Buscar

Hermenêutica Aula 01

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

DESCRIÇÃO
A estrutura da hermenêutica filosófica e da hermenêutica jurídica e sua
função em interpretação e aplicação do Direito.
PROPÓSITO
Compreender os fundamentos da hermenêutica filosófica e da
hermenêutica jurídica e a relação existente entre ambas é fundamental para
uma adequada interpretação e aplicação do Direito, especialmente quando
o texto jurídico apresenta algum desafio à sua compreensão.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Distinguir os conceitos fundamentais da hermenêutica filosófica
MÓDULO 2
Relacionar os métodos e sistemas interpretativos a casos jurídicos
INTRODUÇÃO
Quando alguém nos pergunta o que é hermenêutica, é comum
respondermos simplesmente: “interpretar.” Não se trata de uma resposta
errada, mas o que significa exatamente interpretar? Afinal, grande parte do
Direito depende disso.
No entanto, interpretar não está apenas em Direito. Não costumamos dizer
que certo artista “interpretou bem aquele personagem”? Quando lemos um
livro de ficção ou um livro religioso, isso também não exige de nós
capacidade de interpretação?
 
Fonte: ID1974 / Shutterstock.com
 Encenação de Hamlet realizada por atores do Teatro Acadêmico Central
do Exército Russo em 30 de maio de 2010.
Vemos, então, que a interpretação está em nosso cotidiano: na leitura do
jornal do dia ou da sentença judicial. A interpretação é algo necessário no
exato momento da leitura deste texto.
Neste tema, vamos aprender a origem, os fundamentos e os principais
conceitos da chamada hermenêutica filosófica, conhecendo seus
principais autores. Em especial, vamos conhecer um dos principais filósofos
hermenêuticos da contemporaneidade: Hans-Georg Gadamer (1900-2002).
Em seguida, vamos aprender formas de realizar a interpretação dentro do
Direito, por meio do auxílio de princípios, métodos e sistemas de
interpretação.
 
Fonte: Leena Ruuskanen / Wikimedia commons/ Licença CC BY 3.0
 Hans-Georg Gadamer.
MÓDULO 1
 Distinguir os conceitos fundamentais da hermenêutica filosófica
CONCEITO DE HERMENÊUTICA
Antes de analisar os conceitos fundamentais da hermenêutica, é necessário
conhecer sua origem. No entanto, primeiro precisamos compreender o que
ela significa. Duas palavras são usadas frequentemente como sinônimos:
interpretação e hermenêutica. Como veremos à frente, ao lado delas,
coloca-se uma terceira: compreensão.
Hermenêutica é uma expressão usada na Modernidade (período posterior
às transformações ocorridas no século XVI), remetendo a expressões
gregas que, por sua vez, remetiam ao deus Hermes. Essa divindade tinha
uma tarefa bastante específica no panteão grego: Hermes era o
encarregado de comunicar a mensagem dos deuses aos homens. Sua
tarefa era essencialmente revelar uma mensagem oculta aos destinatários
— como veremos, uma alegoria do papel do intérprete.
 
Fonte: Evgeniy Kazantsev/Shutterstock.com
 Deus Hermes
Surgindo no contexto da interpretação dos textos sagrados (hermenêutica
bíblica), a hermenêutica expande-se para a interpretação dos textos
literários e, por fim, dos textos jurídicos. Refletindo sobre as condições
dessa interpretação, temos a hermenêutica filosófica. Assim,
interpretação e hermenêutica não são sinônimos efetivamente.
O QUE SERIA A HERMENÊUTICA?
Este é um tema bastante rico e que ainda hoje suscita grande reflexão. No
entanto, o conceito que predomina entre os principais filósofos que se
dedicaram a seu estudo é o seguinte:
HERMENÊUTICA É A ARTE DA
COMPREENSÃO.
(SCHMIDT, 2014)
Arte no sentido de que não é uma pura técnica que possa ser realizada a
partir da aplicação de regras metodológicas. Seu objetivo é compreender
corretamente aquilo que foi expresso por outra pessoa. Em especial, a
hermenêutica filosófica é uma investigação de como isso ocorre e quais
os desafios.
CAMINHO DA ORIGEM DA
HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
Agora, devemos buscar compreender como essa investigação ocorreu ao
longo dos séculos. Para isso, devemos investigar alguns autores.
Em um primeiro modo de pensar, na Antiguidade, compreendia-se que a
comunicação entre os interlocutores era possível à medida em que
representasse a realidade. Era o que postulava Aristóteles. Uma afirmação
será verdadeira ou falsa conforme descreve exatamente aquilo que
corresponde à realidade — ou não, quando for falsa.
Assim:
[...] NÃO EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE O
PENSAMENTO E A COISA OU O FATO
OBSERVADO.
(SALGADO, 2018)
Por isso, o pensamento aristotélico compreendia a hermenêutica de
maneira bastante distinta daquela que aceitamos hoje. A hermenêutica era
concebida como uma teoria da expressão do juízo, uma forma de se chegar
ao verdadeiro pensamento daquele que expressou certa proposição
(SALGADO, 2018). Portanto, na hermenêutica aristotélica, a preocupação é
meramente a explicação do pensamento do autor.
 
Fonte: Michele Ursi / Shutterstock.com
 Busto de Aristóteles feito em mármore.
 SAIBA MAIS
A transformação na hermenêutica ocorreu séculos depois, principalmente
por um grupo de estudiosos alemães pertencentes (ou próximos) ao
movimento do romantismo filosófico — não o literário.
Quem colocou a hermenêutica em uma posição central na Filosofia foi
Wilhelm Dilthey (1833-1911). Para ele, a pergunta que se faz diante do texto
é a mesma que fazemos diante da história: interessa saber seu sentido. A
história não se resume a descrever os fatos. Para Dilthey, o problema da
história é o sentido da história, pelo que ele transforma o problema da
história em um problema hermenêutico.
A pretensão de Dilthey, à qual dedicou sua vida inteira, foi estabelecer um
método para as Ciências Humanas que pudesse ter a mesma dignidade
que os métodos das Ciências Naturais, mas, ao mesmo tempo, manter sua
autonomia em relação a elas.
 
