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81 DIDÁTICA GERAL Unidade II 5 DIDÁTICA PEDAGÓGICA Até este ponto do livro-texto, reconstruímos o sentido de didática a partir de sua análise etimológica, histórica e filosófica. Estudamos as tendências didático-pedagógicas que influenciam a prática do professor. A partir de agora vamos discutir algumas especificidades que estão intimamente imbricadas na didática: a pedagogia, a compreensão acerca do processo de ensino e aprendizagem e o planejamento didático-pedagógico que acontece nas diferentes instâncias do sistema educacional. Você verá que uma boa didática requer um conhecimento: • pedagógico de como se ensina e se aprende; • curricular, que envolve o domínio do conteúdo a ser ensinado. Observação Os conhecimentos necessários à prática docente – didático, curricular e do conteúdo – elencados pelo pesquisador Lee Shulman (1992) serão resgatados em nosso estudo, não só em sua abordagem teórica, mas sobretudo em seu componente prático. 5.1 A importância da pedagogia Para compreendermos o que é pedagogia é de suma importância situá-la num tempo histórico. Por um período significativo, ela foi descaracterizada, sendo reduzida à docência. De acordo com Libâneo (2001), comumente, a concepção advinda do senso comum enxerga a pedagogia como modo de ensinar exclusivo da formação dos professores que lecionam para crianças. 82 Unidade II Figura 26 – Reflexão sobre a pedagogia Disponível em: https://bit.ly/3Bf1zBj. Acesso em: 11 fev. 2022. Essa concepção foi firmada no início da década de 1930, quando se considerava o estudo etimológico da palavra preponderante para a sua definição – peda vem do grego paidós, que significa criança. Libâneo (2001) inclusive comenta, sobre este assunto, que tomando como base este raciocínio é curioso que os cursos de licenciatura também não tenham recebido o nome de pedagogia. Para o autor, antes de se preocupar com a formação escolar de crianças, a pedagogia tem um significado maior, mais amplo e globalizante. “Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa” (LIBÂNEO, 2001, p. 6). Atualmente, a partir de uma concepção ampla e globalizante, a pedagogia, ou melhor, a ação pedagógica tem se multiplicado, perpassando os diferentes âmbitos sociais, extrapolando a educação formal, abrangendo as esferas da educação informal e não formal. Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais, políticos, econômicos e psicológicos para descrever e explicar o fenômeno educativo, a pedagogia recorre à contribuição de outras ciências como a filosofia, a história, a sociologia, a psicologia, a economia. Esses estudos acabam por convergir na didática, uma vez que esta reúne em seu campo de conhecimentos objetivos e modos de ação pedagógica na escola. Além disso, sendo a educação uma prática social que acontece numa grande variedade de instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação de massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se disciplinas 83 DIDÁTICA GERAL propriamente pedagógicas, tais como a teoria da educação, a teoria da escola, a organização escolar, destacando-se a didática como teoria do ensino (LIBÂNEO, 1990, p. 16). Para que a pedagogia possa estudar e compreender a educação, ela precisa recorrer a outras ciências. Observação As ciências, em geral, estudam sistematicamente algo que seja interessante para os seres humanos, para a vida de outros seres, para os ambientes que habitamos e tudo que possa ser, de alguma forma, relevante para nós. Um médico estuda outras ciências, como é o caso da biologia, da física, da química, da farmacologia, da psicologia etc. Ele assim o faz porque seria praticamente impossível atender seus pacientes sem noções dessas áreas, que possibilitam conhecer melhor os seres humanos em todas essas dimensões – conhecimentos essenciais para quem precisa compreender como tudo está interligado de maneira complexa e interdependente. As inúmeras pesquisas científicas produzidas pelo mundo, em diversas áreas, multiplicam-se, áreas são criadas para dar conta de captar um pouco do que o mundo tem a oferecer, e muitos recortes da realidade são criados com rótulos de uma nova ciência. Ao se criar a pedagogia, por exemplo, o recorte se vincula a investigar o que envolve o fenômeno educativo na vida da sociedade em geral. Para isso, quase sempre são necessários outros conhecimentos, que se vinculam com os objetos de estudo dessa ciência. Por exemplo: para educar alguém, é preciso saber o que é exatamente a educação, o que é a cultura, como são os homens, como se organizam socialmente, como se comportam, como deveriam se comportar, quais conhecimentos são importantes para a espécie humana, como o homem se desenvolve, como aprende etc. Desse modo, assim como a educação não está desvinculada das transformações sociais, a pedagogia também sofre influências, pois, segundo Libâneo (2001, p. 4): [...] a sociedade atual é eminentemente pedagógica, ao ponto de ser chamada de sociedade do conhecimento. Vejamos alguns exemplos. Está se acentuando o poder pedagógico dos meios de comunicação: TV, imprensa, escrita, rádio, revistas, quadrinhos. A mídia se especializa em fazer cabeças, não apenas no campo econômico, político; especialmente no campo moral, vemos diariamente a veiculação de mensagens educativas, a disseminação de saberes e modos de agir através de programas, vinhetas e chamadas sobre educação ambiental, Aids, drogas, saúde. Há práticas pedagógicas nos jornais, nas rádios, na produção de material informativo, tais como livros didáticos e paradidáticos, enciclopédias, guias de turismo, mapas, vídeos, revistas; na criação e elaboração de jogos, brinquedos; nas empresas, há 84 Unidade II atividades de supervisão do trabalho, orientação de estagiários, formação profissional em serviço. Há uma prática pedagógica nas academias de educação física, nos consultórios clínicos. Na esfera dos serviços públicos estatais, são disseminadas várias práticas pedagógicas de assistentes sociais, agentes de saúde, agentes de promoção social nas comunidades etc. São práticas tipicamente pedagógicas. Os programas sociais de medicina preventiva, informação sanitária, orientação sexual, recreação, cultivo do corpo, assim como práticas pedagógicas em presídios, hospitais, projetos culturais são ampliados. Ano a ano aumenta o número de congressos, simpósios, seminários. São desenvolvidas, em todo o lugar, iniciativas de formação continuada nas escolas, nas indústrias. As empresas reconhecem a necessidade de formação geral como requisito para enfrentamento da intelectualização do processo produtivo. Portanto, segundo Piletti (2010), a pedagogia é a ciência que estuda a educação. Desse modo, podemos dizer que tudo que envolve a educação como um fenômeno e um processo social deve ser estudado e compreendido pela pedagogia, ou seja, o que se deve fazer para educar as pessoas, o que pode ser ensinado, como deve ser ensinado, a quem deve ser ensinado, por quem será ensinado etc. Assim, como a educação é influenciada por inúmeros fatores, tudo isso, de alguma forma, deve ser investigado pela ciência pedagógica. Observação Afinal, qual é a relação da pedagogia com a didática? Segundo Libâneo (1990), a didática é o principal ramo de estudo da pedagogia, pois é aquele que investiga os fundamentos, as condições e as maneiras mais apropriadas de realizar o ensino. Quando pensamos em como devemos fazer para ensinar um conhecimento a uma pessoa, nossa preocupação geralmente se volta à didática que deve ser utilizada. Entretanto, no que se refere aos professores, toda forma de ensinar reflete uma busca educativa e, dessa maneira, pressupõe uma relação entre os conhecimentospedagógicos e didáticos do professor. Lembrete A didática é o principal ramo da pedagogia e se ocupa de estudar os métodos e as formas mais apropriados para ensinar. 5.2 O processo de ensino e aprendizagem A partir da discussão sobre a didática e a sua relação com a educação e com a pedagogia, torna-se imprescindível avançar para a reflexão sobre o processo de ensino e aprendizagem. 85 DIDÁTICA GERAL Para isso, é preciso, primeiramente, identificar: • Os elementos que compõem o processo de ensino e aprendizagem. • As concepções que influenciam as ações do professor. Respondendo ao primeiro aspecto, podemos afirmar que, basicamente, o processo de ensino e aprendizagem é composto por: estudante, conhecimento, professor e situações didáticas. O esquema a seguir representa todos estes elementos: ProfessorEstudante Conhecimento Situações didáticas Situações didáticas Processo de ensino e aprendizagem Figura 27 – Esquema de elementos envolvidos na relação ensino-aprendizagem Fonte: Nadal e Papi (2007, p. 22). Lembrete O processo de ensino não é neutro. Muito pelo contrário, é acompanhado de crenças, ideias e concepções que, mesmo de forma inconsciente, interferem significativamente na maneira como o professor concebe o estudante, o conhecimento, as situações didáticas, o ensino e o seu próprio papel nesse processo. Desse modo, cabem aqui algumas reflexões: • Quais são as concepções envolvidas nesse processo? • Como identificar a concepção que temos sobre o processo de ensino e aprendizagem? • Uma vez identificada, como fazer para revê-la e reconstruí-la? 86 Unidade II Durante muito tempo, e ainda nos dias de hoje, o ensino tem sido sustentado por ideias equivocadas sobre o papel que o estudante desempenha no processo de aprendizagem e a sua relação com o conhecimento. Muitas concepções advêm de afirmações do senso comum, que perduram há anos, de geração a geração. Numa espécie de provocação, Fetzner (2009, p. 17) afirma: “Diga-me qual teu ditado e te direi que professor és!”