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A Linguagem Visual 1 Sumário 1 O FAZER ARTÍSTICO E A CONSTRUÇÃO POÉTICA-VISUAL ................. 2 2 A LINGUAGEM VISUAL ............................................................................. 7 2.1 Comunicação e linguagem ................................................................... 8 2.2 Pensando sobre o tema ....................................................................... 8 2.3 Ampliando os conhecimentos ............................................................... 8 2.4 Ampliando os conhecimentos ............................................................... 9 3 FUNDAMENTOS COMPOSITIVOS DA IMAGEM .................................... 10 4 TENDÊNCIAS ATUAIS DO ENSINO DE ARTE ....................................... 13 5 A INCLUSÃO DA ARTE NO CURRICULO ESCOLAR ............................. 15 6 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................... 23 7 LEITURA DE IMAGENS, CULTURA VISUAL E PRÁTICA EDUCATIVA.. 23 8 BIBLIOGRÁFIAS ....................................................................................... 42 2 1 O FAZER ARTÍSTICO E A CONSTRUÇÃO POÉTICA-VISUAL Fonte: marcusfabiano.wordpress.com O processo de construção do conhecimento se dá de forma articulada entre o que se vive/sente e o que é pensado/simbolizado a partir da vivência/experiência, processando-se uma aprendizagem inteira, plena, real. e não meramente livresca e simbólica, nos moldes e parâmetros da escola tradicional. Assim, propõe-se o trabalho através da imaginação criadora, aqui concebida como contrária à imaginação reprodutora, por preocupar-se com a intuição, a fantasia, a irrealidade, aspectos tão importantes e úteis quanto o real no aprimoramento do eu criativo e do ser e estar no mundo, pois a aprendizagem supõe uma integração harmônica entre o saber e o agir, entre o sentir e o pensar. Neste aspecto, Ítalo Calvino alerta para o papel da arte no mundo contemporâneo, ao afirmar que estamos correndo o perigo de perder uma faculdade humana fundamental: a capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma página branca, de pensar por imagens. Nota-se a pertinência dessa colocação devido a uma certa alienação ou academicismo instalado nas propostas para o ensino de artes visuais que priorizam a produção de releituras de obras, em detrimento das vivências, experiências e reflexões, visto que, reproduzir ou copiar obras de arte, está na contramão do gesto 3 criativo e da construção poética do conhecimento. Não se pode falar, contudo, em ato criador sem mencionar a teoria da capacidade criadora de Lowenfeld & Brittain, cujas contribuições não se nega. Porém a partir da proposta triangular, Dulce Osinski, a critica: A convicção na auto expressão e a valorização do processo ocasionam a crença de que a arte não possui conteúdos passíveis de serem ensinados, ou se os possui, estes não são relevantes. Mesmo vendo a consciência estética como componente essencial do desenvolvimento infantil, Lowenfeld não considera que ela possa ser desenvolvida por meio de exercícios de apreciação. Para ele, a estética decorre do âmago do indivíduo, não devendo ser imposta. Assim, não acredita que a História da Arte ou a própria Estética possibilitem, necessariamente, uma consciência estética que possa ser aplicada na vida de cada pessoa. Considerando que os padrões estéticos variam de acordo com a época e as culturas, não vê sentido no estabelecimento de normas que logo ficarão ultrapassadas. O método mais adequado para o desenvolvimento da consciência estética seria pelo refinamento da sensibilidade e pelo fortalecimento de sua capacidade de auto expressão. Nesta abordagem, em se tratando de arte e ensino de arte, remete-se à sua função social que se baseia no trabalho de despertar a apreciação, a sensibilização e o gosto pelas artes e pela cultura. Assim, trabalhar a arte na escola visando à formação de artistas é uma expectativa que já nasce fracassada, tendo em vista propostas que se aliam à transcendência norteada pela transdisciplinaridade, sem especializações estanques, iniciando-se com a educação da sensibilidade e da razão, sensível com inteligível: nosso primeiro modo transdisciplinar de ver o mundo, entendendo-se por conhecimento inteligível, todo o conhecimento capaz de ser articulado abstratamente por nosso cérebro através de signos eminentemente lógicos e racionais, como as palavras, os números e os símbolos da química, por exemplo. Por transdisciplinaridade entende-se: um romper dos limites entre as formas parciais de conhecimento para a criação de saberes mais abrangentes e integrados, nos quais a razão possa exercer-se de maneira menos parcial e restrita. É também uma tentativa de se construir grandes blocos do conhecimento, transcendendo as fronteiras de cada disciplina ou especialização modernas e o que vem se discutindo inclusive é a necessidade de nessa ampliação do conhecimento, contemplar-se também o saber sensível, a necessidade de uma constante interação entre os dados 4 da razão e os da sensibilidade, o que implicaria numa atuação mais inteira da consciência humana. Esse rompimento com as formas tradicionais de ensino deflagra/instaura uma nova empreitada na educação, frente a um processo de formação do olhar (que envolve um conjunto de etapas preparatórias que tem como ponto de partida os conhecimentos específicos desta área de saber), conhecimentos teóricos, passando pela leitura (recepção) do objeto estético, desdobrando-se na sensibilização visual e na formação artística. Fonte: www.ejam.com.br Enfatiza-se ainda, a importância do processo criativo em arte enquanto expressividade, concretude física e material, manifestação imaginativa, cognição, comunicação e cultura, usando-se das palavras de Edith Derdyk: se a criatividade é cúmplice de uma razão histórica, o ato criador salta à tessitura histórica. Se a criatividade expressa um jogo combinatório irradiante - tal como os círculos concêntricos que se abrem na água quando uma pedra é jogada contra a superfície, aos poucos, vão perdendo seus vincos -, a criação acontece em outro raio de inflexão, esparramando-se pelas brechas - tal como a água incontrolável que vai penetrando pelas fendas fundas da pedra. Diante dessas colocações, torna-se imprescindível repensar as práticas pedagógicas para o Ensino de Arte vigentes no contexto das escolas brasileiras, buscando-se uma revisão e um aprimoramento do seu real objetivo enquanto 5 disciplina do sensível, sobretudo porque a Arte tem a ver essencialmente com sensibilidade do olhar e do sentir, tornando as pessoas mais criativas e mais preparadas para lidar com o mundo, consigo mesmas e com os outros. Contudo, a proposição para o ensino de arte na contemporaneidade mostra-se muito voltado ao papel do professor como transmissor de conteúdos/informações, priorizando o conhecimento teórico (proposta defendida pelos cognitivistas da educação em arte), onde a imagem da obra é o centro, arriscando-se ao conteudismo, de certa forma, sem desafios para o aprendiz em sua relação com o mundo, privando- o de um conhecimento sensível, o qual é definido por João Francisco Duarte Jr. como aquele que diz respeito à: sabedoria detida pelo corpo humano e manifesta em situações as mais variadas, tais como o equilíbrio que nos permite andar de bicicleta, o movimento harmônico das mãos ao fazerem soar diferentes ritmos num instrumento de percussão, o passe preciso de um jogador de futebol que coloca, com os pés, a bola no peito de um companheiro a trinta metros de distância, ou ainda a recusa do estômago a aceitar um alimento deteriorado com base nas informações odoríferas captadas pelo nosso olfato. O que o Ensino de Arte naescola deveria propor é a educação estética (a educação dos sentidos), para que os aprendizes possam experienciar a beleza que se encontra nascendo da relação objeto e consciência, entre o homem e o mundo, tendo-se em vista que a experiência da beleza proporciona ao homem a percepção do mundo. Assim raciocinando, Duarte Jr. afirma que: educar os sentidos, as emoções, não significa reprimi-los para que se mostrem apenas naqueles (poucos) momentos em que nosso mundo de negócios lhes permite. Antes, significa estimulá- los a se expressarem, a vibrarem frente a símbolos que lhes sejam significativos. Conhecer as próprias emoções e ver nelas os fundamentos de nosso próprio eu é a tarefa básica que toda escola deveria propor, se elas não estivessem voltadas somente para a preparação de mão de obra para a sociedade industrial. Mediante essas colocações, nasce à necessidade de uma reestruturação geral no corpo das disciplinas, buscando-se uma complementaridade entre seus pares e afins, uma transdisciplinaridade que vá além da inter e da multidisciplinaridade, cruzando-se conteúdos/saberes na verticalidade e na horizontalidade de seu currículo, possibilitando o acesso às camadas mais profundas do conhecimento. Na medida em que o atual pensamento estético gesta/aborda um diálogo interdisciplinar 6 entre arte, cultura e educação, acredita-se na Arte como veículo de fácil trânsito e diálogo com todas as demais áreas de conhecimento/saberes. Nesse sentido, concorda-se com Lucimar Bello, quando pondera/afirma que Arte e Ensino de Arte, ou seja, os exercícios para a compreensão da Arte são grandes desafios, pois instauram questões também pelas associações que permitem realizar, convocando diversas áreas do conhecimento. Fonte: twitter.com Para Read, não há distinção entre ciência e arte, apontando ser a ciência a explicação, e a arte, a representação de uma mesma realidade. Como meta, propõe a integração do conhecimento pelo viés da arte. Arte como espinha dorsal, como estrutura de um corpo complexo de oportunidades, possibilidades e encantamentos. A ideia da fragmentação curricular por disciplinas estanques, como se não houvesse uma escuta e um diálogo íntimo e possível entre os seus saberes específicos, é por ele inconcebível, considerando-a grotesca e artificial. A seu ver, o fim/objetivo da arte na educação: é desenvolver na criança um modo integrado de experiência, com a sua disposição sintônica correspondente, em que o pensamento tem sempre o seu correlativo na visualização concreta - em que percepção e sentimento se movem em ritmo orgânico, sístole e diástole, em direção a uma apreensão ainda mais completa e livre da realidade. 