Fonte: Autor desconhecido /Wikimedia Commons/ Domínio público
 Wilhelm Dilthey
Para Dilthey, o método das Ciências Naturais não era adequado às
Ciências Humanas. No entanto, se não houvesse um método para as
Ciências Humanas que fosse defensável, não seria possível defender sua
cientificidade e sua relação com a verdade (SCHMIDT, 2014).
Para Dilthey, o que elas podem fazer é compreender os fenômenos. Não há
exemplo mais clássico disso do que a Filosofia: compreender o que é o
homem, seus desejos, suas fraturas constitutivas. Você deve estar se
perguntando: O que isso me ajuda a resolver? Nada, mas nos ajuda a
compreender, sem dúvida, e a técnica não é capaz de fazer isso, pois ela
não nos ajuda a compreender, e sim apenas a usar, em um mecanismo de
causa e efeito.
 EXEMPLO
Podemos dirigir um carro sem ter a menor noção de como ele funciona.
Essa é nossa realidade majoritária, pois poucos de nós têm ideia de como
um motor funciona. Porém, ainda assim dirigimos. A técnica nos permite
dirigir, mas não nos ajuda em nada a compreender esse processo.
As Ciências Humanas, por sua vez, estão voltadas à compreensão. Dessa
maneira, há uma diferença grande entre explicar (indicar relações de causa
e efeito) e compreender. O método das Ciências Humanas não é voltado
para explicar os fatos, mas para compreendê-los. Quando Dilthey faz isso,
coloca a hermenêutica no centro das Ciências Humanas, porque a
hermenêutica é a arte da compreensão, sobre como ela funciona.
O pensamento de Dilthey foi seguido posteriormente, com alterações, por
autores como Martin Heidegger (1889-1976) e Hans-Georg Gadamer — o
grande nome da hermenêutica filosófica contemporânea, que consolidou
grande parte dos conceitos que utilizamos atualmente.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA
HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
Para que possamos consolidar nosso estudo sobre hermenêutica filosófica,
é necessário mergulharmos em alguns conceitos centrais desse assunto.
Em especial a partir de Dilthey e Gadamer, a hermenêutica passou a valer-
se de alguns conceitos para refletir sobre o processo de interpretação e
compreensão dos textos.
O QUE SE QUER DIZER POR “TEXTO”?
Como observa Robles (1994), tudo é texto: desde um escrito até uma
conversa verbal. Uma ordem dada porum semáforo de trânsito é um texto.
Por quê? Porque os sinais são mediados pela linguagem (são verbalizados)
e exigem do leitor (que pode ser um ouvinte, um espectador ou um
motorista parado no cruzamento) a compreensão de seu significado.
Em tal contexto, alguns conceitos mostram-se centrais à discussão da
hermenêutica filosófica. São eles:
Preconceito;
Autoridade;
Tradição;
Horizonte hermenêutico.
PRECONCEITO
Um dos conceitos que a hermenêutica busca resgatar e colocar em seu
devido lugar é o de preconceito. Comumente, esse conceito está
associado a algo negativo e a consequências prejudiciais. Se você
perguntasse a qualquer pessoa como definiria preconceito, provavelmente,
ela associaria a uma visão pejorativa sobre algo ou alguém.
No entanto, a hermenêutica filosófica almeja restabelecer o preconceito
como juízo prévio e natural ao processo de compreensão daquilo que nos
cerca.
Disso resulta a pergunta:
[...] SERÁ VERDADE QUE ACHAR-SE
IMERSO EM TRADIÇÕES SIGNIFICA, EM
PRIMEIRO PLANO, ESTAR SUBMETIDO A
PRECONCEITOS E LIMITADO EM SUA
PRÓPRIA LIBERDADE? O CERTO NÃO
SERÁ, ANTES, QUE TODA EXISTÊNCIA
HUMANA, MESMO A MAIS LIVRE, ESTÁ
LIMITADA E CONDICIONADA DE MUITAS
MANEIRAS?
(GADAMER, 2008)
A história da noção de preconceito mostra que foi somente a partir do
Iluminismo que a palavra assumiu um sentido negativo. O significado
originário de preconceito é o de um juízo que antecede o exame definitivo
dos elementos determinantes de algo em análise. Trata-se de uma pré-
compreensão sobre algo, de uma compreensão provisória que antecede
uma compreensão mais profunda.
javascript:void(0)
ILUMINISMO
Tradição filosófica que, entre outras características, buscava afastar
elementos não racionais do processo cognitivo.
Ao contrário do uso que o Iluminismo faz desse termo, o preconceito não é
necessariamente um juízo falso sobre algo (ou alguém). Afinal, ele pode
revelar-se tanto verdadeiro quanto falso após um julgamento criterioso
daquilo que está em análise. Logo, podemos identificar dois tipos de
preconceito: os preconceitos legítimos e os preconceitos ilegítimos.
Preconceitos legítimos
São aqueles que, ao final do exame, mostram-se válidos, justificados,
adequados à realidade.

Preconceitos ilegítimos
São aqueles que não se confirmam após uma avaliação racional da
realidade.
O Iluminismo propôs a superação de todo preconceito. No entanto, essa
proposta revela-se — ela mesma — como um preconceito que deve ser
afastado, de modo a liberar o caminho para uma adequada compreensão
do papel da historicidade humana no processo interpretativo. Cada pessoa
vive na história e, neste processo histórico, forma, inevitavelmente, juízos
antecipados sobre o mundo que a cerca.
POR ISSO, OS PRECONCEITOS DE UM
INDIVÍDUO SÃO, MUITO MAIS QUE SEUS
JUÍZOS, A REALIDADE HISTÓRICA DE SEU
SER.
(GADAMER, 2008)
Muitos desses preconceitos poderão confirmar-se após uma avaliação
racional da realidade — são os legítimos —, enquanto outros, ilegítimos,
deverão ser rejeitados. Desse modo, é necessário reconhecer que existem
preconceitos ilegítimos, assim como existem também preconceitos
legítimos.
AUTORIDADE
Um conceito correlato ao de preconceito e fundamental ao estudo da
hermenêutica diz respeito ao papel da autoridade. Gadamer (2008) analisa
a diferença iluminista entre dois tipos de preconceito, que têm como origem
a não utilização da razão:
Preconceitos por precipitação
Porque não seguem rigorosamente o método racional.


Preconceitos de autoridade
Porque apelamos à razão do outro.
Para o Iluminismo, não pode haver preconceito ou autoridade que contenha
qualquer verdade. Por conseguinte, o uso metódico da razão é a única
maneira de alcançá-la. Ao fazer isso, no entanto, o Iluminismo ignora algo
que sempre esteve contido no conceito de autoridade, isto é, que ela
também pode ser uma fonte de verdade.
Com isso, o iluminismo não apenas criticou todas as autoridades, como
também deformou consideravelmente o próprio conceito de autoridade,
que assumiu, a partir de então, o sentido oposto ao de razão e de
liberdade, qual seja: o de obediência cega.
 ATENÇÃO
Porém, nem toda autoridade é necessariamente autoritária e irracional. Ao
contrário, a genuína autoridade vem, primeiramente, de um ato de
atribuição e, em seguida, do ato consciente de reconhecimento da
superioridade ou precedência do juízo e visão do outro sobre o nosso.
Então, a autoridade deve ser conquistada. Não se trata, portanto, de
abdicação ou renúncia da razão, mas, ao contrário, pressupõe esta — a
razão que reconhece seus próprios limites e vê no outro um pensamento
mais acertado.
Vamos analisar uma situação?
A RELAÇÃO ALUNO X PROFESSOR
Ao observarmos a relação entre aluno e professor, percebemos que
autoridade do professor decorre, em um primeiro momento, de seu cargo.
No entanto, decorre também — e de forma muito mais fundamental — do
reconhecimento de que ele tem uma compreensão sobre aqueles assuntos
que o aluno não tem.
É bem verdade que isso não significa que o professor esteja isento de erros
e, portanto, sempre certo em seus juízos. O aluno pode — e deve — usar a
razão para avaliar os juízos do professor. Entretanto, se o aluno parte do
pressuposto de que as afirmações do professor não são verdadeiras e que
todas elas devem ser reavaliadas por ele próprio, então a compreensão
daqueles assuntos e o processo de aprendizado estarão seriamente
comprometidos.
 
