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Autoras: Profa. Thais Bandouk Carvalho Ogassawara Profa. Vanessa Vieira Pereira Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Fisioterapia Aquática Professoras conteudistas: Thais Bandouk Carvalho Ogassawara / Vanessa Vieira Pereira Thais Bandouk Carvalho Ogassawara Fisioterapeuta pela Universidade Cidade de São Paulo – Unicid (2003). Especialista em Fisioterapia Pediátrica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP (2004) e em Neuropediatria pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (2005). Residente em Reabilitação Neurológica na Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD (2006). Doutoranda e mestre em Patologia Experimental e Ambiental pela Universidade Paulista – UNIP (2016). Possui formação básica e avançada no conceito neuroevolutivo Bobath e formação básica em Cuevas Medek Exercise e terapias manuais. Entre 2007 e 2011 foi fisioterapeuta no setor de Fisioterapia Aquática da AACD, sendo responsável pela Clínica de Lesões Encefálicas Adquiridas. Desde 2009 é professora da UNIP e atua nas áreas de reabilitação neurofuncional e fisioterapia aquática. Vanessa Vieira Pereira Fisioterapeuta formada pela Universidade de Santo Amaro – Unisa (2000), com especialização/aprimoramento em Atendimento Multidisciplinar em Geriatria e Gerontologia (2002) e mestrado em Ciências da Saúde pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (2012). Realizou aperfeiçoamento em Hydrotherapy no National Institute of Allied Health Professions – NPI, na Holanda (1999). É coordenadora da especialização de Fisioterapia Gerontológica do Instituto Imparare/UNIP desde 2017 e docente do curso de Fisioterapia da UNIP desde 2013. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) O34f Ogassawara, Thais Bandouk Carvalho. Fisioterapia Aquática / Thais Bandouk Carvalho Ogassawara, Vanessa Vieira Pereira. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Fisioterapia aquática. 2. Materiais. 3. Métodos. I. Pereira, Vanessa Vieira. II. Título. CDU 615.838 U508.17 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Ingrid Lourenço Sumário Fisioterapia Aquática APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 PROPRIEDADES FÍSICAS DA ÁGUA E SUA APLICAÇÃO CLÍNICA .................................................. 11 1.1 Hidrostática (imersão em repouso) ............................................................................................... 11 1.1.1 Densidade....................................................................................................................................................11 1.1.2 Flutuação/empuxo .................................................................................................................................. 14 1.1.3 Pressão hidrostática ............................................................................................................................... 21 1.1.4 Tensão superficial ................................................................................................................................... 22 1.1.5 Refração ...................................................................................................................................................... 24 1.2 Termodinâmica – calor....................................................................................................................... 25 1.3 Hidrodinâmica (considerando a água ou o corpo em movimento) ................................. 26 1.3.1 Viscosidade ................................................................................................................................................ 26 1.3.2 Turbulência ................................................................................................................................................ 29 2 EFEITOS FISIOLÓGICOS DA IMERSÃO ...................................................................................................... 32 2.1 Efeitos cardiovasculares .................................................................................................................... 32 2.1.1 Efeitos cardiovasculares da imersão em água fria .................................................................... 32 2.1.2 Efeitos cardiovasculares da imersão em água aquecida: ....................................................... 33 2.2 Efeitos renais .......................................................................................................................................... 34 2.2.1 Supressão do hormônio antidiurético (vasopressina) .............................................................. 34 2.2.2 Fator natriurético atrial (FNA) ........................................................................................................... 35 2.2.3 Sistema renina angiotensina aldosterona .................................................................................... 35 2.2.4 Norepinefrina/noradrenalina ............................................................................................................. 35 2.3 Efeitos respiratórios ............................................................................................................................. 36 2.4 Sistema musculoesquético ............................................................................................................... 38 3 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES DA FISIOTERAPIA AQUÁTICA ............................................ 39 3.1 Indicações da fisioterapia aquática .............................................................................................. 39 3.1.1 Pacientes com disfunções musculoesqueléticas ........................................................................ 40 3.1.2 Pacientes com disfunções neurológicas ........................................................................................ 41 3.1.3 Pacientes com disfunção cardiovascular ou pulmonar .......................................................... 42 3.1.4 Idosos ........................................................................................................................................................... 42 3.1.5 Gestantes ................................................................................................................................................... 43 3.1.6 Atletas .........................................................................................................................................................43 3.2 Precauções e contraindicações da fisioterapia aquática ..................................................... 43 3.2.1 Medo da água .......................................................................................................................................... 44 3.2.2 Lesões de pele e feridas abertas ....................................................................................................... 44 3.2.3 Infecções .................................................................................................................................................... 44 3.2.4 Febre ............................................................................................................................................................. 44 3.2.5 Incontinência urinária e fecal ............................................................................................................ 44 3.2.6 Epilepsia descontrolada ........................................................................................................................ 44 3.2.7 Esclerose múltipla (no momento do surto) .................................................................................. 45 3.2.8 Pacientes oncológicos, disfunções cardíacas, distúrbios respiratórios graves e doenças renais crônicas descontroladas ................................................................................ 45 4 EQUIPAMENTOS TERAPÊUTICOS DA FISIOTERAPIA AQUÁTICA ..................................................... 45 4.1 Setor de fisioterapia aquática ......................................................................................................... 46 4.2 Piscina terapêutica .............................................................................................................................. 47 4.2.1 Profundidade ............................................................................................................................................ 49 4.2.2 Temperatura .............................................................................................................................................. 50 4.2.3 Tratamento da água .............................................................................................................................. 51 4.3 Entradas e saídas .................................................................................................................................. 52 4.3.1 Transferência pela borda ...................................................................................................................... 52 4.3.2 Entrada e saída por escadas e rampas ........................................................................................... 55 4.4 Materiais e equipamentos ................................................................................................................ 57 4.4.1 Flutuadores ou implementos que exploram empuxo .............................................................. 57 4.4.2 Materiais para membros superiores (MMSS) ............................................................................... 57 4.4.3 Materiais para membros inferiores (MMII) ................................................................................... 