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MÓDULO DE: História da Ciência Política AUTORIA: Dr. Richard Ybars Dr. Carlos Cariacás Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1 2 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Módulo de: HISTÓRIA DA CIÊNCIA POLÍTICA Autoria: Richard Ybars e Carlos Cariacás Primeira edição: 2003 1ª Revisão: 2005 2ª Revisão: 2006 3ª Revisão: 2007 4ª. Revisão: 2010 5ª Revisão: 2014 Todos os direitos desta edição reservados à ESAB – ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL LTDA http://www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, nº 840/07 Bairro Itaparica – Vila Velha, ES CEP: 29102-040 http://www.esab.edu.br/ UNIDADE 1 ..............................................................................................................................5 Primórdios da ciência política: um pouco de história ...........................................................5 UNIDADE 2 ..............................................................................................................................9 UNIDADE 3 ............................................................................................................................11 UNIDADE 4 ............................................................................................................................13 As formulações do pensamento político de Maquiavel .....................................................13 UNIDADE 5 ............................................................................................................................20 UNIDADE 6 ............................................................................................................................24 UNIDADE 7 ........................................................................................................................... 30 UNIDADE 8 ........................................................................................................................... 35 UNIDADE 9 ........................................................................................................................... 37 Thomas Hobbes ................................................................................................................37 UNIDADE 10 ..........................................................................................................................41 Continuando o pensamento de Hobbes ............................................................................41 UNIDADE 11 ..........................................................................................................................45 John Locke ........................................................................................................................45 UNIDADE 12 ..........................................................................................................................49 Montesquieu......................................................................................................................49 UNIDADE 13 ..........................................................................................................................52 UNIDADE 14 ..........................................................................................................................56 Adam Smith.......................................................................................................................56 UNIDADE 15 ..........................................................................................................................62 Hayek ................................................................................................................................62 UNIDADE 16 ..........................................................................................................................67 John Rawls........................................................................................................................67 UNIDADE 17 ..........................................................................................................................71 Socialismo e materialismo histórico: crítica ao modelo e prática liberal ............................71 3 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil SUMÁRIO UNIDADE 18 ..........................................................................................................................76 O pensamento marxista: aprofundamento I ......................................................................76 UNIDADE 19 ..........................................................................................................................86 UNIDADE 20 ..........................................................................................................................88 