Fonte: Por sebra / Shutterstock.com
Logo, o verdadeiro fundamento da autoridade é um ato de liberdade e de
conhecimento que a concede a alguém reconhecidamente superior (alguém
que sabe melhor) — não uma obediência cega. Sem o reconhecimento de
que o que a autoridade diz é, ao menos em princípio, razoável, e não uma
arbitrariedade inaceitável, tarefas como a educação seriam impossíveis.
Nós não obedecemos e acatamos os preconceitos das autoridades apenas
porque quem fala encontra-se em posição de superioridade, mas também
porque há uma razão ou verdade naquilo que dizem.
TRADIÇÃO
Existe uma forma de autoridade que é fonte de preconceitos: a tradição.
Toda educação repousa sobre alguma forma de autoridade, mais
especificamente a forma anônima de autoridade que possuem as heranças
e tradições históricas que nos são deixadas. Tudo aquilo que nos é
transmitido tem influência sobre nosso comportamento, e não apenas
aqueles fatos que possuem fundamentos evidentes.
Quanto mais pensamos que, tornando-nos senhores de nós mesmos com o
avanço de nossa capacidade racional, livramo-nos dessas influências, mais
nos surpreendemos com sua constante presença. No entanto, tradição e
razão não se excluem. Ao contrário, essas ideias podem conviver ao
mesmo tempo e atuam juntas no processo interpretativo. Afirmar que, na
tradição, não há nada de racional é um preconceito ingênuo.
A tradição — não sinônimo de costumes e sim de um sentido de mundo
compartilhado historicamente — não deve ser oposta à razão e à ciência,
pois todo conhecimento humano, até mesmo o científico, acomoda-se sobre
um pano de fundo compartilhado e sempre anterior a nós próprios. Nem
mesmo o conhecimento científico pode ser feito “a partir do nada”.
É fundamental admitir, portanto, que jamais somos seres inaugurais. Nosso
conhecimento não foi criado por nós mesmos. Afinal, sempre damos
continuidade ao trabalho de homens que viveram antes de nós. Quando
nossa permanência neste mundo acabar, outros homens que virão depois
de nós também continuarão. É como se sempre víssemos o mundo sobre
os ombros de gigantes.
Logo, a tradição não deve ser vista como algo recebido passivamente ou
como algo que pode ser lançado fora. Como observa o filósofo da
hermenêutica:
[...] A TRADIÇÃO MAIS AUTÊNTICA E A
TRADIÇÃO MELHOR ESTABELECIDA NÃO
SE REALIZAM NATURALMENTE EM
VIRTUDE DA CAPACIDADE DE INÉRCIA
QUE PERMITE AO QUE ESTÁ AÍ DE
PERSISTIR, MAS NECESSITA SER
AFIRMADA, ASSUMIDA E CULTIVADA. A
TRADIÇÃO É ESSENCIALMENTE
CONSERVAÇÃO E,COMO TAL, SEMPRE
ESTÁ ATUANTE NAS MUDANÇAS
HISTÓRICAS. [...] INCLUSIVE, QUANDO A
VIDA SOFRE SUAS TRANSFORMAÇÕES
MAIS TUMULTUADAS, COMO EM TEMPOS
REVOLUCIONÁRIOS, EM MEIO À SUPOSTA
MUDANÇA DE TODAS AS COISAS, DO
ANTIGO CONSERVA-SE MUITO MAIS DO
QUE SE PODERIA CRER, INTEGRANDO-SE
COM O NOVO UMA NOVA FORMA DE
VALIDEZ.
(GADAMER, 2008)
Portanto, a tradição também é um movimento dinâmico, pois precisa
reafirmar-se a todo momento se tem em vista sua conservação. Ela
também é dinâmica em outro sentido: em meio a seu esforço de
reinvenção, não permanece sempre a mesma, mas precisa, por vezes,
incorporar mudanças significativas.
Esse movimento não está muito distante do âmbito jurídico. Ao contrário,
pode ser claramente percebido nos tribunais. A própria jurisprudência é um
fenômeno profundamente relacionado à tradição, uma vez que mesmo as
mudanças jurisprudenciais precisam levar em conta as decisões anteriores
de determinado tribunal.
 
Fonte: Por YP_Studio /Shutterstock.com
Nesse sentido, a tradição não é apenas algo que encontramos como uma
velharia e que podemos trancafiar em um museu para exposição. O
“sentido autêntico” da palavra é o de transmissão. Portanto, o que ela nos
diz se refere a nós também e não é apenas um registro do que se disse em
determinada época a algum personagem histórico.
Por essa razão, a leitura de um livro antigo, a despeito da estranheza a
alguns aspectos, é capaz de nos tocar profundamente. O livro certamente
não foi escrito para nós, mas a mensagem que ele carrega nos alcança. O
efeito que ele provoca é, por diversas vezes, muito forte. Logo, não há
dúvidas de que a tradição tem sempre algo a dizer sobre nós mesmos, e
não apenas sobre algo que já passou e não pertence mais ao nosso tempo.
HORIZONTE HERMENÊUTICO
Considerando o papel dos preconceitos, da autoridade e da tradição para a
pessoa, fica claro que a compreensão e a interpretação ocorrem dentro de
certos limites — especialmente considerando estas características do
indivíduo:
Finitude
O homem é finito em diversos aspectos, como no tempo e no espaço.
Historicidade
O homem compreende dentro e a partir de suas experiências históricas.
 EXEMPLO
Quando olhamos o mar, vemos o mundo até a linha do horizonte. Para
nossa visão, é como se o mundo acabasse ali. Obviamente, o mundo real é
muito mais amplo do que a linha do horizonte alcançada pela visão do
observador, mas para ele é como se os limites do mundo fossem ali.
Embora ali haja algo além, temos um limite de percepção.
De maneira semelhante, a compreensão de um texto ocorre dentro dos
limites do intérprete — limites dados pela própria língua, pela cultura, pelas
vivências históricas. Esse horizonte de possibilidades estabelece uma
moldura para a compreensão do todo. A diferença de horizontes
hermenêuticos é um dos principais desafios à compreensão.
Lembre-se do conceito abrangente de texto: ele é elaborado por alguém
dentro de seu próprio horizonte hermenêutico, mas deve ser compreendido
pelo receptor a partir do horizonte hermenêutico deste. Conforme esses
horizontes estejam mais próximos ou mais distantes, a compreensão será
melhor e mais acessível ou pior e mais desafiadora.
VOCÊ JÁ TENTOU CONTAR UMA PIADA
PARA UM ESTRANGEIRO?
JÁ USOU UM REGIONALISMO COM
PESSOAS DE OUTROS LOCAIS?
JÁ MOSTROU UM MEME PARA PESSOAS
NÃO HABITUADAS À INTERNET?
REGIONALISMO
javascript:void(0)
javascript:void(0)
Expressão típica de região em que mora o falante de uma língua.
MEME
Imagem cômica das redes sociais.
Se você já tentou realizar qualquer uma dessas tarefas (e, provavelmente,
ficou frustrado ou teve um longo trabalho de interpretação), então entende o
que são diferentes horizontes hermenêuticos. A dificuldade na
compreensão entre os interlocutores ocorreu nesses casos em razão do
baixo compartilhamento desses significados. Os mundos dos interlocutores
eram profundamente distintos.
 
Fonte: Krakenimages.com / Shutterstock.com
COMO É POSSÍVEL, ENTÃO, A
COMPREENSÃO SE OS INTERLOCUTORES
PARTEM DE HORIZONTES DISTINTOS?
A isso denominamos fusão de horizontes. A compreensão de um texto
nunca ocorre por meio do transporte para o horizonte do autor. Afinal, isso
seria impossível. De fato, o intérprete compreende o texto a partir de seu
próprio horizonte, conforme mostra a relação estabelecida no esquema a
seguir:
null 
Fonte: EnsineMe
 Fusão de horizontes.
Por meio do constante alargamento do horizonte do intérprete, é possível a
compreensão do texto, à medida em que ele alcança seu horizonte —
sempre a partir de seu próprio horizonte de significado.
ATIVIDADE DE REFLEXÃO
DISCURSIVA
Recentemente, foi noticiada a seguinte sentença em diversos meios de
comunicação:
“A juíza [...] mencionou a raça de um réu em uma sentença em que
condena sete pessoas por organização criminosa.
Segundo o documento, assinado no dia 19 de junho [de 2020], o grupo
fazia assaltos e roubava aparelhos celulares nas Praças Carlos Gomes, Rui
Barbosa e Tiradentes, no centro de Curitiba.
Em nota, nesta quarta-feira (12), a juíza pediu ‘sinceras desculpas’ e
afirmou que a frase foi retirada de contexto. [Afirma a sentença:]
‘Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia
de forma extremamente discreta; os delitos e o seu comportamento,
juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança
da população, pelo que deve ser valorada negativamente (sic)’, disse a
magistrada”.
(VIANNA; BRODBECK, 2020)
Para reflexão
Segundo o caso que acabamos de analisar sobre o preconceito, a
afirmação da magistrada seria considerada um preconceito legítimo ou
ilegítimo? A autoridade da magistrada torna esse preconceito legítimo?
RESPOSTA
Indiscutivelmente, é um preconceito ilegítimo, pois é um juízo que não se
sustenta perante a realidade e que não se mostra válido a ser utilizado como
critério de uma decisão. Neste caso, a autoridade não referenda a validade do
preconceito.
COMPREENDENDO A
HERMENÊUTICA A PARTIR DO
EXEMPLO DA TRADUÇÃO
javascript:void(0)
Um dos melhores exemplos que podemos utilizar para compreender os
desafios hermenêuticos é o desafio da tradução. Quando pensamos na
tradução de um texto ou de uma fala, dificilmente associamos isso a uma
atividade interpretativa. No entanto, Gadamer (2008) nos lembra que a
tarefa do tradutor talvez seja uma das mais interpretativas por excelência.
Em sua obra clássica, Gadamer (2008) apresenta a linguagem como meio
para a experiência hermenêutica, isto é, o caminho por meio do qual a
compreensão é possível. Dessa maneira, os problemas que envolvem a
linguagem são aqueles que envolvem questões hermenêuticas. É o caso da
tradução. Nela, como um desafio interpretativo claro, tornam-se visíveis os
conceitos que estamos estudando.
A COMPREENSÃO ENVOLVE UM TIPO
DE ACORDO
Em primeiro lugar, devemos perceber que a linguagem implica um tipo de
acordo entre aqueles envolvidos nela. Por isso, a compreensão somente é
possível quando os participantes obtiverem algum tipo de acordo na
linguagem. Você deve estar se perguntando:
ACORDO? EM UMA CONVERSA?
Pensemos em duas pessoas conversando: um brasileiro e um francês.
Imagine que nenhum dos dois domina o idioma do outro. Seria possível
uma conversa fluir entre eles? Se depender da linguagem verbal, com toda
certeza, não haverá compreensão. Sem que os dois dominem um idioma
em comum, o acordo é impossível. Portanto, a compreensão recíproca
também é impossível.
No entanto, se eles começarem a fazer gestos que ambos consigam
compreender, a barreira inicial será superada e a compreensão se fará
possível, pois um acordo foi firmado. Os gestos tornaram viável que ambos
se compreendessem, pois possuíam um significado semelhante para eles.
A isso denominamos acordo.
 