7 “Por este viés, só uma educação pela arte seria capaz de, proporcionando uma visão estética do mundo em que vivemos, contribuir para uma sociedade mais harmoniosa, de indivíduos equilibrados”. Neste sentido, quanto maior for a oportunidade para desenvolver uma crescente sensibilidade e maior a conscientização de todos os sentidos, maior será também a oportunidade de aprendizagem. Read coloca que a figura do professor deveria ser a mais modesta e humilde das pessoas, capaz de ver nas crianças um milagre de Deus e não uma coisa a instruir, ou seja, a sua tarefa deveria ser, portanto, a de vigiar o desenvolvimento da criança, facilitando o seu processo orgânico natural. Apesar de não conceber o professor como transmissor de conhecimento, Read reconhece-o no papel de animador, flexível o suficiente para perceber o interesse do aprendiz e potencializá-lo. Para tanto, a função da escola seria/deveria estimular cada aluno para que, identificado com suas próprias experiências, desenvolvesse ao máximo os conceitos que expressam seus sentimentos, suas emoções e sua sensibilidade estética. Numa sociedade de massa, em que as relações sensíveis do indivíduo são progressivamente suprimidas, a educação artística seria a única disciplina capaz de se concentrar no desenvolvimento de experiências sensoriais, tornando a vida mais satisfatória e significativa. 2 A LINGUAGEM VISUAL Fonte: www.cgavanessagomes.blogspot.com.br 8 2.1 Comunicação e linguagem Para garantir sua sobrevivência no mundo e preservar seus conhecimentos e memória, o ser humano necessita da comunicação através da linguagem oral e escrita. Veremos que a linguagem visual também tem grande importância no mundo humano. 2.2 Pensando sobre o tema • Observe as imagens de sinais de trânsito e placas na sua cidade e liste quais as que você consegue identificar o significado. • Você prefere se comunicar por meio verbal ou escrito? Você acha os meios de comunicação que só usam imagens são mais fáceis de serem compreendidos do que os que só utilizam à escrita? • Você identifica rapidamente e consegue compreender o significado de todas as imagens que observa em cartazes, outdoors ou muros? • Você sabe o que é comunicação e linguagem? Fonte: animacaouniville.wordpress.com 2.3 Ampliando os conhecimentos Algumas das características que determinam a condição humana são possuir inteligência, raciocínio, capacidade de simbolização e pensamento abstrato, se relacionar com o semelhante de maneira que o convívio social funcione como forma 9 de garantir que o conhecimento adquirido hoje seja preservado e passado adiante para possíveis modificações e atualizações, levando à construção de diferentes culturas em diversos contextos históricos. Isto só existe devido à capacidade que o ser humano tem de se comunicar nos níveis pessoal, interpessoal e social. Outros seres vivos também se comunicam, mas não em um nível de complexidade e nuances que o ser humano, nem preservam aquilo que é comunicado ou simbolizam significados concretos em ideias abstratas. A comunicação humana, enquanto perpetuação do conhecimento, é entendida como uma troca de informações (estímulos, imagens, símbolos, mensagens) possibilitada por um conjunto de regras explícitas ou implícitas, a que chamamos de código. A comunicação existe basicamente para satisfazer a três necessidades primárias: para que alguém saiba algo, para que alguém faça algo ou para que alguém aceite algo. Um dos modelos de entendimento do processo de comunicação baseia- se nos componentes emissor – mensagem – receptor: • Emissor: aquele que envia ou transmite uma ideia ou sentimento através de uma mensagem; • Mensagem: o conteúdo da ideia ou sentimento do emissor; • Receptor: aquele que recebe a mensagem podendo enviá-la de volta ou a outros. 2.4 Ampliando os conhecimentos A linguagem funciona como a ordenadora dos símbolos da comunicação num contexto de espaço e tempo, através de acordos (convenções) estabelecidos por grupos humanos para transmitir determinados significados, organizando suas percepções, classificando e relacionando acontecimentos para que os símbolos guardem um mesmo sentido para todos que o empregam. A língua que usamos no Brasil é o Português, oral e escrito, mas nem todos têm acesso devido ao alto índice de analfabetismo no nosso país. Se você estiver lendo este livro é por que consegue entender um código (a Língua Portuguesa) que é comum à sua localidade. Este tipo de linguagem (Português, Inglês, Espanhol etc.) chamamos de linguagem conceitual. 10 Mas além da linguagem conceitual (oral e escrita) existe também a linguagem visual. A linguagem visual é simbólica e funciona através de analogias e metáforas. A linguagem visual é uma linguagem talvez mais limitada do que a falada, porém mais direta. Isto nos mostra que a transmissão de informações no modo visual tem um maior no impacto e efeito no observador, já que utilizamos maneiras mais objetivas através das mensagens visuais em seus diversos exemplos. Ver significa essencialmente conhecer, perceber pela visão, alcançar com as vista os seres, as coisas e as formasdo mundo ao redor. Ver é também um exercício de construção perceptiva onde os elementos selecionados e o percurso visual podem ser educados. Observar é olhar, pesquisar, detalhar, estar atento de diferentes maneiras às particularidades visuais relacionando-as entre si. O saber ver e observar podem ser trabalhados de maneira que a pessoa possa analisar, refletir, interferir e produzir visualmente através do entendimento da linguagem visual. 3 FUNDAMENTOS COMPOSITIVOS DA IMAGEM Fonte: curupira-morg-s.webnode.com Os elementos básicos por si só não constituem uma mensagem visual, como uma obra de arte, por exemplo, sendo necessário, para isso, seguir alguns fundamentos de como compor a imagem para que transmita e expresse ideias e 11 emoções do autor. Tais fundamentos não surgiram ou foram inventados por acaso, mas foram observados, analisados e experimentados por estudiosos e artistas. Equilíbrio: o ser humano tem por necessidade física e mental a busca constante do equilíbrio, da estabilidade em qualquer objeto visto ou situação vivenciada. Quando uma pessoa observa qualquer imagem tem como referência uma linha do horizonte, que funciona como base para se localizar no espaço que está. A partir desta referência é que podemos definir alto ou baixo, esquerda ou direita, nos orientando e orientando aos outros. O ser humano percebe o todo, mesmo se aquilo que se apresenta para ele é formado por muitas partes separadas, tentando sempre restaurar o equilíbrio. Este fenômeno é a busca do fechamento, simetria e regularidade das unidades que compõem uma figura, objeto ou ação. A maneira de como percebemos e entendemos uma imagem ou situação é que nos leva a determinados comportamentos e reações. Na linguagem visual o equilíbrio é verificado quando traçamos um eixo vertical sob uma linha horizontal secundária como base, obtendo uma estrutura visual, chamada de eixo sentido, que funciona como referência para nossa orientação. O equilíbrio físico e o equilíbrio visual não são necessariamente os mesmos, assim como o centro físico geométrico de um objeto ou figura não é o mesmo centro visual percebido pelas pessoas. Para entendermos isso é importante lembrar que equilíbrio não é simetria, mas esta é apenas a forma mais simples de equilíbrio. Tensão: oposto do equilíbrio, a tensão vem desestruturar a referência do eixo sentido da linha vertical e da linha-base horizontal causando uma instabilidade na observação do objeto ou situação. Passa a existir então uma relação entre o equilíbrio e a tensão, num jogo de forças que atuam no campo de visão percebido pelo ser humano. Estas influências no modo de como percebemos a imagem são chamadas de forças de movimento por que agem sobre um ponto de aplicação, sob uma direção e com certa intensidade na percepção visual. Este jogo de forças pode e deve ser usado para causar sensações, impressões e efeitos diversos na linguagem visual, cabendo adequar sua ação para um fim específico. O dinamismo e a atividade, de uma imagem carregada de tensão, contrastam com a calma e estase de outra que possua equilíbrio. Estes dois fundamentos, equilíbrio e tensão, funcionam como opostos necessários já que um é referência para o outro no campo da percepção visual. 