As formulações de Lênin ...................................................................................................88 UNIDADE 21 ..........................................................................................................................92 Gramsci .............................................................................................................................92 UNIDADE 22 ..........................................................................................................................97 UNIDADE 23 ........................................................................................................................100 Slicitamos, novamente na mesma dinâmica, que assista os outros dois vídeos e, em seguida continue a compará-lo com o artigo de Giorgio Agamben ( .............................. 100 UNIDADE 24 ....................................................................................................................... 102 Vilfrido Pareto e Gaetano Mosca .....................................................................................102 UNIDADE 25 ........................................................................................................................108 Robert Michels ................................................................................................................108 UNIDADE 26 ........................................................................................................................111 Max Weber ......................................................................................................................111 UNIDADE 27 ........................................................................................................................116 UNIDADE 28 ........................................................................................................................120 Assista ao vídeo intitulado ―Entrevista Paulo Nascimento – Conferência Bento Prado Jr‖ e reponda as questões abaixo ........................................................................................... 120 UNIDADE 29 ........................................................................................................................125 UNIDADE 30 ........................................................................................................................127 5 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Objetivos: Apresentar uma definição breve de ciência política e tratar do contexto histórico dos primórdios da ciência política apresentando o panorama renascentista dentro da conjuntura histórica abordada. Primórdios da ciência política: um pouco de história Iniciaremos este nosso estudo atentando para a Definição de Ciência Política. Entendemos ciência política como um tipo de conhecimento sistemático acerca dos fatos concernentes à manutenção e reprodução do Estado, entendendo-se por Estado toda instituiçãoque pretenda, com sucesso, o monopólio do uso legítimo da força física em determinado território. Para iluminar um pouco a compreensão da construção do universo da Ciência política precisamos nos remeter á sua dimensão histórica. Por isto uma pergunta aqui deve ser feita: Quais as condições históricas que possibilitaram o surgimento da ciência política ? Respondemos. O reconhecimento da política como uma esfera autônoma só foi possível após o desenvolvimento dos estados nacionais, no cenário europeu dos séculos XV e, sobretudo, XVI. Até então, as ações políticas eram avaliadas em termos morais e religiosos, sobretudo por filósofos e teólogos. A Igreja mantinha o monopólio do saber erudito na Idade Média européia. Os intelectuais pertenciam às ordens religiosas e, conseqüentemente, as principais questões filosóficas eram também questões de fé. A chamada teoria dos dois gládios [espadas], formulada por Santo Agostinho (354-430), era até então considerada um dogma indiscutível. O simbolismo das duas espadas ou gládios significava a existência de dois poderes: um material, também chamado secular (pois pertenceria ao tempo), e outro espiritual, referente aos valores eternos da religião. Mesmo se tratando de poderes separados, o papado, representante máximo do poder espiritual, UNIDADE 1 6 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil intervinha muitas vezes nos assuntos de Estado. Durante, por exemplo, a chamada querela das investiduras, no século XI, o papa Gregório VII excomungou Henrique IV, rei da Germânia, e o depôs, na medida em que desobrigou os súditos deste do dever de fidelidade. Conta a história que o rei, descalço, implorou por três dias o perdão do papa. No século XIII, os choques entre Frederico II e o papa