. A autora, com base nos ditos populares, propõe uma reflexão acerca das diferentes concepções que permearam e que permeiam a ação do professor ao longo da história. Leia atentamente estes ditos populares e reflita sobre suas mensagens subliminares:: • Pau que nasce torto, morre torto. • Filho de peixe, peixinho é. • Água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura. • Maria vai com as outras. • Me diga com quem tu andas que te direi quem és. • Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Exemplo de aplicação Quais conclusões você pode tirar de cada um desses provérbios? Qual a relação dos ditos populares mencionados com o processo de ensino? Passamos para a análise crítico-pedagógica sobre os ditos populares, apresentando qual é a perspectiva teórica que fundamenta cada um deles. Se um professor defende a ideia de que “Pau que nasce torto, morre torto” ou de que “Filho de peixe, peixinho é”, mesmo de maneira inconsciente, considera que a condição da aprendizagem está vinculada aos instintos, vocações e aptidões que nascem com o sujeito. Nessa perspectiva, denominada inatista, a capacidade de aprender está vinculada ao fator genético. Trata-se de uma ideologia filosófica sustentada pela crença de que a capacidade do ser humano está presente desde o seu nascimento, como se fosse um “dom”. Dessa maneira, a possibilidade de aperfeiçoamento é descartada, uma vez que as habilidades são transmitidas por intermédio da hereditariedade, ou seja, repassadas de pai para filho, por meio da herança genética. A teoria inatista considera ainda que as relações socioculturais não são relevantes para o desenvolvimento do sujeito, uma vez que ele “nasce pronto”. 87 DIDÁTICA GERAL Se o estudante possui em sua bagagem hereditária certas aptidões, habilidades, conceitos, conhecimentos e capacidades, qual seria o papel do professor de acordo com a teoria inatista? Na doutrina inatista, o professor assume um papel nulo, daquele que não intervém, proporcionando ao estudante apenas a consciência e organização dos saberes que já possui. Afinal, o aluno é o principal responsável pela sua autoaprendizagem. Exemplo de aplicação Você concorda com a afirmação de que o estudante não aprende, pois não possui a capacidade suficiente para aprender? O processo de aprendizagem é de inteira responsabilidade do estudante? Opondo-se à primeira concepção, o entendimento expresso nos ditos populares “Água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura”, “Maria vai com as outras” e “Me diga com quem tu andas que te direi quem és” implica a crença de que as interferências do meio são determinantes para o processo de construção do sujeito dos seus comportamentos, valores, saberes e crenças. O doutrinamento empírico admite que o conhecimento é resultado exclusivo da experiência. Sendo assim, o estudante é concebido como uma tábula rasa, sobre a qual o professor pode imprimir os conhecimentos e as habilidades que bem entender. Lembrete A teoria da tábula rasa pode ser explicada pelos princípios do inglês John Locke (1632-1704). Se, na concepção inatista, o professor ocupa um papel nulo, na perspectiva empirista o estudante é que assume essa posição, uma vez que nasce como um recipiente vazio que será preenchido pelas experiências vivenciadas ao longo da vida. Exemplo de aplicação Para você, é coerente a ideia de que o estudante é uma folha em branco na qual o professor pode escrever o que quiser? “O estudante é uma tábula rasa, isso significa que não possui conhecimentos prévios.” Você concorda com a afirmação? 88 Unidade II Podemos dizer que tanto a teoria inatista quanto a empirista são radicais no sentido de considerar apenas um dos aspectos que interferem no processo de aprendizagem do sujeito. Enquanto uma prioriza o fator biológico, a outra considera apenas a influência social. Já o ditado “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, envolve uma concepção dialética, “a interação entre a base biológica e o meio físico, social e cultural, implicada nos processos de aprendizagem” (FETZNER, 2009, p. 19). De acordo com Fetzner (2009), adotar uma concepção dialética significa que nada tem um lado só. Transpondo para a discussão aqui proposta, entende-se que o ser humano não se resume aos seus traços biológicos nem às suas experiências de vida. Constituímo-nos enquanto sujeitos únicos formados a partir da relação conflituosa entre as condições biológicas e as interações estabelecidas no meio de convívio. Numa análise mais geral, podemos dizer que a dialética possui diferentes definições. Entretanto, o sentido adotado neste livro-texto se refere à construção do conhecimento por meio da contradição entre dois elementos que podem ser concebidos como diferentes. Fetzner (2009) destaca que as teorias interacionistas, construtivistas e sócio-históricas são de origem dialética, pois concebem a construção do conhecimento como um processo “ora mais social e cultural, ora mais subjetivo ou intersubjetivo” (FETZNER, 2009, p. 20). Figura 28 – Karl Marx, filósofo percursor da dialética Disponível em: https://bit.ly/3Ho9kqR. Acesso em: 2 fev. 2022. Exemplo de aplicação Qual o ditado que mais se aproxima da sua atual concepção sobre o processo de ensino? 89 DIDÁTICA GERAL Além da compreensão sobre o processo de aprendizagem, os princípios marxistas também contribuem para a análise do papel do professor a partir do conceito de práxis criado por Marx, que significa a impossibilidade da dissociação entre teoria e prática, pensamento e ação. Lembrete Lembre-se de que adotar o inatismo ou o empirismo como concepção de ensino significa assumir uma visão restritiva sobre o desenvolvimento e a formação do sujeito. Conhecidas as concepções que permeiam o processo de ensino e aprendizagem, passamos para uma compreensão mais aprofundada sobre cada um dos seus elementos: • professor e processo de ensino; • estudante e processo de aprendizagem; • conhecimento; • situaçõesdidáticas. Exemplo de aplicação A partir da perspectiva dialética, reflita sobre o seu próprio desenvolvimento escolar: quais áreas de conhecimento você possui mais facilidade para aprender? E em quais você necessita de intervenções de outros colegas mais experientes (professor e/ou estudante)? 5.2.1 O professor e o processo de ensino As histórias de vida variam de acordo com as experiências dos sujeitos. Entretanto, pensar sobre a trajetória escolar pode auxiliar na construção de novas concepções e perspectivas de ensino. Exemplo de aplicação Recorrendo à sua experiência pessoal, reflita: • Como o processo de ensino era conduzido pelos seus professores no seu período de escolarização básica? • Qual era a postura mais comum entre os seus professores? 90 Unidade II Certamente as imagens a seguir podem lhe remeter a alguma lembrança em relação à condução do ensino e à postura do professor em sala de aula. A) B) Figura 29 – Postura tradicional do professor Disponível em: A) https://bit.ly/3uHk0NT; B) https://bit.ly/3svQOH6. Acesso em: 11 fev. 2022. As imagens remetem a uma figura de professor que há séculos persiste na história da educação: um professor sisudo, fechado à interação com os estudantes. Nesse modelo tradicional, o professor é o detentor do saber, que, a partir de uma relação pautada no abuso de poder, causa medo e ameaça à vida escolar dos estudantes. 91 DIDÁTICA GERAL Observação A avaliação é um bom exemplo da relação do abuso de poder instituída pelo professor. É comum, até nos dias de hoje, a seguinte afirmação na fala de alguns profissionais: “Eu quero ver se você vai conseguir tirar uma boa nota na prova!”. O professor que assume uma postura tradicional preocupa-se apenas com o processo de ensino, não se atendo ao seu principal objetivo: a aprendizagem. Veja o diálogo a seguir, que representa com clareza essa restrição: – Nossa, hoje a minha aula foi excelente! – Que bom! Mas o que os estudantes aprenderam? – Não estou falando dos estudantes! Estou falando da minha aula, que foi muito boa. Durante séculos o professor assumiu um papel um tanto quanto limitado se levarmos em consideração as demandas sociais, políticas e pedagógicas que circundam a sua profissão. A aula era pautada numa progressão sistemática de definições e exercícios passo a passo, como se o ensino fosse uma “receita pronta”. Algumas características desse modelo de ensino são: • a técnica de verbalização e reprodução dos conteúdos a partir de aulas quase sempre expositivas; • a redução do ensino a um processo de transmissão de conhecimentos; • a descontextualização, hierarquização e fragmentação dos conteúdos; • a relação verticalizada entre estudante e professor. