrobiana antes da coleta da amostra clínica essas metodologias também são de grande valia, uma vez que a cultura será negativa. A presença do DNA bacteriano na amostra do paciente, verificada após amplificação de sequências específicas da bactéria, é evidência de infecção. Sequências específicas de DNA codificando a região 16S de RNA ribossômico (rRNA) ou a região intergênica de 16S a 23S do rRNA, regiões que contêm informação para identificar gênero e espécie de bactérias, são utilizadas para a amplificação. Os genes que codificam o rRNA são altamente conservados e apresentam alto número de cópias dependendo do gênero, tornando-se ótimos alvos para a amplificação e identificação bacteriana. Em alguns gêneros, não é possível fazer a discriminação da espécie a partir do rRNA. Nesse caso, podem ser utilizados outros genes como por exemplo o gene que codifica as proteínas de choque térmico (heat shock proteins). Um exemplo de aplicação das técnicas moleculares na bacteriologia é a identificação de bactérias responsáveis por pneumonias e infecções pulmonares intersticiais. É de fundamental importância a detecção do agente etiológico bacteriano responsável pelo quadro clínico para a adequada antibioticoterapia no tratamento da pneumonia, uma vez que essa enfermidade pode ser fatal. Existe uma grande diversidade de agentes etiológicos causadores da doença, por isso, o diagnóstico precoce e a identificação correta são fundamentais para o rápido e adequado estabelecimento da conduta clínica. O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é responsável por 30 a 70% dos casos, porém esse microrganismo faz naturalmente parte da microbiota do trato respiratório humano. Por sua vez, bactérias como Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e Legionella estão relacionadas com aproximadamente 48% dos casos de pneumonia. É praticamente impossível a identificação do agente etiológico com base apenas nos sintomas clínicos, o diagnóstico laboratorial rápido e específico é muito útil para o rápido diagnóstico, permitindo a introdução de adequada antibioticoterapia logo no 161 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA início da infecção. Testes comerciais já bem padronizados quanto a sensibilidade e especificidade foram desenvolvidos. Entre os testes comercialmente disponíveis, os mais comuns utilizam a estratégia de PCR em tempo real. O diagnóstico de infecções virais, até o fim da década de 1980, consistia no isolamento do vírus em cultura de células e sorologia. A biologia molecular melhorou imensamente o diagnóstico no campo da virologia médica. A carga viral pode ser acompanhada no controle de pacientes cronicamente infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), da hepatite B (HBV), da hepatite C (HCV) e citomegalovírus (CMV) além da possibilidade de realização de ensaios de detecção de resistência a antivirais ou subtipagem. Partícula de HIV rara no plasma da pessoa infectada Extração de RNA Plasma RNA Remoção das células por centrifugação Eletroforese em gel Amostra de sangue da pessoa infectada Transcrição reversa e amplificação por PCR do cDNA de HIV Controle, utilizando sangue de uma pessoa não infectada Figura 94 – Detecção do genoma viral utilizando a técnica de PCR – a PCR é um método extraordinariamente sensível para detectar quantidades-traço de vírus em uma amostra de sangue ou tecido, sem a necessidade de purificar o vírus. Para o HIV, o vírus que causa Aids, o genoma é uma molécula de RNA de fita simples, como ilustrado aqui. Além do HIV, muitos outros vírus que infectam os humanos atualmente são detectados dessa forma A síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids do inglês: acquired imune deficiency syndrome) foi descrita pela primeira vez em 1981. Desde então, a Aids se tornou uma epidemia ao redor do mundo promovendo milhões de mortes. As manifestações clínicas da doença resultam principalmente da falência do sistema imunológico, tornando o indivíduo mais suscetível a infecções oportunistas por agentes como vírus, bactérias, fungos e protozoários e ao câncer. A Aids é causada pelo vírus HIV, que pertence à família Retroviridae, gênero dos Lentivirus. O linfócito TCD4+ é a principal célula alvo do HIV. A quantificação do RNA do vírus HIV-1 é o marcador laboratorial mais adequado para avaliar a progressão da doença, indicar o início da terapia e determinar a eficácia dos antirretrovirais. O número de partículas virais presente em uma determinada amostra de um indivíduo infectado é conhecido como carga viral, ela reflete a quantidade de partículas que estão sendo produzidas e lançadas na circulação sanguínea. A carga viral é mais elevada durante a infecção primária e mais baixa na fase assintomática. Existe uma relação direta entre a quantidade de HIV detectada e a rapidez com que a infecção progride. Com base nessas quantificações, sabe-se que níveis altos de RNA plasmáticos