Fonte: Por fizkes /Shutterstock.com
Diante do exposto, podemos concluir que há uma relação indissociável
entre compreensão e interpretação. A compreensão somente ocorre
onde antes há interpretação.
DIFICULDADES NACOMPREENSÃO
Em razão da necessidade de um acordo interpretativo para que os
envolvidos em uma conversa (por escrito ou mesmo verbal) possam se
compreender, Gadamer (2008) observa que o processo comunicativo (uma
conversa) não é algo controlado pelos agentes envolvidos nele. Ao
contrário: “[...] a conversação autêntica jamais é aquela que queríamos
levar”.
Em outras palavras, o processo comunicativo é algo dissociado e
independente do desejo dos interlocutores e está além do controle deles. E
esse acordo (essencial à comunicação) não ocorre segundo nossa vontade.
Antes, o acordo comunicativo ocorre em nós.
Outro desafio encontrado nesse processo comunicativo é se podemos
compreender integralmente nosso interlocutor.
SERIA POSSÍVEL QUE
COMPREENDÊSSEMOS PLENAMENTE
SUAS IDEIAS, SEUS SENTIMENTOS E
SUAS VONTADES? ISTO É,
CONSEGUIMOS NOS COLOCAR NAS
EXPERIÊNCIAS DE NOSSO
INTERLOCUTOR, E VICE-VERSA?
A resposta a essas perguntas é, inevitavelmente, negativa. Ainda que seja
alguém muito próximo de nós (um amigo, um familiar, o próprio cônjuge),
cada pessoa tem vivências próprias. Um famoso trecho de uma música
popular brasileira de Caetano Veloso afirma: “[...] cada um sabe a dor e a
delícia de ser o que é” (DOM, 1982).
 
Fonte: Por fizkes / Shutterstock.com
Ou seja, apenas a própria pessoa compreende plenamente suas vivências.
O interlocutor nunca terá como se colocar no lugar do outro para
compreender por completo a realidade deste.
Ninguém consegue colocar-se inteiramente no lugar de seu interlocutor.
Porém, qual é o problema disso? Como isso interfere na interpretação? Isso
significa que, para que os interlocutores consigam se comunicar, uma vez
que nenhum dos dois pode se transferir para a realidade alheia, é
necessário um meio para que essa compreensão seja possível em alguma
medida. É necessária uma espécie de caminho entre ambos.
Como afirma Gadamer (2008): “[...] a linguagem é o meio em que se
realizam o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa em
questão”.
Então, no campo da compreensão, a linguagem é, ao mesmo tempo:
 
Fonte: Por Janis Abolins / Shutterstock.com
O MEIO
O caminho a partir do qual os participantes da conversação conseguem
compreender-se mutuamente.
 
Fonte: Por Salim Nasirov / Shutterstock.com
SEU OBJETO
O ouvinte precisará empenhar-se para compreendê-la.
Nenhum dos interlocutores consegue controlar a compreensão. Por esse
motivo, a conversa natural se desprende das particularidades de cada
sujeito, e o acordo adquire um sentido próprio, não dependendo da
individualidade dos sujeitos.
Vamos ilustrar esse raciocínio:
 
Fonte: pathdoc / Shutterstock.com
VOCÊ JÁ ENVIOU UMA MENSAGEM
COM UMA INTENÇÃO E FOI
COMPREENDIDO DE OUTRO JEITO?
ALGUMA VEZ JÁ ESCREVEU
DETERMINADA MENSAGEM COM A
INTENÇÃO DE SER ENGRAÇADO E
FOI INTERPRETADO COMO RUDE OU
GROSSEIRO?
POR QUE ISSO ACONTECE?
Segundo o que estamos vendo e conforme mostra o esquema a seguir, isso
ocorre porque, embora busquemos expressar certa intenção, muitas vezes
nosso ouvinte interpreta a mensagem de outra forma. Afinal, o emissor não
tem controle sobre a compreensão do ouvinte. A mensagem separa-se do
autor e o acordo existente acerca dela não está mais sob o controle dele.
null 
Fonte: Por Kubko / Shutterstock.com
 Fusão de horizontes.
No vídeo a seguir, veremos como a linguagem define a nossa
realidade.
TRADUÇÃO COMO DESAFIO
INTERPRETATIVO
O grande exemplo do desafio interpretativo vem da tradução.
QUANDO A TRADUÇÃO É NECESSÁRIA,
NÃO HÁ OUTRO REMÉDIO A NÃO SER
ADEQUAR-SE À DISTÂNCIA ENTRE O
ESPÍRITO DA LITERALIDADE ORIGINÁRIA
DO QUE É DITO E SUA REPRODUÇÃO,
DISTÂNCIA QUE NUNCA CHEGAMOS A
SUPERAR COMPLETAMENTE.
(GADAMER, 2008)
Conforme destaca Gadamer (2008), é na tradução que o desafio da fusão
de horizontes mediada pelo intérprete-tradutor se intensifica. O papel do
intérprete é transportar a compreensão que ocorre em uma língua (original)
para outra (à qual ele busca apresentar o texto), diminuindo as dificuldades.
Como a questão da interpretação e da compreensão envolve a necessidade
de um acordo entre os interlocutores, em uma conversação, o domínio de
uma língua em comum é uma condição prévia — e não o problema
hermenêutico principal.
TODA CONVERSAÇÃO IMPLICA O
PRESSUPOSTO EVIDENTE DE QUE SEUS
MEMBROS FALEM A MESMA LÍNGUA.
(GADAMER, 2008)
Por isso, a mera transição de idiomas não resolve o problema da
compreensão, pois a hermenêutica depende da linguagem, e não da língua.
Para que o texto original seja compreendido entre os leitores da tradução, é
necessário muito mais que buscar palavras iguais entre os idiomas — até
porque, em muitos casos, isso não é possível.
A tarefa do tradutor-intérprete será destacar na tradução aquilo que merece
maior importância, iluminando alguns aspectos do texto e colocando outros
em segundo plano.
Nas palavras de Gadamer (2008): “[...] este é precisamente o
comportamento que conhecemos como interpretação.” No entanto, não
importa o quão dedicado seja o tradutor (o mesmo se aplica ao intérprete).
Afinal, “mesmo que seja uma reconstituição magistral, sempre faltar-lhe-ão
algumas nuances que enriquecem o original”.
Portanto, tradutor e intérprete possuem o mesmo objetivo: ambos devem
possibilitar uma conversação por meio da linguagem — no caso do tradutor,
adequando o texto em tradução. Como a linguagem é o meio em que
ocorre a compreensão (e esta somente acontece com a interpretação), a
tradução é um problema de compreensão.
Tradução e hermenêutica se aproximam, pois, assim como uma língua
estrangeira é um objeto estranho, a hermenêutica também lida com um
objeto estranho.
 ATENÇÃO
Na tradução (como na interpretação), cremos ter acesso ao texto original,
mas trata-se de um texto no qual já se encontram implicados os
pensamentos do intérprete. Por certo, o ponto de vista do intérprete não se
impõe, contudo coloca uma possibilidade de compreensão sobre o que
realmente diz o texto. Para Gadamer (2008): “[...] o texto traz um tema à
fala, mas isso, em última instância, é devido ao trabalho do intérprete”.
A AUTONOMIA DO TEXTO ESCRITO
EM RELAÇÃO À SUA ORIGEM
Ao mesmo tempo em que se parecem, a comunicação oral e a
interpretação de um texto se afastam. Afinal, como os textos são fixos,
diferentemente da conversação, somente podem ser entendidos por meio
de um intérprete. A palavra escrita expressa um sentido que se desapega
da existência passada e que chama o intérprete à ação.
“A tradição escrita não é apenas uma parte de um mundo passado, mas já
sempre se elevou acima deste, na esfera do sentido que ela enuncia”
(GADAMER, 2008). Nesse sentido, a escrita é fundamental à compreensão
do passado.
 