12 Nivelamento e aguçamento: ao buscarmos o equilíbrio em uma imagem instável estamos usando outro fundamento da composição que é o nivelamento. Este princípio funciona quando observamos um objeto ou figura, dispostos de maneira assimétrica e, instintivamente, visualizamos seu centro visual perceptivo tendo de localizar seu centro geométrico através de uma medição mais detalhada. Assim, nivelamos nosso olhar em relação ao centro visual perceptivo e, quando a imagem observada encontra-se fora deste equilíbrio visual, provoca um aguçamento na percepção do todo. Existe um intermediário na composição visual, entre o nivelamento e o aguçamento, que é a ambiguidade. Esta situação pode ou não ser intencional para tornar confusa a imagem, deixando o observador na dúvida se a imagem está equilibrada ou instável. Ângulo de visão: quando o ser humano, de modo geral, efetua o ato de observar, ele tende a ter um direcionamento no olhar. Este direcionamento o modo que percebemos e entendemos os objetos e imagens fazendo uma leitura daquilo que é alvo da observação. Este direcionamento é registrado como sendo, em sua maioria, da esquerda para a direita e de cima para baixo, como que se entrasse, passeasse e saísse da imagem, fazendo uma varredura do que ela contém. Esta ação é facilmente verificada nas culturas ocidentais e no modo como as pessoas leem. Quando sabemos como as pessoas observam a imagem podemos compor seus elementos de maneira que atraiam a sua atenção e a mensagem visual seja transmitida e expressada da maneira como desejamos. Atração e agrupamento: aqui as forças de movimento atuam de forma que desejo na pessoa de procurar uma “boa-forma” ou “forma correta”, isto é, a presença, na imagem observada, de equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade. A atração funciona quando numa mesma área estão dispostos dois elementos iguais ou semelhantes que, justamente por esta característica, atraem-se uns aos outros. Quanto maior a proximidade entre os elementos, maior a atração. O agrupamento é a união que a visão faz dos elementos iguais ou semelhantes, relacionando-os numa configuração. Este fundamento se baseia em uma tendência de completar os elementos que “faltam” numa figura. Positivo-negativo / figura – fundo: é a relação existente do contraste entre dois elementos de uma imagem, definindo-os e misturando-os ao mesmo tempo. Quando vemos um exemplo deste fundamento percebemos e entendemos as 13 imagens em momentos diferentes do que é figura e o que é fundo e vice-versa, não enxergando os dois ao mesmo tempo. Os elementos assumem uma característica de positivo e negativo, dependendo de como o observador foca sua atenção na imagem, revelando formas de duplo sentido, causando ilusões de ótica. 4 TENDÊNCIAS ATUAIS DO ENSINO DE ARTE Fonte: ensinomedioonline.com.br Segundo Pessi (1994), um ponto que distingue as propostas contemporâneas de ensino da arte das concepções anteriores é um compromisso maior com a cultura e a história. Várias disciplinas contribuíram para este desenvolvimento - as ciências humanas e sociais, a educação, e o próprio campo da arte. Até recentemente, somente a arte erudita era tida como fonte de prazer estético. Sobre essa questão Maffesoli (1996, p. 113) complementa ao afirmar que: A arte popular era ignorada ou vista com desdém pela maioria dos estudiosos, enquanto a cultura de massa era condenada na sua totalidade. A partir da década de 1960 esta hierarquia rígida começou a desmoronar. O reconhecimento do caráter ideológico dos padrões usados para definir qualidade estética acelerou o fenômeno do multiculturalismo, que defende a valorização e o intercâmbio entre diferentes grupos culturais. 14 Um segundo ponto comum das novas propostas de educação através da arte é a preocupação com o desenvolvimento da capacidade de apreciação de obras de arte. Uma experiência plena com arte envolve uma série de atitudes e conhecimentos que precisam ser cultivados. Abertura e flexibilidade para lidar com o desconhecido, sensibilidade aguçada, domínio das linguagens artísticas, conhecimento de história, um repertório de experiências artísticas, e o exercício contínuo da reflexão tornam a pessoa mais apta para a fruição da arte. A visão da arte dentro de um contexto mais amplo também teve um impacto no modo de entender a experiência estética. Sobre essa questão, Nunes (1989, p. 31) observa que: No modernismo, havia uma ênfase nos aspectos formais da obra de arte. Acreditava-se que os princípios estéticos eram universais e suficientes para o entendimento de uma obra dearte. A história da arte estava voltada principalmente para as mudanças de estilo. Um terceiro aspecto presente nas propostas atuais é a ampliação do conceito de criatividade. O aprofundamento do conhecimento sobre o processo criativo em arte está substituindo uma visão ingênua e emocional sobre o fazer artístico. Paralelamente, [...] a originalidade deixou de ser a grande meta da arte, que colocou a reapropriação, a reciclagem e a colagem em pauta. Ao mesmo tempo, a visão da obra de arte como detentora de múltiplos significados levou a uma preocupação em desenvolver a criatividade também na apreciação de obras de arte. (MAGALHÀES, 2002, p. 21). Os três pontos levantados acima representam novos paradigmas para o ensino da arte. A visão da arte em uma perspectiva cultural, a valorização da bagagem cultural do educando, a ênfase no respeito e no interesse por diferentes culturas, a proposta de desenvolver a capacidade de leitura crítica e atenta de obras de arte e do mundo no qual estão inserida, a ampliação do conceito de criatividade. É preciso ainda considerar que as concepções expostas anteriormente continuam existindo na prática, embora em muitos casos, o que se vê é uma combinação aleatória de diferentes concepções de ensino. 15 5 A INCLUSÃO DA ARTE NO CURRICULO ESCOLAR Fonte: www.institutoclaro.org.br Em 1971, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5.692, a arte foi incluída no currículo escolar com a denominação de Educação Artística, sendo considerada uma “atividade educativa” e não uma disciplina. A referida introdução representou um avanço, em especial, porque deu sustentação legal a esta prática educacional e pelo reconhecimento da arte na formação dos indivíduos. O resultado dessa proposição, no entanto, foi contraditório e paradoxal. Desde a sua implantação, a Educação Artística foi tratada de modo indefinido, o que fica patente na redação de um dos documentos explicativos da lei, ou seja, o Parecer nº 540/77 do MEC, onde consta que: “não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses”. Ainda no mesmo parecer discorreu-se sobre a importância do “processo” de trabalho e estimulação da livre expressão. Contraditoriamente a essa diretriz um tanto escolanovista, os professores de Educação Artística, assim como os das demais disciplinas, deveriam explicitar os planejamentos de suas aulas com planos de cursos onde objetivos, conteúdos, métodos e avaliações deveriam estar bem claros e organizados. (AMARAL, 1984). Enfrentou-se o problema da formação de professores, pois muitos deles não tinham habilitação, não tendo formação para o domínio de várias linguagens a serem incluídas no conjunto das atividades artísticas, a saber: Artes Plásticas, Educação Musical e Artes Cênicas (BRASIL, 1998e, p. 26). Entre os anos de 1970 e 1980, de modo geral, os professores que já estavam na docência dessas linguagens artísticas 16 e os recém-formados em Educação Artística viram-se responsabilizados por educar os alunos de ensino fundamental e médio em todas as linguagens artísticas. (BRASIL, 1998e). Surgiu, dessa forma, a prática educativa do professor polivalente. Ao ser responsabilizado por ministrar aulas em que deveriam ser trabalhadas as quatro linguagens artísticas acima citadas, por ter tido uma formação de caráter superficial, formou-se a ideia de que ao se trabalhar com técnicas isoladas, estariam se trabalhando todas as áreas. Surgiram então na escola as técnicas de trabalho artístico, voltadas para o desenvolvimento da sensibilidade e da criatividade do aluno. Fonte: www.projetospedagogicosdinamicos.com Na verdade, o ensino de Arte nas escolas e essas técnicas não previam um conteúdo teórico acerca da história da arte ou das produções artísticas dos diversos períodos, eram atividades isoladas com o caráter de desenvolver o ‘fazer expressivo’, através de aulas com temas, ou simplesmente com o desenvolvimento de técnicas artísticas. No ensino de Arte até hoje, esta presença dos temas e das técnicas é muito frequente. Segundo Valente (1993), como alternativa à metodologia ultrapassada dos docentes, surgiram na década de 1970 cursos de treinamento de professores organizados pelas Secretarias de Educação, em convênios com universidades, com a EAB e com Serviço Nacional de Teatro. Esses professores