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997, p. 30): Tradicionalmente, a prática mais frequente no ensino [...] era aquela em que o professor apresentava o conteúdo oralmente, partindo de definições, exemplos, demonstração de propriedades, seguidos de exercícios de aprendizagem, fixação e aplicação, e pressupunha que o aluno aprendia pela reprodução. Considerava-se que uma reprodução correta era evidência de que ocorrera a aprendizagem. É importante ressaltar que nessa perspectiva tradicional, o professor restringe a sua função à mera reprodução dos conteúdos historicamente construídos, não dialogando com a importância do seu 92 Unidade II papel para a sociedade, tendo em vista a ação transformadora que a educação pode promover na vida do sujeito. Observe as imagens a seguir: A) B) C) D) Figura 30 – Postura contemporânea do professor Disponível em: A) https://bit.ly/3Jv9IET; B) https://bit.ly/34XbqQ7; C) https://bit.ly/3uOwXp7; D) https://bit.ly/33k5IHR. Acesso em: 11 fev. 2022. Exemplo de aplicação Como você descreve a postura dos professores das imagens? Qual a relação que aparentam estabelecer com os estudantes? A frase “ensinar não é transferir conhecimento” (FREIRE, 1996, p. 52), mundialmente conhecida, é o ponto de partida para a compreensão sobre a nova perspectiva da relação entre o professor e o processo de ensino: de recusa ao ensino “bancário”, ou seja, de mera transmissão. Essa é a perspectiva que adotamos nesta disciplina. As imagens acima e a frase de Freire (1996), portanto, contribuem para desmistificar a postura tradicional incorporada à figura do professor. 93 DIDÁTICA GERAL Saiba mais O vídeo a seguir pode ajudar a ampliar o seu olhar e os conhecimentos acerca dos pressupostos de Paulo Freire: PAULO Freire. Coleção grandes educadores. Brasil: Atta Mídia e Educação; Instituto Paulo Freire, 2006. 57 min. Nos dias de hoje, a partir das novas demandas atribuídas à docência, o papel do professor carece de ressignificação. Numa perspectiva em que a figura do educador perde o protagonismo para o processo de construção do conhecimento, sua função exige outras funções, mais complexas do que a mera transmissão e reprodução de conteúdos. Saiba mais Propomos uma reflexão a partir das contribuições de Paulo Freire, especificamente da sua clássica obra intitulada Pedagogia da autonomia. Leia: FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Freire (1996) afirma que “Não há docência sem discência”. Volte às imagens que trouxemos, sobre a postura contemporânea do professor. Podemos observar uma relação mais próxima e interativa entre os envolvidos na sala de aula. Sob esta nova perspectiva, o professor é um incentivador, ou seja, aquele que estimula a construção colaborativa do conhecimento entre os estudantes. Desse modo, ensinar não significa prejudicar, castigar, repreender ou penalizar, mas sim querer bem aos educandos. Freire (1996, p. 25) diz que: “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. A frase leva-nos a refletir sobre dois aspectos importantes: • o primeiro diz respeito ao adjetivo inconcluso atribuído ao professor, ou seja, a como o sujeito está em constante processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional – portanto, ao seu inacabamento; • o segundo se refere à igualdade de valor dos papéis assumidos pelo professor e pelo estudante; nessa perspectiva progressista ambos são protagonistas do processo de ensino e aprendizagem. 94 Unidade II No século XXI, o professor assume também o papel de organizador da aprendizagem. Os professores podem se preocupar com a disposição dos estudantes na sala de aula: em trios, individualmente e em círculo. Mas organizar a aprendizagem não se limita à disposição dos estudantes no espaço. Na verdade, envolve outros aspectos. É preciso, por exemplo, conhecer: • as condições socioculturais dos estudantes e os seus diferentes ritmos de aprendizagem; • os conteúdos de ensino e as suas complexidades; • os objetivos de aprendizagem; • as estratégias e os recursos didáticos mais adequados para ensinar. Além de incentivador e organizador, na atual conjuntura, o professor assume o papel de mediador. A mediação coloca o professor entre o estudante e o objeto de conhecimento, ou seja, nesse caso, o docente é aquele que proporciona aos discentes o contato com o conhecimento científico num contexto de significação. Para Masetto (2003, p. 48-49): Por mediação pedagógica entendemos a atitude, o comportamento do professor que se coloca como um facilitador, incentivador ou motivador da aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e a sua aprendizagem [...] A forma de se apresentar e tratar um conteúdo ou tema é o que de fato ajuda o aprendiz a coletar informações, relacioná-las, organizá-las, manipulá-las, discuti-las e debatê-las com seus colegas, com o professor e com outras pessoas (interaprendizagem), até chegar a produzir um conhecimento que seja significativo para ele,conhecimento que se incorpore ao seu mundo intelectual e vivencial e o ajude a compreender sua realidade humana e social, e mesmo a interferir nela. É nesse sentido que Freire (1996, p. 25) adverte que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Exemplo de aplicação Se atualmente o professor assume o papel de incentivador, organizador e mediador, isso significa que não cabe a ele conduzir a disciplina na sala de aula e cobrar compromisso dos estudantes? Vejamos bem, a postura contestada aqui é aquela abusiva e autoritária, mas isso não significa que o professor não possa assumir o papel de controlador, garantindo condições para a fixação de prazos e de tempo para a realização das atividades. Controlar os prazos e o tempo e prezar pela convivência harmônica entre os estudantes também faz parte do processo de mediação. A esse respeito, Freire (1996) afirma que ensinar também exige bom senso: 95 DIDÁTICA GERAL É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo, não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nós, a tensão que a contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase sempre autoridade com autoritarismo, licença com liberdade (FREIRE, 1996, p. 66). As palavras de Freire (1996) ressaltam a influência que o professor exerce na constituição de um clima harmonioso, que favoreça a aprendizagem. E isso, futuro professor, dependerá principalmente de você! Esse clima estará sujeito, em grande parte, ao tipo de liderança adotado (PILETTI, 2010, p. 249). Existem três tipos básicos: • Autoritária: tudo o que deve ser feito é determinado pelo professor. Ele não diz aos estudantes quais os critérios de avaliação, e as notas não podem ser discutidas. Essa figura de liderança não participa das atividades da turma, apenas distribui as tarefas e dá as ordens. Como resultado, os estudantes manifestam dois comportamentos típicos: apatia e/ou agressividade. • Democrática: neste modelo de liderança, tudo o que for feito será objeto de decisão coletiva. Todos são livres para trabalhar com os colegas que quiserem, e o professor discute todos os elementos e os critérios de avaliação, além de participar das atividades do grupo. Como resultado, os estudantes mostram-se responsáveis e espontâneos no desenvolvimento de suas tarefas, e são menos frequentes os comportamentos agressivos. • Permissiva: neste tipo de liderança, o líder, no caso, o professor, é passivo, dá liberdade completa ao grupo de estudantes a fim de que eles determinem suas próprias atividades. Ele não se preocupa com qualquer avaliação sobre a atividade do grupo e permanece alheio ao que está acontecendo. Como resultado, os estudantes não chegam a se organizar como grupo e dedicam mais tempo às tarefas propostas na ausência do professor. Pode-se concluir, assim como Freire (1996) o faz, que o melhor tipo de liderança é a democrática. Lembrete Você se lembra dos personagens Joice e Ricardo, dos quais falamos no início deste livro-texto? A postura democrática da professora de língua portuguesa justifica a identificação dos estudantes com a disciplina e a motivação em participar e acompanhar as aulas. Fica evidente, portanto, que ser professor nos dias de hoje significa assumir um papel complexo, que vai além da mera transmissão de conhecimentos, e que o ensino, por sua vez, é constituído por variadas 96 Unidade II funções – incentivar, motivar, facilitar, organizar, planejar, controlar, mediar e avaliar – no atendimento das necessidades contemporâneas e heterogêneas dos estudantes. Sendo assim, diferentemente do que apregoa o senso comum, ensinar não é algo inato, natural, como se fosse um “dom”. Muito pelo contrário, o processo de ensino é algo complexo pelo fato de envolver o elemento humano em situações únicas e imprevisíveis. Observação Assim, portanto, a afirmação do personagem Ricardo “Verdadeiramente, ela tem um ‘dom’ inexplicável, nasceu para ser professora!” é pautada no senso comum e não procede. Pelo contrário, ensinar requer o processo de profissionalização docente. Desse modo, precisamos nos desvencilhar dos mitos que circundam a profissão do professor. O primeiro deles, que já retratamos, se refere à ideia de que qualquer pessoa está apta a ensinar. Tal afirmação admite a “desprofissionalização” docente, viés que não reconhece o professor enquanto profissional da educação que se constitui a partir da formação inicial e continuada para o exercício do trabalho didático-pedagógico. O processo de ensino está além das habilidades interpessoais, uma vez que “ensinar exige rigorosidade metódica e científica” (FREIRE, 1996, p. 28). Exemplo de aplicação Agora reflita: se memorização e reprodução não são sinônimos de aprendizagem, como acontece esse processo? A seguir, discutiremos mais a fundo o processo de aprendizagem.. 5.2.2 O estudante e o processo de aprendizagem Aprecie um trecho da música “Deixa isso pra lá”, de Jair Rodrigues (PAZ; MENEZES, 1964): Deixa que digam Que pensem Que falem [...] 97 DIDÁTICA GERAL Saiba mais Ouça a música e aprecie sua letra na íntegra: PAZ, A.; MENEZES, E. Deixa isso pra lá. Intérprete: Jair Rodrigues. In: JAIR RODRIGUES. Vou de samba com você. São Paulo: Universal Music, 1964. 