estão associados à queda rápida na população de linfócitos TCD4+ e à progressão mais rápida para Aids. Em humanos, isolados virais são agrupados em um dos dois tipos: HIV-1 e HIV-2, além disso, o HIV-1 pode, ainda, ser dividido em subtipos. A extensa variabilidade genética do HIV-1 é decorrente da grande incidência de erros atribuídos à função da enzima viral transcriptase reversa, que resulta em mutações. As regiões mais conservadas do HIV-1 são utilizadas para desenvolver ensaios para a determinação 162 Unidade II qualitativa da carga de HIV, e mutações são usadas como alvos de ensaio para o monitoramento de pacientes resistentes a medicamentos. Apesar de ser capaz de monitorar a infecção pelo HIV em uma fase muito precoce, o que ajuda a diminuir substancialmente o período de janela de 2 a 6 meses para 2 a 7 dias, o diagnóstico molecular não é recomendado oficialmente como padrão-ouro no diagnóstico clínico da infecção pelo HIV. Tal fato ocorre em virtude de possíveis falsos-positivos em ensaios de PCR. Existe uma grande variabilidade de ensaios para detectar e quantificar o RNA do HIV-1. As regiões relativamente conservadas dos genes gag de codificação do genoma do HIV e pol são escolhidas como os alvos em uma variedade de métodos e kits comerciais. Os testes incluem PCR/RT-PCR, bDNA e Nasba (nucleic acid sequence-based amplification). A principal diferença entre eles é a exigência de equipamentos específicos de análise em vez de sua sensibilidade ou especificidade. Portanto, os recursos das várias configurações permanecem como fator determinante para a escolha do método molecular para a detecção do HIV. Os vírus causadores das hepatites determinam um amplo espectro de apresentações clínicas, de portador assintomático ou hepatite aguda ou crônica, até cirrose e carcinoma hepatocelular. O esclarecimento do agente etiológico específico é fundamental no diagnóstico da hepatite, uma vez que as consequências dessas infecções são diversas, dependendo do tipo de vírus. As melhorias nas técnicas baseadas em biologia molecular produziram ferramentas muito valiosas para a confirmação diagnóstica da infecção viral e no seguimento dos pacientes com formas crônicas, assim como na avaliação terapêutica daqueles pacientes submetidos a tratamento. Os testes moleculares utilizados no diagnóstico das hepatites virais podem ser qualitativos – reação em cadeia da polimerase (PCR), transcrição mediada por amplificação (TMA) – ou quantitativos – DNA de cadeia ramificada (bDNA), PCR quantitativo e em tempo real. De acordo com a informação clínicaque se quer obter, a técnica a ser utilizada será escolhida – presença ou ausência do vírus, replicação viral, genótipo do vírus, pesquisa de mutações no genoma viral. A técnica de PCR também tem sido utilizada para o diagnóstico da infecção pelo citomegalovírus (CMV). O CMV é constituído de DNA (240 kb) e pertence à família Herpesviridae. Atualmente, é a causa mais comum de doença e morte em pacientes imunossuprimidos, incluindo os receptores de transplantes de órgãos e de medula óssea, os pacientes com câncer, os portadores da Aids, os submetidos à quimioterapia e os que fazem uso de medicamentos imunossupressores. Os testes mais frequentemente utilizados para diagnosticar infecção por CMV são a detecção do antígeno (pp65), DNA ou mRNA. A presença do CMV no sangue, por qualquer método, não confirma a doença clínica. Desse modo, o desafio no diagnóstico do CMV está em distinguir os pacientes imunocomprometidos que desenvolveram a infecção pelo CMV daqueles nos quais a infecção não é clinicamente significativa. Atualmente tem se detectado o RNA mensageiro do CMV, que representa evidência de transcrição ativa do genoma viral. Portanto, os testes de carga viral por PCR quantitativo são aceitos como o padrão para monitorar o surgimento de infecção por CMV durante a imunossupressão e permitem terapia preventiva ao aparecimento da doença clínica, com alta sensibilidade quando comparado à cultura. As infecções agudas do trato respiratório são, em sua maioria, de origem viral. Esses vírus ocorrem predominantemente no inverno e na primavera e são importantes causas de morbidade e mortalidade em parcelas específicas da população como idosos e imunocomprometidos. Os vírus respiratórios têm 163 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA um período de incubação relativamente curto (1 a 14 dias), e a transmissão pode ser por contato direto com secreções contaminadas, inoculação do epitélio nasal e conjuntival ou por gotículas de aerossol. O vírus específico muitas vezes não é identificado na prática clínica devido à falta de testes sensíveis e/ou da presença de agentes patogênicos ainda desconhecidos. O vírus influenza A e B, vírus parainfluenza tipos 1 (PIV1), PIV2 e PIV3, vírus sincicial respiratório (VSR), adenovírus e rinovírus são as principais causas de infecções agudas do trato respiratório