Inocêncio IV e, no final do mesmo século, entre Filipe, o Belo, de França, e o papa Bonifácio VIII mostram as tentativas dos reis de recusarem a interferência religiosa na condução das ações políticas de Estado. No final do século XIV, o Grande Cisma entre católicos e ortodoxos acentuaria essa divergência e a tentativa do Estado de firmar sua soberania. Essas divergências culminariam no século XVI com a Reforma Protestante. O aparecimento das cidades também contribuiu para o início do processo de laicização da sociedade, expressa na oposição ao poder religioso. As heresias encontravam aí terreno fértil em meio a muitas manifestações anticlericais. A partir do século XII, a Igreja reagiria criando a Inquisição, com tribunais que puniam os desvios da fé católica, com condenações variando da prisão perpétua à pena de morte. Embora essas novas idéias não tenham provocado alterações políticas imediatas, iniciava-se com elas uma lenta e profunda transformação. Entre os autores considerado herege pela Igreja, poderia destacar a figura de Dante Alighieri (1265-1321). Poeta italiano, Dante é muito conhecido como autor da Divina Comédia, mas também escreveu A monarquia, onde pregou a eliminação do poder mediador do papa, introduzindo teses naturalistas. Segundo ele, Deus, criador da natureza, dotou os homens de livre raciocínio e vontade, fato que nos permitiria a perfeita condução do Estado. A potência intelectual seria, em si, o guia e norma de todas as coisas. Do contrário, o homem não poderia alcançar seus fins. Colocando a autoridade temporal e política independente da autoridade do papa e da Igreja, Dante considerou que o governante deveria depender diretamente de Deus, o que de certa forma já antecipava a chamada doutrina do direito divino dos reis e o fortalecimento das monarquias. 7 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil O que estava sendo prenunciado por Dante e por outros pensadores eram as novas formas de relação de poder, iniciando a tendência à superação das relações feudais, com a aliança que se daria, em breve, entre a burguesia e os reis na formação dos estados nacionais. Para entender melhor a conjuntura apresentada se faz necessário atentar para o Panorama político na península itálica durante o Renascimento. Na renascença italiana, a tirania imperava em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica. A ilegitimidade do poder gerava situações de crise e instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários eram capazes de manter os príncipes governantes em seus postos. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituíam o eixo da administração. Como o poder se fundava, exclusivamente, em atos de força, era previsível e natural que pela força fosse deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião, nem a tradição, nem a vontade popular legitimavam o soberano e ele tinha de contar tão somente com a sua capacidade criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criavam um vazio, que as mais fortes individualidades tinham capacidade para ocupar. Os condottieri eram hábeis nessas manobras. Especialistas na técnica militares, aventureiros e filhos da fortuna, vendiam serviços de segurança e conquista ao príncipe que melhor pagasse. Os pequenos estados não tinham recursos para financiar tropas regulares e não era politicamente possível a criação de um exército que implicasse a entrega de armas ao povo, fato sempre perigoso para governantes de populações descontentes. Os condottieri adquiriam importância crescente e alguns conquistavam principados para si e estabeleciam alianças com reis, cardeais e papas. Esse panorama fluido e mutável, de um país dividido em múltiplos estados, contrastava com a situação da maior parte da Europa ocidental, onde alguns governos enfeixavam todo o poder. Os principados italianos costumavam apelar para as monarquias absolutas européias, a fim de solucionar suas disputas internas. Alguns pequenos estados sofriam, ainda, a 8 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Este bloco de questões serve como diretriz para o seu estudo. 1) Como foi definido o conceito de ciência política? 2) O que era a teoria dos dois gládios? 3) Qual a importância das heresias para o desenvolvimento do pensamento político? 4) Qual o papel da tirania na abordada conjuntura histórica? 5) Em que situação política e militar encontrava-se a Península Itálica? soberania do Império Germânico. E França e Espanha disputavam a posse de vários de seus territórios. A fraqueza militar e política da península itálica, já no começo do século XIV, representava forte impedimento para a expansão e acumulação de capital. Periodicamente, os reis europeus declaravam a falência de seus reinos, com os credores italianos estando desprovidos dos recursos militares capazes de obrigar esses reis a saldar as dívidas contraídas. A península era, assim, desarmada política, militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades-Estado e pela ausência de liderança central incontrastável. A essas razões acrescentava-se a política temporal do papado que, sendo muito fraca para reduzir todos os estados ao seu domínio, era forte o suficiente para impedir a unificação dos principados. 