1 LP. Faixa 7. Disponível em: https://spoti.fi/3rIEtzV. Acesso em: 11 fev. 2022. Na atual conjuntura, a função que o estudante ocupa na relação interpessoal com o professor e colegas de classe carece de revisão e reconstrução, uma vez que desde o princípio do século XX temos vivenciado um debate sobre o grau de participação dos estudantes na sala de aula. O trecho da música de Jair Rodrigues evidencia dois aspectos importantes inerentes ao processo de aprendizagem: • o conhecimento prévio; • a liberdade de expressão por parte do estudante. Figura 31 – Processo de construção do conhecimento Disponível em: https://bit.ly/3JjSdXU. Acesso em: 11 fev. 2022. Mas, afinal, o que é conhecimento prévio? De acordo com Freire (1996, p. 32) “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”. Os saberes construídos socialmente nas diferentes instâncias da educação informal – família, igreja e grupo de amigos – podem ser considerados conhecimentos prévios, ou seja, os conceitos e proposições que os estudantes já possuem sobre um determinado assunto ou conteúdo. Desse modo, os conhecimentos prévios são variados devido aos contextos familiares, afetivos, sociais e cognitivos divergirem de um estudante para outro. 98 Unidade II Para compreender na prática como esses conhecimentos prévios podem ser identificados pelo professor, leia atentamente a situação: Diálogo na aula de ciências Em uma aula de ciências ocorreu o seguinte diálogo entre a professora e a estudante: Professora: Quem lembra o que é a celulose? Estudante: Eu lembro! Eu sei, professora! Professora: Então, diga! Estudante: É aquilo que aparece nas pernas das mulheres, que ficam cheias de furinhos... Professora: Menina, de onde você tirou isso? Estudante: Daquela enciclopédia de ciências que fala de uma inflamação... Fonte: Inep (2005, p. 18). Por meio desse pequeno diálogo, é possível perceber que a estudante possuía determinados conhecimentos a respeito de um conteúdo próprio da área de ciências, mas o confundiu, pela semelhança entre palavras, com outro conteúdo solicitado pela professora. A análise a partir da perspectiva tradicional, de maneira equivocada, classifica a manifestação da estudante como um erro. Entretanto, o seu saber, apesar de não haver coerência com o assunto proposto pela professora, deve ser valorizado, pois, como um conceito apropriado, a estudante poderá aplicá-lo em outra situação. Nesse caso, caberia à professora uma provocação, um conviteà indagação acerca da diferença entre os termos celulose e celulite, fomentando o diálogo a partir de questionamentos do tipo: • Quer dizer que você pesquisou sobre a celulite? Então, além de saber que é uma inflamação, o que mais você aprendeu? • Vimos que as palavras celulose e celulite são parecidas. Alguém sabe dizer qual é a diferença entre elas? • Vamos pesquisar no dicionário o significado das palavras e registrar no caderno? Observa-se que os questionamentos propostos valorizam os saberes dos estudantes, com o intuito de conduzi-los a explicações válidas, coerentes e científicas. O diálogo revela a importância de os conhecimentos prévios servirem como ponto de partida para o ensino. Para saber aquilo que o estudante já sabe sobre o conteúdo, é necessário que o professor, a partir de uma relação dialógica, ofereça oportunidade de expressão aos estudantes, ou seja, “deixa que digam, 99 DIDÁTICA GERAL que pensem, que falem” (PAZ; MENEZES, 1964). É somente a partir do direito à voz na sala de aula que o estudante poderá revelar os conhecimentos que possui. Fica evidente, assim, que passividade e apatia não são sinônimos de assimilação, compreensão e entendimento. Pelo contrário, se os estudantes participativos e questionadores apresentam saberes inconsistentes, que devem ser revistos pelo professor, com certeza é possível supor que os que ficam em silêncio precisam do mesmo tipo de revisão. Vejamos outro exemplo prático de como identificar os conhecimentos prévios dos estudantes. Leia atentamente o texto a seguir: Um jornal é melhor do que uma revista. Um cume ou encosta é melhor do que uma rua. No início parece que é melhor correr do que andar. É preciso experimentar várias vezes. Prega várias partidas, mas é fácil de aprender. Mesmo as crianças podem achá-lo divertido. Uma vez com sucesso, as complicações são minimizadas. Os pássaros raramente se aproximam. Muitas pessoas, às vezes, fazem-no ao mesmo tempo, contudo isso pode causar problemas. É preciso muito espaço. É necessário ter cuidado com a chuva, pois destrói tudo. Se não houver complicações, pode ser muito agradável. Uma pedra pode servir de âncora. Se alguma coisa se partir, perdemo-la e não teremos uma segunda chance (UM JORNAL..., 2001, p. 191). Certamente, a partir das experiências pessoais, você já realizou algumas antecipações sobre o contexto abordado no trecho, não é? Num primeiro momento, as informações para alguns leitores tornam-se confusas e sem sentido: será que o texto se refere a um barquinho? Afinal, fala de papel (jornal e revista) e âncora. Mas não pode ser, pois logo se refere aos pássaros, e o barquinho de papel fica na água e não no ar. O contexto lembra uma brincadeira, pois o texto diz que as crianças podem achá-lo divertido. Estas e outras suposições se constituem como conhecimentos prévios sobre o texto, de acordo com a leitura e a experiência de cada um. E se dissermos que o texto se refere a uma brincadeira com pipa? Figura 32 – Pipa Disponível em: https://bit.ly/3Bit4Kv. Acesso em: 11 fev. 2022. 100 Unidade II Certamente, se você realizar uma nova leitura do texto, todas as informações terão sentido e significado mais precisos. Desse modo, o texto contribui para a reflexão sobre a importância de o professor considerar a diversidade de conhecimentos prévios oriundos da experiência de vida de cada estudante, pois, afinal, não podemos generalizar o fato de que este tipo de brincadeira fez parte da infância de todas as pessoas. Exemplo de aplicação Se os estudantes chegam à escola com uma bagagem significativa de conhecimentos prévios, isso significa que o processo de aprendizagem é mais complexo do que imaginamos. Sendo assim, será que a memorização pode ser considerada um sinônimo de aprendizagem? Para compreendermos como se dá o processo de aprendizagem, recorreremos às contribuições da psicologia da educação. 6 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Você provavelmente já se perguntou: qual será a importância da psicologia para a didática do professor? Figura 33 – Reflexão sobre a psicologia da educação Disponível em: https://bit.ly/3oOYPWi. Acesso em: 11 fev. 2022. Para respondermos à pergunta, primeiramente, se faz necessário definir psicologia, que é uma ciência que estuda o comportamento do ser humano em sua totalidade. A psicologia da educação, como um ramo específico da psicologia, se preocupa em compreender como os aspectos físico, motor, intelectual (ou cognitivo), afetivo, emocional e social se desenvolvem e interferem na capacidade de aprender do sujeito, desde o nascimento até a fase adulta. 101 DIDÁTICA GERAL Aspecto motor Aspecto afetivo Aspecto cognitivo Figura 34 – Aspectos que interferem no processo de aprendizagem Se a psicologia da educação contribui para a compreensão sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem do sujeito, considerando suas características cognitivas, emocionais e motoras, logo, podemos afirmar que, para aqueles que optaram pelo curso de licenciatura, trata-se de um conhecimento imprescindível. Afinal, dispor do saber acerca de “como se aprende” e das características individuais do sujeito torna-se um pré-requisito na formação docente, uma vez que tais conhecimentos interferem diretamente na didática pedagógica do professor. A psicologia da educação contribui para a reflexão sobre alguns questionamentos inerentes à atividade docente: • O que é desenvolvimento? • O que é aprendizagem? • Como o estudante aprende? Considerando que os aspectos cognitivo, afetivo e motor se articulam mutuamente no processo de formação do sujeito, adiante propomos a discussão sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem a partir de algumas contribuições teóricas, especialmente, as de Lev Vigotski1. Leia as afirmações de alguns professores acerca da relação entre desenvolvimento e aprendizagem: Professor 1: Na minha opinião, o estudante só se desenvolve quando aprende. Não há desenvolvimento se não houver aprendizagem. 1 Há variações na escrita do nome do autor, como Vygotsky. Neste livro-texto escrevemos de acordo com o texto de origem. 102 Unidade II Professor 2: Pelo que eu observo nos meus estudantes, o desenvolvimento antecede a aprendizagem. Primeiro o sujeito se desenvolve e só depois se torna apto a aprender. Professor 3: Eu acredito que a aprendizagem e o desenvolvimento acontecem ao mesmo tempo. Exemplo de aplicação Com quais afirmações você concorda? E de quais você discorda? Para você, qual é a relação entre desenvolvimento e aprendizagem? Assim como na fala dos professores, na psicologia da educação a discussão acerca do desenvolvimento e da aprendizagem é bem difusa. Algumas perspectivas afirmam que esses processos são independentes, e que a aprendizagem requer do indivíduo a aquisição de algumas habilidades decorrentes do desenvolvimento. Outras discordam e advertem categoricamente que desenvolvimento é aprendizagem, tratando ambos como sinônimos. E, por fim, uma terceira concepção se refere à ideia de que o desenvolvimento é um processo amplo, que envolve a aprendizagem. Vigotski (2000) identificou, pelo menos, três concepções diferentes para os termos: • Desenvolvimento e aprendizagem como processos separados. • Desenvolvimento e aprendizagem como sinônimos. • Desenvolvimento e aprendizagem como processos distintos e imbricados. Para cada uma das concepções, podemos identificar uma perspectiva diferente. A primeira, fundamentada na abordagem cognitivista de Jean Piaget, alega que os processos de aprendizagem e desenvolvimento são independentes. Para Piaget, o desenvolvimento do sujeito é decorrente das leis naturais de maturação. Desse modo, de acordo com a teoria piagetiana, a aprendizagem é consequência do desenvolvimento a partir do surgimento de novos esquemas (motores ou cognitivos). Observação Esquema é aquilo que é generalizável numa determinada ação (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 2005). Por exemplo: o esquema de engatinhar ou andar correspondeao saber se locomover. Os novos esquemas são resultantes dos anteriores, ampliando as capacidades e coordenações presentes nos últimos. Desse modo, o esquema de localização espacial depende do esquema de locomoção. 