eram impedidos pela LDB nº 5.692/71 de lecionar a partir da 5ª série do 1º grau, que resultou na atribuição de apenas duas aulas de Educação Artística por semana, para o Ensino de Primeiro 17 Grau. Conteúdos que não eram relacionadas a disciplinas eram consideradas atividades. Como atividade não tinham o caráter de retenção, no entanto, tinham a mesma carga horária que as demais disciplinas. Os alunos eram obrigados a participar, mas os professores não podiam reter um aluno a não ser por motivo de falta. Em 1973, foi criado, pelo Governo Federal, o primeiro curso de graduação em Educação Artística, mas era uma licenciatura de curta duração, de apenas dois anos, e que habilitava o professor para o exercício do magistério no 1º grau numa perspectiva polivalente. Posteriormente, foram criados cursos de licenciatura plena, capacitando professores para o ensino de 1º e 2º graus69. A formação polivalente veio para atender à LDB 5.692/71, adequando-a ao perfil delineado para o professor que ministrava a disciplina de Educação Artística. De acordo com o Parecer do MEC n. º 540/77 “[...] as escolas deverão contar com professores de Educação Artística, preferencialmente polivalentes no primeiro grau. Mas o trabalho deve-se se desenvolver sempre que possível por atividades sem qualquer preocupação seletiva”. Sobre essa matéria, Azevedo (1995, p. 35) se manifesta da seguinte forma: Essa concepção idealizada da arte é bastante difundida na escola e pela escola, além de reforçada pelos meios de comunicação de massa, o que se transforma num dos mais sérios problemas da educação escolar em Arte [...] na medida em que a própria lei que oficializa a arte na educação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 5692/71), funda-se em uma concepção filosófica idealista liberal que propõe a arte como mera atividade, destituída de um caráter de disciplina que colabora na formação/informação/construção do conhecimento humano, favorecendo a formação de uma mentalidade excludente quanto ao acesso da maioria da população aos bens estéticos e artísticos. A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9.394/96, o 1º grau passou a ser denominado Ensino Fundamental e o 2º grau, Ensino Médio. De maneira geral, entre os anos 1970 e 1980, com a formação polivalente anteriormente apontada, inúmeros desses professores deixaram as suas áreas específicas de formação e estudos para atender o determinado pela LDB nº 5.692. A tendência passou a ser a diminuição qualitativa dos saberes referentes às especificidades de cada uma das formas de arte e, no lugar destas, desenvolveu-se a crença de que 18 bastavam propostas de atividades expressivas espontâneas para que os alunos conhecessem música, artes plásticas, cênicas, dança, etc. Fonte: www.educacao.mg.gov.br Até 1973, a EAB era a única instituição permanente para treinar o arte- educador. A partir desse ano, os cursos de Licenciatura em Educação Artística, foram estabelecidos pelo governo federal, de forma unificada, ou seja, com um currículo a ser aplicado em todo o país. A Indicação 36/73 do MEC estabeleceu que o curso de Licenciatura em Educação Artística: “proporcionará sempre a ‘habilitação geral’ em Educação Artística – o próprio título – e ‘habilitação específica’ relacionadas com as grandes divisões da arte”. A mesma Indicação, no entanto, limitou a formação abrangente quando previu o que se segue: duração mínima do curso,abrangendo as matérias de conteúdo e formação pedagógica, a) 1500 horas de atividades, a serem integralizadas em tempo real variável de um e meio a quatro anos letivos. Com o termo médio de dois anos, para a modalidade de curta duração; e b) 2500 horas, integralizáveis de três a sete anos letivos, para a duração plena. Assim, os cursos de curta duração, criados para formar professores de arte em tempo mínimo, devido à urgência na formação de quadros para atender à demanda, foram marcados pelo aligeiramento dos professores egressos. Um outro problema que se apresentou no período de implementação dos cursos de formação de professores para a educação artística se refere ao professor “polivalente”, o qual na prática deveria oferecer um ensino abordando diversas expressões artísticas. Ou seja, observa-se o 19 currículo organizado pelo MEC, se embasou na prática em ateliê, seguidas de algumas informações teóricas sobre a arte, na realidade circunscrita à história da arte e ao folclore (que foi incluída para maquiar uma suposta face nacionalista ao currículo). Richter (1997), observa que não houve no currículo organizado pelo MEC nenhuma disciplina com uma teoria da Arte-educação, somente a Prática de Ensino de Educação Artística. As disciplinas da área de concentração pedagógica limitaram-se a um curso de psicologia, didática geral e Estrutura e Funcionamento do Ensino, a qual se restringiu à informação sobre legislação educacional. Com esse currículo, pretendia-se formar, em dois anos, um professor que tinha a obrigação de ministrar ao mesmo tempo música, artes visuais e artes cênicas, para alunos da 1ª à 6ª séries e até mesmo de 8ª série. (RICHTER, 1997, p. 109). No final da década de 1980, mudanças políticas e sociais aconteceram no Brasil, similarmente a outros países da América Latina, com o fim da ditadura militar, houve a retomada das eleições diretas para os cargos executivos. Em 1988, foi promulgada uma nova Constituição nacional, que ficou conhecida como a Constituição Cidadã, exatamente pela sua defesa pela cidadania. Passaram a ser considerados os direitos políticos da grande maioria da população, como os das mulheres, dos trabalhadores, dos povos indígenas e do movimento dos sem terra. Nesse contexto, as diretrizes das políticas públicas desse período, voltadas para a cultura e a educação, incorporaram metas de conservação e recuperação do patrimônio nacional (ecológico e cultural), das memórias múltiplas, reconhecendo a diferentes identidades do povo brasileiro. Portanto mudanças políticas nacionais exigiram outras diretrizes para a educação. Fonte: www.b2marketing.com.br 20 Na década de 1990, um marco importante no processo de inserção da arte na escola regular foi a Lei n. 9.394/96, a LDB, que instituiu a Arte como obrigatória na educação básica, sob a denominação de ensino de arte, conforme explicitado no início desse capítulo. Com a sua introdução no currículo escolar à arte passou a vigorar como área do conhecimento com conteúdos específicos, abrangendo o trabalho educativo com as várias linguagens, como as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança. No final da década de 1990, a formação de professores, nos cursos de graduação em Artes, caracteriza-se pela não manutenção das diversas linguagens artísticas, ou seja, abordou-se a perspectiva polivalente na formação do professor de Artes, não há uma especificidade na formação do profissional em Artes. Isso pode ser comprovado pela nomenclatura dos cursos, que ainda se torna imprecisa na maioria das faculdades. Como por exemplo, pode-se citar: Educação Artística para Magistério, Didática de Artes Plásticas, Práticas de Educação Artística, Desenho Pedagógico. Dessa forma, apesar da LDB nº 9.394/96 reconhecer a Arte como uma área específica do conhecimento, não existe na formação de professores o curso de Metodologia do Ensino de Arte e, como o MEC não possibilita por meio de concursos públicos para a rede de ensino a contratação de profissionais para atuarem nas escolas com as linguagens específicas, os profissionais continua sendo polivalente. Diante dessa realidade, a Federação de Arte-educação do Brasil (FAEB), em 1996, exigiu através de uma carta de reivindicação enviada ao MEC e em diversos congressos, o estabelecimento de algumas diretrizes para delinear as linhas de conteúdos e métodos voltados para a formação artística e estética dos professores. A alegação foi a de que os mesmos necessitavam de outros conhecimentos em arte, para alargar tais noções e exercer a futura função de docente. Para a FAEB, o embasamento em arte deve ser prático-teórico e experienciado durante toda graduação, com o predomínio da formação polivalente. 21 Fonte: celp.art.br BIBLIOGRAFIAS BÁSICA ______. Linguagens, códigos e suas tecnologias – orientações curriculares para o ensino médio – vol. 01. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2006. _______. Parâmetros Curriculares Nacionais / PCN: ensino médio: bases legais. Brasília: MEC/SEMT, 1999. _______. 