59 4.4.4 Materiais para tronco e cervical: colares, cintos, coletes e tapetes ................................... 60 4.4.5 Resistores de área ou que exploram a força de arrasto .......................................................... 61 4.4.6 Materiais de fundo de piscina e que exploram propriocepção e equilíbrio ................... 62 Unidade II 5 HIDROCINESIOTERAPIA EM CONDIÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS E NEUROMUSCULARES..................................................................................................................................... 67 6 MÉTODO HALLIWICK ...................................................................................................................................... 78 6.1 Entrada e saída da água na técnica Halliwick .......................................................................... 80 6.2 Ponto 1: adaptação mental .............................................................................................................. 82 6.3 Ponto 2: desligamento ....................................................................................................................... 84 6.4 Ponto 3: rotação transversal ............................................................................................................ 86 6.5 Ponto 4: rotação sagital .................................................................................................................... 87 6.6 Ponto 5: rotação longitudinal ......................................................................................................... 89 6.7 Ponto 6: rotação combinada ........................................................................................................... 89 6.8 Ponto 7: empuxo .................................................................................................................................. 91 6.9 Ponto 8: equilíbrio e quietude ........................................................................................................ 91 6.10 Ponto 9: turbulência e deslize ...................................................................................................... 92 6.11 Ponto 10: progressão simples e nados básicos ...................................................................... 94 7 MÉTODO DOS ANÉIS DE BAD RAGAZ ...................................................................................................... 95 7.1 Filosofia da técnica Bad Ragaz ....................................................................................................... 95 7.2 Objetivos da técnica Bad Ragaz ..................................................................................................... 96 7.3 Posicionamento do paciente ........................................................................................................... 97 7.4 Exercícios a serem realizados........................................................................................................... 98 7.5 Indicações da técnica Bad Ragaz.................................................................................................100 7.6 Contraindicações e precauções da técnica Bad Ragaz .......................................................101 8 WATSU ...............................................................................................................................................................101 8.1 Sequência básica de movimentos da técnica Watsu ...........................................................102 8.2 Exemplos de movimentos básicos ...............................................................................................104 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina busca mostrar de que modo a realização de exercícios na água atua como agente físico utilizado na reabilitação, assim como relacionar os efeitos da água, segundo suas propriedades e fenômenos físicos particulares, aos quadros clínicos e sintomatológicos das patologias, com as devidas indicações terapêuticas e consequentes benefícios terapêuticos. Os objetivos específicos da disciplina são contribuir com a prescrição correta do uso da fisioterapia aquática, usando uma abordagem científica e coerente segundo suas modalidades (hidrocinética e hidrotérmica), bem como demonstrar seus mecanismos de ação, efeitos fisiológicos e terapêuticos, precauções, indicações e contraindicações. Isso será feito a partir da utilização e da escolha criteriosa das técnicas abordadas na piscina terapêutica, levando em consideração os efeitos fisiológicos e os princípios físicos da água no tratamento das diversas patologias, o que facilita a reabilitação física e a integração social do paciente. Neste livro-texto serão abordados os efeitos físicos e fisiológicosda imersão e sua aplicabilidade na prática clínica do fisioterapeuta, as indicações e contraindicações da fisioterapia aquática e os tipos de equipamentos disponíveis, assim como sua utilidade no desenvolvimento do programa terapêutico. Também serão apresentadas as técnicas, métodos e conceitos de tratamento mais discutidos na literatura, assim como a aplicação dos conceitos de hidrocinesioterapia em diferentes condições clínicas. INTRODUÇÃO Um dos recursos terapêuticos mais antigos utilizados na prática clínica da fisioterapia, segundo Caromano e Nowotny (2002), é a hidroterapia. Há registros na literatura de que civilizações antigas, como os egípcios, assírios, muçulmanos, hindus, chineses, japoneses, gregos e romanos, já utilizavam águas curativas com finalidades terapêuticas. Inicialmente, isso era feito de forma mais mística, visando limpar o corpo terreno de doenças e o corpo espiritual dos pecados. Posteriormente, gregos e romanos passaram a utilizar como tratamento físico específico a imersão em água quente e fria para tratar doenças (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Hidroterapia é definida como o uso externo da água com finalidades terapêuticas (CAROMANO; NOWOTNY, 2002), e uma modalidade da hidroterapia é a fisioterapia aquática, que associa os efeitos dos princípios físicos e fisiológicos da água com a realização de exercícios direcionados, manuseios e técnicas específicas. Dessa forma, pode-se compreender a fisioterapia aquática como um recurso terapêutico de reabilitação que tem como finalidade gerar ganhos funcionais, proporcionando maior independência e autonomia na marcha, deslocamentos, trocas posturais e atividades de vida diária (SILVA; BRANCO, 2011). A fisioterapia aquática é um recurso terapêutico frequentemente adotado para reabilitação funcional de pessoas com disfunções neurológicas, ortopédicas, reumatológicas e cardiovasculares. Ela também pode contribuir para a melhora da aptidão física e emocional em populações específicas, como gestantes, idosos e atletas. 11 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Unidade I 1 PROPRIEDADES FÍSICAS DA ÁGUA E SUA APLICAÇÃO CLÍNICA Os efeitos biológicos da imersão têm suas bases científicas fundamentadas com os princípios da hidrostática, hidrodinâmica e termodinâmica. Portanto, é de fundamental importância que o fisioterapeuta seja capaz de compreender a ação que essas propriedades físicas podem promover sobre o corpo e de que forma podem atuar sobre o movimento. O objetivo deste tópico é apresentar as diferentes propriedades físicas da água, exemplificando de que forma essas forças podem contribuir no programa terapêutico em diferentes situações clínicas. 1.1 Hidrostática (imersão em repouso) 1.1.1 Densidade Densidade é a relação resultante da massa de uma substância (corpo do indivíduo ou equipamento terapêutico) por unidade de volume deslocado, representada pela letra grega ρ (rô), medida em kg/m³. Além da densidade, as substâncias também são caracterizadas por sua gravidade específica (ou densidade relativa), que é a relação entre a densidade da substância e a densidade da água, determinando a capacidade de um objeto ou corpo flutuar. Considerando que a água tem uma gravidade específica igual a 1 e o corpo tem uma gravidade específica por volta de 0,974, quando um corpo está imerso ele desloca um volume de água, empurrando o corpo para cima, o que contribui para a flutuação (BATES; HANSON, 1998; BECKER, 2009; CAROMANO; NOWOTNY, 2002; ORSINI et al., 2010; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000; KOURY, 2000). Isso é demonstrado na ilustração a seguir: Objeto/corpo com densidade menor que 1 flutua Objeto/corpo com densidade maior que 1 afunda Figura 1 – Relação da densidade com a flutuabilidade do corpo 12 Unidade I Observação Os conceitos densidade relativa e gravidade específica são considerados sinônimos na literatura. Entretanto, essa relação pode ser variável, já que a massa corporal pode variar dependendo da constituição física da pessoa. Indivíduos que apresentam maior composição de massa corporal magra (tecido ósseo, tecido muscular, tecido conjuntivo e órgãos) têm uma densidade em torno de 1,1. Sendo assim, esse corpo tem uma maior tendência a afundar. Por outro lado, caso o indivíduo apresente mais massa gorda (tecido adiposo) na sua constituição corporal, sua densidade específica será em torno de 0,9. Portanto, esse corpo tem uma maior tendência a flutuar (CAROMANO; NOWOTNY, 2002; BATES; HANSON, 1998; KOURY, 2000). Gordura ρ = 0,8 Tec. conj. e órgãos ρ = 1,1 Músculos ρ = 1,1 Ossos ρ = 1,5 Massa gorda Massa magra Figura 2 – Densidade dos tecidos Aplicação clínica A seguir, veremos uma relação dos materiais e equipamentos (pesos x flutuadores). Geralmente, quando um adulto está posicionado deitado na superfície da água, devido à distribuição da sua densidade corpórea, a pelve e os membros inferiores têm maior tendência a afundar. Neste caso, uma estratégia terapêutica para evitar que isso aconteça é utilizar um flutuador na região da pelve e, se necessário, um