9 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil VÍDEO http://www.youtube.com/watch?v=HPfZb95_Q8A&feature=related Objetivo: Aprofundar a fundamentação filosófica da ciência política dada com o Renascimento a partir dos primórdios gregos. Partiremos, neste momento, para uma rápida revisão das teorias políticas da antiguidade como propósito de traçarmos paralelos desta com a modernidade (onde surge a Ciência Política. Neste sentido sugiro que você leia o texto contido no site MUNDO DOS FILÓSOFOS que se encontra no site: http://files.conscienciapolitica.webnode.pt/200000003-996e49a681/Reflex%C3%B5es%20%C3%A9tico-pol%C3%ADticas_A%20filosofia%20Grega%20cl%C3%A1ssica%20e%20a% 20pol%C3%ADtica%20brasileira.pdf Após o estudo deste texto, em linhas gerais, assista a aula que esboça a perspectiva da política na antiguidade. Para tanto, dirija-se ao site: Agora vamos fazer o percurso do entendimento do texto. Para tanto sugiro que você: 1. Mostre as diferenças entre Platão e Aristóteles acerca do conceito ESTADO. 2. Como a virtude é inserida na reflexão acerca do estado (a questão ética? UNIDADE 2 http://www.youtube.com/watch?v=HPfZb95_Q8A&feature=related http://files.conscienciapolitica.webnode.pt/200000003-996e49a681/Reflex%C3%B5es%20%25 10 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Renascença italiana – Wikipédia A Renascença foi um grande fenômeno europeu, principalmente italiano, política da Itália e a participação dos eclesiásticos na Renascença italiana. www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=3494&id_sessao=3 Renascença Italiana é como ficou conhecida a fase de abertura da Renascimento (ou ..... O sucessor de Nicolau V, o Papa Calisto III, não continuou a política ... pt.wikipedia.org/wiki/Renascença_italiana Aprende Brasil Política Nova e a Ciência Nova, Nicolau Machiavelli, Galileu Galilei, a Ciência Nova e a Metafísica Tradicional na Renascença. www.aprendebrasil.com.br/pesquisa/respostadisci1.asp?id=661&pg=1&img=9 - 74k - http://www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=3494&id_sessao=3 http://www.aprendebrasil.com.br/pesquisa/respostadisci1.asp?id=661&pg=1&img=9 11 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil VÍDEO http://www.youtube.com/watch?v=qyJ_s8D8VoU&feature=related Objetivo: relacionar a política com os demais fenômenos da vida humana. Esta unidade caminhará na proposta de levantar paralelos entre a arte e a ciência. Pergunto para você: É possível que os fenômenos como a arte, a religião, a economia e a política andem historicamente separadas? Assita o primeiro vídeo acerca do renascimento e, na sequencia leia o texto em questão. Segundo Karl Marx, a cultura, a espiritualidade, a política, a economia, etc.não se separam. São realidades que só podem ser compreendidas em relação. E aqui temos um conceito dado por Marz que nos auxiliará a saber melhor no que consiste este tópico que por ora queremos tratar: o materialismo histórico dialético. É claro que existem muitas concepções de pensar o mundo que (...) sustentam que“embora a realidade externa exista em si e por si mesma, só podemos conhecê-la talcomo nossas idéias a formulam e a organizam e não tal como ela seria em si mesma. (...) O que chamamos realidade, portanto, é apenas o que podemos conhecer por meio das idéias de nossa razão” (Chauí, 2002, p. 69); por sua vez, as posições materialistas afirmam “a existência objetiva ou em si da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma e, portanto, que afirma a existência da razão objetiva” (Chauí, op. cit., p. 68). Em outras palavras, o conhecimento humano UNIDADE 3 http://www.youtube.com/watch?v=qyJ_s8D8VoU&feature=related 12 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil VÍDEO http://www.youtube.com/watch?v=g-FmXMp70ZU Elabore uma síntese com os tópicos apresentados no texto do MUNDO DOS FILÓSOFOS - como aprofundamento. Esta síntese deve ser feita com uso de abreviações (para termos e palavras muito usuais) e sinais (que facilitem a compreensão rápida do conteúdo). é umreflexo da realidade objetiva que se produz no cérebro, e não conceitos e definições que existiriam a priori, independentes da realidade em si. Essas duas perspectivas, como se pode depreender, são antagônicas, pois enquanto a segunda admite a possibilidade de uma razão objetiva - que não existe por si, mas