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Frequentes mudanças de expressões e conceitos dificultam o entendimento dessas propostas para o currículo escolar, assim como a própria definição do professor ou professora que será responsável por esse conhecimento e seu referencial teórico. Este artigo apresenta os conceitos que fundamentam as propostas da leitura de imagens e cultura visual, sinalizando suas proximidades e distâncias. Contrasta alguns referenciais teóricos da antropologia, arte, educação, história, sociologia, e sugere linhas de trabalho em ambientes de aprendizagem para que se possa refletir a permanente formação docente. MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA – PRÁTICA DE ENSINO – ARTE – CULTURA ABSTRACT IMAGE READING, VISUAL CULTURE AND EDUCATIONAL PRACTICE. Nearly everything of the little we know about the produced knowledge reaches us through the means of information and communication. These, on their turn, also build world images. Images to delight, entertain, and sell, suggesting what we should dress, eat, look like and think. In our contemporary society, it is discussed the need for a visual alphabetization that takes on several names, such as image reading and critical understanding of the visual culture. Frequent changes in expressions and concepts hamper the understanding of these proposals for school curriculum, as well as the definition of the teacher who will be in charge for this knowledge and its theoretical frame of reference. This article presents the concepts that justify proposals of image reading and visual culture, signaling their closeness and distances. It also compares some theoretical backgrounds related to anthropology, art, education, history and sociology, suggesting lines of work within learning environments, so that we can reflect about our permanent training as teachers. MASS MEDIA – EDUCATIONAL PRACTICE – ART – CULTURE Este artigo é fruto de uma investigação mais ampla, intitulada Eduweb e cultura visual: um contraste entre práticas artísticas e educativas em rede, desenvolvida pela autora em 2003-2004 como professora visitante do Programa de Doutorado Educación Artística: Enseñanza y Aprendizaje de las Artes Visuales, da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p. 451-472, maio/ago. 2006maio/ago. 2006 Na vida contemporânea, quase tudo do pouco que sabemos sobre o conhecimento produzido nos chega via Tecnologias da Informação e Comunicação – 25 TIC – que, por sua vez, constroem imagens do mundo. Nômades em nossas próprias casas, capturamos imagens, muitas vezes sem modelo, sem fundo, cópias de cópias, no cruzamento de inúmeras significações. Imagens para deleitar, entreter, vender, que nos dizem o que vestir, comer, aparentar, pensar. O crescente interesse pelo visual tem levado historiadoras/es, antropólogas/os, sociólogas/os, educadoras/es a discutirem sobre as imagens e sobre a necessidade de uma alfabetização visual, que se expressa em diferentes designações, como leitura de imagens e cultura visual. Podemos nos perguntar sobre o porquê de uma cultura visual. Essa cultura exclui o não-visual e/ou aqueles que são privados desse sentido? A proposta da cultura visual é a mesma da leitura de imagens? Podemos utilizar as duas expressões como sinônimas? Que professor/a pode desenvolver essas atividades no contexto escolar? A cultura visual não será mais uma designação, entre tantas outras, para confundir as/os professoras/es? Annateresa Fabris (1998) nos auxilia a compreender o interesse pelo visual no mundo contemporâneo. Segundo ela, a imagem especular, própria do Renascimento, não é apenas resultado de uma ação artística, mas sim fruto de um cruzamento entre arte e ciência. Sua perspectiva vai muito além da mera aplicação de leis geométricas e matemáticas, pois se trata de um modelo de organização e racionalização de um espaço hierárquico. É a possibilidade de estruturar o espaço a partir de um determinado ponto de vista, aquele de um sujeito onisciente, capaz de tudo dominar e determinar. A autora mostra que o lapso de tempo em que o artista do Renascimento organizava uma nova visualidade coincide com o desenvolvimento da imprensa, com um novo modo de armazenar e distribuir um conhecimento interessado na preservação do passado e na difusão do presente. Nesse período, buscava-se um novo estilo cognitivo baseado na demonstração visual. As imagens com perspectiva eram uma tentativa de tornar o mundo compreensível à poderosa figura que permanecia em pé, no centro da imagem, no único ponto a partir do qual era desenhada. Esse estilo cognitivo perdurou até a fotografia e a videoeletrônica. Mas hoje, com as tecnologias disponíveis no mundo contemporâneo, que estão redefinindo os conceitos de espaço, tempo, memória, produção e distribuição do conhecimento, estamos em busca de uma outra epistemologia, e se necessitamos de outro modo de pensamento, consequentemente necessitamos também de outra visualidade. 26 Neste artigo, proponho desenredar os conceitos de leitura de imagens e cultura visual, sinalizando suas proximidades e distâncias para sua aplicação à prática educativa. Por meio do contraste entre referenciais teóricos da antropologia, arte, educação, história e sociologia, sugiro linhas de trabalho em ambientes de aprendizagem com o intuito de contribuir para a reflexão que envolve nossa permanente formação como docentes. LEITURA DE IMAGENS A expressão leitura de imagens começou a circular na área de comunicação e artes no final da década de 1970, com a explosão dos sistemas audiovisuais. Essa tendência foi influenciada pelo formalismo, fundamentado na teoria da Gestalt, e pela semiótica. Na psicologia da forma, a imagem constituía percepção, já que toda experiência estética, seja de produção ou recepção, supõe um processo perceptivo. A percepção é entendida aqui como uma elaboração ativa, uma complexa experiência que transforma a informação recebida. Na medida em que a imagem passa a ser compreendida como signo que incorpora diversos códigos, sua leitura requer o conhecimento e a compreensão desses códigos. Essa idéia de “ensinar a ver e ler” os dados visuais inspirou-se no trabalho de Rudolf Arnheim, Art and visual perception, de 1957, que procura identificar as categorias visuais básicas mediante as quais a percepção deduz estruturas e o produtor de imagens elaborasuas configurações. Arnheim catalogou dez categorias visuais: equilíbrio, figura, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento, dinâmica e expressão. Nesse modelo o espectador desvela nas imagens os esquemas básicos utilizando as várias categorias visuais até descobrir a configuração que, por si mesma, possui qualidades expressivas. No Brasil, Fayga Ostrower (1983, 1987, 1990) foi uma das divulgadoras dos trabalhos de Rudolf Arnheim. As idéias desenvolvidas por Ostrower em cursos e encontros com professores enfatizavam as relações entre os aspectos formais e expressivos das imagens. Outra obra que fundamentou a tendência formalista da leitura de imagens foi a da desenhista Donis Dondis, A primer of visual literacy, publicada em 1973 pelo Masschusetts Institute of Technology , na qual a autora introduz o conceito de alfabetismo visual. O livro propõe um sistema básico para a aprendizagem, identificação, criação e compreensão de mensagens visuais acessíveis a todas as 27 pessoas, e não somente àquelas especialmente formadas como projetistas, artistas e estetas. Apoiando-se no sistema proposto por Dondis para uma “alfabetização visual”, alguns professores começaram a aplicar um esquema de leitura de imagens fundamentado na sintaxe visual, que mostra a disposição dos elementos básicos, como ponto, linha, forma, cor, luz, no sentido da composição. A proposta da leitura de imagens de tendência formalista fundamenta-se em uma “racionalidade” perceptiva e comunicativa que justifica o uso e desenvolvimento da linguagem visual para facilitar a comunicação. No contexto escolar, essa prática era atribuída geralmente a professoras/es de arte, porém, não chegou a ser hegemônica entre eles. Hernandez (2000) chama de “racionalidade” o conjunto de argumentos e evidências que justificam a inserção da prática artística no contexto escolar. A presença de uma racionalidade não representa necessariamente uma hegemonia, pois diferentes formas de racionalidade podem conviver no mesmo espaço e tempo, e uma pode estar mais consolidada que outra. A racionalidade moral entende que a prática artística contribui para a educação moral e o cultivo da vida espiritual e emocional. A racionalidade expressiva considera a arte essencial para a projeção de emoções e sentimentos que não poderiam ser comunicados de nenhuma outra forma. Concebe-se a prática artística como uma forma de conhecimento que favorece o desenvolvimento intelectual para a racionalidade cognitiva. Por fim, a racionalidade cultural entende o fenômeno artístico como manifestação cultural, e vê nos artistas os responsáveis por realizar as representações mediadoras de significados para cada época e cultura. Essa forma de racionalidade está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN –, que definem o objeto artístico, no caso as imagens, como produção cultural, documento do imaginário humano, de sua historicidade e de sua diversidade (Brasil, 1997, p. 45). Outras abordagens, mais voltadas para o aspecto estético da leitura de imagens de obras de arte, apoiam-se nas investigações de Ott (1984), Housen (1992) e Parsons (1992). No Brasil, o sistema de apreciação de Ott encontrou ressonância a partir de sua apresentação em um curso promovido pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, em 1988. Robert Willian Ott, professor da Universidade da Pensilvânia, Estados Unidos, desenvolveu a metodologia image watching [olhando imagens] com o intuito de estruturar a relação do apreciador com a 28 obra de arte. Sua metodologia foi configurando-se em função dos desafios que