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Curitiba 2020 Didática, Gestão e Políticas Públicas Faculdade Educacional da Lapa (Org.) FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Projeto Gráfico Sandro Niemicz Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário 1. O ato de educar e a didática | 5 2. As contribuições da didática para a Educação | 25 3. Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica | 41 4. A escola como espaço sociocultural | 65 5. Fundamentos, concepções e reflexões sobre a gestão da Educação Brasileira | 105 6. A Gestão Educacional Democrática e Participativa a Serviço da Comunidade | 131 7. Projeto político‑pedagógico na gestão escolar | 155 8. Políticas educacionais a partir da década de 90 | 179 9. A educação nas legislações constitucionais brasileiras | 189 10. Legislação educacional a partir da nova LDB | 203 11. Políticas educacionais e Plano Nacional de Educação | 215 Referências | 229 1 O ato de educar e a didática Neste capítulo, trabalharemos as perspectivas educativas que norteiam as práticas pedagógicas no cotidiano da escola. Abordaremos a influência da psicologia na educação e buscare- mos essa contribuição na abordagem histórico-crítica a partir dos conceitos de Zona de Desenvolvimento Proximal, de transmissão e apropriação de conhecimento e de interação social. Destacaremos, ao final deste capítulo, o papel do professor como sujeito mediador da prática pedagógica e a construção de sua autoridade. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 6 – 1.1 As principais perspectivas educativas Neste primeiro tópico, apresentaremos as perspectivas teóricas que se afirmam cotidianamente nos processos educativos, as quais, juntas, disputam os espaços pedagógicos. Afinal, quando falamos dos processos de ensinar e aprender, entendemos as diferenças que marcam as práticas pedagógicas? 1.1.1 Sobre o ato de educar É por meio do conhecimento que nos implicamos no processo de transformação social. Todo ato educativo é um ato político e social que, ligado à atividade humana, encontra-se envolvido na construção de um mundo a ser vivido. Segundo Rego (1995, p. 104): Ao interagir com os conhecimentos, o ser humano se transforma, abrindo- -se para novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio [...] expande conhecimentos e modifica, assim, sua relação cognitiva com o mundo. Por ser um ato político, a educação encontra-se atrelada à produção e reprodução de um modelo de vida social. Consequentemente, todo ato se dá através da relação entre sujeitos que, a partir dos processos formati- vos, poderão habitar este mundo com maiores condições de ler a realidade social em que estão inseridos. O ensino tradicional, baseado na transmissão oral de conhecimentos por parte do professor, e a pedagogia espontaneísta, a qual abdica de seu papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de conhecimentos, são modelos que não fornecem aos sujeitos muitas condições para que possam refletir sobre o lugar que ocupam no mundo. De acordo com a perspectiva histórico-crítica, o objetivo principal da educação frente às exigências contemporâneas é ensinar a pensar – ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado. Formar é bem mais do que puramente treinar o educando no desem- penho de destrezas. A formação encontra-se vinculada às possibili- dades que criamos para que os sujeitos reconheçam-se como capazes de se alterarem e de alterarem os outros e o mundo em que vivem. – 7 – O ato de educar e a didática Conforme Freire (2002), o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor, que podemos conceder uns aos outros. Isso traz à tona a compreensão de que os alunos merecem o mesmo respeito que é exigido dos profissionais da educação. As relações de poder constituem-se concomitantemente, porém de formas diferentes. Por vezes, os professores e a equipe administrativa atuam de maneira autoritária, e os alunos agem na sutileza de pequenas reações e sugestões, expressando-se e adequando-se, ou não, à norma- tividade vigente. Essas relações vagam pela discussão importantíssima de alguns conceitos, como a expressão da corporeidade e a identidade dos sujeitos. A expressão da corporeidade, que constitui o lugar dos sentimentos, das emoções e da materialidade viva, como nos apresenta Sousa (2010), é forjada na contradição entre o dever ser e o ser legítimo. O dever ser nasce de normas e leis estabelecidas para caracterizar a “normalidade” dos sujeitos perante a sociedade e a cultura: define não somente a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser. Aqueles que resistem às arbitrariedades dos limites “socialmente acei- táveis” encontram-se à margem e tomam a não aceitação das diferenças como uma violência. A expressão da corporeidade dos indivíduos é, algumas vezes, des- prezada e minimizada por meio dos discursos e das ações normativas que enaltecem a disciplina e a ordem como solução dos problemas escolares. A hierarquia, as normas e as leis devem ser cumpridas, e aqueles que ten- tam expressar-se com naturalidade e espontaneidade ou que ultrapassam os limites da “normalidade” são constrangidos pela escola. Não se pretende aqui, de forma alguma, retirar a importância da auto- ridade da escola em suas dimensões, entretanto procura-se recomendar uma “autoridade coerentemente democrática” (FREIRE, 2002, p. 36), a qual prime por ações que instiguem a liberdade e despertem curiosidade, ao contrário de imprimirem sentimentos de estagnação e opressão. A escola apresenta sua face disciplinadora e normativa quando impõe modos de ser e agir “ideais” aos alunos, e os sujeitos minoritários, aqueles que apresentam inconformidades com as regras estabelecidas, Didática, Gestão e Políticas Públicas – 8 – tendem a sofrer “castigos” pela sua diferença. O sistema de educação tende a reprimir as diferenças e a enaltecer a massificação da ordem e da obediência; com esse discurso de igualdade para todos, torna-se (re) produtor de desigualdades. Como afirma Rosa (2011, p. 79), “[...] os corpos que passam pela escola [...] possuem sempre algo a contar desta experiência, pois dela não saem ilesos.” Assim como os seres são afetados pelas pessoas com quem convivem, também são alterados pelos dispositivos simbólicos do espaço escola, como mobílias, corredores, pátio, que marcam o processo de sub- jetivação dos alunos. Ainda segundo Rosa (2011), entende-se a cultura escolar como a escola e seus dispositivos disciplinares, os aspectos físi- cos, humanos e simbólicos, que alteram os seres em convivência. 1.1.2 Concepções que norteiam a prática educativa As teorias pedagógicas são definidas a partir de concepções filosó- ficas que dão fundamento às diferentes práticas educativas. Na educação tradicional, é comum encontrarmos duas linhas de pensamento que justi- ficam suas práticas: 2 Determinismo biológico (inatismo): a perspectiva inatista baseia-se na ideia de que o sujeito já nasce com uma predis- posição para o seu desenvolvimento e que o nível desse desen- volvimento se dá pelo amadurecimento das habilidades que já nascem com ele. A educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas, e os processos de ensino só podem se rea- lizar na medida em que o sujeito estiver pronto para efetivar determinada aprendizagem. O papel do professor se restringe ao respeito às diferenças individuais, ao reforço das característi- cas inatas ou ainda à espera de que a maturidade ocorra natural- mente. Exemplos: “Filho de peixe peixinho é” ou “A fruta não cai longe do pé”. 2 Determinismo social (ambientalismo): nessa perspectiva, encontramos a supervalorização do ambiente como constituidor do sujeito. Podemos observar discursos que reafirmam a posição do sujeito de acordo com as condições sociais, econômicas ou – 9 – O ato de educar e a didática materiais em que se encontra envolvido. É comumencontrarmos argumentos que justificam questões sociais, como a marginali- dade associada às condições econômicas e sociais do ambiente em que o sujeito vive. Exemplo: Vida na periferia, em favelas, associada à marginalidade. Na relação ensinar e aprender, ambas as linhas de pensamento subesti- mam a capacidade do educando em interagir e apropriar-se do conhecimento. Antes de nos aprofundarmos na pedagogia histórico-crítica, con- vém conhecermos a leitura de Saviani (1992) quanto às teorias edu- cacionais. O autor propõe a seguinte divisão: de um lado, estariam as pedagogias não críticas (tradicional, nova e tecnicista), e de outro, as pedagogias crítico-reprodutivistas (teoria da escola como violência sim- bólica, teoria da escola como aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista). Vamos, a seguir, ver cada uma dessas teorias de modo mais detalhado. Acompanhe. 