como decorrência da organização sócio-histórica em permanente mudança, portanto, ela própria igualmente em constante mudança, a primeira concebe uma razão de natureza subjetiva que é tomada, em geral, como acabada em sua estrutura lógico-racional. Esse debate teórico é antigo no campo da filosofia e, ao longo da história e especialmente nos últimos dois séculos, vai extrapolar o debate para outros âmbitos da vida: o político, o econômico, o cultural, o religioso e o estético. PERNA, Paulo; CHAVES, Maria. O materialsimo histórico-dialético e a Teoria Práxica da enfermagem em saúde coletiva In Trabalho necessário, ano 6, no. 6, 2008. Por isto, solicito que procure se deparar com a realidade enquanto fenômeno que se dá em totalidade. Nesta perspectiva é que entramos no estudo da teoria de Maquiavel. Analise-o com este olhar: o da totalidade. Assista o vídeo e, depois, pense em que medida a filosofia política de Maquiavel é ressonância da novidade dos tempos. http://www.youtube.com/watch?v=g-FmXMp70ZU 13 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Objetivo: Conhecer o pensamento político de Nicolau Maquiavel e compreender a importância do legado político deste grande filósofo. As formulações do pensamento político de Maquiavel. Nicolau Maquiavel (1469-1527) viveu na cidade italiana de Florença. Com ele teve início a ciência política, tal como a entendemos hoje. Até então, a teoria do Estado não ultrapassava os limites da especulação filosófica. Em Platão (428-348 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), Tomás de Aquino (1225-1274) e mesmo em Dante (1265-1321), o estudo desse assunto vinculava-se à moral e constituía-se como uma teoria de ideais de organização política e social. Os contemporâneos de Maquiavel também não fugiam a essa tendência, como Erasmo de Rotterdam (1465-1523), no Manual do príncipe cristão, e Thomas Morus (1478- 1535), na Utopia, que, baseados em um humanismo abstrato e afastado da realidade concreta, construíram modelos ideais do bom governante e de uma sociedade justa. Maquiavel, deliberadamente, propôs o estudo da política através da análise efetiva de fatos reais, dispensando todo e qualquer tipo de especulação. O objeto de suas reflexões era a realidade política, pensada em termos de prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse era o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado. Não se tratava, para ele, de estudar o tipo ideal de Estado, mas de compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem. A esse realismo antiutopista aliava-se uma tendência utilitarista, pela qual Maquiavel pretendia desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. Para ele, a ciência política só teria sentido se propiciasse o melhor exercício da arte política. Tratava-se do começo da ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como disciplina autônoma. UNIDADE 4 14 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil A Itália fragmentada no Renascimento As principais formulações de Maquiavel para a ciência política estão contidas em um pequeno livro nomeado O príncipe (1513). O seu primeiro capítulo, intitulado de Quantas espécies são os principados e de quantos modos se adquirem, possui um único parágrafo, abaixo transcrito: “Todos os Estados, todos os domínios que tem havido e que há sobre os homens foram e são repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários, cujo senhor é príncipe pelo sangue, por longo tempo, ou são novos. Os novos são totalmente novos, como Milão com Francesco Sforza, ou são como membros acrescentados a um Estado que um príncipe adquire por herança, como o reino de Nápoles ao rei da Espanha. Estes domínios assim adquiridos são, ou acostumados à sujeição a um príncipe, ou são livres, e são adquiridos com tropas de outrem ou próprias, pela fortuna ou pelo mérito” (Maquiavel, 1983: 5). Essa passagemé bastante ilustrativa do que até aqui ficou dito. Negligenciando falar sobre a origem e a finalidade do Estado, dos méritos comparados dos diversos regimes, da função do príncipe na sociedade, da legitimidade ou ilegitimidade de certas formas de poder, simplesmente por seu silêncio leva a pensar que tais idéias deixaram de ser pertinentes ou, pelo menos, convida o leitor a perguntar se permanecem válidas e em que sentido. Tudo se passa como se, doravante, uma única questão comandasse a reflexão política, questão que o autor se apressa em formular logo depois de haver distinguido os vários tipos de principado: “discutir e mostrar como esses principados (...) podem ser governados e mantidos” (Op. cit.: 7). 