em crianças e adultos. Além disso, devido a sobreposição das manifestações clínicas, é difícil distinguir o agente causador sem um diagnóstico laboratorial. O diagnóstico laboratorial das viroses respiratórias consiste basicamente no isolamento do vírus e em técnicas sorológicas (principalmente imunofluorescência direta – IFD) e de biologia molecular. São necessários cerca de 2 a 3 dias para detectar infecções virais respiratórias utilizando cultura de células. Dessa maneira, a utilização das técnicas moleculares em relação à tecnologia de cultura de vírus tem se mostrado mais vantajosa. Testes moleculares já foram desenvolvidos para todos os vírus respiratórios, incluindo os vírus tradicionais e emergentes. Entre os métodos moleculares utilizados na rotina de laboratórios clínicos para detecção de vírus respiratórios, destacam-se: PCR/RT-PCR, NASBA e loop-mediated isothermal amplification (LAMP). Além disso, a PCR multiplex representa abordagem diagnóstica mais recente para o laboratório clínico. Quadro 8 – Características dos principais vírus causadores de infecção respiratória aguda Vírus Família Material genético Tempo de incubação Período de infecção Principais genes-alvo Influenza Orthomyxoviridae RNA simples fita 1 a 4 dias 7 dias M, HA e NS-1 Parainfluenza (PIV) Paramyxoviridae RNA simples fita 1 a 7 dias 1 a 3 semanas HA-NA, P, L, pol e M RSV3 Paramyxoviridae RNA simples fita 2 a 8 dias 3 a 8 dias até 3 a 4 semanas (em crianças) N, F, L e pol1b Adenovírus Adenoviridae DNA dupla fita 2 a 14 dias Dias-meses H e VA Rinovírus Picornaviridae RNA simples fita 2 a 3 dias 7 a 10 dias 5’-NCR e VP hMPV Paramyxoviridae RNA 2 a 3 dias Em média, 5 dias F, L, N, M e P SARS-CoV Coronaviridae RNA simples fita 2 a 10 dias – pol1b, pol1a, pol, S e N Bocavírus Parvoviridae DNA simples fita – – NP1, NS-1, VP-1 e VP-2 M: proteína de matriz. HA: hemaglutinina. NS-1: proteína não estrutural. HA-NA: gene da hemaglutinina-neuraminidase. P: gene da fosfoproteína. L: subunidade maior da polimerase. pol: gene da polimerase. N: proteína do nucleocapsídio. F: proteína de fusão. H: proteína hexon. VA: gene VA RNA. VP: proteína do capsídio viral. S: proteína Spike. NP-1: nucleoproteína. Fonte: Lipay (2015). Os métodos moleculares não são frequentemente utilizados para diagnóstico de infecções causadas por eucariotos, entretanto, em algumas circunstâncias clínicas, eles podem ser uma ferramenta muito útil. O diagnóstico molecular pode beneficiar pacientes imunocomprometidos, que apresentam baixa produção de anticorpos. Além disso, o uso de métodos moleculares na identificação do patógeno torna 164 Unidade II desnecessária a coleta de amostras por procedimentos invasivos. As pneumonias e as meningites fúngicas são exemplos de doenças que podem ser diagnosticadas por tais métodos. O uso de técnicas moleculares também permite realizar a discriminação de espécies sem a necessidade de crescimento do isolado clínico no laboratório e da avaliação morfológica detalhada, a qual requer examinador experiente para a identificação. Apesar das vantagens, a aplicação de testes de diagnóstico molecular na micologia médica ainda é rara e poucos sistemas comerciais encontram-se disponíveis. Ainda, a grande maioria dos estudos tem focado principalmente nas micoses sistêmicas. O quadro a seguir apresenta um resumo dos principais fungos e das técnicas moleculares que foram testadas para o diagnóstico molecular dessas micoses. Quadro 9 – Técnicas moleculares que foram testadas para o diagnóstico molecular das micoses Gênero Amostra clínica Alvo Aspergillus BAL 18S rRNA, ITS, tRNA mitocondrial, citocromo b Sangue 18S rRNA, 5.8 rRNA, 28S rRNA, fks, citocromo b Tecido ITS, tRNA mitocondrial, 18S rRNA Soro 5.8 rRNA, 28S rRNA, fks, rRNA mitocondrial Plasma 18S rRNA, fks Cultura atr, mdr Candida Tecido 18S rRNA Sangue ITS2, 18S rRNA, ITS Cultura ITS2, erg11, cdr, mdr, act, 5.8S rRNA Lavado da cavidade oral 18S rRNA Coccidioides Cultura Ag1/PRA Histoplasma Cultura, BAL, medula óssea ITS Paracoccidioides Tecido ITS, 18S rRNA Cultura 20 genes Pneumocystis Lavado broncoalveolar, aspirado nasofaríngeo SSU mitocondrial e LSU mitocondrial Plasmídio Dhps Lavado da cavidade oral, lavado bronqueoalveolar, escarro msg, 5S rRNA BAL: lavado broncoalveolar. LSU: large subunit. SSU: small subunit. Fonte: Lipay (2015). 