103 DIDÁTICA GERAL Ao priorizar o desenvolvimento em detrimento da aprendizagem, Piaget afirma que o conhecimento é construído a partir da relação do sujeito com os objetos e/ou pessoas. Por isso, defende que a aprendizagem é decorrente do processo de assimilação (desenvolvimento de um novo esquema) e acomodação (modificação de um esquema anterior para outro mais amplo). Sendo assim, ao assimilar e acomodar, o sujeito vivencia o processo de adaptação ao meio em que vive. Como pressupõe uma abordagem de maturação natural do sujeito, Piaget define os seguintes estágios de desenvolvimento: sensório motor (0 a 2 anos); pré-operacional (2 a 6 anos); operações concretas (7 a 11 anos); operações formais ou proposicionais (12 anos em diante). Observação Como este livro-texto é concernente à didática para os cursos de licenciatura, apresentamos adiante algumas características do estágio que vai da puberdade e adolescência à fase adulta, ou seja, o estágio das operações formais. Para Piaget, a partir dos 12 anos, o sujeito sofre transformações significativas no que se refere ao processo de desenvolvimento, alcançando, assim, um nível intelectual mais abstrato. É neste período que surge o pensamento hipotético-dedutivo, ou seja, o sujeito não depende de situações concretas para abstrair, refletir e construir suas conclusões. É nessa fase que surgem dois aspectos inerentes à abstração: a reversibilidade do pensamento, esquema que permite ao adolescente projetar-se para o passado, presente e futuro; e a metacognição, que se refere à capacidade de refletir e compreender o seu próprio pensamento. Observação É evidente que você, enquanto profissional lecionando nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, não irá se deparar apenas com o público adolescente. Muitos professores dedicam-se à docência atendendo o público adulto. Desse modo, é de suma importância compreender quais são as suas características. A EJA (Educação de Jovens e Adultos) forma um público diferenciado, sendo composta, em sua maioria, por adultos. Ao apresentar o perfil e o papel do público adulto no contexto educacional, torna-se imprescindível compreender um termo que comumente tem sido mencionado e disseminado: andragogia. De acordo com Chotguis (2001), é importante considerar as necessidades e especificidades do aprendiz adulto, fazendo o uso andragógico de ensino e aprendizagem. Mas, afinal, o que é andragogia? E qual é a sua contribuição para a didática do professor? 104 Unidade II Por se tratar de um termo específico e inovador, não é encontrado com facilidade nos dicionários. Para Guarezi e Matos (2009, p. 72) a andragogia é o “termo utilizado para designar a ciência da educação de adultos”. Para Osório (2003, p. 93): A andragogia é a arte e a ciência de ajudar os adultos a aprender, por oposição à pedagogia como arte e ciência de ensinar as crianças. A andragogia baseia-se noutros pressupostos de aprendizagem e de ação com os adultos. Portanto é necessário um salto qualitativo no momento de estudar, compreender e praticar a educação de adultos. A partir da definição de Osório (2003), a andragogia apresenta preceitos diferentes daqueles definidos na educação de crianças, centrando-se eles em: • Necessidades e interesses: preceitos pessoais, cotidianos e/ou cognitivos, que motivam e impulsionam o sujeito adulto a aprender. • Autoconceito: por ser responsável pela tomada de decisão, de sua própria vida, o aluno adulto tem a necessidade psicológica de ser visto e tratado como capaz de direcionar e escolher o que lhe convém. Portanto, apresenta uma forte necessidade de autodirecionamento. • Experiência de vida: por construir, ao longo da sua trajetória pessoal e profissional, uma vasta bagagem de experiência, a orientação para a aprendizagem do adulto está centrada na vida, nos problemas, nas tarefas etc. • Diferenças e especificidades: as quais aumentam entre os sujeitos conforme a idade. Portanto, os adultos apresentam diferenças de estilo, tempo, local e ritmo de aprendizagem. Os preceitos andragógicos contribuem então para a compreensão do perfil do estudante da EJA – e de certa forma os princípios piagetianos também estão implicados nessa compreensão. Observação Podemos concluir que na teoria piagetiana há uma imbricação entre tempo (maturação), desenvolvimento e aprendizagem. A segunda proposição apresentada por Vigotski (2000), que concebe a aprendizagem e o desenvolvimento como sinônimos, é de base empirista. Nessa perspectiva, considera-se que toda a aprendizagem e todo o desenvolvimento são provenientes da experiência. Desse modo, tem-se a crença de que é possível manipular e controlar o comportamento humano a partir de estímulos e respostas (S2 – R), 2 S vem do latim stimulus, que significa estímulo. 105 DIDÁTICA GERAL ou seja, o sistema de condicionamento do sujeito é que promove o desenvolvimento e a aprendizagem. Um dos precursores dessa teoria é Skinner. Observação B. F. Skinner é um teórico norte-americano que defende a filosofia da ciência do comportamento, denominada behaviorismo, por meio da análise experimental do comportamento. O behaviorismo dedica-se ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, entre as ações do indivíduo (respostas) e o ambiente (estimulações) (BOCK et al., 2009, p. 59). A aprendizagem de acordo com a teoria behaviorista se refere à mudança de comportamento do sujeito a partir de um condicionamento. Logo, considera-se que, nesse processo, o sujeito se desenvolve. Para que a aprendizagem ocorra, é necessário que se considere a natureza dos estímulos presentes e o tipo de resposta que se espera obter. Sendo assim, a aprendizagem torna-se um processo mecânico, sem consciência por parte do estudante, uma vez que este é concebido como um sujeito passivo face ao ambiente, que pode ser controlado e manipulado. Skinner realizou muitos experimentos em laboratórios com animais para construir um sistema explicativo do behaviorismo. Por exemplo, para treinar um cachorro a correr e devolver a bola ao seu ponto de partida, comumente, utilizamos a ração como um incentivo. Pois bem, esse processo de condicionamento do animal é realizado a partir de estímulo (ração) e resposta (comportamento esperado). Exemplo de aplicação Podemos considerar que o cachorro aprendeu ou desenvolveu uma habilidade? Você considera que a teoria comportamentalista de estímulo e resposta pode promover a aprendizagem significativa dos estudantes? Por fim, a terceira concepção analisada por Vigotski (2000), que considera a aprendizagem e o desenvolvimento como processos distintos, porém imbricados, apresenta a tentativa de abarcar as duas primeiras concepções, tornando a compreensão ainda mais confusa e imprecisa, não rompendo com o dualismo presente na definição dos termos. Nessa perspectiva, considera-se a importância de identificar quando o desenvolvimento é resultado do processo de maturação e quando é resultado da aprendizagem. Sendo assim, ao definir desenvolvimento como maturação, a perspectiva recai nos princípios piagetianos – e, consequentemente, assumindo que desenvolvimento é aprendizagem, as considerações abarcam a teoria behaviorista. Mas, afinal, qual é a definição e a diferença entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem? 106 Unidade II Coerentemente com a concepção de ensino adotada neste livro-texto, comungamos das considerações de Vigotski (2000), que afirma que o desenvolvimento e a aprendizagem são processos diferentes que se articulam entre si, numa relação dialética, num movimento em que a aprendizagem influencia o desenvolvimento e vice-versa. Para Vigotski (2000), o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados, desde o nascimento da criança.Por isso, antes de frequentar a escola, o sujeito aprende e se desenvolve. Considerando, portanto, as teorias aqui analisadas – comportamentais e cognitivistas – podemos concluir que o processo de aprendizagem é dinâmico, contínuo, global, pessoal, gradativo e cumulativo. É considerado dinâmico porque a aprendizagem se constitui num processo de aquisição ativa por parte do sujeito e, portanto, requer atividades advindas dos contextos externos (físico) e internos (afetivo, emocional, intelectual e social). É um processo contínuo porque se faz presente na vida dos humanos em suas diferentes fases (infância, adolescência, fase adulta e idosa). É um processo global pelo fato de envolver os diferentes aspectos que constituem a personalidade do sujeito no ato de aprender. Por isso, o estudante é considerado biopsicossocial (biológico, psicológico e social). Torna-se um processo pessoal porque o conhecimento adquirido é intransferível de sujeito para sujeito. Além disso, cada estudante possui habilidades e inteligências múltiplas diferentes (lógica, linguística, corporal, naturalista, interpessoal, intrapessoal, espacial e musical). Além de dinâmica, contínua, processual e pessoal, a aprendizagem também é gradativa pelo fato de os novos conhecimentos serem construídos a partir de conhecimentos anteriores, servindo de ancoragem uns para os outros, numa perspectiva gradativa e ascendente. Por fim, a aprendizagem também é cumulativa porque, a partir das inúmeras experiências, o sujeito é capaz de ampliar e aprimorar o seu repertório de conhecimento. Segundo Schimitz (apud PILETTI, 2010), a aprendizagem é um processo contínuo de aquisição e assimilação, nem sempre consciente, que se desenvolve no sujeito a partir de novos padrões e maneiras de perceber, ser, pensar e agir. Portanto, devido à sua complexidade, a aprendizagem é promotora do desenvolvimento humano. Desse modo, Vigotski (2000) define dois níveis de desenvolvimento presentes no processo de aprendizagem: • Nível de desenvolvimento real: tudo que o sujeito é capaz de fazer sozinho, com autonomia. • Nível de desenvolvimento potencial: aquilo que o sujeito é capaz de fazer a partir do auxílio de outros sujeitos mais experientes. 