Fonte: Por Peshkova /Shutterstock.com
NA VERDADE, A ESCRITA OCUPA O
CENTRO DO FENÔMENO HERMENÊUTICO,
NA MEDIDA EM QUE, GRAÇAS AO
ESCRITO, O TEXTO ADQUIRE UMA
EXISTÊNCIA AUTÔNOMA,
INDEPENDENTEMENTE DO ESCRITOR OU
DO AUTOR, E DO ENDEREÇO CONCRETO
DE UM DESTINATÁRIO OU LEITOR.
(GADAMER, 2008)
Então, a interpretação de textos escritos apresenta desafios próprios em
relação à compreensão de uma conversação. Por um lado, podemos
participar dos textos escritos sem grandes interferências de ordem subjetiva
(do autor e do destinatário do texto). Por outro, “ao contrário do que ocorre
com a palavra falada, a interpretação do escrito não dispõe de nenhuma
outra ajuda” (GADAMER, 2008).
Nesse contexto, o leitor pode defender sua interpretação como uma
possível verdade, ainda que de forma diferente da vontade do autor e do
leitor originário. Então:
[...] O HORIZONTE DE SENTIDO DA
COMPREENSÃO NÃO PODE SER
REALMENTE LIMITADO PELO QUE TINHA
EM MENTE ORIGINALMENTE O AUTOR,
NEM PELO HORIZONTE DO DESTINATÁRIO
PARA QUEM O TEXTO FOI
ORIGINALMENTE ESCRITO.
(GADAMER, 2008)
Os conceitos de opinião do autor e de compreensão do leitor originário
formam, assim, um lugar vazio a ser preenchido com compreensão. No
entanto, o fato de o intérprete possuir uma série de conceitosanteriores ao
texto não significa que ele está livre para agir de maneira casuística ou com
base em subjetivismos, especialmente quando falamos de hermenêutica
jurídica, como veremos no módulo 2.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS O OBJETO SOBRE O QUAL INCIDE A
INTERPRETAÇÃO EM GERAL. A RESPEITO DISSO,
ANALISE AS DUAS AFIRMATIVAS A SEGUIR: 
 
I - APENAS DOCUMENTOS ESCRITOS PODEM SER
SUJEITOS À INTERPRETAÇÃO. 
 
POR ISSO 
 
II - A COMPREENSÃO DE UMA OBRA DE ARTE (UMA
PINTURA, POR EXEMPLO) NÃO EXIGE INTERPRETAÇÃO
POR PARTE DO OBSERVADOR. 
 
SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AS AFIRMATIVAS, ASSINALE
A ALTERNATIVA CORRETA:
A) A primeira é verdadeira, e a segunda é falsa, pois não depende da
primeira.
B) A primeira é falsa, e a segunda é verdadeira, pois ambas são
independentes.
C) Ambas são verdadeiras, e a segunda é consequência da primeira.
D) Ambas são verdadeiras, mas a segunda não é consequência da
primeira.
E) A primeira é falsa, e, como consequência, a segunda também é falsa.
2. GADAMER (2008) BUSCA RESTABELECER UM
CONCEITO, AFASTANDO A VISÃO PEJORATIVA QUE ELE
NORMALMENTE ASSUME NO COTIDIANO, BEM COMO
RESSALTANDO SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO
INTERPRETATIVO COMO UM JUÍZO PRÉVIO. O CONCEITO
A QUE O AUTOR FAZ REFERÊNCIA É:
A) Fusão de horizontes.
B) Horizonte hermenêutico.
C) Tradição.
D) Preconceito.
E) Intepretação.
GABARITO
1. Estudamos o objeto sobre o qual incide a interpretação em geral. A
respeito disso, analise as duas afirmativas a seguir: 
 
I - Apenas documentos escritos podem ser sujeitos à interpretação. 
 
POR ISSO 
 
II - A compreensão de uma obra de arte (uma pintura, por exemplo)
não exige interpretação por parte do observador. 
 
Sobre a relação entre as afirmativas, assinale a alternativa correta:
A alternativa "E " está correta.
 
Tudo aquilo que pode ser verbalizado (isto é, expresso por meio da
linguagem) está sujeito à interpretação. Isso inclui sinais visuais, como uma
obra de arte, pois o observador, para compreendê-la, precisará refletir sobre
ela por meio da linguagem. Por isso, não somente documentos escritos são
sujeitos à interpretação.
2. Gadamer (2008) busca restabelecer um conceito, afastando a visão
pejorativa que ele normalmente assume no cotidiano, bem como
ressaltando sua importância para o processo interpretativo como um
juízo prévio. O conceito a que o autor faz referência é:
A alternativa "D " está correta.
 
O preconceito foi recriminado a partir do Iluminismo, porém é um conceito
fundamental para o início da compreensão de um texto. Trata-se de um
juízo prévio, que pode ser mantido ou rejeitado na análise definitiva.
MÓDULO 2
 Relacionar os métodos e sistemas interpretativos a casos jurídicos
NOÇÕES GERAIS
Agora, devemos buscar compreender como essa investigação ocorreu ao
longo dos séculos. Para isso, devemos investigar alguns autores.O Direito
no Ocidente foi sistematizado em dois grandes ramos (ou tradições) por
David (2002). Segundo o autor, podemos encontrar uma tradição de base
romano-germânica (também chamada de civil law) nos países de influência
latina, incluindo o Brasil, e uma tradição anglo-saxônica (também chamada
de common law) nos países de influência anglo-americana.
Essa divisão considera, entre outros aspectos, a importância da lei escrita
para cada tradição e o processo de formação do Direito. Nesse sentido, a
tradição romano-germânica confere primazia ao papel da lei escrita,
enquanto o sistema anglo-saxônico confere primazia ao sistema de
precedentes judiciais.
 