6.1.2 Doenças malignas Testes moleculares também podem ajudar a entender a agressividade de um tumor específico e escolher de forma mais efetiva tratamentos como hormonioterapia ou quimioterapia para um determinado paciente. Além disso, a identificação do perfil genético do câncer pode ainda nos permitir detectar mutações que através de tratamentos específicos podem ser inativadas e produzir, assim, respostas tumorais. O fenótipo neoplásico é definido pelo acúmulo de mutações e alterações epigenéticas que podem afetar modelos transcricionais e funções proteicas. Esses efeitos conferem 165 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA vantagens competitivas para a célula, levando ao fenótipo maligno. Dessa forma, a análise global transcricional é uma importante ferramenta para revelar alguns desses mecanismos moleculares que levam à malignidade. Duas tecnologias têm sido bastante utilizadas atualmente para estudar o transcriptoma neoplásico: a análise seriada da expressão gênica (SAGE) e o microarray. A proposta de usar microarray para o diagnóstico de neoplasias foi inicialmente sugerida por Khan et al. (1998), estudando uma amostra de rabdomiosarcoma alveolar, reforçada pelo estudo de Golub et al. (1999), que distinguiram a leucemia mieloide agudada leucemia linfocítica aguda pelo perfil de expressão gênica. Atualmente, abordagens baseadas em microarray têm sido imensamente usadas para diversas propostas na pesquisa oncológica. Uma de suas principais aplicações é a identificação de clusters de genes associados com o desenvolvimento de um tipo de câncer em particular. Diferentes estudos baseados no perfil de expressão de genes em amostras tumorais têm revelado a grande heterogeneidade transcricional do câncer e têm permitido a classificação de novas subclasses clínicas e biológicas importantes da doença (PEREZ-DIEZ; MORGUN; SHULZHENKO, 2007). Dessa forma, as vantagens dessa técnica têm sido demonstradas em estudos realizados em uma extensa variedade de neoplasias, incluindo câncer de pulmão, estômago, próstata, mama, ovário, fígado, pâncreas e câncer de cabeça e pescoço. Observação Apesar de a tecnologia de microarray representar uma ótima oportunidade para a pesquisa clínica, algumas questões significativas precisam ser consideradas. Além do limite de acesso e custo, há também a falta de padrões rigorosos para coleta dos dados, análise e validação. O rápido processamento para manter a integridade do RNA é crucial, pois dados falsos podem ser gerados a partir de RNA degradado. Dessa forma, após a retirada cirúrgica, as amostras devem ser imediatamente mantidas em temperatura extremamente baixa (-80 ºC), para evitar a degradação do RNA. Outra técnica de biologia molecular que pode ser aplicada para estudo de neoplasias é a imuno-histoquímica. Essa técnica permite a localização de proteínas específicas no tecido sob investigação, por explorar o princípio de ligação antígeno-anticorpo. Embora seja atualmente uma técnica amplamente usada para o diagnóstico diferencial de neoplasias, ainda há necessidade de maior padronização nos procedimentos, para que os resultados sejam mais reprodutíveis em diferentes laboratórios. A técnica de tissue array tem um enorme potencial para facilitar a transferência dos achados da pesquisa básica para a prática clínica (HEWITT, 2009). Essa técnica permite a análise do perfil de expressão de proteínas em espécimes determinando seu potencial clínico. A técnica de PCR em tempo real tem recentemente alcançado um nível de sensibilidade, confiabilidade e praticidade que suporta seu uso como um bioinstrumento de rotina para quantificação de expressão gênica, sendo atualmente considerado o método mais apropriado para confirmar os dados gerados por microarray (PROVENZANO; MOCELLLIN, 2007). 166 Unidade II 6.1.3 Doenças genéticas Os avanços na biologia molecular também permitiram o emprego de métodos mais sensíveis e rápidos na identificação de doenças genéticas. A análise molecular dessas doenças vem sendo cada vez mais necessária para a completa caracterização das alterações apresentadas por um indivíduo ou até mesmo essencial para um diagnóstico diferencial em muitos casos. A utilização dessas ferramentas possibilita o diagnóstico precoce preciso de pacientes afetados, a detecção de portadores, a continuidade do tratamento e o planejamento terapêutico. Além disso, a correlação genótipo-fenótipo (correlação das alterações moleculares encontradas com os aspectos clínicos) pode contribuir para um melhor prognóstico e definição da estratégia do tratamento mais acertada em cada caso. 6.2 Detecção de agentes patogênicos no ambiente e em alimentos 6.2.1 Conceitos gerais Um agente patogênico, também conhecido como agente etiológico, é um organismo capaz de causar doenças em outros organismos. Muitos agentes patogênicos presentes no ambiente e nos alimentos são capazes de causar doenças nos seres humanos. Alguns exemplos são: bactérias, protozoários, fungos, helmintos e alguns artrópodes. Esses organismos são caracterizados de acordo com algumas características como (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2010): • Infectividade: capacidade do agente patogênico de penetrar e multiplicar-se dentro de um hospedeiro, se ocasionar infecção o agente é denominado agente infeccioso – exemplo: vírus da gripe (alta) x fungos (baixa). • Patogenicidade: capacidade de um agente infeccioso de produzir sintomas de maior ou menor proporção em pessoas infectadas – exemplo: vírus