flutuador na região cervical (CAROMANO; NOWOTNY, 2002). Indivíduos que tiveram um acidente vascular cerebral (AVC) podem apresentar prejuízo em um hemicorpo (metade do corpo), o que causa assimetria corporal e gera uma tendência à rotação do corpo para o lado não acometido. Devido à perda de massa muscular no lado com prejuízo do movimento, este hemicorpo fica menos denso, tendendo a flutuar. Nesse caso, para auxiliar na postura ortostática com distribuição de peso mais equilibrada, o fisioterapeuta pode colocar um peso (equipamento mais denso) na perna hemiparética, auxiliando na descarga de peso, e, se necessário, pode ainda colocar um flutuador (equipamento menos denso) na perna menos comprometida (PEREIRA et al., 2019), como demonstrado nas fotos a seguir: 13 FISIOTERAPIA AQUÁTICA A) B) C) Figura 3 – Relação da densidade nos pacientes com alteração de um hemicorpo: A) Paciente com hemiparesia à esquerda, realizando maior descarga de peso em hemicorpo direito devido a assimetria da densidade corporal entre os dois lados do corpo; B) Paciente utilizando uma caneleira de peso para auxiliar na descarga de peso à esquerda; C) Paciente utilizando, além da caneleira no membro inferior esquerdo, um flutuador de EVA, que é menos denso, no membro inferior direito, favorecendo ainda mais a descarga de peso à esquerda Algumas doenças apresentam alterações teciduais, como osteoporose, doenças neuromusculares, amputações e atrofia/hipotrofia. Indivíduos com osteoporose têm perda de massa óssea. Isso faz com que o corpo em imersão tenha uma forte tendência à flutuação, o que pode dificultar a realização de alguns exercícios na postura bípede ou na marcha. O fisioterapeuta pode ajustar essa situação colocando um par de caneleiras, o que favorece a descarga de peso distal, melhorando, desta forma, a descarga de peso na base de apoio. Em contrapartida, caso seja de interesse do clínico trabalhar exercícios em posição supino ou prono, na superfície da água, esse paciente apresentará maior facilidade em manter-se na posição em decorrência de sua menor densidade corporal. Indivíduos que apresentam alguns tipos de doenças neuromusculares, como a distrofia muscular de Duchenne, podem apresentar uma substituição de tecido muscular por tecido adiposo em algumas áreas específicas do corpo, como nas panturrilhas. Essa situação pode prejudicar a capacidade do paciente de permanecer em pé ou de caminhar em imersão. Nessa situação, o uso de pesos na parte distal das pernas também é indicado. Indivíduos com amputações ou deformidades nos membros também podem apresentar diferentes densidades entre os dois lados do corpo, sendo que o lado com o membro residual tem maior densidade e tende a afundar, gerando um desequilíbrio para manter-se na água, tanto na postura em pé como deitado na superfície da água (KISNER, 2016). 14 Unidade I Figura 4 – Paciente apresenta uma amputação na altura do úmeroà direita e uma hemiparesia à esquerda (perda do movimento da metade do corpo), o que provoca uma perda de massa muscular em todo o hemicorpo. As duas condições podem promover diminuição da densidade, aumentando a flutuabilidade do paciente, mas nesta situação o hemicorpo esquerdo está apresentando maior tendência a flutuar (observe que a coxa esquerda encontra-se mais fora da água) Crianças e idosos apresentam uma composição corporal menos densa (menor quantidade de tecido ósseo e muscular) e maior quantidade de tecido adiposo, o que favorece a flutuação. Por outro lado, indivíduos adultos apresentam uma composição corporal mais densa (maior quantidade de tecido muscular e tecido ósseo), gerando maior tendência de o corpo afundar. Também há diferença na composição corporal entre os gêneros: mulheres apresentam uma composição corporal menos densa devido a maior quantidade de tecido adiposo e menor quantidade de massa magra, contribuindo para uma maior tendência à flutuação; já os homens apresentam maior quantidade de massa magra e menor quantidade de tecido gorduroso, contribuindo para maior tendência a afundar (CAROMANO; NOWOTNY, 2002; BATES; HANSON, 1998). 1.1.2 Flutuação/empuxo É uma força oposta à força da gravidade que atua sobre um objeto ou corpo em imersão parcial ou total, ou seja, força para cima gerada pelo volume da água deslocado (ORSINI et al., 2010; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000; PARREIRA; BARATELLA, 2011). Por que o corpo flutua quando está imerso? Segundo o princípio de Arquimedes, se um corpo se encontra total ou parcialmente imerso em um fluído e sofre uma força igual ao peso do volume de líquido deslocado por esse fluído, com sentido contrário à força da gravidade, o corpo é movimentado na direção da superfície da água. Desta forma, o peso real do corpo parece estar reduzido na água, uma vez que o peso aparente é consequência da diferença do peso corporal e da força de empuxo. Dependendo do nível de profundidade da água (nível de imersão) em que o indivíduo é posicionado, é possível promover uma redução relativa do peso 15 FISIOTERAPIA AQUÁTICA corporal, como apresentado na ilustração a seguir (CAROMANO; NOWOTNY, 2002; ORSINI et al., 2010; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000): Estático C7 Processo xifoide Espinhas ilíacas ântero-superiores Lento Procentagem de aplicação do peso 0-25 25-50 50-75 75-100 Rápido Figura 5 – Porcentagem da sensação do peso corporal em diferentes níveis de imersão em três diferentes situações: estático, deslocando-se lentamente e deslocando-se rapidamente. Quando a água está na altura de C7, a sensação varia de 0-25% do peso corporal; quando a água está no processo xifoide, a sensação varia de 25%-50% do peso corporal; e quando a água está na altura das espinhas ilíacas ântero-superiores, a sensação varia de 50%-75% do peso corporal Portanto, pessoas que estão com o corpo imerso estão sendo submetidas à ação de duas forças opostas: a gravidade e o empuxo. Uma contribui para que o corpo afunde e a outra, para que o corpo flutue. Desta forma, quanto maior o nível de imersão (proporção do corpo que está dentro d’água), menor a percepção do seu peso corporal. Observação Os níveis de alívio em diferentes regiões do corpo são os seguintes: Cervical: 90% de alívio. Ombros: 80% de alívio. Processo xifoide: 75% de alívio. Crista ilíaca: 50% de alívio. A força de flutuação pode interferir no movimento de três formas diferentes. Dependendo da postura do paciente, pode ser utilizada como assistência ou facilitador (A), como resistência (B) ou como apoio ou suporte (C) para o movimento corporal ou movimento de determinado segmento, conforme demonstra a figura a seguir. Desta forma, está diretamente relacionada à posição do corpo na água: 16 Unidade I A B C Figura 6 – As diferentes possibilidades de uso do empuxo em relação ao movimento A) Assistência: assiste qualquer movimento em direção à superfície da H2O. Exemplo: em um indivíduo na postura anatômica com nível de imersão na cervical, a força de empuxo facilitará a realização do movimento de flexão ou abdução do ombro até 90º, assim como também facilitará o movimento de flexão do cotovelo. B) Resistência: resiste qualquer movimento em direção oposta à superfície da H2O. Exemplo: em um indivíduo com nível de imersão na cervical na postura ortostática com os MMSS abduzidos, a força de empuxo vai resistir à realização do movimento de adução do ombro. C) Apoio ou suporte: a força da gravidade se equivale à flutuação e qualquer movimento horizontal é considerado apoiado. Exemplo: quando é oferecido algum objeto que flutue na superfície da água e o paciente o utiliza como apoio para realizar outras atividades, como a marcha com os membros superiores apoiados no flutuador. Observação Essas três funções do empuxo podem ser potencializadas com o uso de equipamentos menos densos, como flutuadores. 17 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Aplicação clínica Em problemas clínicos nos quais seja necessário promover diminuição de sobrecarga sobre as estruturas musculoesqueléticas, o empuxo favorece a diminuição da descarga de peso, pois proporciona um efeito de sustentação, permitindo diferentes sensações e movimentos, como a marcha e ortostatismo precoces (BECKER, 2009; KOURY, 2000; ORSINI et al., 2010; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000, BATES; HANSON, 1998). São exemplos: • indivíduos com osteoartrose de coluna e/ou quadril e/ou joelhos; • indivíduos com fraturas em consolidação que só estão liberados para descarga parcial de peso e deambulam apenas com assistência de andadores ou muletas, mas que na água podem deambular sem uso de aditamentos da marcha; • indivíduos em pós-operatório em fase aguda/subaguda; • indivíduos com osteogênese imperfeita. Quanto ao favorecimento do controle postural sentado, no ortostatismo e na marcha, são exemplos: • indivíduos com diagnóstico de paralisia cerebral, acidente vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson ou qualquer outra condição que promova dificuldade de realizar o endireitamento do tronco em posturas antigravitacionais. Observação Apesar de o empuxo favorecer o alinhamento postural (o endireitamento contra gravidade), essa força dificulta a descarga de peso na base de apoio, o que pode interferir no controle postural. No fortalecimento muscular, pode-se favorecer o movimento (a favor do empuxo) e oferecer resistência ao movimento (contra o empuxo), conforme Kisner (2016): • Facilitação do movimento pelo empuxo: indivíduos em imersão que apresentam fraqueza muscular com grau de força muscular 2 provavelmente conseguirão realizar o movimento contra a ação da gravidade devido à assistência que a força de empuxo promove. Por exemplo, uma pessoa que teve um AVC, resultando em prejuízo da movimentação voluntária de um hemicorpo, ao tentar fazer a flexão de quadril na fase de balanço da marcha