15 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Esse exame que se pretende puramente empírico depende, contudo, de uma coordenada teórica básica. Maquiavel conclui, através do estudo da história antiga e da convivência com os poderosos da época, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei. Todo príncipe que pretenda conquistar e manter um dado domínio deverá, segundo Maquiavel, levar em conta essa característica fundamental da natureza humana, agindo sempre em conformidade com a mesma. Donde, a astúcia e a força sejam avaliados como os únicos instrumentos verdadeiramente eficazes na resolução de conflitos. Colocando-se a questão se seria melhor para um príncipe ser amado ou temido pelos seus governados, Maquiavel dá-nos uma resposta bastante significativa, nesse sentido: “(...) Nasce daí essa questão debatida: se será melhor [para o príncipe] ser amado que temido ou vice-versa. Responder-se-á que se desejaria ser uma coisa e outra; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas. É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens, vida, filhos, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte. E o príncipe, se confiou plenamente em palavras e não tomou outras precauções, está arruinado. Pois as amizades conquistadas por interesse, não por grandeza e nobreza de caráter, são compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário. E os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido a serem os homens pérfidos, é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca”(Op. cit.: 70) (colchetes nossos). Como se vê essa nova ética analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori 1 , mas sim em vista das conseqüências, dos resultados da ação política 2 . 1 A priori: anterior a toda experiência; preconcebido. 16 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Não se trata de um amoralismo, mas de uma nova moral fundada nos critérios do que é útil à comunidade e, nesse sentido, às vezes é legítimo o recurso ao ―mal‖ (o emprego da força coercitiva do Estado, o recurso à guerra, a prática da espionagem, o emprego da violência, da astúcia e da mentira). Estamos diante de uma moral imanente, mundana, que vive do relacionamento concreto entre os homens. E se há a possibilidade de os homens serem corruptos, constitui-se dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo. Além disso, o príncipe deve ser um indivíduo especial, dotado de virtú (virtude – no sentido grego de energia, força, valor, qualidade de lutador e guerreiro viril), e a eficiência de sua ação decorre não só dessa força, mas também da astúcia para aproveitar a fortuna, isto é, as oportunidades históricas que se lhe apresentam. De nada adiantaria um príncipe virtuoso se não soubesse ser precavido ou ousado, aguardando uma ocasião propícia, ou aproveitando o acaso e a sorte das circunstâncias, como observador atento do curso da história. O legado de Maquiavel O príncipe tem provocado inúmeras interpretações e controvérsias. Uma primeira leitura nos dá a visão de uma defesa do absolutismo e do mais completo imoralismo: “É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade” (Op. cit.: 49). Mas, segundo ROUSSEAU (1987: 89), trata-se de uma sátira e a intenção verdadeira de Maquiavel seria o desmascaramento das práticas despóticas, ensinando, portanto, o povo a se defender dos tiranos. Aliás, essas idéias democráticas aparecem veladamente também no capítulo IX de O príncipe, quando Maquiavel se refere à necessidade de o governante ter o apoio do povo, sempre melhor do que o apoio dos grandes, que podem ser traiçoeiros. O que está sendo 2 Mais adiante, teremos a oportunidade de discutir a maneira como Max WEBER (1972) retomará essa discussão sobre os critérios de avaliação ética da ação política. Por ora, basta-nos asseverar que as formulações de Maquiavel fundam o uso da chamada razão de Estado como princípio justificador das ações do príncipe. 17 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil timidamente esboçado aí é a idéia de consenso, que terá importância fundamental nos séculos seguintes. O pensamento de Maquiavel nos leva à reflexão acerca da situação dramática e ambivalente do homem de ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos sucessivos; se privilegiar a sua integridade moral, poderá vir a ser um político incompetente. Essa posição tende a reprovar a conduta dos ―políticos imorais‖. A leitura maquiaveliana sugere a superação desses escrúpulos imobilistas: “Se o indivíduo, na sua existência privada, tem o direito de sacrificar o seu bem pessoal imediato e até sua própria vida a um valor moral superior, ditado pela sua consciência, pois em tal hipótese estará incorrendo apenas seu destino particular, o mesmo não acontece com o homem de Estado, sobre o qual pesam a pressão e a responsabilidade dos interesses coletivos; este, de fato, não terá o direito de tomar uma decisão que envolva o bem-estar ou a segurança da comunidade, levando