1.1.2.1 Pedagogias não críticas As pedagogias não críticas agregam o arcabouço teórico da modernidade e definem grande parte das práticas educativas nas escolas contemporâneas. a) Pedagogia tradicional Segundo essa pedagogia, o papel da escola é transmitir autoritaria- mente os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematiza- dos logicamente, ou seja, difundir a instrução. O professor, sujeito do processo, transmite os conhecimentos por meio de lições e exercícios; aos alunos, cabe assimilá-los, atenta e disciplinadamente. O foco está no “aprender”. b) Pedagogia nova ou escolanovismo Movimento que critica a escola tradicional. Esboça um método em que o professor é estimulador e orientador das aprendizagens, cujas ini- ciativas cabem exclusivamente aos alunos, sujeitos do processo. Tendo em vista que os procedimentos pedagógicos foram elaborados a partir de experiências com alunos “especiais”, houve a biopsicologização da sociedade, da educação e da escola. Entendemos que os alunos especiais Didática, Gestão e Políticas Públicas – 10 – desafiavam a visão padronizada da escola tradicional. Assim, no escola- novismo, a questão pedagógica passa do intelecto para o sentimento, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, dos conteúdos para os métodos, da disciplina para o espontaneísmo, do diretivismo para o não diretivismo. Em suma, o importante é “aprender a aprender”, e a escola é a responsável pela adaptação e o ajuste dos indivíduos à sociedade. c) Pedagogia tecnicista O elemento principal é a organização racional dos meios para ensi- nar: professor e alunos passam a ser executores de um processo cuja con- cepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especia- listas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. A função da escola é a formação de indivíduos eficientes para aumento da produti- vidade – é o “aprender a fazer”. 1.1.2.2 Pedagogias crítico-reprodutivistas As teorias crítico-reprodutivistas agregam ao modelo educacional a crítica pautada no materialismo histórico-dialético, no entanto reconhe- cem os desafios que se constituem, especificamente, nos contextos educa- tivos e que transcendem o modelo social e econômico vigente. a) Escola como violência simbólica Compreende a ação pedagógica como imposição arbitrária da cul- tura (também arbitrária) dos grupos ou das classes dominantes aos grupos ou classes dominadas. Essa imposição se dá pela autoridade pedagógica, isto é, por um poder arbitrário de imposição que, sendo desconhecido, é reconhecido como autoridade legítima. A escola, assim como a moda, os meios de comunicação, a religião etc., por vezes, exerce essa violência simbólica de forma a reproduzir as desigualdades sociais. b) Escola como aparelho ideológico de Estado A educação é concebida como um processo de ideologização da sociedade. Em uma sociedade capitalista, por exemplo, a escola seria um poderoso instrumento de reprodução da expropriação dos trabalhadores pelos donos dos meios de produção, tentando fazer com que isso seja aceito como perfeito e natural. – 11 – O ato de educar e a didática c) Escola dualista Nessa modalidade de pedagogia, a escola forma a força de trabalho (proletariado) por um lado e, por outro, inculca a ideologia dominante burguesa. Assim, a escola impediria o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária, agravando a desigualdade social e perpetuando a discriminação. Nessa breve sistematização sobre as diferentes concepções que nor- teiam as práticas educativas, intencionamos expor as práticas educativas de modo a reconhecer a existência desses discursos e de seus desdobra- mentos nos processos de ensinar e aprender. 1.2 A didática 1.2.1 O que é a didática? A didática é um ramo da ciência pedagógica que tem como finalidade ensinar métodos e técnicas que possibilitam a construção da aprendiza- gem por parte do professor. A didática baseia-se nas teorias pedagógicas para analisar os métodos mais adequados às situações em que são pro- porcionadas as aprendizagens. Nessa direção, podemos compreendê-la, a partir de Libâneo (1990), como: Uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. Essa segurança ou competência profissional é muito importante, mas é insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos, dos métodos e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente na educação das crianças. A atividade docente tem a ver direta- mente com o “para que educar”, pois a educação se realiza em uma sociedade formada por grupos sociais que têm uma visão distinta de finalidades educativas. Os grupos que detêm o poder político Didática, Gestão e Políticas Públicas – 12 – e econômico querem uma educação que forme pessoas submissas, que aceitem como natural a desigualdade social e o atual sistema econômico. Os grupos que se identificam com as necessidades e aspirações do povo querem uma educação que contribua para formar crianças e jovens capazes de compreender criticamente as realidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construção de uma sociedade mais humana e mais igualitária. A didática, portanto, trata dos objetivos, das condições e dos meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há téc- nica pedagógica sem uma concepção de homem e de socie- dade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. De acordo com Libâneo (1990), podemos identificar três fases na história da didática. 2 Primeira fase: considerada por todos como a didática geral, a qual podia ser aplicada a todas as matérias, sem considerar as especificidades individuais d e cada conteúdo, ou seja, sem res- peitar as particularidades epistemológicas de cada conteúdo. 2 Segunda fase: aparece como contrária à primeira no que se refere às particularidades epistemológicas. Nessa segunda fase histórica da didática, consolidaram-se as metodologias específi- cas para cada ciência ensinada. 2 Terceira fase: traz um pouco das duas anteriores. Caracteriza-se por buscar uma integração da didática geral e das demais meto- dologias específicas, unificando o que é comum a todas. 1.2.2 A didática a partir de uma perspectiva crítica da Educação Surge no Brasil, na década de 1980, a chamada “didática crítica”, que se difere do modelo tradicional por vincular o ensino às realidades sociais, ou seja, procura contextualizar a realidade partindo do sujeito e estabele- cendo relações com os ensinamentos cotidianos. – 13 – O ato de educar e a didática Entendemos, portanto, que, no processo de transmissão e apropriaçãodos conhecimentos, devem-se privilegiar as especificidades do conteúdo e os aspectos práticos e teóricos dos assuntos a serem ensinados. Contudo não devemos nos esquecer da adequação dos conteúdos às realidades dos alunos, considerando sempre suas trajetórias de vidas, os contextos em que vivem e os conceitos que já os acompanham no momento de chegada à escola. Precisamos, na condição de professores, pensar em uma concepção mais íntegra e menos fragmentada do sujeito e dos modos como devemos construir os aprendizados para sua formação. O conhecimento cotidiano, local e pessoal deve ser considerado para impulsionar as aprendizagens. Porém devemos ir além das aprendizagens já existentes, para que possa- mos criar maior integração entre a bagagem cultural do aluno e os conhe- cimentos científicos e escolares. Dentro do contexto da reconstrução da didática a partir da de uma perspectiva crítica da Educação, é importante citarmos a teoria de ensino de Davydov (1987). Essa teoria tem como princípio que o ensino deve ir além do uso do pensamento empírico e constata a importância das ações mentais de abstração e generalização para o desenvolvimento de um pen- samento sistematizado. Essa teoria valoriza a qualidade da aprendizagem, a qual vai depender, segundo Davydov (1987), do modo como o aluno será orientado, ou seja, da maneira como o professor conduzirá essa expe- riência e se esta se tornará significativa ou não. Portanto, o professor tem um papel fundamental na organização do que vai mobilizar o aluno para que este se sinta atraído para as possíveis aprendizagens. Por isso, enfatizamos que sua função é considerar e rela- cionar os contextos socioculturais presentes nos cotidianos dos alunos, ajudando-os a construir um relação significativa com o saber. 1.3 O processo de ensino-aprendizagem e a abordagem histórico-crítica Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua construção. Construir conhecimentos implica em uma ação parti- lhada, já que é através do encontro que as relações entre sujeito e objeto de Didática, Gestão e Políticas Públicas – 14 – conhecimento são estabelecidas. Quando vivemos a prática ensinar-apren- der, participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, pedagógica, estética e ética, em que a “boniteza deve estar de mãos dadas com a decência e a seriedade”. Conhecer é construir categorias de pensamento, ler o mundo, trans- formar o mundo, e só é possível conhecer quando se deseja, quando se quer, quando nos envolvemos profundamente no que aprendemos. Para inovar é preciso conhecer, aprender exige esforço, daí a necessi- dade da motivação, do encantamento. (GADOTTI, 1996, p. 29). A educação se fundamenta no conhecimento, e o conhecimento, na atividade humana. O ser humano pode ser entendido aqui como uma pre- sença no mundo, uma presença viva que se pensa a si mesma, que inter- vém, que transforma, que fala do que faz e também do que sonha. Quando lidamos com a relação entre a teoria e a prática, a reflexão se torna necessária, e a abordagem histórico-crítica é uma tentativa de se fazer essa reflexão. Para melhor entendermos a abordagem histórico-crítica, necessita- mos conhecer as contribuições de Vygotsky para o cenário da Educação. Você Sabia HoLev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielorrússia. Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medicina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. For- mado, voltou a Gomel, na Bielorrússia, em 1917, ano da revolução bolche- vique, a qual ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia - área em que, rapidamente, ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade: produziu mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose, que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado. A parte mais conhe- cida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de – 15 – O ato de educar e a didática vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores inte- ressam, em particular, os estudos sobre o desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pen- samento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Um dos temas estudados por Vygotsky é a aprendizagem. Para o autor, o aprender não se resume à apropriação de conteúdos no ambiente de escolarização formal; na perspectiva histórico-crítica, o aprender con- siste na apropriação da cultura, e essa apropriação pode ser por nós enten- dida como: ordem simbólica que, através da humanidade e das suas rela- ções com o mundo, forma um conjunto de interpretações. 