em solo, pode não ser capaz de vencer a gravidade, mas ao realizar o mesmo movimento em imersão, é provável que seja capaz de realizar a flexão de quadril com menos compensações devido à facilitação promovida pelo empuxo (PEREIRA et al., 2019), como demonstrado na figura a seguir: 18 Unidade I Figura 7 – Movimento de flexão do quadril na postura ortostática a favor do empuxo • Resistência do movimento pelo empuxo: indivíduos que têm força muscular maior que 3, ao realizar o movimento de flexão de quadril a partir da postura de prono na superfície da água, utilizarão a força de empuxo como resistência nos primeiros 90 graus da amplitude de movimento, como demonstrado na figura a seguir: Figura 8 – Flexão de quadril na postura prono contra o empuxo Cuesta-Vargas, Cano-Herrera e Heywood (2013) compararam a atividade neuromuscular envolvida na passagem de sentado para em pé na água e no solo em indivíduos saudáveis e observaram que a atividade neuromuscular nos músculos dos membros inferiores foi menor na água comparado ao solo. Tal fato pode ser atribuído à diminuição da descarga de peso devidoà ação do empuxo. Conforme Bates e Hanson (1998), é possível diminuir a dor, pela diminuição da sobrecarga. Assim, indivíduos com dor devido à sobrecarga no tecido muscular, nas articulações ou tecidos moles, como ligamentos e discos intervertebrais, podem apresentar uma diminuição da sensação da dor devido à redução da sobrecarga nos tecidos promovida pela ação do empuxo. Pessoas com osteoartrose ou doenças 19 FISIOTERAPIA AQUÁTICA discais da coluna podem apresentar queixa de dor durante a marcha ou ortostatismo em solo, resultando em limitação do desempenho funcional. Entretanto, em imersão, a dor pode ser menor ou ausente. No que se refere à diminuição do tônus muscular, como alguns indivíduos com disfunções neurológicas podem apresentar um aumento patológico do tônus muscular que pode interferir na funcionalidade, o empuxo promove diminuição do estresse gravitacional nos músculos e articulações, especialmente nos membros inferiores, podendo reduzir as informações sensoriais provenientes dos receptores, o que contribui para uma adequação do tônus muscular. A redução dos impulsos aferentes proprioceptivos e táteis promove diminuição da emissão de estímulos facilitadores aos músculos extensores e dessensibilização do fuso muscular, diminuindo a atividade das fibras gama (ORSINI et al., 2010). Esse efeito de redução do tônus só é atingido quando o paciente encontra-se em uma postura estável e bem alinhado, pois a condição dinâmica da base de apoio e a maior instabilidade proveniente da ação das propriedades físicas promovem estímulos que geram aumento do tônus muscular. Portanto, a imersão promover diminuição da hipertonia não é uma condição absoluta; esse efeito só é atingido quando o indivíduo está bem posicionado. Reduzir as informações sensoriais provenientes dos receptores articulares (ORSINI et al., 2010) é um efeito que promove maior instabilidade postural, dificultando o equilíbrio, tornando a água um ambiente naturalmente desafiador para o paciente manter o equilíbrio postural e facilitando o desenvolvimento das estratégias de equilíbrio. Quanto ao efeito metacêntrico (gravidade X empuxo), quando um corpo se encontra em imersão, está exposto à ação de duas forças opostas: a força da flutuação e a força da gravidade. O centro de flutuação encontra-se no meio do tórax, já o centro de gravidade está localizado posterior ao plano mediossagital, ao nível do umbigo (KOURY, 2000). Quando esses centros se encontram verticalmente alinhados, o corpo imerso permanece em estado estável. Entretanto, quando o centro de flutuação não está alinhado verticalmente com o centro de gravidade, o corpo vai sofrer um efeito rotacional até encontrar o equilíbrio. Esse momento de força é chamado de torque e é determinado pelo efeito rotacional da força gerado em torno de um ponto, como demonstrado na figura a seguir: Força da gravidade A) B) Força de flutuação Força de flutuação CF CF CG CG Força da gravidade Figura 9 – A) Força de flutuação e força da gravidade em equilíbrio; B) Força de flutuação e força da gravidade não alinhadas, gerando um torque e provocando o desequilíbrio do corpo 20 Unidade I Assim, é possível afirmar que a estabilidade do corpo na água depende da habilidade em controlar esses efeitos rotacionais. O equilíbrio das linhas gera controle estático estável e o desequilíbrio das linhas verticais gera um movimento rotacional (torque). Além disso, é fundamental ressaltar que a distância horizontal entre as forças influencia diretamente sobre o movimento. Quanto maior o braço de alavanca, ou seja, quanto maior a distância entre o centro de flutuação e o ponto pivô do movimento, maior será a força necessária para gerar o movimento. Em contrapartida, quando a distância é menor entre esses pontos, a força necessária será menor, facilitando a realização do movimento. Aplicação clínica Indivíduos que apresentem algum tipo de alteração da forma do corpo, com amputação dos membros, algum tipo de deformidade musculoesquelética, alteração da composição tecidual (uso de prótese) ou presença assimétrica de hipertonia podem apresentar um constante desequilíbrio entre o centro de flutuação e centro de gravidade. Assim, eles têm tendência a rodar o corpo quando está em imersão, prejudicando o controle estático do corpo. Consequentemente, o fisioterapeuta precisará utilizar equipamentos como pesos ou flutuadores, visando ajustar a tendência à rotação corporal. Figura 10 – Paciente hemiparético à esquerda, após AVC, em posição supino, apresentando tendência a rolar para a direita na água devido à diferença de trofismo entre os dois hemicorpos e devido ao padrão flexor do membro superior esquerdo Entretanto, em alguns momentos esse desequilíbrio entre os centros de flutuação e gravidade pode ser utilizado de forma proposital. Isso visa promover uma intenção de movimento, favorecendo a mobilidade e a ativação do controle voluntário do paciente. Pacientes tetraplégicos com a mobilidade reduzida podem iniciar o movimento de rotação do corpo em flutuação com um pequeno movimento distal das mãos, ou apenas desviando o olhar. Exemplo de aplicação Experimente permanecer na postura de cubo (sentado na água), com os braços apoiados na superfície. Após encontrar seu ponto de equilíbrio, realize a extensão do punho de um único lado e observe o que acontecerá com o seu corpo. 21 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Figura 11 – Paciente na postura de cubo com apoio dos membros superiores 1.1.3 Pressão hidrostática É a força da água exercida por unidade de área, em que a força do líquido exerce pressão sobre todas as direções do corpo imerso, aumentando com a profundidade, conforme a Lei de Pascal. Isso é exemplificado na figura a seguir: Força de flutuação Força da gravidade Pressão lateral da água Figura 12 – Ação da pressão da água exercida sobre o corpo imerso 22 Unidade I Portanto, a pressão é diretamente proporcional à densidade do líquido e à profundidade de imersão (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Aplicação clínica O tratamento pode ser realizado na resolução de edema e para facilitar o retorno venoso. Os vasos em imersão sofrem uma compressão pela pressão hidrostática, favorecendo o retorno linfático e venoso (CAROMANO; NOWOTNY, 2002). O procedimento pode ser realizado em pacientes com as seguintes condições clínicas: • gestantes com linfedema; • pacientes com edema após procedimento cirúrgico. Esse procedimento também facilita o controle postural, favorecendo o equilíbrio. A pressão hidrostática oferece maior tempo de resposta para o desenvolvimento das estratégias devido à resistência provocada pela pressão. Além disso, a compressão da superfície corporal também aumenta a estimulação proprioceptiva das terminações nervosas periféricas no tronco e extremidades, conferindo maior apoio e proteção para o desenvolvimento e manutenção do equilíbrio (ORSINI et al., 2010). Idosos e pacientes neurológicos com prejuízo do equilíbrio podem ter mais tempo para desenvolver as respostas de equilíbrio, o que contribui para a melhora do controle postural de forma mais segura. Ela também serve para aumentar o trabalho inspiratório e facilitar o trabalho expiratório devido ao aumento da pressão sobre a caixa torácica, auxiliando no fortalecimento do diafragma contra resistência (CAROMANO; NOWOTNY, 2002; BATES; HANSON, 1998). Pacientes com doenças neuromusculares que evoluem com perda da capacidade respiratória podem apresentar sinais de desconforto respiratório quando se encontram com imersão da caixa torácica devido à resistência que a pressão hidrostática promove ao trabalho do diafragma (NICOLINI et al., 2012). Além disso, ajuda a estabilizar as articulações instáveis em pacientes do pós-operatório de cirurgias musculoesqueléticas (BATES; HANSON, 1998; KOURY, 2000). 1.1.4 Tensão superficial É uma barreira semelhante a uma membrana ou película presente na superfície da água. Promove uma maior resistência, permitindo que um corpotenha maior flutuabilidade na superfície. Tal situação é possível porque as moléculas do líquido estão mais atraídas na superfície, proporcionando uma membrana sob tensão. A força resistiva da tensão superficial torna-se uma variável ativa à medida que a área de superfície aumenta (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). 