enfrentava como professor responsável pela prática de ensino e de estágio supervisionado, no departamento de arte e educação de sua universidade, diante de uma plateia heterogênea quanto ao conhecimento e às vivências artísticas e museológicas. Inspirado em John Dewey e Edmund Feldman, Ott utilizou o gerúndio (watching) para nomear seu sistema de apreciação, para deixar claro que se tratava de um processo, articulado em seis momentos: • Aquecendo (ou sensibilizando): o educador prepara o potencial de percepção e de fruição do educando; • Descrevendo: o educador questiona sobre o que o educando vê, percebe; • Analisando: o educador apresenta aspectos conceituais da análise formal; • Interpretando: o educando expressa suas sensações, emoções e ideias, oferece suas respostas pessoais à obra de arte; • Fundamentando: o educador oferece elementos da História da Arte, amplia o conhecimento e não o convencimento do educando a respeito do valor da obra; • Revelando: o educando revela através do fazer artístico o processo vivenciado. Os estudos de Abigail Housen partem do postulado de que o desenvolvimento em determinado domínio se faz em direção a maior complexidade do pensamento, configurando estágios desse desenvolvimento. Assim, as habilidades para a compreensão estética crescem cumulativamente à medida que o leitor vai evoluindo ao longo dos estágios: narrativo, construtivo, classificativo, interpretativo e recriativo. Nessa mesma linha de raciocínio, Michael Parsons afirma que um grupo de ideias, de tópicos estéticos (tema, expressão, aspectos formais, juízo) prevalece e é entendido de maneira cada vez mais complexa, do ponto de vista estético, em cada um dos estágios de desenvolvimento. Ambos os autores concordam que nem todos os adultos alcançam os estágios mais elevados de compreensão estética, pois o que mais favorece o desenvolvimento estético é a familiaridade com as imagens das obras de arte, e isso depende das experiências artísticas de cada pessoa. 29 O trabalho de Rossi (2003), apoiado nos estudos de Parsons, sustenta que uma atividade de leitura de imagens deve considerar o desenvolvimento psicológico e a familiaridade do leitor com as imagens a serem lidas. No entanto, Rossi não utiliza apenas imagens do mundo da arte, como Parsons, mas lança mão também daquelas vindas também da publicidade. Critica o enfoque formalista de leitura estética que, segundo ela, vem sendo priorizado no ensino de arte no Brasil, e que contaminou a educação básica, reduzindo-se a um roteiro preestabelecido de perguntas que não respeita a construção dos leitores nesse domínio. A faceta semiótica introduziu no modelo de leitura da imagem as noções de denotação e conotação. A denotação refere-se ao significado entendido “objetivamente”, ou seja, o que se vê na imagem “objetivamente”, a descrição das situações, figuras, pessoas e ou ações em um espaço e tempo determinados. A conotação refere-se às apreciações do intérprete, aquilo que a imagem sugere e/ou faz pensar o leitor. Esse modelo vem sendo utilizado por alguns professores que propõem a leitura de imagens da arte (Santibáñez, Valgañón, 2000; Cruz, 2001), ou da publicidade (Joly, 1996; Barret, 2003). A abordagem formalista, influenciada pela semiótica, enfatiza a leitura da imagem a partir dos seguintes códigos: • Espacial: o ponto de vista do qual se contempla a realidade (acima/ abaixo; esquerda/direita; fidelidade/deformação); • Gestual e cenográfico: sensações que produzem em nós os gestos das figuras que aparecem (tranquilidade, nervosismo, vestuário, maquiagem, cenário); • Lumínico: a fonte de luz (de frente achata as figuras que ganham um aspecto irreal, de cima para baixo acentua os volumes, de baixo para cima produz deformações inquietantes); • Simbólico: convenções (a pomba simboliza a paz; a caveira, a morte); • gráfico: as imagens são tomadas de perto, de longe; • Relacional: relações espaciais que criam um itinerário para o olhar no jogo de tensões, equilíbrios, paralelismos, antagonismos e complementaridades. De outro ponto de vista, antropólogos, sociólogos e historiadores interessam- se pelo uso de imagens como fonte documental, instrumento, produto de pesquisa, ou ainda,como veículo de intervenção político-cultural (Feldman-Bianco, Leite, 1998). 30 Diante dessas novas perspectivas teórico-metodológicas, reforça-se a tendência a construir o conhecimento utilizando a dimensão imagética como documento. O uso de imagens na pesquisa histórica é crescente, apesar do baixo número de pesquisadores “alfabetizados visualmente” (Samain, 1998) e das dificuldades e limites que o âmbito acadêmico impõe a esse tipo de pesquisa. Uma dessas dificuldades é a resistência de alguns teóricos a aceitar a aproximação, o rascunho, o movente, a criação, a imaginação e os sentimentos como campos que tecem o itinerário argumentativo do conhecimento (Cunha, 2001). Cardoso e Maud (1997) advertem que o pesquisador que lida com as imagens tende a reagir inicialmente com o mesmo encantamento que reage diante das relíquias e cortes do passado que o tempo não extinguiu. Ler uma imagem historicamente é mais do que apreciar o seu esqueleto aparente, pois ela é construção histórica em determinado momento e lugar, e quase sempre foi pensada e planejada. Por exemplo, tanto fotógrafos como pintores negociam o cenário das imagens que produzem, mas essa negociação não é aleatória, pois visa um público e o que se quer mostrar a este público. O cenário preparado aproxima a imagem de outros interesses ou intenções como, por exemplo, o de apresentar uma determinada realidade e/ou alteração da realidade. No entanto, mesmo que se constitua uma realidade montada e/ou uma alteração dela, fruto da imaginação de um ou mais componentes, a imagem fixada não existe fora de um contexto, de uma situação. Pedaços desse contexto são encontrados tanto no interior da imagem quanto no seu exterior. O interior corresponderia ao próprio cenário, com seus utensílios e apetrechos, as pessoas com suas roupas, cabelos, modos e posturas corporais. O exterior corresponderia ao próprio suporte da imagem, às técnicas de produção no momento da criação, como também às perspectivas que tal novidade técnica gerou ou não nas pessoas em geral. Trabalhando no campo historiográfico, Leite (1996) afirma que a imagem não comunica com clareza pois pode forjar realidades, e por isso são necessários constantes e insistentes olhares, aliados à disposição dos sentidos para captar aquilo que não vemos na superfície, a fim de discernir outros conteúdos que ultrapassem a primeira impressão que se tenta impor ou estabelecer. Para que a amplitude de possibilidades da fonte iconográfica não se transforme num empecilho, a autora indica dois elementos decisivos para a leitura da imagem: o primeiro é ter um bom conhecimento de base técnica e o segundo é dispor de uma boa dose de criação 31 artística. Segundo ela, “decifrar” uma mensagem visual é uma tarefa que pode ser iniciada pelo conteúdo manifesto, pela unanimidade de compreensão, sem deixar de considerar o conteúdo latente. No conteúdo manifesto, as contradições e os conflitos são em geral pouco observados, conforme as expectativas dos responsáveis pela imagem, não só do seu produtor, mas também daquele que encomendou a obra. Caminhando para a fase dos conteúdos latentes, é preciso buscar informações fundamentais que respondam a perguntas do tipo: como as imagens foram geradas? por quem? para quem? por quê? No âmbito da documentação, Valle Gastaminza (2002) refere-se às indicações para catalogar uma imagem, e afirma que uma leitura inteligente da imagem, seja o leitor um documentalista ou não, requer as seguintes competências: • Iconográfica: reconhecer formas visuais que reproduzem ou não algo que existe na realidade; • Narrativa: estabelecer uma sequência narrativa entre elementos que aparecem na imagem e/ou elementos de informação complementar (título, data, local etc.); • Estética: atribuir sentido estético à composição; • Enciclopédica: identificar personagens, situações, contextos e conotações; • Linguístico-comunicativa: atribuir um tema, um assunto que poderá contrapor-se ou coincidir com as informações complementares; • Modal: interpretar o espaço e tempo da imagem. A abordagem da leitura crítica das imagens de Kellner (1995) influenciou o trabalho de educadores que se reportam a uma pedagogia da imagem. A pedagogia da imagem situa-se no marco teórico dos Estudos Culturais, e considera que a educação não se restringe às formas legais organizadas quase sempre na instituição escolar. Em qualquer sociedade há inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes instâncias socioculturais. Grande parte desses mecanismos tem como função primeira educar os sujeitos para que vivam de acordo com regras estabelecidas socialmente. Por estarem inseridos na área cultural, esses mecanismos revestem-se de características como prazer e diversão, mas, ao mesmo tempo, educam e produzem conhecimento. Para Giroux e McLaren, 32 ...existe pedagogia em qualquer lugar onde o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que exista a possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum. (1995, p.14) É