1.3.1 Conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) Vygotsky desenvolveu um importante conceito para compreendermos os processos que envolvem o ensinar e o aprender: a ZDP é um conceito que nos permite pensar a importância do mediador no processo de aprendiza- gem. O mediador (educador) deverá considerar o nível de desenvolvimento real do educando, o que significa reconhecer do que ele já se apropriou ao longo da sua história (conhecimentos, experiências, conceitos, práticas). A ZDP é o espaço em que ocorre a mediação entre o que o sujeito já sabe e o que ainda não sabe e aprenderá. Destacamos a importância do papel do mediador como potencializador das capacidades em vias de serem construídas. Novamente, encontramos, aqui, a importân- cia da aprendizagem como impulsionadora do desenvolvimento. “A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa abordagem, à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno. O que se fundamenta na Zona de Desenvolvimento Proximal” (REGO, 1995, p. 106). De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a visão de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado. Do ponto de Didática, Gestão e Políticas Públicas – 16 – vista da teoria histórico-crítica, isso é uma contradição, já que os processos de desenvolvimento são impulsionados pelo aprendizado. Eu me desenvolvo porque aprendo, e não o contrário. Vygotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicoló- gicas que estão em vias de se completarem. Ensinar o que o aluno já sabe ou aquilo que está totalmente longe da sua possibilidade de aprender é ineficaz. 1.3.2 Transmissão e apropriação do conhecimento A relação com o conhecimento poderá se constituir, a partir da pers- pectiva histórico-crítica, através da apropriação dos conteúdos e das expe- riências socializadas. Já em uma perspectiva mais tradicional da educa- ção, o que temos como referência é a transmissão do conhecimento. Qual seria então a diferença entre transmitir conhecimento e criar condições para a apropriação do conhecimento? Transmitir conhecimento implica em repassar informação ao outro, supondo que esse sujeito não dispõe de saberes e que constitui-se apenas como alguém que recebe passivamente as informações necessárias à sua aprendizagem. A atividade estaria centrada na figura do professor, que, nesse caso, é quem detém o conhecimento; e a passividade estaria vinculada à figura do aluno, que representa o sujeito que recebe e acumula os conteúdos. Já o conceito de apropriação de conhecimento nos remete a outra posição entre os sujeitos no processo de ensinar e aprender: a apropriação não se dá pela transmissão de informações, mas a partir da mediação, por meio da qual criam-se condições para a aprendizagem, que poderá acontecer através dos espaços de trocas e das interações entreos sujeitos envolvidos. O conhecimento circula entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende, e o processo dessas interações é de fundamental importância na produção de saberes. 1.3.3 A importância do outro – o papel das interações sociais A importância das interações sociais nos processos de ensinar e aprender se constitui pela valorização do saber do outro e pela possibili- dade de construção dos espaços de trocas onde as aprendizagens ocorrem. – 17 – O ato de educar e a didática O processo de aprendizagem, segundo Vygotsky, ocorre através da inter- nalização, que implica na transformação dos significados produzidos no meio social em um processo intrapsicológico, em que a atividade principal é a recons- trução interna desses significados. Ou seja, segundo essa perspectiva, o caminho do desenvolvimento humano segue a direção do social para o individual. O sujeito é ativo – e interativo – em sua aprendizagem, por isso não pode ser visto como quem recebe passivamente informações. Contudo a atividade espontânea e individual não é suficiente para a apropriação do conhecimento recebido. Sua aprendizagem será construída a partir da intervenção do educador e de suas trocas com os demais educandos, que também contribuem para os desenvolvimentos individuais. A valorização das interações sociais nos processos de ensinar e aprender coloca o trabalho interdisciplinar em perspectiva. Quando fala- mos do trabalho interdisciplinar, consideramos a abordagem de determi- nado conteúdo/conhecimento a partir das interconexões entre as diversas áreas disciplinares. Isso nos remete a um trabalho intenso de valorização de espaços de trocas de conhecimento entre os sujeitos, portanto, adotar uma perspectiva interdisciplinar implica fomentar as interações sociais e ampliar as abordagens sobre esses conteúdos. O mediador é um educador que atuará na Zona de Desenvolvimento Proximal e que considerará a relação entre o conhecimento a ser apro- priado e o conhecimento real do educando. Além disso, ele valorizará a construção da aprendizagem reconhecendo a importância do seu papel no processo de ensinar e aprender. Já o facilitador está mais ligado a uma visão espontaneísta, que considera que o conhecimento acontecerá naturalmente. O educador, nessa perspectiva, é alguém que criará condições favoráveis ao aprendizado. Nessa abordagem, não encontramos o profissional implicado em saber o que o educando já tem apropriado para mediar com os saberes que ainda serão construídos. 1.4 As concepções de sujeito: professor e aluno Ao refletirmos sobre a relação entre professor e aluno, devemos levar em consideração que o sujeito se constitui não somente devido aos pro- Didática, Gestão e Políticas Públicas – 18 – cessos de maturação orgânica, mas, principalmente, pelas trocas estabe- lecidas com seus semelhantes. Assim, não há professor sem aluno e vice- -versa. A existência de um está diretamente ligada à do outro, pois, como dizia Paulo Freire, quem forma se forma e reforma ao formar. Historicamente, homens e mulheres perceberam que era possível e, depois, fundamental trabalhar maneiras, caminhos e métodos de ensinar. Por isso, para ensinar, é preciso considerar que precisamos nos ocupar com os processos que envolvem o aprender. Na interação professor-aluno, é indispensável a presença do diá- logo, da cooperação e da troca de conhecimentos. Cabe ao educador não somente permitir que essas situações aconteçam, mas também promovê- -las no cotidiano da formação. Portanto, considerando a importância da interação entre professor e aluno, como podemos pensar a relação de ensino e aprendizagem na pers- pectiva histórico-crítica? Toda e qualquer atuação em espaço formativo pressupõe a reflexão sobre as abordagens que norteiam as práticas pedagógicas utilizadas, as quais trazem, na sua formação histórica, a dicotomização entre a aprendi- zagem e a formação dos sujeitos envolvidos nesses processos. O universo da cultura e das relações sociais influencia diretamente em nossa forma de aprender. Não há aprendizagem sem o sujeito. Por isso se faz necessário pro- blematizar a linearidade e a naturalização sobre qual a escola sustenta sua compreensão sobre o sujeito, e também as práticas de categorização e marginalização dos que não se padronizam facilmente. A concepção predominante sobre a aprendizagem, no contexto esco- lar, pressupõe a ideia de que esse processo é inato ao sujeito e que, por- tanto, o nível de aprendizagem está relacionado a habilidades cognitivas já determinadas. Na concepção tradicional de educação, a centralidade no possível nível de desenvolvimento de quem aprende condiciona o nível de interação desse sujeito com a aprendizagem. A desnaturalização da compreensão hegemônica de que o desenvol- vimento determina a aprendizagem torna-se um desafio para avançarmos – 19 – O ato de educar e a didática rumo a uma abordagem educativa que reconheça as singularidades na construção do conhecimento. Reconhecer o universo da subjetividade como liberdade, como pro- cessualidade construída a partir de interações com as diferentes culturas que dividem espaço no contexto educativo pressupõe romper com práticas que se expressam através do medo, da insegurança e da desqualificação. Significa pensar as relações educativas pautadas pela dimensão relacional de “sujeito-sujeito”, superando, com isso, a influência da ciência positi- vista marcada pela neutralidade e pelo poder (“sujeito-objeto”). Então, se a aprendizagem se constitui em uma relação entre sujeitos, precisamos entender que os sujeitos são transformados nesse processo. A escola assume, dessa forma, outro significado. Amplia-se a dimensão da responsabilidade sobre o educar e retoma-se o papel de emancipação e autonomia do aluno por meio do sentir, do pensar e do fazer. 