Por DrAndY / Shutterstock.com
Uma das consequências desse processo é que, na tradição romano-
germânica, o ofício do jurista é fortemente interpretativo de textos legais.
Ele deve consultar textos jurídicos e identificar sua interpretação. Desde o
período medieval, a interpretação e a explicação dos textos legais são
vistas como fundamentais ao Direito.
A escola dos glosadores é um exemplo disso, ainda que bastante
diferente dos meios de interpretação jurídica atuais (LOPES, 2011), embora
sua relevância e seu método tenham passado por diversas transformações
ao longo dos séculos. Com o avanço das codificações na Idade Moderna,
esse papel ganhou ainda mais destaque.
ESCOLA DOS GLOSADORES
Surgiu na Idade Média buscando a formação dos estudiosos pela
necessidade de utilização e interpretação dos mecanismos jurídicos
herdados de Roma, como o Corpus Iuris Civilis.
A questão posta, a partir disso, podemos realizar essa interpretação. Esse é
o tema central da hermenêutica jurídica. Nesse ponto, vale fazer uma
diferenciação. Enquanto a hermenêutica jurídica reflete sobre as
condições e os meios possíveis para realizar a interpretação, a
interpretação jurídica volta-se a compreender e explicar o sentido das
normas jurídicas em um caso concreto.
Neste momento, vamos nos voltar à hermenêutica jurídica sem ignorar que
sua finalidade é possibilitar a interpretação jurídica. Para isso, devemos
considerar:
Os métodos de interpretação
 
Os resultados possíveis do processo de interpretação
javascript:void(0)
 
A integração do Direito
 
Os sistemas interpretativos
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO
A concretização da interpretação exige a aplicação de algum método.
Embora possam variar entre os autores, alguns sempre são destacados.
Esses métodos são de grande utilidade para que o intérprete possa,
interpretando os enunciados, chegar à norma aplicável a certo caso. Por
isso, esses métodos precisam ser vistos conjuntamente e não de maneira
isolada.
MÉTODO LITERAL
Também pode ser chamado de método gramatical, textual ou léxico.
Esse método busca interpretar a norma a partir do uso da linguagem.
Então, o intérprete deve recorrer ao sentido das palavras e expressões
contido em uma definição técnica ou do uso comum da linguagem
(identificado a partir de um dicionário).
 ATENÇÃO
Esse método não pode ser descartado, pois a lei possui um conteúdo
definido a partir da linguagem. Essa linguagem e seus conceitos não podem
ser desconsiderados pelo intérprete. Afinal, como visto na hermenêutica
filosófica, a linguagem é o meio a partir do qual ocorre a compreensão.
Além disso, existem diversas normas que podem ser compreendidas com o
recurso à definição de suas expressões. Por exemplo, ao interpretarmos o
artigo 121 do Código Penal, que trata de “Homicídio simples - matar
alguém” (DECRETO-LEI Nº 2.848), não há dúvida de que ele exclui a morte
de animais — embora possa configurar outro tipo penal.
 SAIBA MAIS
Acesse o Código Penal e conheça o texto do artigo 121.
No entanto, esse método é insuficiente. Afinal, muitos conceitos que a lei
usa são controvertidos e, portanto, impossíveis de serem definidos apenas
a partir da literalidade da lei. Além disso, muitas vezes, as expressões que
a lei usa vão sendo alteradas com o passar do tempo. Nesse caso, não é
possível um recurso à literalidade pura e simples. Por exemplo, mulher
honesta, bons costumes são expressões cujos sentidos foram alterados ao
longo do tempo.
 
Fonte: Por Billion Photos / Shutterstock.com
No vídeo a seguir, o especialista destaca e comenta o papel da
literalidade na interpretação dos textos legais.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
MÉTODO SISTEMÁTICO
O ordenamento jurídico constitui um conjunto de enunciados normativos.
Não são textos isolados ou independentes uns dos outros.
As normas jurídicas coexistem dentro de um sistema harmonioso, ou seja,
cada norma mantém relação com diversas outras do sistema de forma
recíproca e não excludente.
Por isso, o intérprete deve interpretar cada norma à luz das demais que
integram esse ordenamento, de modo a preservar esse conjunto normativo
de maneira harmônica, e não isolada ou contraditória. Esse critério é de
suma importância quando comparamos a legislação infraconstitucional com
as normas constitucionais.
 EXEMPLO
O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que, embora a apologia às
drogas configure crime, osprotestos que defendem sua descriminalização
não devem ser proibidos, pois a Constituição Federal preserva a liberdade
de expressão. Em outros termos, as duas normas devem ser
compatibilizadas, especialmente considerando a primazia da Constituição
sobre o restante do ordenamento jurídico.
MÉTODO HISTÓRICO
Toda norma jurídica surge em um contexto histórico e é elaborada visando
a uma intenção pelo legislador. Isso faz com que a norma seja interpretada
de certo jeito ao longo dos anos. Segundo esse método, o contexto original
e a interpretação ao longo do tempo devem ser levados em consideração.
Contudo, o método apresenta dois grandes desafios à sua aplicação:
SERIA POSSÍVEL IDENTIFICAR ESSA
INTENÇÃO ORIGINAL?
Para muitos, isso não é possível, pois são diversas as intenções dos
agentes que participam do processo de elaboração da lei. Seria inviável
buscar descobrir a intenção que motivou mais de 500 deputados e 80
senadores a aprovar certo projeto de lei.
CONSIDERANDO AS MUDANÇAS SOCIAIS,
É LEGÍTIMO MANTER UMA NORMA
ENGESSADA AO LONGO DO TEMPO?
Segundo alguns estudiosos, a interpretação de uma norma precisa atualizá-
la às necessidades contemporâneas, como veremos mais adiante nos
sistemas interpretativos.
Os defensores desse método afirmam que, em uma democracia, não é
papel do intérprete corrigir os erros das normas. Esse papel é do legislador.
Além disso, embora não seja possível identificar a intenção de cada
membro do legislativo, é possível identificar algumas características gerais
dessa intenção — principalmente a partir dos debates parlamentares.
MÉTODO EVOLUTIVO
Como a norma jurídica faz referência a fatos sociais, quando esses fatos,
com o passar do tempo, são alterados substancialmente, cabe ao intérprete
ressignificar a norma jurídica. Essa norma, então, será interpretada à luz
das novas circunstâncias históricas nas quais se coloca.
Trata-se de uma interpretação evolutiva, ajustada às novas necessidades,
as quais não foram tratadas pelos textos legais. No entanto, como esses
métodos não podem ser aplicados isoladamente, o intérprete, por exemplo,
não pode desconsiderar a literalidade do texto.
 
Fonte: Por PhuShutter / Shutterstock.com
MÉTODO TELEOLÓGICO
Segundo esse método, as normas jurídicas devem ser interpretadas à luz
de seu telos.
Em outras palavras, toda norma jurídica existe em razão de uma finalidade
ou um propósito e deve ser interpretada de modo a alcançar essa
finalidade. Mais do que a definição de palavras e conceitos, aqui, a
preocupação é manter a norma útil a seu propósito perante a realidade
social.
 EXEMPLO
A Constituição Federal estabelece o direito à inviolabilidade da “casa”.
Considerando que o propósito dessa norma seja preservar a intimidade,
então, qualquer local que o indivíduo utilize reservadamente pode ser
interpretado como “casa”: um quarto de hotel, um escritório de uso
individual etc.
Entretanto, essa interpretação também decorre da aplicação conjunta do
método sistemático, uma vez que considera as ampliações do conceito de
“casa” realizadas por outros dispositivos do ordenamento jurídico.
MÉTODO AXIOLÓGICO
O ordenamento jurídico (especialmente a Constituição) consagra diversos
valores que permeiam todas as normas e que devem permear a
interpretação jurídica. Logo, a interpretação deve ocorrer considerando
esses valores positivados, como a dignidade da pessoa humana. Nesse
sentido, o resultado da interpretação não deve conflitar com os valores,
especialmente os constitucionais.
 