do sarampo (alta) x vírus da poliomielite (baixa). • Virulência: capacidade de um agente infeccioso produzir casos graves e fatais – exemplo: vírus do ebola (alta) x vírus do resfriado comum (baixa). É difícil estimar a incidência das doenças de origem alimentar. O centro americano de controle e prevenção de doenças (CDC, do inglês Centre for Disease Prevention and Control) estimou 128 mil hospitalizações e 3 mil mortes devido a contaminação de água e alimentos no ano de 2011 (VIDIC et al., 2019). A detecção dos agentes patogênicos é de extrema importância na área da saúde. No caso dos alimentos, a detecção desses agentes antes do consumo previne as doenças de origem alimentar. No caso do ambiente, é possível realizar a descontaminação ou prevenir a circulação de pessoas até que o ambiente esteja seguro. Diversas técnicas de biologia molecular são utilizadas para detectar a presença de agentes patogênicos e elas serão abordadas em seguida. 167 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA 6.2.2 Os agentes patogênicos nos alimentos e no ambiente As doenças de origem alimentar são causadas por alimentos que parecem normais, muitas vezes têm odor e sabor normal de forma que o consumidor está inconsciente acerca dos potenciais problemas com os alimentos. Dessa forma, é difícil muitas vezes identificar o alimento responsável pelas toxinfecções ocorridas e dificilmente o consumidor se lembra de quais alimentos poderiam estar inadequados em suas últimas refeições. As doenças de origem alimentar são causadas por diversos microrganismos, e o período de incubação e de duração da doença varia de acordo como tipo de microrganismo e a quantidade ingerida. Quadro 10 – Origem e incidência de patógenos alimentares Alimento/incidência (%) Patógeno Frango cru e peru crus (45-64) C. jejuni Frango (40-100), carne suína (3-20), ovos (0,1) e moluscos (16) crus Salmonella spp. Frango (73), carne suína (13-33) e carnes (16) cruas S. aureus Carne suína e frangos crus (39-45) C. perfringens Carne moída crua (43-63), carne cozida (22) B. cereus Carne vermelha (75), carne moída (95) L. monocytogenes Carne suína crua (48-49) Y. enterocolitica, vírus da hepatite A, tênia Leite (48-49) Y. enterocolitica Leite pasteurizado (2-35), leite em pó (15-75), creme (5-11), sorvete (20-35) B. cereus Frutos do mar (33-46) Vibrio spp. Adaptado de: Forsythe (2013). Existem dois grupos causadores das doenças transmitidas por alimentos: 1) grupo dos organismos infecciosos: Salmonella, Campylobacter e E. coli patogênicos; e 2) grupo dos intoxicantes: Bacillus cereus, Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum. O grupo dos infecciosos compreende os microrganismos que são capazes de se multiplicarem no trato intestinal humano, enquanto o dos intoxicantes é formado por aqueles que produzem toxinas, tanto nos alimentos quanto durante sua passagem pelo trato intestinal. Essa divisão em grupos é muito útil, pois torna possível o reconhecimento das rotas das doenças alimentares. Um indicador relativo da infectividade de um patógeno de origem alimentar é a dose infecciosa, alguns patógenos entéricos como salmonela spp. e B. cereus têm dose infecciosa acima de 104 organismos, já em outros como, Sh. dysenteriae, a dose infecciosa é acima de 10. Os métodos de detecção são muito importantes, pois eles indicam não só a presença ou ausência dos patógenos nos alimentos, mas também são capazes de identificar a quantidade de organismos presentes. Um dos primeiros métodos utilizados era a análise microbiológica, que normalmente era empregada na avaliação do produto final que poderia ou não ser liberado. Os lotes que apresentavam resultados 168 Unidade II negativos eram liberados para distribuição, já os que tinham resultadospositivos eram reprocessados ou descartados. Essa abordagem foi capaz de reduzir a quantidade de produtos contaminados no mercado, porém não preveniu o uso de produtos contaminados na produção e não a tornou mais eficiente. Atualmente, o objetivo não é somente a segurança do produto final mas sim eliminar os patógenos alimentares desde os ingredientes, utilizando um sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC). Preparo das amostras Contagem microbiológica Homogeneização Diluição seriada Contagem de colônias 16h - 24h Detecção de patógenos Meio de enriquecimento Meio seletivo 16h - 24h 16h - 48h 3h - 6h 3h - 6h Meio de isolamento Confirmação por teste biológicos Figura 95 – Exemplo de uso de técnicas microbiológicas para detecção dos patógenos Saiba mais A Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), do inglês hazard analysis and critical points (HACCP), consiste na identificação de perigos e da probabilidade da sua ocorrência em todas as etapas da produção, por meio da definição de medidas de controle. Esse sistema teve origem devido à necessidade de fornecimento de alimentos seguros aos astronautas da NASA. O sistema foi desenvolvido em 1960 pela empresa norte americana Pillsbury e, a partir de 1971, passou a ser utilizado pela indústria alimentícia. Para saber mais sobre esse sistema, leia: PGP CONSULTORIA E ASSESSORIA. Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC. [s.d.]. Disponível em: http://plataforma.redesan.ufrgs. br/biblioteca/pdf_bib.php?COD_ARQUIVO=2491. Acesso em: 7 maio 2020. 169 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA A análise microbiológica consiste na homogeneização da amostra e cultivo do microrganismo em placas de ágar seguido por identificação bioquímica. Esse método é baseado no crescimento do microrganismo em meio de enriquecimento, seguido de isolamento e identificação. Embora a análise microbiológica seja ainda utilizada em diversos protocolos oficiais de microbiologia, essa técnica possui muitos entraves como a demora para obtenção dos resultados, o uso de grande quantidade de materiais e meio de cultura, além da necessidade de pessoas treinadas. A escolha do teste depende do tipo de organismo. Por exemplo, para detecção de Campylobacter spp. são utilizados métodos microbiológicos, no entanto esse método não é capaz de detectar E. coli O157. Cerca de 68,5 milhões de testes para detecção de Salmonella são realizados todo ano, ainda que o prazo para liberação dos resultados demore vários dias. Dessa forma, existe a necessidade do desenvolvimento de testes mais rápidos. Novos métodos de detecção são frequentemente anunciados, mas para que eles sejam aceitos pela indústria, devem ser velozes, exatos e serem fáceis de usar. Em geral, os métodos para detecção de microrganismos são divididos em cultivo convencional de células e processos mais rápidos, baseados em métodos imunológicos e moleculares. Lembrete Sensibilidade: é a capacidade do método em detectar o maior número de resultados positivos, se a amostra estiver contaminada. Especificidade: é a capacidade do método de não detectar o organismo-alvo na amostra negativa analisada, se o organismo realmente estiver ausente. Exatidão: indica a proximidade do valor real (do valor, em geral, aceito como referência), está o valor medido. Precisão: indica o quão próximas as medidas repetidas estão umas das outras. Uma das principais preocupações atuais é a contaminação da água. Diversos testes foram desenvolvidos para verificar a segurança das águas, muitos deles também são usados em alimentos. Os testes visam à detecção dos chamados organismos indicadores específicos que são classificados como organismos presentes em fezes humanas em quantidade substancial, de maneira que sua detecção seja indicativa de que resíduos humanos estão sendo introduzidos na água. Os organismos indicadores também devem ser capazes de sobreviver na água tão bem quanto os organismos patogênicos. Os testes de detecção desses organismos devem ser simples e de fácil reprodutibilidade. Um indicador comum bastante utilizado são as bactérias coliformes. Os coliformes são bactérias aeróbias ou anaeróbias facultativas, gram-negativas, morfologia de bastonetes, que não formam endósporos, fermentadoras de lactose. A bactéria coliforme predominante é a E. coli, que habita o intestino humano. 170 Unidade II Os métodos mais comuns utilizados ainda são os testes de cultura microbiológica em meio contendo lactose e testes enzimáticos para detecção de beta-galactosidase. No entanto esses testes levam tempo e são menos específicos. Estudos recentes mostram que a PCR é um método sensível para a detecção dos coliformes. Na reação são utilizados primers específicos para o gene LacZ que codifica a enzima β-D-galactosidase e LamB, que codifica a proteína transportadora de maltose (ISFAHANI, 2017). Saiba mais Um elegante estudo sobre a PCR dos genes LacZ e LamB para identificação de cloriformes pode ser encontrado em: ISFAHANI, B. N. et al. Evaluation of Polymerase Chain Reaction for Detecting Coliform Bacteria in Drinking Water Sources. Advanced Biomedical Research, v. 6, p. 130, 2017. 6.2.3 Molecular A reação em cadeia da polimerase (PCR) é o método de biologia molecular mais utilizado na análise de alimentos. A PCR baseia-se na análise do DNA, tem alta precisão e não sofre interferência das variações de proteínas, fato que ocorre com os métodos imunológicos que analisam proteínas de superfície celular. Alguns microrganismos como a Salmonella e Campylobacter não são cultiváveis; os métodos de cultivo em meios de cultura podem levar a resultados negativos falsos e muitas vezes falham em detectar o patógeno. Já os métodos moleculares baseados na PCR contornam esses entraves. A PCR clássica fornece um resultado qualitativo, enquanto a PCR em tempo real ou PCR quantitativa (qPCR, do inglês quantitative PCR) é capaz de quantificar o número de células de microrganismos em uma dada amostra. Contudo, a detecção em geral ocorre após a demorada etapa de enriquecimento para aumentar as células a cerca de 104 e para eliminar os riscos de detectar o DNA de bactérias mortas. Alguns protocolos contornam esse entrave adicionando um corante que é impermeável para a membrana celular, dessa forma o corante só se ligará ao DNA extracelular, prevenindo então, a amplificação do material genético proveniente de microrganismos mortos na reação de PCR. Lembrete A utilização da PCR permite que uma determinada região do genoma de qualquer organismo possa ser amplificada e multiplicada em milhões de cópias. 