1.4.1 A constituição do sujeito e os sentidos das práticas pedagógicas Pensar nos desafios que se apresentam às práticas educativas nos remete à necessidade de compreendermos como a aprendizagem extrapola a atividade cognitiva. É necessário que nos indaguemos: quem aprende? Quem são os sujeitos dessas aprendizagens? Como aprendemos? De que forma transversalizamos nossos saberes, culturas e histórias nas diferentes práticas sociais? Conforme Aguiar (2001), a perspectiva histórico-crítica reconhece que, no universo das práticas pedagógicas, construímos significados e sentidos singulares, e refletir sobre esses processos, vivenciados em cada relação pedagógica, torna-se essencial para uma aprendizagem significa- tiva. Nessa direção, os processos de construção do conhecimento redi- mensionam-se para além da aquisição do saber, como processos de sin- gularização a partir de um processo social, mediatizado semioticamente. Aguiar (2001) sistematiza esses conceitos de significado e sentido a partir da distinção feita por Vygotsky. Desse modo, entende o signi- ficado como uma construção social, de origem cultural, historicamente Didática, Gestão e Políticas Públicas – 20 – socializado, e o sentido como o confronto com as significações sociais e a vivência singular. Aguiar (2011) ressalta que o sentido é mais complexo que o significado, portanto, quando nos referirmos à produção dos sentidos, estaremos diante de processos de subjetivação. Isto é, da vivência e experiência histórica e social de cada sujeito. Vygotsky (2000) trabalhou um conceito importante para compreen- dermos as marcas de cada sujeito nos processos educativos e para compre- endermos essas marcas no processo de singularização, a partir do que ele chamou de internalização. De acordo com Aguiar (2001), cada sujeito implicado nas práticas educativas converte e transforma o mundo material em mundo simbólico. Em outras palavras, o processo de significação do mundo externo passa tanto pela referência da relação que construímos quanto pelo que interna- lizamos, portanto, tornam-se parte de nossa dimensão singular. [...] a constituição da subjetividadeindividual é um processo sin- gular que surge na complexa unidade dialética entre sujeito e meio atual, definido pelas ações e mediante as quais a história pessoal e a do meio confluem em uma nova unidade que, ao mesmo tempo, apresenta uma configuração subjetiva e uma configuração objetiva [...] e assim, como o social se subjetiva para converter-se em algo relevante para o desenvolvimento do indivíduo, o subjetivo per- manentemente se objetiva ao converter-se em parte da realidade social, com o qual se redefine constantemente como processo cul- tural. (FURTADO, 2001, p. 89). Molon (2000) compreende o conceito de internalização em Vygotski como um processo em que as atividades interpsicológicas serão converti- das em intrapsicológicas, suplantando a dicotomia do mundo externo em mundo interno. A análise sobre as concepções de sujeito, que perpassam as práticas educativas, conta com a compreensão de que toda a produção humana está vinculada a uma dimensão de relação com o outro e com o mundo. No entanto, para compreendermos esse movimento relacional, torna-se – 21 – O ato de educar e a didática necessário resgatarmos a ideia de que o sujeito produz suas relações a partir do campo de significações, de sentidos que se amarram na sua história. De acordo com Molon (2000, p. 9), “[...] o singular expressa o universal, entendendo o singular enquanto determinação histórica, cul- tural e ideológica”. 1.4.2 A relação professor-aluno e a construção da autoridade pedagógica Todo educador é sempre um leitor da realidade. As pessoas não leem só livros, mas leem suas vidas, suas práticas, ensaiam construir significa- dos às situações experienciadas. Segundo Madalena Freire (2004), temos uma capacidade singular de pensar, tomar consciência, agir, mudar e trans- formar. Por isso, como educadores, temos de estar sempre acompanhados do exercício contínuo da reflexão. Nesse sentido, um dos desafios à prática docente é a construção da autoridade pedagógica. Segundo Freire (2004), não existe grupo sem a coordenação de uma autoridade. Toda autoridade coordena a liberdade. A liberdade é social, não é individual, e é por isso que, em todo ato educativo, é importante a mediação de um educador. Na sistematização proposta por Freire (2004), as intencionalidades do processo de aprendizagem são marcadas por dife- rentes concepções educativas. 2 Concepção autoritária: nessa concepção, a intencionalidade é centralizadora. Centraliza-se a aprendizagem somente no que foi planejado e não há busca pela sintonia, não há escuta, não há observação. A aprendizagem não parte do saber do outro nem do problema do outro e não abre espaço de liberdade ao outro. 2 Concepção espontaneísta: o foco dessa centralização se transpõe para o educando. Dentro dessa concepção, os alunos decidem tudo: há votações, eleições, discussões e são os alunos que deci- dem sobre os conteúdos. O educador não assume a sua dire- tividade, omite-se e deixa o poder vago. Porém, dessa forma, instaura-se a luta pelo poder, pois nenhum grupo vive sem uma autoridade que possa coordenar as suas liberdades. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 22 – 2 Concepção democrática: nesse modelo, a autoridade do educa- dor é compartilhada. Além da autoridade do educador, forma- lizada através do discurso, há também a autoridade, o poder e o modelo do aluno, e ainda a autoridade, o poder e o modelo do grupo. Essas três vias se interrelacionam e comunicam-se o tempo inteiro. Portanto, podemos compreender que não existe concepção de educa- ção que não seja diretiva, que não tenha intencionalidade. Indo além, podemos compreender também que somos fadados à dife- rença porque somos únicos. Somos autores do nosso destino e da nossa autoridade. Portanto, cada um de nós tem de ser capaz de assumir a si mesmo para conseguir construir a própria autoridade, a própria autoria, e isso só poderá acontecer se conseguirmos assumir nossos medos, pensa- mentos, conhecimentos, dificuldades e desafios. Segundo essa perspectiva, a possibilidade de construirmos um espaço de formação humana encontra-se ligada à concepção que ambos os atores (professor e aluno) do processo de ensino-aprendizagem precisam ter. O reconhecimento do profissional da educação precisa se dar não só por sua capacidade em dar aulas, mas também na compreensão de que as ativi- dades de seu trabalho o constituem como “ser-sujeito”. E por parte do aluno, é necessário que haja o reconhecimento da aprendizagem como um processo contínuo e transformador para a vida. Vygotsky (1987) afirma que toda atividade humana é potencialmente transformadora e que, ao produzirmos a matéria objetiva, também altera- mos a realidade subjetiva, isto é, nos constituímos nessa relação. Portanto, a atividade formativa precisa também ser compreendida como transfor- madora e, a partir desse olhar, precisamos encarar um novo papel para o professor e para a relação pedagógica. Na abordagem histórico-crítica, necessitamos compreender o pro- cesso de ensino-aprendizagem como um processo a ser construído. A relação pedagógica não se constitui mais de professor-sujeito e aluno-objeto, mas é composta por uma relação sujeito-professor e sujeito-aluno. O ato de ensinar e aprender deixa de ser mecanizado e toma um perfil dinâmico em que, efetivamente, o conhecimento – 23 – O ato de educar e a didática é produzido e apropriado tanto pelo aluno quanto pelo professor. À medida que professor e aluno expandem essa relação interativa e dinâmica, modificam suas relações cognitivas com o mundo. A apropriação do legado cultural da humanidade se dá por meio do processo de ensino-aprendizagem, por intermédio da linguagem. As fun- ções psíquicas humanas estão intimamente vinculadas ao aprendizado. Portanto, para que este esteja alinhado à perspectiva histórico-crítica da educação, deve levar em consideração as múltiplas dimensões da vida humana, ter uma leitura crítica sobre a cultura hegemônica e possibilitar a construção de espaços onde a diversidade possa estar presente. Em síntese, a prática educativa deverá, necessariamente, considerar o aluno como sujeito ativo (interativo) no seu processo de conhecimento. O aluno não mais é visto como aquele que recebe passivamente as informa- ções do exterior. Concomitantemente, o processo de mediação pedagógica exigirá do professor um comprometimento profissional que deverá estar implicado na sua concepção de mundo. Segundo Santos (2006), o professor é a figura que cria oportunidades de aprendizagem no processo educativo, e é seu papel buscar alternativas para prevenir atitudes indisciplinares por parte dos alunos – sua função é investigar e preparar um trabalho voltado aos interesses dos alunos, prio- rizando o prazer em estudar. A educação é um processo de construção, e o professor, como media- dor, também faz parte desse processo. Cada aula e cada turma apresentam uma realidade distinta; não há receitas prontas, mas uma construção coletiva. Diante dessa constatação, sentimos a necessidade de que se estabeleça, no contexto escolar, um diálogo entre ensino e aprendizagem, de modo a enfa- tizar o papel do professor, no sentido de procurar criar competências e habi- lidades para a solução dos problemas, em uma perspectiva capaz de olhar a escola de forma a contemplar seus diferentes lugares, tempos e espaços. Olhar a escola por/entre-lugares significa conectar-se com a expe- riência, com tudo aquilo que me passa (LARROSA, 2004), que me afeta, com as marcas que arquivam as experiências vividas nesse espaço e que se fazem presentes como fluxos na direção de um (outro) presente, um (outro) desejo, o desejo de uma (outra) escola. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 24 – Pensar sobre essa perspectiva de educação implica uma mudança que começa pelo corpo docente, passa por todo o processo educativo (por/ entre lugares) e chega ao Projeto Político-Pedagógico, que é a base de construção da identidade escolar como um lugar delinguagens e culturas, identificando a posição de cada agente do ensino-aprendizagem, incluindo o professor, aluno, família e equipe da escola. 2 As contribuições da didática para a Educação Neste capítulo, refletiremos sobre a reconstrução da didática a partir de uma perspectiva crítica da Educação. A seguir, colo- caremos nossos olhares sobre os saberes escolares e pensaremos a didática a partir de uma abordagem crítica e transdisciplinar, a qual incorpora os desafios provenientes dos sujeitos da ação pedagógica. Posteriormente, compreenderemos a importância da formação dos professores. Para finalizar, estenderemos os nossos olhares sobre a figura simbólica do professor. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 26 – 2.1 Reflexões sobre a reconstrução da didática Nesta seção, pensaremos a reconstrução da didática a partir de uma perspectiva crítica da educação. Conforme havíamos abordado, a didática está ligada diretamente ao modo como os professores compreendem o processo de ensinar e apren- der. A didática, nesse sentido, torna-se um elemento essencial que incide sobre a prática pedagógica do professor de modo que a organização do cotidiano trace as ações de registro, planejamento e avaliação. O contínuo exercício de interrogar-se sobre a prática pedagógica traz para o plano da didática um professor capaz de imprimir desafios cotidia- namente no processo de ensino-aprendizagem. 2.2 Os saberes escolares Paulo Freire (1994) aponta que a tarefa do educador dialógico é conhe- cer o universo cultural e social dos seus alunos e buscar elementos que possibilitem desenvolver junto aos educandos questões problematizadoras, para que estes possam desenvolver uma visão crítica sobre a realidade. Para que a ampliação dos conhecimentos ocorra, é necessário com- preender a realidade social dos alunos, o que está por trás de cada um deles e a cultura a que eles têm acesso e valorizar, assim, o saber dos próprios alunos, fazendo a mediação com o saber socialmente sistematizado. Os conhecimentos dos alunos, por mais distantes que possam parecer do saber escolar, podem servir como pontos de partida para que o professor possa verificar o que os alunos já dominam e possa, então, planejar as ações de ensino no sentido de promover o avanço na apropriação de novos conhecimentos. As propostas do professor devem ir além dos conteúdos mera- mente utilitaristas e imediatistas. O professor deve trabalhar com conteúdos selecionados a partir da realidade próxima de seus alunos, avançando no sentido de que aprendam também os conhecimentos do dito “mundo letrado”, os quais podem ajudar o aluno a fazer uma leitura mais ampliada do mundo. – 27 – As contribuições da didática para a Educação Outra função do professor deve ser dar sentido aos conhecimentos apresentados aos alunos através da interdisciplinaridade, promovendo uma maior articulação entre os conteúdos e também com as demais áreas de aprendizagens e conhecimentos. O conhecimento, ao ser selecionado e organizado curricularmente, muitas vezes, acaba caracterizando um recorte simplificado, reduzido e condensado do saber científico. Esse recorte, ao ser descontextualizado das origens de sua produção, dificulta a compreensão da aprendizagem e impõe limites a uma articulação interdisciplinar. A escolha dos saberes escolares a serem ensinados ocorre mediante decisões fundamentadas na concepção de conhecimentos socialmente valorizados em determinado momento histórico, ou seja, os conhecimen- tos são pensados com base em interesses e posicionamentos. A escolha dos conteúdos é feita através do interesse de quem os trans- mite. Portanto, é necessário nos questionarmos: quais são os conhecimen- tos apropriados, senão aqueles em que o próprio professor acredite? A seleção de conteúdos considerados “apropriados” depende das for- ças dominantes em cada momento, dos valores que historicamente foram se delineando sobre o que se acredita ser valioso para ser ensinado, assim como dos valores que se pretende introduzir nos alunos. Os conteúdos não são criados pelo pensamento educativo, mas pelos frutos de uma história. Os conhecimentos transmitidos nas escolas não devem ser a única possibilidade de interpretar a realidade. Ao realizarmos a atividade de pla- nejar situações de ensino, devemos ter a preocupação de trabalhar todo e qualquer conhecimento de forma contextualizada. Um conteúdo passa a ser valioso e legítimo quando ultrapassa o aval social daqueles que têm poder para determinar sua validade. Por isso, a fonte do currículo deve ser a cultura que emana de sua sociedade. 2.2.1 Interdisciplinaridade na Educação Ao enfrentarmos um universo cultural extremamente rico e com- plexo, percebemos que somos incapazes de compreendê-lo. Isso nos faz refletir sobre o fato de que necessitamos de uma grande gama de conheci- Didática, Gestão e Políticas Públicas – 28 – mento para que sejamos capazes de acompanhar o contexto universal do mundo. Diante dessa dificuldade, vemos a necessidade de uma transfor- mação no sistema educacional. Segundo Lück (1994), unir culturas para um entendimento de mundo globalizado é uma ação que não deve ser feita apenas pelo modismo, em mais uma ação de mudança em favor da educação, pois, dessa forma, o projeto pedagógico interdisciplinar ficaria guardado na gaveta, servindo apenas para constatação de mudança teórica; porém, na prática, a educa- ção continuaria fragmentada e sem qualquer perspectiva. A autora lembra que, se o professor analisar adequadamente o seu cotidiano escolar, identificará facilmente inúmeras dificuldades que resul- tam da visão fragmentadora, o que, por si só, estabelece a necessidade do enfoque interdisciplinar e globalizador no ensino. Porém Lück teme que os educadores usem a interdisciplinaridade como uma vestimenta nova, sem saber exatamente o seu significado e objetivo na educação. O professor tem de ter consciência de que, trabalhando den- tro de um sistema de interdisciplinaridade, produzirá conhe- cimento útil, capaz de interligar teoria e prática, e estabelecerá relação entre o conteúdo do ensino e a realidade social escolar. Para que tenhamos um entendimento abrangente sobre a interdisci- plinaridade, temos de entender o que é disciplina. A disciplina (ciência), entendida como um conjunto específico de conhecimento de característica própria, obtido por meio de método ana- lítico (análise), linear (uniforme) e atomizador da realidade, produz um conhecimento aprofundado, correspondente a um saber especializado, ordenado e profundo, que permite ao homem o conhecimento da realidade a partir de especificidades, ao mesmo tempo em que deixa de levar em consideração o todo de que faz parte (LÜCK, 1994). Sob um enfoque mais pedagógico, podemos definir a disciplina como: a atividade de ensino, o ensino de uma área da Ciência ou como a ordem e organização do comportamento. No contexto pedagógico, o conhecimento – 29 – As contribuições da didática para a Educação já produzido, conforme o enfoque epistemológico anteriormente descrito, é submetido, novamente, ao tratamento metodológico, analítico, linear e atomizador, agora, com o objetivo de facilitar a sua apreensão pelos estu- dantes, o que dá origem às disciplinas. As disciplinas, ou corpos de conhecimentos especializados, foram construídas a partir de um paradigma teórico-metodológico que norteou a determinação da visão especializada de mundo. A interdisciplinaridade no campo da Ciência corresponde à necessi- dade de superar a visão fragmentadora de produção do conhecimento. No campo da Pedagogia, surge da compreensão de que o ensino não é tão- -somente um problema pedagógico, e sim um problema epistemológico. O objetivo da interdisciplinaridade é, portanto, o de promover a supe- ração da visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade, resgatando concomitantemente a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento, de modo a permitir,ao mesmo tempo, melhor compreensão da realidade e do homem como ser determi- nado e determinante. A interdisciplinaridade é um elo entre os conhecimentos que almeja abranger todas as disciplinas em um só tema por meio de uma visão global do mundo. Por meio desse enfoque, a educação tem por finalidade con- tribuir para a formação do homem pleno, inteiro, uno, que alcance níveis cada vez mais competentes de integração das dimensões básicas, o eu e o mundo, com a finalidade de que seja capaz de resolver os problemas glo- bais e complexos que a vida lhe apresenta e de produzir conhecimentos que possam contribuir para a renovação da sociedade. A visão interdisciplinar corresponde, portanto, a estabelecer a liga- ção entre duas ou mais concepções que, em cada circunstância, vejam o homem por inteiro, reconhecendo a interação dialética entre as polarida- des: materialidade e espiritualidade, corpo e alma. A interdisciplinaridade como ideia de superação da fragmentação do ensino não é nova. Ou seja, no final do século XX, já havia a indicação de uma nova proposta do currículo como forma de superar essa fragmen- tação. A Lei 5.692/71, implantada no sistema educacional, propunha a Didática, Gestão e Políticas Públicas – 30 – integração vertical e horizontal das disciplinas. Igualmente, o método de projetos, que foi muito popular em certa época, surge agora como uma força de sustentação para uma mudança na educação. A interdisciplinadade vem atender a necessidade percebida pelos pro- fissionais da educação em geral, e não apenas pelos que atuam em seu nível macroadministrativo. Somente