107 DIDÁTICA GERAL Para Vigotski (2000), entre o nível de desenvolvimento real e o potencial, concentra-se a zona de desenvolvimento proximal. Para o professor, esse conceito é de fundamental importância, uma vez que o ensino deve concentrar-se, justamente, na lacuna que existe entre os conhecimentos prévios dos estudantes (desenvolvimento real) e os conhecimentos que conseguem construir a partir de intervenções didáticas (desenvolvimento potencial). Ao não dispor desse conhecimento, o professor pode ensinar aquilo que o estudante já sabe ou ensinar aquilo que o estudante não é capaz de aprender naquele momento, e ambos os caminhos podem resultar na desmotivação no processo de aprendizagem. Exemplo de aplicação A partir das contribuições de Vigotski (2000), podemos, portanto, responder à pergunta: a aprendizagem se dá no silêncio, “prestando atenção”, ou a interação pode fomentar e enriquecer ainda mais a aquisição do conhecimento? Como os pressupostos de vigotskianos respondem a esta questão? Tudo o que foi visto e discutido até este ponto busca formar uma visão profissional e crítica sobre o trabalho do professor. Não há, em termos de possibilidades, como executar uma prática educativa arriscando acertar simplesmente com o instinto. É necessário o domínio de certos conhecimentos que façam com que se encontre maior segurança, organização, estruturação e teorização sobre todos os fatores que interferem no trabalho educativo. Observação A atuação didática do professor se torna restritiva quando ele não conhece cientificamente como o ser humano se desenvolve e aprende. É como aplicar uma atividade de forma inconsciente, cometendo erros que poderiam ser evitados. 6.1 O processo de ensino e aprendizagem e o conhecimento Os conteúdos escolares ocupam o lugar dos conhecimentos socialmente construídos pela humanidade. Eles são os modos de ação culturalmente determinados pela sociedade, são as descobertas científicas condensadas nas necessidades de toda a população, permitindo acompanhar a evolução científica que a humanidade conquistou. Conteúdos de ensino são o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e a aplicação pelos alunos de sua prática de vida. Englobam, portanto: conceitos, ideias, fatos, processos, princípios, leis científicas, regras; habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão 108 Unidade II e aplicação, hábitos de estudo, de trabalho e de convivência social; valores, convicções, atitudes. São expressos nos programas oficiais, nos livros didáticos, nos planos de ensino e de aula, nas aulas, nas atitudes e convicções do professor, nos exercícios, nos métodos e nas formas de organização do ensino (LIBÂNEO, 1990, p. 128). Figura 35 – Reflexão sobre o conhecimento Disponível em: https://bit.ly/3oM9OA3. Acesso em: 11 fev. 2022. A definição de Libâneo (1990) expressa, de forma complexa e não simplista, o que se entende por conteúdos de ensino. Numa definição em poucas palavras, que não satisfaz plenamente esse conceito, podemos dizer que se trata de tudo o que se ensina com o intuito de atingir objetivos educacionais e instrucionais. Quanto à divisão em elementos dos conteúdos de ensino, temos várias classificações. Entretanto, duas se destacam entre as utilizadas pelos teóricos da didática e da pedagogia. Uma delas é a de Libâneo (1990), que divide: • os conhecimentos sistematizados como sendo a base da instrução e do ensino, bem como os objetos de assimilação e o meio indispensável para o desenvolvimento global da personalidade; • as habilidades como sendo as qualidades intelectuais necessárias para a atividade mental no processo de assimilação de conhecimentos; • os hábitos como sendo os modos de agir relativamente automatizados que tornam mais eficaz o estudo ativo e independente; • as atitudes e convicções referindo-se a modos de agir, sentir e se posicionar frente a tarefas da vida social. Libâneo (1990) refere-se a esses elementos como formadores da capacidade de conhecimento (ou cognoscitiva) da formação dos indivíduos. 109 DIDÁTICA GERAL Outra classificação importante é a da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A BNCC é um documento que define os conhecimentos, competências e habilidades que todos os estudantes devem desenvolver no decorrer da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Seu principal objetivo é a garantia da equidade na aprendizagem de todos os alunos, devendo ser utilizada como referência para a elaboração dos currículos pelas redes de ensino brasileiras. A BNCC se fundamenta no princípio do desenvolvimento integral dos estudantes (intelectual, físico, emocional, social e cultural). Para promover esse desenvolvimento, estabelece competências gerais a serem desenvolvidas por todos os alunos, que são definidas como a soma de conhecimentos (saberes), habilidades (capacidade de aplicar esses saberes na vida cotidiana), atitudes (força necessária para a utilização dos conhecimentos e habilidades) e valores (aptidão para utilizar os conhecimentos e habilidades com base em valores universais, como: direitos humanos, ética, justiça social e consciência ambiental). As 10 competências gerais são desdobradas em objetos de conhecimento e habilidades de acordo com cada etapa, faixa etária, componente ou área do conhecimento, conforme podemos observar na figura a seguir: Valorizar e utilizar os conhecimentos sobre o mundo físico, social, cultural e digital Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação Exercitar a curiosidade intelectual e utilizaras ciências com criticidade e criatividade Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação Valorizar as diversas manifestações artísticas e culturais Conhecer-se, compreender-se na diversidade humana e apreciar-se Utilizar diferentes linguagens Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa e ética Valorizar e apropriar-se de conhecimentos e experiências Figura 36 – Competências gerais da BNCC Disponível em: https://bit.ly/34UmVIm. Acesso em: 14 fev. 2022. 110 Unidade II Observação Pela diversidade existente no país, é natural e desejável que ocorram alterações no quadro de conteúdos propostos nos currículos oficiais, tendo em vista que a definição dos conteúdos a serem tratados em cada sala de aula deve considerar o desenvolvimento de capacidades adequadas às características sociais, culturais e econômicas particulares de cada localidade. Acreditamos que a escolha de conteúdos deva ir além dos programas oficiais e da simples organização lógica da matéria, ligando-se às exigências teóricas e práticas da vida social. Tais exigências devem ser consideradas em três sentidos: • a participação na prática social, no mundo do trabalho, na política, na cultura requer o domínio de conhecimentos básicos e habilidades intelectuais, como a leitura, a escrita, o cálculo, a história, as ciências, a geografia etc. • a ligação entre tudo o que se aprende na escola com os problemas a serem resolvidos na vida social diária; • a questão do rendimento escolar dos estudantes tem interferências na condição social de cada um. É preciso uma interferência nos conteúdos para que haja uma superação da desigualdade em termos de acesso e permanência na escola por parte de todos. Sobre os conteúdos e o livro didático, temos um alerta importante para que o professor não venha a utilizá-los sem uma prévia reflexão crítica a respeito do que está veiculando. Vejamos o que Libâneo (1990, p. 141-142) diz a respeito: Ao recorrer ao livro didático para escolher os conteúdos, elaborar o plano de ensino e de aulas, é necessário ao professor o domínio seguro da matéria e bastante sensibilidade crítica. De um lado, os seus conteúdos são necessários e, quanto mais aprofundados, mais possibilitam um conhecimento crítico dos objetos de estudo, pois os conhecimentos sempre abrem novas perspectivas e alargam a compreensão do mundo. Por outro lado, esses conteúdos não podem ser tomados como estáticos, imutáveis e sempre verdadeiros. É preciso, pois, confrontá-los com a prática de vida dos alunos e com a realidade. Em certo sentido, os livros, ao expressarem o modo de ver de determinados segmentos da sociedade, fornecem ao professor uma oportunidade de conhecer como as classes dominantes explicam as realidades sociais e como dissimulam o real; e podem ajudar os alunos a confrontarem o conteúdo do livro com a experiência prática real em relação a esse conteúdo. 