Fonte: Por ping198 /Shutterstock.com
ATIVIDADE DE REFLEXÃO
DISCURSIVA
A Constituição Federal atual foi promulgada em 1988, quando o avanço da
tecnologia já havia começado, mas ainda em fase bastante inicial se
comparada aos dias atuais. Naquela época, como modo de facilitar e
garantir o acesso à cultura, o texto constitucional assegurou a não
incidência de impostos sobre livros, prevendo essa garantia com a seguinte
redação:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, 
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] 
VI - instituir impostos sobre: [...] 
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
(CF/88)
Para reflexão
Considerando a mudança social, tecnológica e histórica, as questões que
surgiram nos últimos anos foram:
• Essa garantia também alcança os livros digitais e os instrumentos para
sua leitura?
• Uma vez que o Constituinte não os tinha em mente, eles estão incluídos
ou excluídos desse benefício?
Qual é o método interpretativo que deve ser aplicado a esse caso?
RESPOSTA
A posição do STF foi por uma interpretação teleológica, considerando que o
propósito da norma incluía a finalidade desses instrumentos tecnológicos.
Assim fixou o STF:
“A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à
importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book)
e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros
eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.”
javascript:void(0)
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020)
RESULTADOS POSSÍVEIS DO
PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO
A aplicação dos métodos de interpretação vai culminar em um resultado
que pode ser de um dos seguintes tipos:
INTERPRETAÇÃO DECLARATÓRIA
Trata-se do resultado habitual da interpretação, em que se declara o
resultado da interpretação sem ampliar a aplicação da norma a novos casos
ou sem reduzir sua incidência. Identifica os conceitos e os efeitos, entre
outras consequências.
INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA
O resultado da interpretação inclui na norma casos anteriormente não
previstos, fazendo com que a interpretação normativa incida sobre novas
situações antes não expressamente amparadas pelo texto legal.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
O resultado da interpretação permite que apenas alguns casos se
submetam à incidência da norma, excluindo outros casos de sua aplicação.
Alguns ramos do Direito exigem esse tipo de interpretação. É o caso, por
exemplo, do Direito Penal e do Direito Tributário.
INTEGRAÇÃO DO DIREITO
Quando existe uma norma, o Direito é aplicado por meio da interpretação —
processo pelo qual busca-se a compreensão da norma e a realização de
sua incidência sobre o caso concreto. Quando, porém, não existe um texto
legal que resolva o caso, é necessário buscar uma norma que atenda à
exigência do caso concreto (lacuna). Afinal, é vedado ao intérprete não
resolver o caso. A esse fenômeno chamamos de integração do Direito.
Duas são as modalidades de integração do Direito:
AUTOINTEGRAÇÃO
Quando a norma que será utilizada para sanar a lacuna existente for uma
do próprio ordenamento jurídico (regra).
HETEROINTEGRAÇÃO
Quando a norma que será utilizada para sanar a lacuna existente for de fora
do ordenamento jurídico pátrio (exceção).
No processo de integração, destacam-se alguns instrumentos:
Analogia
Equidade
Princípios gerais do Direito
ANALOGIA
Quando existem casos semelhantes, porém um deles não é regulado, a
analogia consiste na aplicação da norma do caso regulado ao caso sem
previsão normativa.
 EXEMPLO
É o que ocorreu entre os casos da greve de trabalhadores da iniciativa
privada e da greve de servidores públicos. Em ambos, é necessário que a
lei crie regras para o exercício do direito de greve. No entanto, apenas a
iniciativa privada possui regulação legal. Assim, o STF aplicou, por
analogia, a lei dos empregados da iniciativa privada aos servidores públicos
a fim de regular e garantir o exercício desse direito.
A analogia se apresenta de duas formas:
ANALOGIA LEGIS
A analogia propriamente dita, baseada na aplicação de uma lei existente e
aplicável a outro caso e a uma situação nova.
ANALOGIA JURIS
Nesse caso, não existe lei para resolver o caso sub judice (que se encontra
em mãos de um juiz ou tribunal, aguardando decisão judicial). Então, o juiz
recorre aos princípios gerais do Direito para resolver a situação.EQUIDADE
Alguns autores a chamam equidade de justiça, embora não sejam
exatamente sinônimos, dada a diferença entre Direito e Justiça. Trata-se,
de fato, de um ajuste do Direito às necessidades do caso concreto. Assim,
o intérprete pode realizar uma espécie de abrandamento do texto legal em
circunstâncias específicas. Não é regra no sistema jurídico, e sim uma
exceção.
 
Fonte: Por Vitalii Vodolazskyi /Shutterstock
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Como são normas abstratas e genéricas, se não houver nenhuma norma
mais específica, o intérprete poderá recorrer aos princípios gerais do Direito
para solucionar o caso. A própria lei faz referência a eles, tanto no Direito
interno (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), quanto no
Direito internacional (como na Convenção de Viena sobre Direito dos
Tratados, de 1969).
 SAIBA MAIS
Alguns desses princípios aparecem explicitamente nas leis, embora não
precisem. Muitos deles, por sua vez, são implícitos e funcionam como
fundamentos lógicos e valorativos do sistema jurídico.
São identificados pela doutrina e pela jurisprudência. A identificação não se
confunde com sua criação, porque eles dependem de um reconhecimento
abrangente (interna ou internacionalmente) para que possam ser chamados
de princípios gerais do direito. Assim, apenas são identificados e
declarados por doutrinadores e decisões.
 ATENÇÃO
Mesmo nem sempre estando em normas jurídicas, os juízes podem utilizá-
los como critério para suas decisões. Esses princípios são especialmente
relevantes quando existem lacunas no ordenamento jurídico, como forma
de integração dos casos.
Em contrapartida, dado o caráter abrangente desses princípios, eles podem
ser interpretados de diferentes modos, o que demanda maior esforço
argumentativo por parte do intérprete.
SISTEMAS INTERPRETATIVOS
A organização da interpretação jurídica segundo certos sistemas
interpretativos não é um ponto consensual na doutrina. No entanto,
podemos identificar, de maneira relativamente majoritária, algumas escolas
de pensamento sobre a interpretação jurídica ao longo da Idade Moderna e
Contemporânea, que deram origem aos seguintes sistemas:
SISTEMA EXEGÉTICO
A característica desse sistema interpretativo (também chamado de sistema
dogmático ou sistema jurídico tradicional) é a limitação da interpretação à
lei. Em intensidade maior ou menor, considera que a lei revela a vontade do
legislador e que é possível compreender o significado da lei de modo
relativamente claro.
Fortemente influenciado pelo racionalismo moderno, esse sistema buscou
tornar a interpretação do Direito um processo dedutivo nos moldes dos
sistemas da geometria ou aritmética. Conduzido pela chamada Escola da
Exegese, dominou boa parte do século XIX, até que começou a entrar em
declínio nas últimas décadas dos anos 1800 (PERELMAN, 2004).
SISTEMA HISTÓRICO
Com as intensas transformações ocorridas no século XIX, especialmente
motivadas pelas alterações socioeconômicas, os teóricos viram-se
confrontados pela necessidade de fazer uma interpretação mais ampla do
Direito, inclusive por meio da correção de imperfeições na lei.
Afirmava-se, então, o sistema interpretativo histórico — também chamado
de sistema histórico-evolutivo. Para essa Escola, a lei nasce objetivando
certas aspirações, mas possui um significado mutável e não é limitada às
suas fontes originárias. No entanto, essa posição não prevaleceu e foi
sucedida pelo sistema teleológico (REALE, 2002).
SISTEMA TELEOLÓGICO
Conduzido principalmente por Rudolf Von Ihering (1818-1892) — conhecido
por sua obra clássica A luta pelo Direito (1890) —, de acordo com esse
sistema interpretativo, o Direito deve ser compreendido a partir de sua
finalidade, de modo que sua interpretação deve ser conduzida de forma
teleológica.
Cada proposição jurídica deveria ser analisada à luz de sua finalidade
dentro do ordenamento jurídico, o que incluía um elemento de profundo
caráter axiológico. Assim, o intérprete poderia dar uma interpretação distinta
daquela imaginada ou desejada pelo legislador, desde que justificada a
partir de novas valorações decorrentes de mudanças históricas. Isso, no
entanto, não deveria gerar desconsideração pelo valor da lei.
SISTEMA DA LIVRE PESQUISA
De forma semelhante ao sistema histórico-evolutivo, o sistema da livre
pesquisa (ou sistema da livre formação do Direito) concebia que o Direito —
tomado sob um ponto de vista dogmático — nem sempre contém a solução
para os casos concretos. Então, seria necessário incluir novas fontes para
solucionar essas situações — fontes além do direito estatal, como os
costumes.
A primeira medida, no entanto, não seria esse recurso. Em primeiro lugar, o
intérprete deveria buscar respeitar a lei como apresentada pelo legislador.
No entanto, no caso de existir uma insuficiência legislativa, o papel do
intérprete deveria ser buscar uma solução para o caso concreto a partir de
um processo de livre investigação.
 