23 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Figura 13 – Inseto consegue caminhar na superfície da água devido à presença da tensão superficial Aplicação clínica Ao gerenciar a resistência muscular desejada de acordo com as necessidades do paciente, o posicionamento do corpo e o uso de equipamentos como palmares e pés de patos podem aumentar a área de superfície, aumentando a resistência muscular contra a tensão superficial. Exemplo de aplicação Para experimentar os efeitos da tensão superficial no movimento em ortostatismo, realize a adução horizontal com pronação de antebraço e as mãos apoiadas na superfície da água. Posteriormente, faça a supinação parcial do antebraço. No segundo movimento há maior dificuldade, pois a área de contato das mãos torna-se uma zona de resistência. Veja as figuras a seguir: A) B) Figura 14 – Movimento de abdução e adução horizontal: A) Movimento com pronação do antebraço é realizado com menor área de contato contra a água, logo, com menor resistência; B) Movimento com supinação parcial de antebraço é realizado com maior área de contato contra a água, logo, com maior resistência 24 Unidade I Mobilizações e alongamentos passivos podem ser realizados na superfície, e a resistência oferecida pela tensão superficial auxilia na execução do movimento. Figura 15 – Paciente na posição supino apoiado na superfície da água com auxílio de alguns flutuadores realizando mobilização lateral do tronco contra a tensão superficial 1.1.5 Refração Fenômeno observado quando a luz passa de um meio para outro com densidades diferentes, sofrendo mudança da direção. Dessa maneira, ao observar da borda da piscina um indivíduo com água ao nível das cristas ilíacas, ele parece ter o tronco e os membros inferiores mais curtos (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Aplicação clínica A refração provoca a alteração do feedback visual do terapeuta e do paciente, como demonstrado na imagem a seguir, em que os membros inferiores do paciente estão imersos e parecem desalinhados em relação ao tronco, o que dificulta a observação do paciente: Figura 16 – Demonstração do efeito de refração na parte imersa do corpo 25 FISIOTERAPIA AQUÁTICA 1.2 Termodinâmica – calor Os efeitos térmicos da água estão relacionados à troca de calor entre o corpo e o meio. Se a temperatura da água exceder a temperatura do corpo submerso, o sistema equilibra-se em um nível diferente, com o corpo submerso aquecendo-se através da transferência de energia calórica. A troca de energia acontece através da condução, convecção e irradiação. A condução e a convecção exigem contato entre as fontes que estão trocando energia; já a radiação, não. A condução ocorre na ausência de movimento e a convecção exige movimento de uma fonte em relação a outra. A água é um bom condutor, pois transfere calor 25 vezes mais rápido que o ar (BECKER; 2009; CAROMANO; NOWOTNY, 2002; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Para fins terapêuticos, a piscina deve estar na temperatura em torno de 32 °C a 35 °C (este valor pode variar dependendo da temperatura do ambiente externo). O aumento da temperatura corporal acontece mesmo no repouso, desde que a temperatura da água esteja mais elevada, em torno de 35,5 °C. Conforme a intensidade do exercício aumenta, a temperatura da água deve ser reduzida proporcionalmente, pois a realização de exercícios intensos a uma temperatura de 35 °C resulta em aumento da temperatura para 39 °C, contribuindo para o desenvolvimento da fadiga precoce. Em contrapartida, uma atividade física semelhante realizada a uma temperatura menor que 18 °C pode contribuir para o prejuízo da contração muscular (ORSINI et al., 2010). Observação Em cidades de clima muito quente, a temperatura da piscina pode ser mantida em torno de 32 °C. Já em cidades de clima mais frio, é necessário manter a piscina mais quente. O aumento na temperatura promove diversas alterações fisiológicas, como o aumento no metabolismo, gerando aumento do consumo de oxigênio e facilitando a cicatrização tecidual; o aumento do suprimento sanguíneo aos músculos, facilitando a contração muscular; o aumento da velocidade das reações químicas; o aumento da sudorese na parte do corpo que está fora da água (cabeça); a diminuição do espasmo muscular; e a alteração das propriedades viscoelásticas do tecido conjuntivo. Além disso, o calor também diminui a sensibilidade das terminações nervosas, promovendo o aumento do limiar para a dor e gerando analgesia (ORSINI et al., 2010). O calor é capaz de “enganar” a dor momentaneamente, pois o estímulo térmico é transmitido por vias sensoriais que são mais largas e mielinizadas, e, portanto, mais rápidas na propagação do seu impulso comparadas à propagação da dor que é transmitida por aferências sensoriais mais lentas (BATES; HANSON, 1998). Caso a temperatura da água esteja igual ou maior que 33 °C poderá ocorrer hipertermia, e o paciente fica com a face hiperemiada e suada e com sensação de tontura ou fadiga. 26 Unidade I Observação É muito importante para o clínico ter cautela com o tempo de terapia para evitar que o paciente apresente fadiga após a sessão. Aplicação clínica O aumento na temperatura promove aquecimento por igual das partes do corpo submersas, contribuindo para maior maleabilidade dos tecidos moles (KOURY, 2000). Em indivíduos que realizaram procedimento cirúrgico, como reconstrução de ligamentos, a temperatura pode auxiliar o fisioterapeuta na mobilização dos tecidos cicatriciais, evitando formação de aderências cicatriciais. Também promove relaxamento muscular. Em algumas condições clínicas específicas, como na fibromialgia, os pacientes evoluem com importante quadro de dor provocado por tensão muscular. O efeito térmico da água contribui para um relaxamento muscular global das partes que estão imersas (BATES; HANSON, 1998; KOURY, 2000). Além disso, auxilia na analgesia. Pacientes com disfunções musculoesqueléticas variadas geralmente apresentam quadro álgico que limita a realização de exercícios mais ativos. Em imersão, devido ao efeito analgésico, esses indivíduos são capazes de realizar mais movimentos ativos com menor desconforto (BATES; HANSON, 1998; KOURY, 2000). Favorece, ainda, a adequação do tônus. Como já discutido anteriormente, indivíduos com lesão neurológica do SNC podem apresentar aumento patológico do tônus muscular (hipertonia). O aumento da temperatura pode modular o tônus devido a alteração na velocidade de condução nervosa, diminuindo a atividade tônica. Tal efeito favorece o manuseio dos membros, facilitando a realização de alongamentos musculares e contribuindo para a profilaxia de contraturas devido à manutenção de padrões estereotipados e movimentos limitados. Além disso, os pacientes apresentam uma melhor tolerância à realização dos alongamentos e mobilizações na fisioterapia aquática, pois sentirão menor desconforto e maior maleabilidade dos tecidos devido à ação do calor. Além disso, outra consequência da adequação do tônus é que o paciente consegue mover-se de forma mais ativa, o que contribui para uma maior participação funcional na tarefa (ORSINI et al., 2010; BATES; HANSON, 1998; KOURY, 2000). Por fim, aumenta a velocidade de cicatrização dos tecidos. O aumento da circulação periférica contribui para a remoção de metabólitos e a cicatrização dos tecidos (KOURY, 2000). 1.3 Hidrodinâmica (considerando a água ou o corpo em movimento) 1.3.1 Viscosidade É a magnitude de atrito interno do líquido promovida pela atração que existe entre as moléculas da água devido às forças de adesão e coesão. Quando o líquido é colocado em movimento, essa atração cria resistência ao movimento (BECKER, 2009; KOURY, 2000; RUOTI;MORRIS; COLE, 2000). 27 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Força de adesão é a atração entre as moléculas vizinhas de diferentes matérias; já a força de coesão é a atração entre as moléculas do mesmo material (BATES; HANSON, 1998). Cada líquido tem um coeficiente de viscosidade (η). Quanto maior esse coeficiente, maior a viscosidade fornecida pelo líquido e, consequentemente, maior a força necessária para gerar o deslocamento em imersão. Existem alguns fatores que podem influenciar o aumento da viscosidade, tornando a resistência ao movimento maior: • A velocidade de realização do movimento é um componente que interfere diretamente na ação da viscosidade no movimento, visto que esta é elevada ao quadrado e diretamente proporcional (BATES; HANSON, 1998). O aumento da velocidade do movimento aumenta a resistência à movimentação do indivíduo, tornando mais difícil de ser realizado (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Exemplo de aplicação Note que ao andar devagar na água você vai sentir uma pequena resistência ao se movimentar, mas caso você aumente a velocidade da marcha vai sentir maior dificuldade devido ao aumento da resistência à movimentação do corpo (aumento da viscosidade). • A forma e o tamanho do objeto também podem influenciar na resistência gerada no movimento. Quanto maior a superfície de contato (área do corpo ou do objeto), maior a resistência à movimentação (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000), como apresentado na figura a seguir: Figura 17 – Marcha na água com os membros superiores abduzidos, gerando maior resistência ao deslocamento Exemplo de aplicação Note que ao andar na água com os membros superiores ao lado do corpo você vai sentir menos resistência para deslocar-se do que para andar com os membros superiores imersos abduzidos a 90º. 28 Unidade I • A temperatura da água também pode influenciar na viscosidade. Na água aquecida há menos resistência do que na água fria (CAROMANO; NOWOTNY, 2002). Aplicação clínica Esse tipo de atividade contribui para o fortalecimento muscular. Assim, indivíduos com fraqueza muscular podem executar exercícios contra a resistência da água visando ganho de força muscular. Quanto maior a superfície de contato com água e quanto mais rápido o exercício for executado, mais difícil é de ser realizado e maior grau de força muscular é exigido. Assim, pacientes com fraqueza muscular grau 2 precisam de facilitações, como realizar o movimento em velocidade menor e com menor superfície de contato para ter êxito na execução do movimento. Já pacientes que apresentam força muscular maior ou igual a 3 podem explorar a viscosidade, aliada a uma maior área de contato, visando gerar maior resistência para promover maior ganho de força muscular. Exemplo de aplicação Bata as pernas utilizando pé de pato. Isso aumenta a resistência, gerando maior trabalho muscular. Também contribui para a flexibilidade muscular. Por isso, indivíduos que apresentam encurtamento muscular podem utilizar a viscosidade para auxiliar na execução de exercícios que visam ganho de flexibilidade muscular. Caso o paciente ande na água com os membros superiores imersos abduzidos a 90º, a resistência da água contribuirá para o alongamento do musculo peitoral maior, por exemplo. Além disso, o clínico também pode explorar a ação da viscosidade ao realizar movimentos passivos contra a resistência da água, gerando afastamento da origem e inserção do músculo, como demonstrado na figura a seguir: Figura 18 – Movimento de flexão lateral do tronco contra a resistência da água, promovendo alongamento de quadrado lombar Exercícios desse tipo também podem favorecer as estratégias de equilíbrio (aumento do tempo de reposta) e evitar quedas (BATES; HANSON, 1998; ALIKHAJEH; HOSSEINI; MOGHADDAM, 2012). 