nesse sentido que se considera a produção de imagens como um desses mecanismos educativos presentes nas instâncias socioculturais. As imagens não cumprem apenas a função de informar ou ilustrar, mas também de educar e produzir conhecimento. A partir dessa compreensão da pedagogia da imagem, Kellner argumenta ainda que ler criticamente implica aprender a apreciar, decodificar e interpretar as imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas, como o conteúdo que comunicam em situações concretas. O autor opõe-se à abordagem formal e anti-hermenêutica. Afirma que nossas experiências e nossas identidades são socialmente construídas e sobre determinadas por uma gama variada de imagens, discursos e códigos. Para Kellner, a publicidade é um texto social multidimensional, com uma riqueza de sentidos que exige um sofisticado processo de interpretação e um importante indicador de tendências sociais, modas e valores. Ele concorda com Giroux (1996) que a pedagogia deve redefinir sua relação com a cultura e servir como veículo para sua interpretação. Apesar do crescente interesse pelo visual, a expressão “leitura de imagem” não é consenso entre artistas, educadores, historiadores, sociólogos e antropólogos, já que para vários pesquisadores desses campos não é possível “ler” uma imagem. Afastando-se dessa polêmica, em uma vertente interacionista e significativa da leitura, Smith (1999) sugere que se evitem as intermináveis discussões semânticas sobre definições de leitura e se pense no processo da leitura. Para ele, os bens simbólicos produzidos pela humanidade são codificados de formas diversas, mas que mantêm uma estreita relação entre si e se expressam no que se convencionou chamar de “semiose” cultural, essa ampla rede de significações. A recepção desses bens simbólicos pode ser compreendida como leitura, na medida em que todo recorte na rede de significações é considerado um texto. Assim, é possível ler o traçado de uma cidade, um filme, uma coreografia. Imagem e escrita são códigos em constante interação. 33 No sentido de semiose cultural, Freire (1983) já sustentava que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e, nesse caso, toda leitura é influenciada pela experiência de vida do leitor. Essa abordagem a partir da experiência do leitor é proposta também por Manguel (2001). Em uma perspectiva narrativa, o autor afirma que nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva, exclusiva, pois o que vemos é sempre a imagem traduzida nos termos da nossa própria experiência. E propõe uma leitura que parta das emoções do leitor, ou seja, de como as emoções do leitor afetam e são afetadas pela leitura das imagens. CULTURA VISUALSituando-se no marco dos Estudos Culturais, Bolin e Blandy (2003) opõem-se à denominação de “visual” para o trabalho dos docentes com as imagens, pois a consideram restritiva, tendo em vista o amplo leque de experiências que as imagens físicas e virtuais proporcionam. Esses autores recolocam a questão da predominância do visual e da relação desse sentido com ou sobre os demais. Respondendo a essas observações, Mitchell (1995), em uma de suas primeiras publicações, já advertira que, apesar de a noção de “visual” constituir uma dimensão diferente da linguagem verbal, isso não implica que a cultura visual considere esse aspecto isoladamente, mas, ao contrário, a cultura visual inclui a relação com todos os outros sentidos e linguagens. A questão levantada por Bolin e Blandy situa-se em uma corrente mais “restritiva” da cultura visual. Barnard (2001) identificou duas vertentes fundamentais nos estudos de cultura visual. A primeira, que no meu entendimento é a mais “restritiva”, enfatiza o visual e trata de normatizar e prescrever seus objetos de estudo como sendo a arte, o design, as expressões faciais, a moda, a tatuagem e um longo etc. A outra vertente toma a cultura como traço definidor do estudo, e portanto se refere a valores e identidades construídos e comunicados pela cultura via mediação visual, como também à natureza conflituosa desse visual devido aos seus mecanismos de inclusão e exclusão de processos identitários. Um dos representantes desta última vertente é Mirzoeff (2003). Segundo ele, a visualização é a característica do mundo contemporâneo, mas isso não significa que se conheça necessariamente aquilo que se observa. A distância entre a riqueza da experiência visual na cultura contemporânea e a habilidade para analisar esta observação cria a oportunidade e a necessidade de converter a cultura visual em um 34 campo de estudo. Mirzoeff afirma que a cultura visual é uma “tática para estudar a genealogia, a definição e as funções da vida cotidiana pós-moderna a partir da perspectiva do consumidor, mais que do produtor” (p.20). Enfatiza que não se trata de uma história das imagens, nem depende das imagens em si mesmas, mas sim dessa tendência de plasmar a vida em imagens ou visualizar a existência, pois o visual é um “lugar sempre desafiante de interação social e definição em termos de classe, gênero, identidade sexual e racial” (p.20). No sentido indicado por Mirzoeff, a cultura visual é uma estratégia para compreender a vida contemporânea, e não uma disciplina acadêmica. Lembra que a cultura pública dos cafés do século XVIII, exaltada por Jürgen Habermas, e o capitalismo impresso do mundo editorial do século XIX, descrito por Benedict Anderson, foram características particulares de um período e centrais para a análise produzida por esses autores, apesar das múltiplas alternativas que poderiam ter escolhido. À maneira desses autores, Mirzoeff procura plasmar a vida em imagens ou visualizar a existência para estudar a contemporaneidade. Ele busca compreender a resposta dos indivíduos e dos grupos aos meios visuais de comunicação em uma estrutura interpretativa fluida. Enfatiza que a noção de cultura visual é nova precisamente por centrar-se no visual como lugar onde se criam e se discutem significados. Assim, distancia-se das obras de arte, dos museus e do cinema para focalizar sua atenção na experiência cotidiana. Do mesmo modo que os estudos culturais tratam de compreender de que maneira os sujeitos buscam dar sentido ao consumo na cultura de massas, a cultura visual dá prioridade à experiência cotidiana do visual, interessa-se pelos acontecimentos visuais nos quais o consumidor busca informação, significado e/ou prazer conectados com a tecnologia visual. O autor define a tecnologia visual “como qualquer forma de dispositivo desenhado para ser observado e/ou para aumentar a visão natural, abarcando da pintura a óleo até a televisão e a Internet” (Mirzoeff, 2003, p.19). A cultura visual, nessa concepção, contém uma proposta bem mais ampla que a de leitura de imagens baseada no formalismo perceptivo e semiótico. Trabalhar nesse enfoque amplo é aceitar a capacidade das imagens de atuarem como mediadoras de “velhas e novas formas de poder, como também de ensaios contra discursivos de novas formas de sociabilidade” (Moraza, 2004). Essa abordagem fundamenta-se em uma base socioantropológica, o que significa focalizar o 35 conhecimento tanto nos produtores dessas experiências quanto no contexto sociocultural em que são produzidas. As noções de visão e visualidade são básicas para esse entendimento da cultura visual. Walker e Chaplin (2002) definem a visão como o processo fisiológico em que a luz impressiona os olhos e a visualidade como o olhar socializado. Não há diferença entre o sistema ótico de um brasileiro, de um europeu ou de um africano, mas sim no modo de descrever e representar o mundo de cada um, pois eles têm maneiras próprias de olhar para o mundo o que, consequentemente, dá lugar a diferentes sistemas de representação. Nessa mesma linha de raciocínio, Freedman (2002, 2003) mostra que nossas identidades se refletem e se definem nas maneiras como representamos a nós mesmos visualmente, do que vestimos ao que assistimos na televisão. Para essa autora, as práticas educativas com a cultura visual podem incluir tanto a discussão sobre um videojogo quanto as possíveis modificações no meio imediato, como, por exemplo, a decoração do quarto das/os educandas/os. Segundo Freedman, as/os educandas/os tomam consciência de que as imagens e os objetos portam significados e começam a se interessar por sua interpretação, procurando sugerir significados em suas próprias produções. E isso ocorre à medida que as/os educandas/os se empenham com maior afinco em contar histórias e fazer afirmações através de suas experiências. Ainda segundo Freedman (2003), a cultura é a forma de viver e a cultura visual dá forma ao nosso mundo, ao mesmo tempo em que é nossa forma de olhar o mundo. Sua proposta de trabalho com a cultura visual pretende ser uma resposta razoável ao caráter cada vez mais interativo das artes visuais, que vão das Belas Artes às histórias em quadrinhos. A autora opõe-se ao elitismo das Belas Artes como uma linha divisória das práticas com imagens no contexto escolar, e destaca três objetivos que podem proporcionar os fundamentos de um enfoque social no trabalho com a cultura visual: o desenvolvimento de idéias, a visualização e a reflexão crítica. Ressalva que trabalhar com histórias