Por TheCorgi / Shutterstock.com
ATIVIDADE DE REFLEXÃO
DISCURSIVA
No campo literário, o caso judicial mais conhecido — ou, pelo menos, um
dos mais conhecidos — é a disputa apresentada na peça teatral O
mercador de Veneza (1605), de William Shakespeare.
Na obra, o dilema classicamente conhecido — reproduzido e popularizado
na literatura brasileira por Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida
(1955) — é se o acordo firmado entre as partes (o agiota Shylock e o
mercador Antônio), a respeito de uma libra de carne (Suassuna nos fala de
uma tira de carne), incluía ou não o sangue do devedor.
A solução do caso diz que não, pois o título da dívida não incluía esse dado
explicitamente, de modo que não poderia ser exigido pelo credor.
Para reflexão
Se esse fosse um caso judicial real (abstraindo-se neste exercício mental a
legalidade do conteúdo da dívida) e aplicássemos critérios interpretativos
para interpretar a referida obrigação, não deveria o tribunal considerar que
o sangue estava pressuposto, uma vez que, de outra maneira, a dívida se
tornaria inexequível (irrealizável)? Ou, nesse caso, o intérprete estaria
extrapolando as possibilidades de interpretação da norma?
RESPOSTA
A atividade foi proposta com o objetivo de reflexão acerca do caso apresentado
acima para análise. Diferentemente dos demais já expostos no tema, este não
apresenta resposta, pois trata-se de um caso fictício medieval que dispensa
raciocínio único.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
javascript:void(0)
1. AO DEPARAR-SE COM UM CASO EM QUE O RÉU ERA
ACUSADO DE COMETER A CONTRAVENÇÃO PENAL DE
“EXPLORAR JOGOS DE AZAR” POR MANTER UMA
BANCA DE “JOGO DO BICHO”, DETERMINADO JUIZ
PASSOU A REFLETIR SOBRE A REFERIDA NORMA. AO
FINAL, CONCLUIU QUE AS MUDANÇAS SOCIAIS
OCORRIDAS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS NO PAÍS NÃO
JUSTIFICAVAM MAIS A APLICAÇÃO DE UMA PENA POR
CAUSA DESSE FATO. EMBORA A NORMA PUDESSE SER
JUSTIFICADA EM SUA ORIGEM, AS TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS NÃO PERMITIAM A CONTINUIDADE DA MESMA
INTERPRETAÇÃO SOBRE A REFERIDA NORMA. 
 
A QUE SISTEMA INTERPRETATIVO ESSA
ARGUMENTAÇÃO PERTENCE?
A) Dogmático.
B) Tradicional.
C) Histórico.
D) Exegético.
E) Teleológico.
2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADOTA EM SUA
JURISPRUDÊNCIA A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS.
DESSA MANEIRA, INTERPRETA AS NORMAS
CONSTITUCIONAIS QUE ATRIBUEM CERTAS FUNÇÕES A
UM ÓRGÃO OU A UMA INSTITUIÇÃO, INCLUINDO,
TAMBÉM, DE FORMA IMPLÍCITA, OS PODERES
NECESSÁRIOS À REALIZAÇÃO DESSE PAPEL. EM
OUTROS TERMOS, SE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL FIXA
UM OBJETIVO, TAMBÉM ASSEGURA, AINDA QUE
IMPLICITAMENTE, OS MEIOS PARA ALCANÇAR ESSE
RESULTADO. 
 
QUE MÉTODO INTERPRETATIVO PERMITE ESSA
INTERPRETAÇÃO?
A) Literal.
B) Textual.
C) Analógico.
D) Histórico.
E) Teleológico.
GABARITO
1. Ao deparar-se com um caso em que o réu era acusado de cometer a
contravenção penal de “explorar jogos de azar” por manter uma banca
de “jogo do bicho”, determinado juiz passou a refletir sobre a referida
norma. Ao final, concluiu que as mudanças sociais ocorridas nas
últimasdécadas no país não justificavam mais a aplicação de uma
pena por causa desse fato. Embora a norma pudesse ser justificada
em sua origem, as transformações sociais não permitiam a
continuidade da mesma interpretação sobre a referida norma. 
 
A que sistema interpretativo essa argumentação pertence?
A alternativa "C " está correta.
 
Em razão das transformações sociais, o juiz percebeu a necessidade de
fazer uma interpretação mais ampla do Direito, inclusive por meio da
correção de imperfeições na lei.
2. O Supremo Tribunal Federal adota em sua jurisprudência a teoria
dos poderes implícitos. Dessa maneira, interpreta as normas
constitucionais que atribuem certas funções a um órgão ou a uma
instituição, incluindo, também, de forma implícita, os poderes
necessários à realização desse papel. Em outros termos, se a
Constituição Federal fixa um objetivo, também assegura, ainda que
implicitamente, os meios para alcançar esse resultado. 
 
Que método interpretativo permite essa interpretação?
A alternativa "E " está correta.
 
A teoria dos poderes implícitos visa resguardar a finalidade da norma
constitucional, de forma a não frustrar seus objetivos. Assim, a
interpretação do STF segue um método teleológico.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos ver, embora muitas vezes a interpretação pareça um
exercício simples ou mesmo inexistente, trata-se de um fenômeno
complexo e sempre presente quando ocorre a compreensão. Por isso, a
hermenêutica apresenta-se como um objeto relevante para a reflexão
filosófica.
Ainda que frequentemente ocorram de maneira inconsciente e espontânea,
pudemos refletir sobre a compreensão e a interpretação, seja em
momentos intelectuais e que exijam maior esforço (como na leitura de um
texto acadêmico) ou em eventos cotidianos (como na troca de mensagens).
Além disso, entendemos as diferenças entre as diversas perspectivas e os
variados critérios para a realização da interpretação jurídica. Dessa forma,
podemos solucionar os casos jurídicos de modo mais claro e
fundamentado.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República. Publicada em: 5 de out. 1988.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio
de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília, DF: Presidência da
República, 14 dez. 2009.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro. Brasília, DF: Presidência da
República, 4 set. 1942.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
Brasília, DF: Presidência da República, 7 dez. 1940.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 57. A imunidade
tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e
comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos
suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros
eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias.
Brasília, DF: STF, 24 abr. 2020.
DAVID, R. Os grandes sistemas do Direito contemporâneo. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.
DOM de iludir. Compositor: Caetano Veloso. Intérprete: Gal Costa. Rio de
Janeiro: Philips, 1982. 1 LP (43 min).
GADAMER, H. Verdade e método I. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
LOPES, J. R. L. O Direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2011.
PERELMAN, C. Lógica jurídica: nova retórica. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
REALE, M. Filosofia do Direto. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
ROBLES, G. O Direito como texto: quatro estudos de teoria
comunicacional do Direito. Barueri: Manole, 1994.
SALGADO, R. H. C. Hermenêutica filosófica e aplicação do Direito. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2018.
SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
VIANNA, J.; BRODBECK, P. Juíza cita raça ao condenar réu negro por
organização criminosa. In: G1, 12 ago. 2020.
EXPLORE+
Pesquise no YouTube e assista aos seguintes vídeos:
[LVIII CAD] Dr. Eros Grau - Interpretação do Direito, do texto à norma –
exposição do então Ministro Eros Grau, do STF, sobre a relação e a
distinção entre texto e norma.
Conferência 6: Hermenêutica e Argumentação – exposição do professor
Tércio Sampaio Ferraz, um dos principais autores brasileiros no campo
da hermenêutica jurídica, sobre interpretação e argumentação.
Para aprofundar seu conhecimento sobre a interpretação jurídica e a
relação entre as hermenêuticas filosófica e jurídica, sugerimos as seguintes
leituras:
BETTI, E. Teoria geral da interpretação jurídica. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
COSTA, A. A. Direito e método: diálogos entre a hermenêutica filosófica e
a hermenêutica jurídica. 2008. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de
Direito, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008. Livro II, cap. VII, p.
336-351.
FRANÇA, R. L. Hermenêutica jurídica. Brasília: RT, 2001.
MAXIMILIANO, C. Hermenêutica jurídica e aplicação do Direito. Rio de
Janeiro: Forense, 1997.
CONTEUDISTA
Elden Borges Souza
 CURRÍCULO LATTES
javascript:void(0);

Outros materiais