29 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Frequentemente, indivíduos com disfunções neurológicas e idosos podem apresentar prejuízo do controle postural, resultando em déficit das estratégias de equilíbrio que contribuem para a presença de quedas frequentes. A viscosidade proporciona um efeito câmera lenta, gerando para o sistema nervoso central um maior tempo para a elaboração de uma resposta apropriada e contribuindo para o treinamento dos ajustes posturais e estratégias de equilíbrio, o que repercute em melhora do equilíbrio em um ambiente mais seguro. 1.3.2 Turbulência É o movimento irregular de um líquido que produz um aumento na fricção entre as moléculas do fluído e entre o objeto e o fluído. Ocorre quando a velocidade do líquido é aumentada, mas também está associada à densidade e viscosidade do líquido. Como demonstrado anteriormente, quando ocorre um movimento lento e contínuo do líquido é gerado um fluxo em linha reta, laminar, havendo apenas uma pequena fricção entra as camadas do líquido. Entretanto, quando há um fluxo turbulento ocorre um movimento mais rápido e irregular entre as camadas do líquido, aumentando a fricção entre as moléculas do fluido, o que causa a formação de redemoinhos e, consequentemente, maior resistência (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000; KISNER, 2016). Esteira Redemoinho B) A) Figura 19 – A) Fluxo laminar, paralelo ao fluxo da água; B) Fluxo turbulento, perpendicular ao fluxo da água Quando um corpo desloca-se em um líquido, ele sofre os efeitos resistidos da água, que são nomeados como efeito esteira, redemoinho ou arrasto. Quando o movimento ocorre na mesma direção do movimento da água, encontrará menor arrasto (resistência), mas se o movimento for na direção oposta ao fluxo, haverá maior resistência (CAROMANO; NOWOTNY, 2002). Um exemplo prático para compreender a ação de tal força é observar que na natureza a mãe pata sempre anda na frente dos filhotes, pois dessa maneira vencerá a resistência da água e criará um fluxo turbulento entre ela e os filhotes, gerando uma força de arrasto que facilitará o deslocamento deles. 30 Unidade I Figura 20 – Mãe cisne deslocando-se à frente do filhote para vencer a resistência inicial da água, gerando um fluxo de arrasto que facilita o deslocamento da cria O que justifica o efeito é que quando um corpo se desloca na água há uma diferença na pressão à frente e atrás do corpo, sendo que a pressão atrás é menor que na frente, resultando num deslocamento do fluxo de água para dentro da área de pressão reduzida denominado efeito esteira. O coeficiente de arrasto (viscosidade + turbulência) consiste na ideia de que quando um objeto move-se em relação a um líquido ele é submetido aos efeitos resistivos do líquido. Exemplo de aplicação Perceba que quando duas ou mais pessoas estão andando na água em fila (alinhadas uma na frente da outra), a primeira sentirá mais dificuldade de se deslocar, pois precisa vencer maior resistência, mas quem está atrás sentirá menor resistência devido ao efeito esteira criado entre eles. Aplicação clínica Esse efeito é utilizado para favorecer ou dificultar a marcha. Quando o terapeuta vai treinar marcha em um indivíduo que apresenta muita dificuldade, inicialmente vai deslocar-se à frente para gerar um arrasto entre eles, favorecendo o deslocamento do paciente. Em contrapartida, caso o terapeuta deseje dificultar o deslocamento do paciente, ele pode caminhar atrás, já que desta maneira a força de arrasto vai puxar o paciente para trás e não para frente. Observação Algumas piscinas são equipadas de jatos de fluxo turbulento que podem ser utilizados no treinamento da marcha. 31 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Outro objetivo é provocar instabilidade postural para favorecer as estratégias de equilíbrio. Quando o terapeuta deseja aumentar a instabilidade postural do paciente para estimular as respostas de equilíbrio ele pode gerar um fluxo turbulento de duas formas diferentes. A primeira é movimentar-se em círculos ao redor do paciente que tenta manter-se parado. A segunda forma é mais sutil: o terapeuta cria um fluxo turbulento leve e direcionado com as próprias mãos, buscando uma resposta mais específica. A instabilidade provocada pela turbulência estimula a informaçãoproprioceptiva, exigindo um esforço com melhor modulação. Exemplo de aplicação Permaneça parado no meio da piscina e solicite que alguém desloque-se ao seu redor por poucos minutos. Perceba que a turbulência criada pelo deslocamento da pessoa vai gerar uma importante instabilidade postural, gerando desequilíbrio. Busca, ainda, favorecer a transferência de peso para o membro ou lado acometido. Em diferentes situações clínicas, o paciente pode apresentar uma descarga de peso discrepante entre os membros inferiores. Por exemplo, pessoas que têm dor ou passaram por algum tipo de procedimento cirúrgico em um dos membros inferiores podem realizar maior descarga de peso no outro membro, já que muitas vezes tal situação é considerada uma resposta protetora do indivíduo. A turbulência pode ser um instrumento terapêutico valioso nessa situação, pois o terapeuta se posicionará no lado de menor descarga de peso e realizará uma turbulência com suas mãos, gerando o deslocamento do corpo para o lado acometido. Por fim, procura favorecer ou dificultar o movimento (fortalecimento muscular). Dependendo da direção do fluxo turbulento, haverá uma facilitação ou resistência ao movimento realizado. Por exemplo, se o terapeuta fizer uma turbulência à frente do trajeto do movimento a ser realizado, uma força de arrasto será criada, facilitando o movimento. Por outro lado, caso essa turbulência seja criada atrás da direção do movimento, tal força resistirá, aumentando a dificuldade. Este recurso é bastante explorado na técnica dos anéis de Bad Ragaz. Quanto à relação das propriedades físicas da água com o equilíbrio corporal, quando um corpo está em imersão, os ajustes de equilíbrio corporal respondem de maneira diferente ao solo devido à ação de algumas propriedades físicas da água. O indivíduo tem a percepção de maior instabilidade postural devido à ação das forças de empuxo e da turbulência. O empuxo reduz o estresse gravitacional nos músculos e articulações, diminuindo as informações sensoriais provenientes dos receptores articulares. Especialmente nos membros inferiores, a diminuição da propriocepção articular promove um conflito sensorial, favorecendo o desenvolvimento de ajustes posturais específicos por parte do SNC. Por outro lado, a pressão hidrostática e a viscosidade proporcionam maior resistência aos movimentos corporais, proporcionando mais tempo para o desenvolvimento das respostas de equilíbrio (ORSINI et al., 2010; ALIKHAJEH; HOSSEINI; MOGHADDAM, 2012; METHAJARUNON et al., 2016). No que se refere à relação das propriedades físicas da água com a marcha, a ação delas promove efeitos diversos sobre as diferentes fases da marcha. Na fase de apoio, o empuxo diminui a descarga 32 Unidade I de peso no membro, facilitando o controle muscular, mas dificultando a descarga de peso na base de apoio. A pressão hidrostática proporciona maior estabilidade articular, favorecendo o alinhamento postural e o equilíbrio em bases diminuídas, como no apoio médio. Na fase de balanço, o empuxo favorece o movimento de tríplice flexão (flexão de quadril, flexão de joelho e dorsiflexão), efeito este que proporciona aumento do comprimento do passo. A viscosidade representa uma resistência ao movimento, mas facilita o controle postural e o equilíbrio, aumentando o tempo de resposta dos ajustes posturais (PEREIRA et al., 2019). Saiba mais Para ampliar seu conhecimento sobre as propriedades físicas da água, leia o capítulo “Princípios físicos da água” do livro a seguir: RUOTI, R. G.; MORRIS, D. M.; COLE, A. J. Reabilitação aquática. Barueri: Manole, 2000. 2 EFEITOS FISIOLÓGICOS DA IMERSÃO Neste tópico serão abordados os efeitos fisiológicos resultantes da imersão do corpo na água, assim como os efeitos hemodinâmicos da realização de atividades físicas realizadas em imersão. Além disso, também são levados em consideração os ajustes biomecânicos desenvolvidos no sistema musculoesquelético. Para auxiliar a compreensão, são discutidos de forma individualizada os efeitos fisiológicos da imersão nos sistemas cardiovascular, renal, respiratório e musculoesquelético. 