agora, ela surge como força de supe- ração da fragmentação, linearidade e artificialização – tanto do processo de produção do conhecimento quanto do ensino e do distanciamento de ambos em relação à realidade – e é vista como possível a partir de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade na educação vem sendo estudada pelos edu- cadores desde a década de 1970. Todavia a mudança provocada pela prática da interdisciplinaridade causa, como toda ação a que não se está habituado, uma sobrecarga de trabalho e certo medo de errar, ocasionado pelo risco de que a mudança metodológica de ensino não dê certo, o que gera resistências. De uma forma ou de outra, percebemos que os educadores vêm ten- tando internalizar conhecimentos a seus alunos de forma global. Com isso, a escola busca uma maneira de desfragmentar seus conteúdos unindo-os em um só tema. O objetivo é levar conhecimento para seus alunos de forma globalizada. A prática interdisciplinar, no contexto da sala de aula, implica na vivência do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, con- teúdo e realidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, reflexão e ação, entre muitos dos múltiplos fatores interagentes do processo pedagógico. A interdisciplinaridade é erroneamente confundida com: 2 trabalho cooperativo e em equipe; 2 visão comum do trabalho pelos participantes de uma equipe; 2 integração de funções; 2 cultura geral; 2 justaposição de conteúdos; – 31 – As contribuições da didática para a Educação 2 adoção de um único método de trabalho por várias disciplinas. É fácil, pois, reconhecer que, embora esses aspectos sejam associa- dos à prática interdisciplinar, eles não podem ser considerados como o processo todo; muitas vezes, são considerados como o ponto de chegada do esforço pela construção da interdisciplinaridade, e não como um passo ou momento desse processo. Portanto, fica o desafio aos educadores, no sentido de que se esfor- cem para assumir uma atitude interdisciplinar e para mudar no exercício da prática: ter uma visão globalizadora, acreditamos, tornará o trabalho educacional mais significativo e produtivo. 2.2.2 Os conteúdos dentro de um enfoque transdisciplinar Dentro de uma perspectiva crítica da Educação, os conteúdos devem ser inter-relacionados, transdisciplinares, interdisciplinares e abranger capacidades cognitivas, motoras, afetivas, éticas e sociais. Vamos, a seguir, estudar os diferente tipos de conteúdos que podem ser trabalhados pelo professor. 2 Conteúdos factuais Os conteúdos factuais são conhecimentos de fatos, acontecimen- tos, dados e fenômenos concretos e singulares. Por exemplo: as datas comemorativas, os nomes das pessoas, a localização de territórios ou a altura de uma montanha. A aprendizagem desses conteúdos se dá pela repetição dos conhecimentos. Esses con- teúdos envolvem a capacidade de memorização do aluno, que pode utilizar-se de estratégias pedagógicas que envolvam exer- cícios de fixação, repetição, construção de esquemas e agrupa- mento por categorias. 2 Conteúdos conceituais Os conteúdos conceituais relacionam-se com os conceitos pro- priamente ditos e referem-se a conjuntos de fatos, objetos ou símbolos que possuem características comuns. São conteúdos Didática, Gestão e Políticas Públicas – 32 – mais abstratos, que envolvem a compreensão, a reflexão, a aná- lise e a comparação. Portanto, para que sejam apreendidos, não basta repetir a informação; é necessário compreender os conhe- cimentos de forma a conseguir utilizá-los. Para tanto, durante o processo de aprendizagem, o aluno, partindo de seus conheci- mentos prévios, precisa adquirir novas informações e vivenciar situações-problema que o conduzam a novos conhecimentos e à elaboração de novos conceitos. 2 Conteúdos procedimentais Os conteúdos procedimentais envolvem ações ordenadas com um fim, ou seja, ações direcionadas para a realização de um objetivo. Referem-se a um aprender a fazer, que envolve regras, técnicas, métodos, estratégias e habilidades. Ao planejarmos e organizarmos uma aula, podemos tornar explicita, por meio da delimitação de objetivos, a nossa intenção de que os alunos desenvolvam habilidades específicas, relacionadas ao domínio de conteúdos procedimentais. 2 Conteúdos atitudinais São os conteúdos que caracterizam-se como valores, atitudes e normas. Alguns desses conteúdos são a cooperação, a soli- dariedade, o trabalho em grupo, o respeito, a ética e o traba- lho com a diversidade. O ensino de conteúdos atitudinais cor- responde ao compromisso filosófico da escola em promover aspectos que nos completem como seres humanos e que deem razão e sentido ao conhecimento científico. Esse compromisso da escola pode estar expresso nos objetivos educacionais, con- templando a intenção de favorecer o desenvolvimento de com- portamentos éticos, o respeito às normas e a manifestação de atitudes positivas. O enfoque globalizador da educação concebe o aluno em uma pers- pectiva mais holística e integral e defende que a organização dos conteú- dos e das atividades de ensino priorize a aprendizagem significativa. Para isso, os conteúdos não podem ser segmentados, separados e descolados da realidade do aluno. – 33 – As contribuições da didática para a Educação 2.3 A sala de aula A aula tem que ser vista e pensada não apenas como um momento em que se segue um currículo, em horários pré-determinados e com planos de aula a serem seguidos, mas como um momento de encontro entre os conteúdos de ensino e os próprios sujeitos da ação: os alunos. A aula deve se construir como um campo de possibilidades formativas, e não apenas como um campo físico de transmissão de conteúdos. O objetivo principal da aula é sempre o ensino e a aprendizagem de conteúdos de ensino. Como já dissemos anteriormente, para que esse pro- cesso possa acontecer efetivamente, é necessário que a prática pedagógica seja contextualizada e que se considere a situação econômica, social e política de cada sujeito ali envolvido. É no ambiente da aula que a visão de mundo do aluno deverá ser ampliada, uma vez que vai ser nesse espaço, que tem por finalidade promo- ver a educação formal do cidadão, que as trocas e as relações vão acontecer. É na aula que a construção do conhecimento vai se dar, através do processodidático. E essa construção só será possível mediada pela relação pedagógica, evidenciando assim o papel e a centralidade que deve ter o trabalho docente na construção do conhecimento de cada educando. Vai ser no ambiente da sala de aula que ensino, aprendizagem, pes- quisa e avaliação vão se entrecruzar enquanto processos vivenciados entre alunos e professores; é nesse ambiente que, permanentemente, serão cons- truídos saberes, valores, aprendizagens e culturas. A sala de aula é um espaço complexo, que de modo algum é neutro. Por trás das relações estabelecidas e das interações humanas efetivadas, há objetivos e finalidades pensadas por cada sujeito que ali está, seja na condição de aluno, seja na condição de professor. Portanto, a didática deve se construir e se estruturar enquanto um pensar sobre as nossas práticas pedagógicas, e para que esse processo seja efetivo, deve ser coletivo, e não individualizado. Ou seja, a escola deve ser um ambiente pensado coleti- vamente, para que todos os sujeitos que ali se envolvam possam se sentir partícipes de todo o conjunto de relações que ali são estabelecidas, e assim não se tornem passivos nas relações de aprendizagens. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 34 – As ações pedagógicas devem acontecer na relação coletiva entre pro- fessor e aluno, proporcionando a troca de experiências, de conhecimentos e também de angústias. A análise e a compreensão dos dados levantados também devem ser partilhadas. É necessário que o professor assuma em sala de aula um trabalho interativo, considerando que há uma multiplicidade de ações existentes no cotidiano das salas. O trabalho docente deve acontecer de forma intencio- nal, sistemática e comprometida com as aprendizagens de cada sujeito que ali está, considerando os alunos nas suas especificidades, respeitando seus tempos e suas aprendizagens. Para que as aprendizagens não se tornem apenas transmissão de con- teúdos, é preciso fundamentar o processo didático na compreensão da rea- lidade, percebendo o aluno enquanto sujeito ativo nas ações, e não apenas como receptor passivo dos conhecimentos. Como já havíamos expressado, nem a sala de aula nem a didática são neutras. A didática tem um compromisso social e político, que vai se definindo à medida que se privilegiam alguns conteúdos em detrimento de outros. O campo de disputa entre conteúdos e ensinamentos é um campo de forças, onde o que estiver mais bem articulado nas suas proposições acaba se sobressaindo. É preciso, portanto, que o professor tenha clareza de seu papel, já que, na sua prática docente, terá que, constantemente, tomar decisões, rea- firmando sempre sua posição política através de sua prática pedagógica. 