171 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Amplificação/corrida em gel de agarose Extração de DNAMeio de enriquecimento Alimentos Figura 96 – Exemplo de fluxograma para a análise de microrganismos por PCR Algumas reações de PCR multiplex foram desenvolvidas para analisar simultaneamente Salmonella spp., Listeria monocytogenes, e Escherichia coli O157:H7 em amostras de carne. Esse método permitiu a detecção de 103 UFC (Unidades formadoras de colônias)/mL para cada patógeno em menos de 30h (KAWASAKI et al., 2005). Uma técnica bastante realizada é a PCR do RNA ribossomal (RNAr) bacteriano 16S seguido de sequenciamento. O RNAr16S é altamente específico de cada tipo de bactéria e por isso a amplificação do gene RNAr 16S é uma importante ferramenta para a identificação de patógenos. O método envolve a amplificação do gene RNAr 16S e posterior sequenciamento, após a obtenção dos resultados, eles são comparados a sequências presentes na base de dados, sendo assim possível identificar o patógeno. Esse é um método rápido e importante na identificação de bactérias que são de difícil crescimento no laboratório. A técnica de PCR também é utilizada na detecção de fungos, um painel de PCR multiplex foi desenhado para identificação de 21 espécies de fungos do tipo Candida spp., Trichosporon spp., Rhodotorula spp., Cryptococcusspp., e Geotrichum spp. Também existem alguns kits de qPCR multiplex que permitem a análise de diversos patógenos em uma mesma reação. Por exemplo, a pesquisa das bactérias Salmonella, Shigella e L. monocytogenes em amostras de frutos do mar, carne e produtos pronto para comer. O limite de detecção do kit é de 3-22 unidades formadoras de colônias/25 g de amostra. A PCR também tem sido utilizada na detecção de genes que codificam toxinas, por exemplo, no caso da gastroenterite causada por Clostridium perfringens. A enterotoxina é codificada pelo gene cpe e dessa forma a detecção dessa toxina é realizada através da PCR para o gene cpe. Um passo limitante das técnicas de PCR é a extração do material genético dos patógenos presentes no alimento. Normalmente são utilizadas soluções de lise contendo KOH, Na2EDTA e Triton que permitem uma rápida e eficiente extração do DNA. Existem outros métodos baseados na ureia/dodecil sulfato de sódio (SDS, do inglês sodium dodecyl sulfate)/proteinase K, fenol/clorofórmio e sal que mostraram-se igualmente eficientes na extração de DNA de alimentos. 172 Unidade II Um grande entrave é a obtenção do DNA em quantidade e qualidade aceitáveis para a PCR. Normalmente a quantidade e qualidade do DNA extraído é baixa. Muitas vezes o tratamento químico e térmico do alimento resulta em fragmentação e quebra do material genético. Com a finalidade de melhorar a qualidade do DNA dos alimentos processados, utiliza-se o método CTAB (cetyltrimethylamonium bromide) modificado com a adição de vários sais, SDS, proteinase K ou mercaptoetanol para obter um DNA livre de reagentes que podem inibir a reação de PCR. Os procedimentos de extração têm um forte impacto no limite de detecção do qPCR. Muitas vezes é necessária a pré-concentração da amostra antes da realização da PCR, essa etapa pode ser realizada com anticorpos, aptameros ou proteínas derivadas de bacteriófago. A pré-concentração permite o enriquecimento e isolamento do patógeno antes da análise por PCR. Observação Aptameros são moléculas compostas por DNA ou RNA fita simples, apresentam conformação tridimencional específica e possuem uma grande força e especificidade de ligação ao seu alvo. O método de qPCR também utiliza primers universais para a região do gene RNAr 16S, esse ensaio é muito utilizado na detecção de Acinetobacter baumannii, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. Os primers foram desenhados de acordo com o alinhamento da sequência do gene RNAr 16S, que mostrou duas regiões altamente conservadas em mais de 90% da sequência do RNAr. Os primers desenhados foram capazes de detectar menos de 100 copias de DNA genômico presentes nas amostras. O qPCR também é uma importante ferramenta na identificação de fungos como Candida spp. e Cryptococcus spp. Recentemente foram desenvolvidos métodos portáteis de extração e dosagem de DNA de patógenos. Os sistemas de microfluídica com micro e nano partículas permitem a extração e detecção das amostras por qPCR no mesmo dispositivo. A figura seguinte mostra um exemplo de dispositivo que permite