111 DIDÁTICA GERAL Dessa forma, precisamos ter um posicionamento suficientemente capaz de não seguir às cegas o que se diz nos livros, conhecendo o conteúdo de maneira mais aprofundada e definindo como deve ser ensinado aos estudantes, para que eles se apropriem de modo crítico e engajado da dinâmica da sociedade em toda a complexidade que ela comporta. 6.2 O processo de avaliação do ensino e da aprendizagem Quando a reflexão se refere ao ensino e à aprendizagem, inevitavelmente esbarramos num processo que abrange tanto o professor quanto o estudante: referimo-nos à avaliação. A avaliação é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem. Através dela, os resultados que vão sendo obtidos no decorrer do trabalho conjunto do professor e dos alunos são comparados com os objetivos propostos, a fim de constatar progressos, dificuldades e reorientar o trabalho para as correções necessárias. A avaliação é uma reflexão sobre o nível de qualidade do trabalho escolar tanto do professor como dos alunos. Os dados coletados no decurso do processo de ensino, quantitativos ou qualitativos, são interpretados em relação a um padrão de desempenho e expressos em juízos de valor (muito bom, bom, satisfatório etc.) acerca do aproveitamento escolar (LIBÂNEO, 1990, p. 195). A avaliação é muito mais complexa e necessária do que uma simples aplicação de provas e a atribuição de notas por parte dos professores. Lembrete A prova é apenas um instrumento avaliativo, e por isso não pode ser generalizada como avaliação. O processo de avaliação é amplo e complexo. Ao contrário da forma punitiva como vem sendo utilizada, penalizando os estudantes pelo fracasso do processo de aprendizagem, a avaliação deve proporcionar uma visão geral do processo de ensino do professor. Muitos professores concebem a avaliação como uma espécie de momento para devolver aos estudantes o resultado do desinteresse que eles demonstraram ao longo do percurso, fazendo com que uma prova difícil e as notas baixas sejam uma forma de repreensão para que eles mudem seu comportamento. Entretanto, cabe destacar que a avaliação oferece indícios sobre a autoavaliação do processo de ensino. O professor José Eustáquio Romão, no vídeo da Univesp TV Caminhos e descaminhos da avaliação educacional, apresenta uma reflexão crítica e inquietante sobre o histórico da avaliação escolar. Ao comparar a avaliação com um exame médico – portanto, diagnóstico – Romão afirma que o professor, ao 112 Unidade II realizar uma avaliação clínica do processo de aprendizagem a partir de diferentes instrumentos (provas e exames, trabalhos, chamada oral etc.), identifica que o estudante não está bem, o seu diagnóstico mostra que de fato o estudante não aprendeu. Entretanto, ao contrário do diagnóstico médico, no qual se propõe um tratamento para a recuperação do paciente, por meio de medicação, dieta, exercícios, dentre outros, a avaliação escolar historicamente tem condenado o estudante à “morte”, reprovando-o em vez de lhe propor um tratamento pedagógico. Saiba mais Assista ao vídeo do professor José Eustáquio Romão: CAMINHOS e descaminhos da avaliação educacional. 2013. 1 vídeo (15 min). Publicado pelo canal Univesp TV. Disponível em: https://bit.ly/34PbVfz. Acesso em: 18 fev. 2022. Desse modo, a avaliação tem passado, ao longo dos anos, por sucessivas transformações. Mesmo assim, o processo avaliativo continua tendo sua complexidade no contexto educacional. Para tanto, é necessário nos aprofundarmos na definição do termo. De acordo com Luckesi (2000, p. 78) a avaliação se refere ao: [...] ato crítico que nos subsidia na verificação de como estamos construindo o nosso projeto educacional. A avaliação da aprendizagem é como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. É necessário distinguir avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado, incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma situação para (e só então) ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe suporte de mudança, se necessário. A avaliação, como ato diagnóstico, tem por objetivo a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção (que obrigatoriamente conduz à exclusão). O diagnóstico tem por objetivo aquilatar coisas, atos, situações, pessoas, tendo em vista tomar decisões no sentido de criar condições para a obtenção de uma maior satisfatoriedade daquilo que se esteja buscando ou construindo. Para Piletti (2010, p. 190), a avaliação: [...] é um processo contínuo de pesquisas que visa interpretar os conhecimentos, as habilidades e as atitudes dos alunos, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento, propostas nos objetivos, a fim de que haja condições de decidir sobre alternativas do planejamento do trabalho do professor e da escola como um todo.113 DIDÁTICA GERAL Já para Haydt (2002, p. 288) a avaliação: [...] é um processo de coleta e análise de dados, tendo em vista verificar se os objetivos propostos foram atingidos. No âmbito escolar, a avaliação se realiza em vários níveis: do processo ensino-aprendizagem, do currículo, do funcionamento da escola como um todo. É comum entendermos a avaliação como o resultado de testes, provas, trabalhos ou pesquisas que são dados aos estudantes e aos quais se atribui uma nota ou conceito que aprova, reprova, classifica ou desclassifica. Ao elaborar os instrumentos de avaliação, o professor necessita de uma reflexão sobre os objetivos propostos em seu planejamento para garantir de fato a verificação da aprendizagem. Piletti (2010) estabelece princípios básicos de avaliação que o professor precisa ter claros ao aplicar um instrumento de avaliação, como: — estabelecer com clareza o que vai ser avaliado, avaliar o aproveitamento, a inteligência, o desenvolvimento socioemocional, as competências e habilidades necessárias para a assimilação dos conteúdos; — selecionar instrumentos adequados para avaliar e o que se pretende avaliar; — utilizar, na avaliação, uma variedade de instrumentos para se ter um quadro mais completo do desenvolvimento do aluno (quantitativo e qualitativo); — ter consciência de possibilidades e limitações dos instrumentos de avaliação; — a avaliação é um meio para alcançar fins, e não um fim em si mesma (PILETTI, 2010, p. 192-193). O professor, ao elaborar um instrumento de avaliação, deve ter consciência sobre o que quer avaliar, ou seja, quais habilidades e competências dos estudantes estão em questão. Haydt (2002) e Piletti (2010) concordam quando se referem à divisão entre testar, medir e avaliar. Pelo grau de abrangência, do menor para o maior, o conceito de testar é o primeiro e menos abrangente. Significa a verificação de algo por meio de situações previamente definidas, os testes. Após a aplicação dos testes, é possível medir, que significa determinar a extensão, as dimensões, a quantidade, o grau ou a capacidade de algo, geralmente expressos por meio de números. Ainda mais abrangente, temos o conceito de avaliar, que significa a interpretação ou a apreciação sobre alguém ou alguma coisa, tendo como base uma escala de valores. 114 Unidade II A avaliação, portanto, serve para acompanhar esse complexo processo, visando interpretar todas as informações que auxiliem a compreender se o trabalho pedagógico do processo de ensino está na direção certa, se os estudantes indicam algo interessante de ser aproveitado ou até uma mudança de rumo das atividades pedagógicas. Para avaliar todo o processo de ensino, o professor faz a verificação coletando dados sobre o aproveitamento dos estudantes, por meio de provas, exercícios, tarefas ou meios auxiliares, como observação de desempenho, entrevistas etc. Após a verificação, o professor realiza uma qualificação para comprovar resultados alcançados em relação aos objetivos traçados previamente e, conforme o caso, atribuir notas ou conceitos. Por último, compete uma apreciação qualitativa dos resultados, referindo-os a padrões do desempenho esperado. Libâneo (1990) diz que a avaliação escolar cumpre ao menos três funções: pedagógico-didática, de diagnóstico e de controle. A função pedagógico-didática diz respeito ao cumprimento dos objetivos gerais e específicos da educação escolar, comprovando se houve o atendimento das finalidades sociais do ensino, de preparação dos estudantes para o enfrentamento das exigências da sociedade, de inserção no processo global de transformação social e de aquisição dos meios culturais de participação ativa nas diversas esferas da vida social. A função de diagnóstico tem a intenção de identificar o êxito nas conquistas e as dificuldades dos educandos, assim como a atuação do professor, que determinam modificações do processo de ensino para melhor cumprir as exigências dos objetivos. Possibilita a avaliação do cumprimento da função pedagógico-didática e dá sentido pedagógico à função de controle, sendo realizada em três etapas: inicial (pelas condições prévias dos estudantes), de acompanhamento, durante o processo de transmissão e assimilação do conhecimento, e no final de um planejamento diário, semanal, mensal, bimestral ou anual. A função de controle refere-se aos meios e à frequência de verificação e qualificação dos resultados escolares, possibilitando o diagnóstico de situações didáticas. Ocorre por meio de um controle sistemático e contínuo do processo de interação professor-alunos no decorrer das aulas. Muito semelhante a essa