2.4 A formação de professores As primeiras pesquisas sobre a formação de professores foram vistas como a salvação dos problemas da educação. Acreditava-se que a melho- ria da educação dependia apenas dos professores, o que sabemos ser uma crença sem fundamento, pois os problemas de gestão, de estrutura, de organização, de ausência de materiais, da falta de participação dos pais e de políticas públicas também influenciam a qualidade do ensino. Entretanto a formação docente é importante e deve ser um processo con- tínuo de aprendizagens e desenvolvimento profissional. A importância da for- – 35 – As contribuições da didática para a Educação mação está relacionada com o aperfeiçoamento de habilidades e com a aqui- sição de novos conhecimentos, de modo a melhorar a qualidade do ensino. No início das pesquisas sobre a formação de professores, o foco estava na formação inicial do docente. Contudo, com o crescente interesse sobre esse tema, a formação continuada do professor passou a figurar no centro das pesquisas. É necessário que o professor amplie seus conhecimentos, através da formação continuada, porém não devemos desconsiderar todos os ele- mentos que compõem sua bagagem, adquirida durante toda vida pessoal e carreira profissional, para não desconsiderá-los e desvalorizá-los enquanto conhecimentos válidos e significativos. Os conhecimentos prévios do pro- fessor, os quais embasam sua prática docente, não podem ser desmerecidos. Não podemos nos esquecer de que a formação do professor acontece desde o início de sua existência, ao longo de toda a sua vida, em diferentes contextos. Toda a experiência do professor está relacionada aos contextos em que esteve presente, às posições que ocupou e ao modo como refletiu sobre sua própria existência enquanto sujeito e enquanto docente. Suas relações foram sendo tecidas com familiares, com a escola (sua própria formação inicial) e com seus pares. As aprendizagens que constituíram o sujeito profissional da educação não se deram de maneira linear, foram construídas por um conjunto de determinações sociais que, ao longo de suas vivências, foram experienciadas. Do mesmo jeito que devemos respeitar o sujeito aluno, partindo dos conhecimentos que já possui para, posteriormente, ampliá-los, assim deve ser com o sujeito professor: devemos partir de onde estão suas aprendiza- gens para, enfim, poder ampliá-las e ressignificá-las. É necessário que o professor amplie suas competências para que o seu trabalho possa se tornar cada vez mais flexível e conter um espectro de estratégias cada vez mais amplo. As competên- cias são aqui entendidas como saberes que mobilizam novas respostas para as vivências da sala de aula, ou seja, saberes que se manifestarão, principalmente, nas ações cotidianas. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 36 – Nesse contexto, vemos os professores como mediadores culturais, como mediadores dos conhecimentos e das aprendizagens, os quais, por meio de suas competências, proporcionam a organização de situações educativas que podem tornar os conteúdos significativos para os alunos. Para que o aluno aprenda, precisamos, primeiramente, que ele deseje aprender. Sem que o indivíduo esteja aberto ao conhecimento, não será válido o esforço do professor. Porém, para que possamos formar sujeitos, precisamos, enquanto professores, estar formados com as competências necessárias para os possíveis ensinamentos. Por entendermos o professor como um “ser-em-relação” é que con- sideramos a importância de sua vivência em grupo, não mais individual (em suas salas de aula), mas coletiva. Percebemos que as escolas, cada vez mais, em suas práticas institucionais, investem na gestão coletiva, visando a uma melhor estruturação da escola. A construção da docência sempre estará relacionada aos outros sujei- tos, ao coletivo. Por isso, defendem-se as “comunidades de aprendiza- gem”, conceito utilizado por Mizukami (2006) para designar grupos de estudos que podem acontecer no próprio local de trabalho, entre todos que habitam aquele espaço. A importância de esses encontros acontecerem no coletivo se dá justamente por acreditarmos que os conhecimentos coleti- vos superam os individuais, e que alguns sabem aspectos que os outros não sabem, por isso, a troca de conhecimentos, experiências, vivências e aprendizagens é significativa. Porém, ao mesmo tempo, acreditamos que o professor, cada vez mais, precisa se tornar auto-reflexivo e autônomo nas suas decisões; ele precisa ter controle sobre os efeitos do próprio trabalho, saber a quem está atingindo e de que modo, para que assim possa tornar-se consciente de suas atitudes. 2.5 Ser professor A tarefa de ser professor é desafiada cotidianamente, pois, nessa pro- fissão, nos construímos permanentemente pelo fato de estarmos diante de outros sujeitos, no caso, os educandos. No plano ético dessas relações, o – 37 – As contribuições da didática para a Educação aprimoramento desse ser-professor torna possível a qualidade das ações educativas que, no âmbito dessas práticas, serão construídas. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licencio- sidade, da democracia contra a ditadura de direita oude esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boni- teza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessá- rias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amo- finar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liber- dade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou profes- sor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boni- teza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessá- rias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amo- finar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste (Paulo Freire). Rui Canário (2002) aponta alguns caminhos para pensarmos a figura simbólica do professor em uma concepção crítica e ampliada da educação: 2 O professor como analista simbólico Conceber o professor como um analista simbólico significa encará-lo como um “solucionador de problemas”, isso em contex- Didática, Gestão e Políticas Públicas – 38 – tos marcados pela complexidade, pela incerteza, pelos dissabores, e não como alguém capaz de dar as “respostas certas” a situações previsíveis. Isso significa, também, questionar criticamente os processos de formação concebidos como processos cumulativos e de treino, para responder a estímulos externos determinados. 2 O professor como um artesão A singularidade das situações educativas impede que o profes- sor possa aplicar procedimentos de natureza científico-técnica de forma padronizada e com êxito. Mais do que um reprodu- tor de práticas e transmissor de conhecimentos, o professor é um reinventor de práticas, ao reconfigurá-las de acordo com as especificidades dos contextos e do público a que se destinam. O saber construído na ação é um saber de primordial importância, portanto, acreditamos que o professor-artesão apresenta um con- junto de saberes extremamente úteis. 2 O professor como um profissional de e da relação O professor exerce uma atividade profissional que poderia, tranqui- lamente, ser inscrita entre as profissões de “ajuda”, marcadas pela relação face a face, quase permanente, com o aluno (educando). Nessa atividade, o professor investe toda a sua personalidade e todo o seu ser, o que muitas vezes gera um elevadíssimo nível de estresse, na medida em que os insucessos e as dificuldades profis- sionais acabam sendo sentidos também como insucessos pessoais. E isso se dá pelo fato de que a natureza da sua atividade se define tanto pelo que ele sabe quanto pelo que ele é como pessoa. Essa importância decisiva da dimensão relacional da profissão torna mais evidentes os limites do modelo de racionalidade téc- nica que continua a dominar as concepções sobre a formação dos professores. A relação entre professor e alunos engloba as dimensões intelectual e afetiva e impregna a totalidade do ato educativo, não podendo ser ensinada, apenas aprendida. Portanto, reconhecer que a relação entre professor e aluno vem impregnada da totalidade da ação profissional do profes- – 39 – As contribuições da didática para a Educação sor implica reconhecer que esse mesmo professor aprende, e muito, no contato com seus alunos, e será tão melhor professor quanto maior for sua capacidade para realizar essa aprendiza- gem. Isso significa dizer que o estereótipo tradicional do bom professor, reduzido à condição de bom e eficaz transmissor de conhecimentos e informações, terá de dar lugar à figura do bom comunicador, definido, sobretudo, pelas suas qualidades de “escuta”, ou, utilizando as palavras de Donald Schön (1992, p. 83), pela sua disponibilidade para “ser surpreendido pelo que o aluno faz” para, em um segundo momento, tentar com- preender “a razão por que foi surpreendido”. 2 O professor como um construtor de sentidos Nos dias atuais, fala-se muito em “crise da escola”. Essa crise é vista das mais variadas formas, mas, nem sempre, é compre- endida. Para uns, o que está em foco é, sobretudo, a eficácia da escola, passível de ser melhorada a partir de uma intervenção centrada em aspectos técnicos (didáticos e curriculares). Para outros, no entanto, vive-se, fundamentalmente, uma crise de “legitimidade”, decorrente da defasagem entre a instituição esco- lar, a diversidade de expectativas e as lógicas de ação, presentes em um público escolar cada vez mais diferenciado. Essa crise se traduz na dificuldade da escola em buscar recursos de sentido para o processo de ensino-aprendizagem. É nessa perspectiva que se valoriza, como uma das dimensões essenciais do trabalho do professor, a capacidade de ser um “construtor de sentido”, que ultrapassa o papel de mero transmissor de informações. Aprender, entendido como um processo de humanização, não pode ser o resultado de um processo cumulativo de informa- ção, mas de um processo de seleção, organização e interpretação das informações a que cada um está exposto, e que, segundo as pessoas e segundo os contextos, pode dar origem a perspectivas muito diferentes. É a partir dessa maneira de ver que se pode sustentar, como o faz Barthes (1996, p.25), que aprender sig- nifica “atribuir sentido a uma realidade complexa, e essa cons- Didática, Gestão e Políticas Públicas – 40 – trução de sentido é feita a partir da história” cognitiva, afetiva e social de cada sujeito. Quando o professor experimenta a ambiguidade do seu lugar, ele consegue, juntamente com os seus alunos, administrar a violên- cia intrínseca ao seu papel. Isso não significa que, se isso acon- tecer, a paz reinará na escola, mas que alunos e professores, por força das circunstâncias, serão obrigados a se ajustar e a formu- lar regras comuns, limites de fechamento e de tolerância. Por- tanto, nem autoritarismo nem abandono. O professor ocupará o seu lugar limitador e abrirá brechas que permitirão ao aluno negociar e viver com mais intensidade a misteriosa relação que une o “lugar-escola” e “o nós-alunos”. É preciso desencadear no aluno a paixão pela descoberta de si e do mundo, e isso só se faz quando se está movido pela mesma paixão. 