2.1 Efeitos cardiovasculares 2.1.1 Efeitos cardiovasculares da imersão em água fria A bradicardia, a vasoconstrição periférica e o desvio de sangue para áreas vitais compõem um complexo de respostas cardiovasculares resultantes da imersão em água fria denominado reflexo de mergulho. Nos seres humanos, tem como principal finalidade a conservação do calor através da vasoconstrição periférica, desviando o fluxo de sangue para a região dos órgãos vitais (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Há um aumento do enchimento atrial devido à bradicardia reflexa neural, desencadeada por receptores de frio localizados trigeminalmente, e à vasoconstrição induzida pelo frio, que desvia o sangue para o tórax, aumentando o retorno venoso. A diminuição reflexa da frequência cardíaca é um ajuste hemodinâmico para manter o débito cardíaco estável (volume sanguíneo x frequência cardíaca), compensando o aumento do enchimento atrial (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). 33 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Imediatamente após a imersão, o débito cardíaco aumenta em torno de 30% devido ao desvio central de volume, que gera um aumento da pressão no átrio direito. Este efeito desencadeia uma resposta compensatória, provocando uma diminuição de aproximadamente 10 batimentos por minuto, ou cerca de 5% da frequência cardíaca (BECKER, 2009; CAROMANO; CANDELORO, 2001). Algumas pesquisas têm demonstrado que a frequência cardíaca apresenta um comportamento diferente quando o corpo está em imersão na água. Os valores obtidos são mais baixos, tanto em repouso quanto durante o exercício, quando comparados ao solo (BECKER, 2009; SCHOENELL; BGEGINSKI; KRUEL, 2016). O aumento da profundidade está relacionado ao aumento da bradicardia, entretanto, esse efeito é desencadeado também em outras condições, não apenas quando há imersão total do corpo. A imersão do rosto quando lava-se a face, a imersão do corpo com a cabeça fora d’água quando o indivíduo está na piscina para realização de atividades físicas e a imersão completa quando está nadando são exemplos de situações que estão relacionadas ao reflexo de mergulho. Apesar da frequência cardíaca diminuir em temperaturas mais baixas, a bradicardia não diminui a necessidade de oxigênio dos órgãos vitais, não estendendo o tempo respiratório ou diminuindo o risco de hipóxia (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Além disso, a pressão arterial (PA) também sofre adaptações frente à hipervolemia central, pois o aumento da diurese resultante das mudanças hormonais resulta em diminuição da PA (PARREIRA; BARATELLA, 2011). 2.1.2 Efeitos cardiovasculares da imersão em água aquecida: Em temperaturas mais altas (36 °C a 37 °C), o calor desencadeia uma vasodilatação periférica, resultando no desvio do fluxo sanguíneo da região torácica para os membros do corpo. Essa mudança fisiológica desencadeia um aumento da frequência cardíaca em indivíduos que estão em imersão com a cabeça para fora (BATES; HANSON, 1998; PARREIRA; BARATELLA, 2011). Outros fatores que podem aumentar a frequência cardíaca na fisioterapia aquática é a realização de exercícios ativos em imersão, nível de ansiedade e medo do paciente. Segundo alguns autores, não há diferença na variação da frequência cardíaca entre gêneros e idades (PARREIRA; BARATELLA, 2011). Entretanto, outros apontam que o débito cardíaco pode variar dependendo da idade, sendo que indivíduos mais jovens demonstram maior aumento comparado aos indivíduos mais velhos. Ainda é válido ressaltar que a frequência cardíaca de repouso em solo do indivíduo pode influenciar a variação da frequência cardíaca em imersão. Quanto maior a frequência cardíaca inicial em solo, maior será a diminuição em imersão (BECKER, 2009). Dessa forma, a frequência cardíaca é sensível à temperatura da água: • Imersão em temperaturas termoneutras ou um pouco mais baixasgera redução da frequência cardíaca. • Imersão em temperaturas mais altas (acima de 36 °C) gera aumento da frequência cardíaca. 34 Unidade I Lembrete Para fins terapêuticos, a imersão geralmente é realizada em águas termoneutras, pois há menor sobrecarga do sistema cardiovascular. 2.2 Efeitos renais Em imersão, a hemodinâmica central altera-se em razão de a pressão hidrostática e a flutuação provocarem uma vasoconstrição periférica, gerando um desvio de sangue dos membros para o tórax, o que resulta numa hipervolemia central (aumento de 60% do volume central) e promove a distensão dos receptores cardíacos. Dessa forma, respostas compensatórias, que visam proteger o coração contra a sobrecarga provocada pela hipervolemia, são desencadeadas, minimizando os efeitos da distensão atrial direita (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Esses efeitos podem ainda estar potencializados em consequência da temperatura da água, do horário do dia e do efeito da respiração com pressão negativa. A água mais fria pode intensificar as respostas renais compensatórias, pois a baixa temperatura aumenta a vasoconstrição periférica. Além disso, o débito urinário também se apresenta maior durante a imersão diurna. Tais efeitos se somam às implicações provocadas pela pressão negativa da respiração. Na imersão com a cabeça para fora da água, a pressão do ar nas vias aéreas superiores é menor do que a pressão no tórax, criando uma pressão negativa durante a inspiração aumentando o volume de sangue no compartimento intratorácico (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Em virtude do acúmulo central de líquido, o sistema renal é responsável por desencadear diversos mecanismos compensatórios, como a supressão do hormônio antidiurético, a perda de sódio (natriurese) e potássio (potassiurese) e a supressão da arginina vasopressina, renina e aldosterona plasmáticas, gerando o aumento do débito urinário no intuito de manter a homeostase. Veremos a seguir os fatores que estão relacionados com o aumento do débito urinário (diurese). 2.2.1 Supressão do hormônio antidiurético (vasopressina) O hormônio antidiurético (HAD), produzido no hipotálamo e secretado pelo lobo posterior da hipófise, é liberado na corrente sanguínea quando há diminuição da pressão osmótica plasmática nos vasos. Em condições normais, produz vasoconstrição, aumentando a PA e inibindo a diurese. Esses eventos acontecem porque o HAD aumenta a permeabilidade dos tubos coletores renais, resultando em uma urina mais concentrada e em menor volume. Entretanto, a hipervolemia resultante dos efeitos da imersão é responsável pela supressão do hormônio antidiurético, provocando consequente aumento da diurese (RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). 35 FISIOTERAPIA AQUÁTICA 2.2.2 Fator natriurético atrial (FNA) É um peptídeo secretado nos átrios liberado quando há aumento da PA secundária à hipervolemia central provocada pela imersão, pela PA aumentada, pelo aumento da concentração de sódio e pelo efeito da prática de exercícios. O FNA contribui para o aumento da diurese, favorecendo a perda de sódio, a vasodilatação e a supressão da aldosterona, do hormônio antidiurético e da sede, reduzindo o volume (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Observação Fatores que estimulam a liberação do FNA: consumo exagerado de sal, aumento da PA, exercícios e hipervolemia central aguda por imersão. 2.2.3 Sistema renina angiotensina aldosterona O sistema renina angiotensina aldosterona é responsável por regular de forma precisa o sistema HAD-FNA, restringindo a perda de sódio e potássio e corroborando para o equilíbrio de volume hídrico. A renina é uma enzima renal secretada quando existe uma redução da circulação renal ou quando há diminuição do volume sanguíneo ou diminuição da PA. É responsável pelo metabolismo da angiotensina, que é secretada no fígado e tem como função gerar uma vasoconstrição, produzindo aumento da PA levando ao aumento da volemia e do fluxo sanguíneo (sistema renina-angiotensina). Além disso, a angiotensina também é responsável pela secreção do hormônio adrenocortical aldosterona, que acelera a reabsorção ativa do sódio, gerando retenção urinária de sódio, e a retenção de água, aumentando o volume extracelular devido à oligúria (baixa diurese) (MIYASHIRO, 2017; RUOTI; MORRIS; COLE, 2000). Durante a imersão há supressão desses hormônios, e isso contribui para o aumento da diurese. 2.2.4 Norepinefrina/noradrenalina Após a imersão, alguns neurotransmissores do sistema nervoso autônomo como a epinefrina, a norepinefrina, a noradrenalina e a dopamina agem regulando a manutenção da pressão sanguínea, o que diminui a frequência cardíaca, gera menor resistência vascular e diminui a força de contração cardíaca (CAROMANO; CANDELORO, 2001). Resumindo, devido à imersão, o FNA é produzido, o que inibe o HAD e a aldosterona, resultando no aumento da produção da diurese. 36 Unidade I Observação Frequentemente, o desvio central de sangue é atribuído à postura do paciente, pois o gradiente da pressão hidrostática na posição ortostática desloca o volume sanguíneo das regiões mais distais dos membros inferiores para a parte mais central do tórax. Entretanto, sabe-se que esse efeito está presente em indivíduos imersos em diversas posições diferentes, mesmo que o paciente esteja mergulhando com a cabeça para baixo. 