classificação é a de Piletti (2010), que estabelece a função diagnóstica como sondagem inicial para verificar as características e os conhecimentos prévios dos estudantes; a função formativa como aquela que acompanha o processo de formação dos estudantes, orientando sobre o rendimento, localizando fragilidades etc.; e a função somativa, que é uma função classificatória, para um final de processo. Haydt (2002) elenca alguns pressupostos e princípios da avaliação. Trata-se de considerar a avaliação um processo contínuo e sistemático, como um meio e não um fim e, por isso, não pode ser esporádica ou improvisada, mas constante e planejada, ao longo de todo o processo, para que possa guiar uma reorientação e um aperfeiçoamento. Ele considera a avaliação: 115 DIDÁTICA GERAL • funcional, pois se realiza em função dos objetivos a serem atingidos; • orientadora, pois ela indica avanços e dificuldades do estudante, ajudando-o a progredir na aprendizagem ao ofertar orientações no sentido de atingir objetivos propostos; • integral, por considerar o educando um ser total e não compartimentado, ou seja, um sujeito intelectual, psicomotor e afetivo-social, que deve ser olhado pela totalidade, e não apenas em um de seus campos funcionais. Esses princípios levam a adotar uma visão mais interessante da avaliação, pois lhe dão dinamismo, objetividade, orientação e integralidade. Tudo o que encontramos na vida social devemos inserir nas escolas. Sabemos que os estudantes não viverão para sempre dentro delas, mas passarão lá boa parte do início de suas vidas e lá aprenderão a viver melhor em sociedade. A avaliação, portanto, é um processo que permeia a coleta, a análise e a interpretação de dados. Os recursos utilizados para isso chamam-se instrumentos de avaliação. A seleção das técnicas e dos instrumentos de avaliação deve ser realizada durante o processo de planejamento pedagógico, considerando os seguintes aspectos: • objetivos definidos para o processo de ensino e aprendizagem; • natureza do componente curricular (da disciplina ou da área de conhecimento); • métodos e procedimentos usados no ensino; • número de alunos; • tempo didático. Nessa perspectiva, a avaliação deve estar a serviço da aprendizagem, a favor do estudante, de uma formação básica que possibilite competências técnicas, humanas e sociais. Segundo Haydt (2002), para avaliar o aproveitamento dos alunos, existem técnicas básicas e uma grande variedade de estratégias (observação, autoavaliação, oral e escrita) e instrumentos de avaliação (fichas, cadernos, provas, testes objetivos e dissertativos). 116 Unidade II Resumo A pedagogia e a psicologia da educação contribuem para a discussão sobre a didática, pois permitem ao professor entender como se dá o processo de aprendizagem pelo sujeito. Acerca do processo de aprendizagem, estudamos diferentes perspectivas – cognitivistas e socioculturais –, que defendem que a aprendizagem é um processo complexo decorrente das relações internas (cognitivas) e externas (sociais) do sujeito com o objeto de conhecimento. Historicamente, o processo de ensino é carregado de concepções equivocadas na maneira como o professor concebe o estudante, o conhecimento, as situações didáticas e o seu próprio papel enquanto professor. Destacamos a perspectiva dialética, que se distancia daredução que o inatismo e o empirismo atribuem ao sujeito. O viés dialético considera o processo de construção do conhecimento algo decorrente dos fatores biológicos e sociais e, além disso, contribui para que o professor compreenda que a aprendizagem, com base na concepção cognitivista de Jean Piaget, se dá num processo de adaptação do sujeito a partir dos esquemas de acomodar e assimilar novos conhecimentos. Nessa mesma discussão, aprendemos as zonas de desenvolvimento real, proximal e potencial, cunhadas por Lev S. Vigotski. Os conteúdos ocupam o lugar dos conhecimentos socialmente construídos pela humanidade. Nos currículos oficiais, são subdivididos em três dimensões: atitudinais, procedimentais e conceituais. Falamos sobre novas perspectivas de avaliação que não a resumem a um momento de prova. Enquanto processo amplo e complexo, a prova se constitui basicamente como um instrumento avaliativo. E a avaliação é um processo abrangente e contínuo de acompanhamento das aprendizagens dos estudantes, bem como da própria prática do professor, que envolve diversos instrumentos e procedimentos de coleta, verificação e análise daquilo que se aprende e que se ensina. Ressaltamos que, contrária à avaliação punitiva e classificatória, a avaliação de caráter diagnóstico e formativo se desenvolve a favor do processo de aprendizagem dos estudantes e não contra eles. 117 DIDÁTICA GERAL Exercícios Questão 1. (Enade 2017) Leia o texto a seguir. A didática escolar cumpre funções de caráter político, educativo e científico a um só tempo. A integralização dessas funções pela didática escolar torna essa disciplina acadêmica algo mais complexo do que a simples procura e implementação de procedimentos de ensino. Por meio desse processo, a unidade dialética da teoria e da prática assume as características de uma verdadeira investigação científica da realidade cotidiana da prática pedagógica. Adaptado de: RAYS, O. A. A relação teoria-prática na didática escolar crítica. In: VEIGA, I. P. A. (org.). Didática: o ensino e suas relações. 7. ed. Campinas: Papirus, 2003. A partir das informações apresentadas, avalie as afirmativas: I – A práxis pedagógica envolve a adoção do método dialético no processo de elaboração do conhecimento em articulação com a teoria histórico-cultural. II – A apropriação crítica e histórica do conhecimento é um instrumento de compreensão da realidade social e da atuação crítica para a transformação da sociedade. III – A didática é uma área do conhecimento que utiliza os elementos do cotidiano escolar e das questões sociais para atualizar a prática docente. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) III, apenas. C) I e II, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. 118 Unidade II Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o método dialético na práxis pedagógica contribui com o processo de apropriação do conhecimento, que ocorre pela interação do sujeito com aspectos históricos e culturais. II – Afirmativa correta. Justificativa: a apropriação crítica e histórica do conhecimento, na qual os processos didáticos e pedagógicos devem estar fundamentados, é um instrumento de compreensão da realidade social, condição necessária para que seja possível a transformação da sociedade. III – Afirmativa correta. Justificativa: a didática é uma área do conhecimento em constante aprimoramento, pois a prática docente deve ser atualizada de acordo com a realidade do cotidiano escolar e das questões sociais. Questão 2. (Enade 2017) As práticas de avaliação na Educação Básica revelam concepções diversas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. Quando se sustenta na reflexão sobre os sujeitos avaliados e nas ações dos avaliadores, a avaliação se transforma em estratégia pedagógica fundamental, uma vez que possibilita comparar avanços, analisar competências e dificuldades e, como consequência, orientar o planejamento de intervenções que impulsionem o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. De acordo com essas ideias, qual deve ser a função da avaliação da aprendizagem nas instituições de Educação Básica? A) Pressupor uma ação comparativa dos desempenhos dos alunos em relação ao que se espera que todos alcancem. B) Permitir uma prática investigativa que envolva o conhecimento sobre os sujeitos avaliados e revele o comprometimento dos educadores com conquistas e avanços desses sujeitos. C) Desempenhar o papel de prática educativa coletiva, com base em métodos de verificação da aprendizagem dos alunos. D) Favorecer a utilização de instrumentos de avaliação variados como principal estratégia dos professores para medir a aprendizagem dos alunos. E) Constituir-se como prática que, na dinâmica das instituições escolares, tem a função de quantificar o nível de conhecimento adquirido pelos alunos. Resposta correta: alternativa B. 119 DIDÁTICA GERAL Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: a avaliação da aprendizagem na Educação Básica não deve realizar ações comparativas dos desempenhos dos alunos em relação às metas estabelecidas. B) Alternativa correta. Justificativa: a função da avaliação da aprendizagem nas instituições de Educação Básica é permitir o conhecimento a respeito dos sujeitos avaliados, condição para que os educadores possam estar comprometidos com conquistas e avanços desses sujeitos. C) Alternativa incorreta. Justificativa: a função da avaliação da aprendizagem nas instituições de Educação Básica pode prescindir de métodos para a verificação da aprendizagem dos alunos. Não é obrigatório haver uma sistematização coletiva da avaliação. D) Alternativa incorreta. Justificativa: “medir” é um verbo que não combina com o papel da avaliação da aprendizagem nas instituições de Educação Básica. O objetivo de uma avaliação nessa etapa é fornecer subsídios e pistas quanto ao processo de aprendizagem dos alunos. E) Alternativa incorreta. Justificativa: “quantificar” é outro verbo que não combina com o papel da avaliação da aprendizagem nas instituições de Educação Básica. O objetivo de uma avaliação nessa etapa da vida escolar não é “quantificar”, mas sim fornecer subsídios e pistas quanto ao processo de aprendizagem dos alunos.
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