em quadrinhos não significa copiar imagens e/ou personagens dessas produções, mas sim tentar “visualizar”, a partir da narrativa dessas produções, uma outra sociedade que também enfrenta conflitos, e propor soluções para eles. Sintonizada a essa vertente cultural, Chanda (2002) propõe uma aproximação dos artefatos visuais a partir da perspectiva do observador, da perspectiva histórico- 36 cultural do artefato e da perspectiva do produtor. A autora argumenta que se nos aproximarmos de um artefato visual somente a partir de nossa visão individual teremos uma interpretação bastante restrita, pois os artefatos visuais constituem veículos perfeitos para descobrirmos como percebemos a nós mesmos e compreendemos o mundo, e como percebemos e compreendemos o outro. Isso nos coloca diante de um problema duplo, pois temos de tratar com culturas que muitas vezes são alheias a nós e com culturas que estão ao mesmo tempo próximas e separadas de nós. As descrições e as interpretações de um artefato visual com os olhos de alguém que não está familiarizado com a cultura da qual o artefato procede refletirão unicamente os conceitos filosóficos, os ideais e a história do/a observador/a, e não os da cultura de origem do artefato. As descrições do artefato visual desvelam, de acordo com Chanda, os medos, osestereótipos, e as ideias que o/a observador/a do artefato leva consigo no olhar. Para a autora, contemplar um artefato visual com os olhos do Outro oferece uma oportunidade única de experimentarmos os comportamentos e as formas de pensar que criam as diferenças. Ela sugere um segundo movimento: olharmos para nós mesmos do marco contextual do Outro. Para exemplificar, pergunta quais são os aspectos da cultura negra que fazem parte da cultura americana em geral e que permitiriam aos americanos afirmar que em muitos aspectos são diferentes, mas que em outros são próximos. Esse deveria ser, segundo ela, o objetivo de uma educação visual multicultural. No Brasil, Richter (2003) mostra que as questões do multiculturalismo têm chegado por muitos caminhos, a partir das discussões que se iniciaram nos Estados Unidos e na Europa. Observa que os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem o pluralismo cultural como um dos temas transversais que devem ser trabalhados nos currículos escolares da Educação Básica, mas não chegam a discutir questões básicas. Ela cita como exemplo a questão do gênero nas práticas visuais. Do seu ponto de vista, essa é uma das questões fundamentais a serem discutidas nas práticas visuais do contexto escolar, visto que os padrões estéticos familiares que as crianças levam para a escola são construídos a partir dos padrões estéticos femininos. Ela afirma que as práticas visuais nas escolas do país costumam estar imbuídas dos códigos hegemônicos norte-americanos e europeus, com uma supervalorizada visualidade desenvolvida por brancos, do sexo masculino, europeus ou de origem 37 europeia, segundo os cânones formais da modernidade, o que acaba excluindo aquela visualidade não condizente com esse padrão. Assim, as práticas visuais no contexto escolar caracterizariam-se por uma atitude em que os padrões culturais e estéticos da comunidade e da família são respeitados e inseridos na educação, e aceitos como códigos básicos a partir dos quais se deve construir a compreensão e imersão em outros códigos culturais. Outro educador que se situa nessa vertente cultural é o australiano Paul Duncun (2002). Para ele, a cultura visual vincula-se aos estudos culturais nas questões relacionadas às práticas significantes, tanto em termos das experiências vividas pelas pessoas como da dinâmica estrutural da sociedade. Esta se estrutura em torno do domínio, e as práticas significantes são sempre um meio de estabelecer e manter o poder; porém, as pessoas podem resistir e negociar o significado dessas práticas por si mesmas. O autor rejeita a noção de cultura como um refinamento pessoal, ou como obras de uma sensibilidade determinada, pois isto representa apenas uma parte muito seletiva da cultura. Rejeita igualmente a noção antropológica de cultura como prática de vida, por considerá-la muito ampla. Adota uma concepção de cultura como práticas significantes, não como objetos específicos, mas sim como as relações sociais, valores, as crenças e as práticas das quais os objetos são uma parte constitutiva. Em meio à saturação visual da vida contemporânea, seja em seus aspectos de vigilância, espetáculo, prazer, controle ou manipulação, Duncun (2003) oferece algumas pistas sobre como trabalhar com a cultura visual em ambientes de aprendizagem. Em sua abordagem, os artefatos visuais podem ser os mais variados, das fotografias pessoais aos suvenires da cidade. No trabalho com as fotografias familiares, propõe tanto a aprendizagem dos códigos desse tipo de fotografia como a reflexão sobre como e por que esses códigos se transformam. Para isso, sugere que as/os educandas/os falem de suas experiências ao serem fotografadas/os ao mesmo tempo em que examinam pinturas das famílias de séculos passados, observando diferenças formais nas posturas, na expressão facial, nas vestimentas, no cenário, na ação e o que isso pode implicar nas relações familiares. Também questiona se a fotografia familiar é sexista, se exclui, na mesma medida em que inclui, e portanto estrutura uma falsa idéia de vida familiar, se pode chegar a ser um jogo de poder a partir de um lado da câmara fotográfica ou de ambos os lados. 38 COMPREENSÃO CRÍTICA DA CULTURA VISUAL Hernandez (2000) adiciona a expressão compreensão crítica à abordagem da cultura visual. Para esse autor, o vocábulo “crítica” significa avaliação e juízo que resultam de diferentes modelos de análise (semiótico, estruturalista, desconstrucionista, intertextual, hermenêutico, discursivo). Ele fundamenta sua proposta em ideias provenientes do pós-estruturalismo e do feminismo pós estruturalista. Prefere utilizar os termos representações e artefatos visuais ao invés de imagens. Utiliza o conceito de cultura no sentido socioantropológico próximo da experiência cotidiana de qualquer grupo atual e/ou passado. Percebe a importância da Cultura Visual não só como campo de estudo, mas também em termos de economia, negócios, tecnologia, experiências da vida diária, de forma que tanto produtores como intérpretes possam se beneficiar do seu estudo. A compreensão crítica aborda a cultura visual como um campo de estudo transdisciplinar multireferencial que pode tomar seus referentes da arte, da arquitetura, da história, da psicologia cultural, da psicanálise lacaniana, do construcionismo social, dos estudos culturais, da antropologia, dos estudos de gênero e mídia, sem fechar-se nessas ou somente sobre essas referências. Essa proposta ampla e aberta enfatiza que o campo de estudos não se organiza a partir de nomes de artefatos, fatos e ou sujeitos, mas sim de seus significados culturais, vinculando- se à noção de mediação de representações, valores e identidades. Para Hernandez, um estudo sistemático da cultura visual pode proporcionar uma compreensão crítica do seu papel e de suas funções sociais, como também de suas relações de poder, indo além da apreciação ou do prazer que as imagens nos proporcionam. Hernandez (no prelo) entende o campo de estudo como sendo móvel, pois a cada dia se incorporam novos aspectos relacionados tanto às representações quanto aos artefatos visuais, que rapidamente tornam obsoletas as aproximações restritivas. Nessa perspectiva, não há receptores nem leitores, mas sim construtores e intérpretes, na medida em que a aproximação não é passiva nem dependente, mas sim interativa e condizente com as experiências que cada sujeito vive no seu dia-a- dia. Uma primeira meta a ser perseguida nessa abordagem seria explorar as representações que as pessoas constroem da realidade a partir das suas 39 características sociais, culturais e históricas, ou seja, compreender o que se representa para compreender as próprias representações. Um trabalho na linha da compreensão crítica da cultura visual “não pode ficar à margem de uma reflexão mais ampla sobre o papel da escola e dos sujeitos pedagógicos nesses tempos de mudança” (Hernandez, 2002, p.3). Nós, educadoras e educadores, temos de estar atentos ao que se passa no mundo, seja nos saberes, na sociedade ou nos sujeitos, e responder com propostas imaginativas, transgressoras, que possibilitem às/aos educandas/os elaborar formas de compreensão e de atuação na parcela do mundo que lhes toca viver, de forma que possam desenvolver seus projetos de vida. A situação que o/a educador/a cria para iniciar o processo de aprendizagem sinaliza sua orientação educativa, o lugar que destina à/ao educanda/o e a si mesma/o. Não cabe mais ao/à educador/a se perguntar o que as/os educandas/os não sabem e propor-se a ensinar-lhes, e sim o que já sabem e como é possível ampliar as conexões, para que, juntos, possam organizar outros discursos com os saberes- mosaico que todos possuem. A abordagem da compreensão crítica não enfatiza nem as representações nem os artefatos visuais, pois, ao se trabalhar na perspectiva de projetos
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