2.3 Efeitos respiratórios A diminuição da ação da gravidade promovida pelo empuxo e a compressão sobre os vasos periféricos promovida pela pressão hidrostática desviam o volume de sangue e líquidos dos membros para parte superior do corpo (tórax). Essa centralização aumentada do volume sanguíneo gera um aumento do retorno venoso resultando em maior enchimento cardíaco. Além disso, a pressão exercida pela pressão hidrostática contribui para um aumento da pressão intratorácica. Para compensar essas alterações pressóricas, há um aumento da função respiratória em torno de 65%. A capacidade vital e o volume de reserva expiratório sofrem ajustes em imersão (BECKER, 2009; CAROMANO; CANDELORO, 2001). Esse efeito deve ser levado em consideração em condições clínicas nas quais o paciente apresente uma diminuição da função respiratória com capacidade vital reduzida provocada pela doença de base ou pela condição fisiológica relacionada com a idade (BATES; HANSON, 1998; MIYASHIRO, 2017). Indivíduos com doenças neuromusculares, principalmente progressivas, como a distrofia neuromuscular de Duchenne e a esclerose lateral amiotrófica, podem apresentar uma diminuição da capacidade respiratória, e a imersão pode representar uma sobrecarga extra ao trabalho inspiratório, prejudicando a homeostase, principalmente quando a capacidade vital encontra-se abaixo de 40-50% (SILVA; BRANCO, 2011; PARREIRA, 2005), assim como em idosos, que podem responder de forma menos eficaz à sobrecarga imposta pelo ambiente aquático (CAROMANO; CANDELORO, 2001). Nessa situação de menor capacidade vital, o fisioterapeuta pode priorizar atividades realizadas em flutuação em prono, otimizando a ação do diafragma, o que proporciona melhor ventilação (KOURY, 2000). Entretanto, essa sobrecarga sobre a musculatura inspiratória também pode ser utilizada de forma terapêutica e positiva, visando trabalhar o fortalecimento da musculatura inspiratória. Tal recurso é utilizando principalmente na reabilitação de pacientes com disfunções cardiovasculares e pulmonares, assim como no aperfeiçoamento da performance de atletas (BECKER, 2009). Apesar do maior esforço para a função inspiratória, em imersão há uma maior facilitação para a expiração, o que contribui para o melhor trabalho respiratório de pacientes com doenças pulmonares obstrutivas crônicas, como enfisema e asma (BECKER, 2009). Kurabayashi et al. (2000) analisaram os efeitos da imersão até o nível da boca comparados à não imersão em indivíduos com enfisema pulmonar crônico. Os participantes permaneceram durante dois meses, 30 minutos por dia, cinco dias por semana, em imersãocom a temperatura da água em 38 °C. Houve aumento da capacidade vital funcional, 37 FISIOTERAPIA AQUÁTICA aumento do volume expiratório, aumento do pico de fluxo e aumento da pressão parcial de oxigênio no grupo que realizou a imersão. Outro aspecto importante de ser considerado sobre os efeitos da imersão no sistema respiratório é que o aumento da temperatura gera aumento do metabolismo, contribuindo para o aumento da demanda de oxigênio e resultando em aumento da frequência respiratória (BATES; HANSON, 1998). Entretanto, alguns autores apontam que o aumento do consumo de oxigênio não está totalmente relacionado ao aumento da temperatura, pois pesquisas que avaliaram o consumo de oxigênio tanto em baixas temperaturas como em temperaturas mais elevadas observaram aumento do consumo de oxigênio em ambas as situações (PARREIRA; BARATELLA, 2011). Em 2016, Schoenell, Bgeginski e Kruel realizaram uma revisão sistemática da literatura com metanálise para investigar os efeitos da prática de exercícios realizados no meio aquático na capacidade cardiorrespiratória de idosos comparado ao solo. Todos os estudos incluídos na revisão identificaram melhora significativa no consumo de oxigênio após a realização de exercício na água, como demonstrado a seguir: Tabela 1 – Dados da revisão sistemática de Schoenell, Bgeginski e Kruel Autor/Ano Exercício aquático Controle Média DP Total Média DP Total Bocalini et al. 200811 35 3 24 20 4,50 10 Bocalini et al. 201016 33,52 2,06 25 20,88 0,88 18 Broman et al. 200617 27,20 2,10 15 23,30 4 9 Kanitz et al. 20151 23,93 5,38 16 17,90 3,30 25 Novaes, 201418 27,83 5,29 17 21,37 2,91 7 Ruoti et al. 199412 26,95 0,50 12 21,84 0,60 8 Tauton et al. 199619 21,10 3,30 18 20,90 3,60 23 Total (95% CI) 127 100 -100 -50 Controle Diferença média IV, aleatório, 95% CI Aquático 0 50 Figura 21 – Dados da revisão sistemática de Schoenell, Bgeginski e Kruel 38 Unidade I 2.4 Sistema musculoesquético Em imersão, o sistema musculoesquelético sofre diversas influências das propriedades físicas da água, como discutido anteriormente. Isso resulta em algumas mudanças mecânicas que interferem diretamente na execução do movimento, gerando frequentemente benefícios no sistema musculoesquelético. Entre as vantagens mais evidenciadas encontram-se o aumento da força muscular, o aumento da flexibilidade muscular e maior recrutamento de fibras musculares, o que estimula os ajustes posturais e de equilíbrio e a otimização da coordenação motora. O relaxamento muscular e a redução do impacto articular são especialmente benéficos quando a diminuição de descarga de peso promove alívio de dor. Além disso, o aumento da circulação de oxigênio contribui para a remoção de CO2, diminuindo a produção de ácido lático. Dessa forma, os pacientes têm a sensação de ser mais fácil e menos doloroso realizar alguns movimentos. Além disso, o ganho de força muscular pode ser realizado mais precocemente e com maior segurança, o que favorece o programa de reabilitação (BECKER, 2009; KOURY, 2000). Outro aspecto relevante de ser enfatizado é que o ambiente aquático oferece uma maior estimulação da propriocepção. Apesar de a descarga de peso estar diminuída pela ação do empuxo, promovendo menor ativação dos proprioceptores articulares, alguns proprioceptores são sensíveis às variações de velocidade de movimento e equilíbrio e encontram-se mais desafiados no ambiente aquático devido à maior instabilidade proporcionada pelo empuxo e pela turbulência (THEODORO, 2017). É importante ressaltar algumas considerações a respeito das adaptações cardiovasculares associadas ao exercício físico na água: • Condicionamento é atingido com menor sobrecarga na água do que na terra, e os indivíduos mais acometidos e com maior dificuldade de se movimentar, principalmente, podem beneficiar-se dessa condição. São exemplos os idosos com osteoartrose e os indivíduos com disfunções neurológicas. • A tendência de um indivíduo condicionado é aumentar o débito cardíaco em até 30% sem grande aumento da frequência cardíaca. • A imersão até nível cervical já constitui um exercício para o coração. Além disso, alguns benefícios como a diminuição de dores musculares, diminuição das pressões articulares, aumento do trabalho muscular global, maior agilidade e propriocepção e menor tensão muscular contribuem para a prática de atividades físicas aeróbicas na água. Isso favorece a reabilitação cardiovascular com menor esforço musculoesquelético. 39 FISIOTERAPIA AQUÁTICA Saiba mais Para ampliar seu conhecimento sobre os efeitos fisiológicos das propriedades físicas da água, leia o artigo a seguir: CANDELORO, J. M.; CAROMANO, F. A. Fundamentos da hidroterapia para idosos. Arquivos de Ciências da Saúde da Unipar, v. 5, n. 2, p. 187-195, 2001. 3 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES DA FISIOTERAPIA AQUÁTICA Atualmente, ao ser escolhido um recurso terapêutico para o tratamento de qualquer condição de saúde, deve-se levar em consideração o nível de evidência científica que esse recurso apresenta. A prática baseada em evidências tem sido considerada um parâmetro essencial na seleção dos recursos de tratamento mais eficientes para cada situação clínica específica. Apesar de haver um consenso sobre os benefícios da fisioterapia aquática na reabilitação em diferentes situações clínicas, evidências científicas publicadas em ensaios clínicos robustos com número de pacientes sensível e amostras homogêneas, comparadas a grupos controles utilizando outros métodos de tratamento, ainda são limitados. Por isso, muitas vezes há indicação na literatura clássica (livros de referência) de um determinado recurso terapêutico, embora o nível de evidência científica em ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas com metanálise seja baixo ou moderado. Tal cenário representa bem a atual situação da fisioterapia aquática, pois embora seja um recurso terapêutico indicado na prática clínica em uma grande variedade de situações clínicas, o número e, principalmente, a qualidade das evidências ainda é restrita. Para o desenvolvimento do atual tópico deste livro-texto foram utilizados alguns artigos encontrados na literatura, que apontam alguns benefícios da fisioterapia aquática em algumas condições clínicas. 3.1 Indicações da fisioterapia aquática O objetivo principal da realização de exercícios na água é auxiliar na recuperação, participação e melhora da performance nas atividades funcionais do dia a dia. Funções como marcha, corrida, acessibilidade em escadas e rampas e realização de trocas posturais, como a passagem de sentado para em pé e as atividades de vida diária e prática são os principais objetivos funcionais almejados na reabilitação. A água, devido às características proporcionadas pelas propriedades físicas e fisiológicas, proporciona um ambiente facilitador que auxilia a realização das habilidades motoras do paciente. De acordo com Kisner (2016), a fisioterapia aquática pode ser utilizada para atingir os seguintes objetivos específicos: • favorecer o relaxamento do paciente; 40 Unidade I • promover analgesia; • favorecer o ganho de força muscular; • ganhar amplitude de movimento e flexibilidade muscular; • diminuir a descarga de peso em condições de restrição de carga; • favorecer o controle postural e o equilíbrio; • facilitar o condicionamento cardiovascular; • diminuir o risco de lesão tecidual ou de recorrência de lesão durante a reabilitação. Assim, contribui para a melhora da sensação de bem-estar físico e emocional, proporcionando melhora da qualidade de vida. Na revisão sistemática realizada por Geytenbeek (2002), foi investigado o efeito da fisioterapia aquática em alguns diferentes desfechos como dor, função, autoeficácia, força, mobilidade articular e equilíbrio, sendo observado um efeito positivo desse recurso terapêutico, como demonstrado na figura a seguir: Dor Autoeficácia Efeito insignificante "0" Efeito positivo "+" Categoria de medidas de resultado
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