3 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Neste capítulo, trabalharemos o planejamento escolar como fruto de um processo denso de observação do vivido, de reflexão e de avaliação do cotidiano. Discutir o planejamento escolar implica reconhecer a impor- tância da documentação pedagógica na educação. Observação, registro, planejamento e avaliação são ferramentas metodológi- cas que orientam a prática pedagógica. Na prática pedagógica, percebemos que essas ferramentas encontram-se intimamente relacionadas e organizam o trabalho docente. É importante que a escola promova e planeje, no ambiente escolar, um espaço social democrático que propicie a presença dos pais na escola e, ao mesmo tempo, garanta um ambiente onde todos possam se manifestar livremente, com sua opinião, sua experiência, e que esse encontro produza uma nova visão sobre a educação.Didática, Gestão e Políticas Públicas – 42 – O professor precisa pesquisar e se aprofundar no conhecimento da questão cultural da comunidade escolar onde seus alunos estão inseridos e perceber que a sua missão em sala de aula não é apenas transmitir con- teúdo teórico, é também permitir o aprendizado de valores e comporta- mentos. Essa aprendizagem educacional ampla possibilitará ao indivíduo interpretar e transformar a sociedade, que é o objeto máximo da educação, e, ao mesmo tempo, ter o benefício do bem-estar coletivo e pessoal. 3.1 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Os instrumentos metodológicos são as ferramentas que devem guiar a prática pedagógica: todos eles se completam e não pode existir um sem o outro. O modo como inicia o primeiro procedimento é que vai dar início ao círculo (sem fim) que são ou outros, como se percebe na ilustração a seguir. Planejamento Registro e Reflexão Avaliação Observação Replanejamento Após uma observação sensível e atenta a todos os detalhes, ini- cia-se o planejamento, que, ao revisitar o olhar a partir da reflexão – 43 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica exercitada nos registros, nos guiará e nos mostrará caminhos para a contínua avaliação como um processo contínuo de aprendizagens, refletido nas nossas práticas vividas. Fechando esse ciclo, chegamos ao replanejamento, momento em que nossas ações ganham uma nova perspectiva, e damos continuidade à nossa prática pedagógica com novos embasamentos. 3.1.1 A observação Uma das formas para construir o conhecimento é através da obser- vação. Observar é uma coisa, ver e enxergar é outra. Quem olha tem de aprender a ver e a interpretar o que está sendo observado. Na observação, não entram só imagens; entram também os elemen- tos culturais que se inscrevem nos processos cotidianos. Para observar, é preciso ter perguntas e duvidar das suas respostas. Em outras palavras, o professor precisa saber o que vai observar para poder direcionar o seu olhar para o que deve ser visto – somente assim a observação se constitui como ferramenta do trabalho pedagógico. Quanto maior for a clareza do professor sobre o que quer observar, mais facilidade encontrará para ver e refletir. Depois de eleger o que quer observar, o professor é guiado pelos acontecimentos que envolvem alu- nos, organização escolar, conteúdos desenvolvidos e relações que estão presentes no cotidiano pedagógico. Nem sempre nossa capacidade de observar está suficientemente desenvolvida. Leia o texto a seguir, de Madalena Freire (1996), sobre a observação. Educando o olhar da observação – aprendizagem do olhar Não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo e cegueira. Para romper esse modelo autoritário, a observação é a ferramenta básica nesse aprendizado da construção do olhar sensível e pensante. Didática, Gestão e Políticas Públicas – 44 – Olhar que envolve ATENÇÃO e PRESENÇA. Atenção que, segundo Simone Weil, é a mais alta forma de generosidade. Atenção que envolve sintonia consigo mesmo, com o grupo. Concen- tração do olhar inclui escuta de silêncios e ruídos na comunicação. O ver e o escutar fazem parte do processo da construção desse olhar. Também não fomos educados para a escuta. Em geral não ouvimos o que o outro fala, mas sim o que gostaríamos de ouvir. Neste sentido imaginamos o que o outro estaria falando... Não partimos de sua fala, mas de nossa fala interna. Reproduzimos desse modo o monólogo que nos ensinaram. O mesmo acontece em relação ao nosso olhar estereotipado, parado, querendo ver só o que nos agrada, o que sabemos, também reprodu- zindo um olhar de monólogo. Um olhar e uma escuta dessintonizada, alienada da realidade do grupo. Buscando ver e escutar não o grupo (ou o educando) real, mas o que temos na nossa imaginação, fantasia – a criança do livro, o grupo idealizado. Ver e ouvir demanda implicação, entrega ao outro. Estar aberto para vê-lo e/ou ouvi-lo como é, o que diz, partindo de suas hipóteses, do seu pensar. É buscar a sintonia com o ritmo do outro, do grupo, adequando em harmonia ao nosso. Para tanto, também necessitamos estar concentrados com nosso ritmo interno. A ação de olhar e escutar é um sair de si para ver o outro e a realidade segundo seus próprios pontos de vista, segundo sua história. Só podemos olhar o outro e sua história se temos conosco uma aber- tura de aprendiz que se observa (se estuda) em sua própria história. Nesse sentido, a ação de olhar é um ato de estudar a si próprio, a rea- lidade, o grupo à luz da teoria que nos inspira, pois sempre “só vejo o que sei” (PIAGET, 1987, p. 23). Na ação de se perguntar sobre o que vemos, é que rompemos com as insuficiências desse saber e, assim, podemos voltar à teoria para aplicar nosso pensamento e nosso olhar. Esse aprendizado de olhar estudioso, curioso, questionador, pesquisa- dor, envolve ações exercitadas do pensar: o classificar, o selecionar, o – 45 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica ordenar, o comparar, o resumir, para assim poder interpretar os signi- ficados lidos. Nesse sentido, o olhar e a escuta envolvem uma AÇÃO altamente movimentada, reflexiva, estudiosa. Texto retirado do livro: FREIRE, Madalena. Observação, registro e reflexão: instrumentos metodológicos I. 2. ed. São Paulo: Espaço Peda- gógico, 1996. A observação é um instrumento metodológico que está inteiramente ligado com o processo de avaliação, pois uma avaliação que considere o sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem precisará de uma obser- vação bastante atenta para possíveis mapeamentos das aprendizagens individuais e também das aprendizagens que acontecerão na dinâmica do coletivo da sala. Contudo, para que a observação se efetive, é preciso que tenhamos foco e objetivos para apurar nosso olhar na direção do que queremos. Essa observação focada e objetivada não é uma ação fácil, pois, para que ela aconteça, é preciso que saibamos sair de nós mesmos para podermos ver o outro. E em um movimento de ida e vinda, depois de termos os dados coletados e as escolhas sobre o outro feitas, precisamos nos voltar para nós mesmos, em um trabalho que remete, agora, a um pensar nosso a partir do outro e sobre o outro. Como instrumento de formação do professor, a capacidade de observação ocupa um lugar chave na possibilidade de aprimoramento da prática pedagógica. É através de um diagnóstico constante de seus alunos e dos contextos pedagógicos que o professor poderá aprimorar a sua prática educativa. 3.1.2 O planejamento Planejar envolve refletir sobre a ação e também prever meios (materiais) e recursos (humanos) disponíveis para atingir objetivos em um determinado tempo; é um processo contínuo que assinala para onde ir e as maneiras adequadas para se chegar, tendo em vista contextos e possibilidades. Nessa direção, o planejamento pode ser entendido Didática, Gestão e Políticas Públicas – 46 – como um processo que equilibra meios e fins, recursos e objetivos, visando ao funcionamento de instituições, de organizações grupais e de outras atividades. Como instrumento metodológico, o planejamento representa a prin- cipal ligação entre o educador e o indivíduo – é o elo entre o que será proposto pelo professor e o que será efetivado pelo educando. Portanto, durante o planejamento, precisamos ter clareza sobre nos- sos objetivos, porque, quanto mais os entendemos, mais ferramentas tere- mos para alcançá-los. Os objetivos se tornarão nossos pontos de chegada, portanto, sendo essa nossa meta a ser alcançada, será esse também nosso referencial para a avaliação de todo o processo. O planejamento tem a função de pensar o passado e o futuro, para a construção e efetivação do presente. Para que isso possa acontecer, o planejamento deve estar pautado em trabalhar a partir da Zona de Desenvolvimento
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