a avaliação de patógenos usando apenas pequena quantidade de amostra. O dispositivo permite a extração, quantificação e identificação do DNA do patógeno usando a amostra bruta. Figura 97 – Exemplo de dispositivo que permite a avaliação de patógenos utilizando pequena quantidade de amostra 173 BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À BIOMEDICINA Saiba mais Para saber mais sobre os sistemas de microfluídica e uso da PCR em tempo real para a análise de patógenos, acesse: www.magnomics.pt Diversos métodos de detecção são utilizados: colorimétrico, fluorescência e luminescência. O colorimétrico é o mais utilizado devido ao baixo custo, à facilidade de integração com sistemas de microfluídica de papel e à possibilidade de detecção de diversas reações ao mesmo tempo. Após a adição da amostra, é possível verificar a reação através das alterações de cor, intensidade de brilho, reflexão da luz, essas alterações são captadas e quantificadas por detectores. O método de fluorescência também é muito utilizado devido à facilidade de se encontrar diversos tipos de fluoróforos e o dispositivo deve ser composto por um sistema que fará a excitação e outro que realizará a leitura da luz emitida. O método de quimioluminescência é baseado na quantificação da luz emitida a partir de uma reação química. A quimioluminescência é utilizada na detecção da enterotoxina B100 proveniente de Staphylococcus. Um outro método variante da PCR é RAPD-PCR (do inglês random amplification of polymorphic DNA PCR). Essa técnica baseia-se na amplificação randômica de um DNA polimórfico utilizando primers pequenos (8-12 nucleotídeos) com sequências arbitrárias que se ligam não especificamente ao DNA bacteriano. Cada tipo de bactéria terá um padrão de amplificação, dessa forma é possível identificar de acordo com o padrão após a eletroforese. Para a reação de RAPD-PCR, o DNA deve ser extraído da bactéria e posteriormente deve ser realizada a amplificação com os primers RAPD. Os produtos da PCR são submetidos à eletroforese em gel de agarose e isso gera um padrão de corrida específico. Esse método é uma alternativa viável para identificação molecular, especialmente quando envolve a análise de um grande número de amostras. Outra metodologia também empregada nesses casos é RFLP (restriction fragment length polymorphism), esse método será descrito com detalhes mais adiante. Ele baseia-se na identificação de bactérias de acordo com o padrão de bandas que aparecem após a digestão do produto da PCR com enzimas de restrição. Um limitante dessas metodologias, tanto RAPD-PCR como RFLP, é que caso duas bactérias tenham o mesmo padrão de bandas após a eletroforese, uma outra metodologia deverá ser utilizada para que seja possível a identificação. Uma variante da RFLP é a ARFLP (do inglês amplified fragment length polymorphism), nessa metodologia são utilizadas enzimas de restrição que fragmentam o DNA genômico e posteriormente esses fragmentos são ligados em adaptadores e amplificados, utilizando primers específicos para as regiões dos adaptadores. Após a amplificação, os fragmentos são avaliados por eletroforese em gel de agarose. Essa técnica foi utilizada na identificação de Pseudomonas aeruginosa em uma unidade de terapia intensiva. 174 Unidade II Saiba mais Para saber mais sobre o uso da técnica de ARFLP na detecção de Pseudomonas aeruginosa, leia o artigo: BUKHOLM, G. et al. An outbreak of multidrug-resistant Pseudomonas aeruginosa associated with increased risk of patient death in an intensive care unit. Infect. Control Hosp. Epidemiol., v. 23, p. 441-446, 2002. O pulsed-field gel electrophoresis (PFGE) é um método também utilizado na identificação de bactérias. O PFGE é uma técnica de eletroforese com a finalidade de separar grandes fragmentos de DNA, por meio da reorientação do DNA em gel pela ação de campos elétricos alternados. Essa técnica é reconhecida como padrão ouro para identificação de linhagens bacterianas, fúngicas e de protozoários (MAGALHÃES et al., 2005). Para realização da técnica, as bactérias são adicionadas à agarose e o DNA genômico bacteriano é extraído com detergentes. Posteriormente esses pedaços de agarose contendo DNA genômico são digeridos com enzimas de restrição e submetidos à corrente elétrica e rotações alternadas em campo magnético, permitindo a movimentação dos fragmentos grandes de DNA. Dessa forma, ocorre a separação por tamanho e é possível a identificação de um padrão de bandas. Essa metodologia foi utilizada para identificação de 15 subtipos de Vibrio cholerae no ano de 2012 na Índia. Saiba mais Para saber mais sobre a PFGE, leia o artigo: MAGALHÃES, V. D. et al. Eletroforese em campo pulsante em bacteriologia – uma revisão técnica. Rev. Inst. Adolfo Lutz, v. 64, n. 2, p. 155-161, 2005. Uma das técnicas mais recentes é o sequenciamento do genoma total (WGS, do inglês
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