em conta tão-somente as exigências da moral privada; casos haverá em que terá o dever de violá-la para defender as instituições que representa ou garantir a própria sobrevivência da nação” (Escorel, 1979: 104). No entanto, vale lembrar que o pensamento de Maquiavel tem sentido na medida em que ele expressa uma tendência fundamental de sua época, ou seja, a defesa do absolutismo do Estado e a valorização de uma política secular. Talvez por isso se explique o extremo politicismo, ou seja, a hipertrofia do valor político, de cujas conseqüências últimas talvez nem ele próprio pudesse suspeitar. Ernesto Cassirer (1976: 157), filósofo alemão contemporâneo, observa que a experiência pessoal de Maquiavel se baseava nas pequenas tiranias italianas do século XVI, que não podem ser comparadas às monarquias absolutas do século XVII nem às nossas ditaduras modernas, o que nos faria ver hoje o maquiavelismo através de uma lente de aumento. Para finda esta análise a sugestão é que leia a obra de Maquiavel, mas enquanto isto não acontece aproveite de um trecho do mesmo. 18 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Quem quiser praticar a bondade em tudo o que faz está condenado a penar, entre tantos que não são bons. É necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usará ou não, em cadacaso, conforme seja necessário. […] Pode-se observar que todos os homens – especialmente os soberanos, colocados em posição mais elevada – têm a reputação de certas qualidades que lhe valem elogios ou vitupérios (palavra ou atitude ofensiva). Assim, alguns são tidos como liberais, outros por miseráveis […]; um é considerado generoso; o outro, ávido; um cruel; o outro, misericordioso; um, efeminado e pusilânime (covarde); e outro bravo e corajoso; […] e assim por diante. Naturalmente, seria muito louvável que um príncipe possuísse todas as boas qualidades acima mencionadas, mas como isso não é possível, pois as condições humanas não o permitem, é necessário que tenha a prudência necessária para evitar o escândalo provocado pelos vícios que poderiam faze-lo perder seus domínios, evitando os outros, se for possível; se não for, poderá pratica-los com menores escrúpulos. Contudo não deverá preocupar-se com a prática escandalosa daqueles vícios sem os quais é difícil salvar o Estado; isto porque, se se refletir bem, será fácil perceber que certas qualidades que parecem virtudes levam à ruína, e outras, que parecem vícios, trazem como resultado o aumento da segurança e do bem-estar. MAQUIAVEL.O príncipe.Apud: ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Maquiavel – A lógica da força. São Paulo: Moderna, 1993 19 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1) Qual a importância da obra de Maquiavel para o desenvolvimento da ciência política? 2) Qual a conclusão que Maquiavel chega ao observar e estudar os homens e a sociedade de seu tempo? 3) Quais pontos do Texto acima indicam com clareza o legado de Maquiavel para a compreensão da política? 20 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil VÍDEO http://www.youtube.com/watch?v=KYDSWpwxj7o Objetivo: Levar o aluno a se situar dentro das teorias intitulada Direito Natural, Contratualismo e Liberalismo. Dentro do cenário dos estudos da Ciência Política destaca-se a abordagem acerca do pensamento contratualista Jusnaturalista e do Liberalismo Inglês, Nesta unidade adentraremos de modo introdutório nestes tópicos que serão abordados em outras unidades. Iniciaremos pelo contratualismo. Afinal, no que ele consiste? Há um vídeo que, em sua simplicidade, o ajudará adentrar na perspectiva e clima da formação dessa corrente. Assista! Peço que assista novamente o vídeo e anota os dados referentes a corrente filosófica explícitos no mesmo. Inseridos no bojo do contratualsmo encontramos a reflexão acerca do jusnaturalismo. Afinal, o que é o jusnaturalismo? UNIDADE 5 http://www.youtube.com/watch?v=KYDSWpwxj7o 21 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil O modelo jus naturalista é construído com base na grande dicotomia estado de natureza vs. Estado de sociedade. Ele contém alguns elementos caracterizadores, que podem ser enumerados do seguinte modo: 1. o ponto de partida da análise da origem e do fundamento do Estado é o estado de natureza, ou seja, uma situação não política e antipolítica; 2. entre o estado de natureza e o estado de sociedade há uma relação de contraposição, no sentido em que o estado de sociedade surge como a antítese do estado de natureza, do qual é chamado a corrigir os males ou eliminar os defeitos; 3. o estado de natureza é um estado cujos elementos constitutivos são, primária e principalmente, os indivíduos singulares não associados, embora associáveis; 4. os elementos constitutivos do estado de natureza, ou seja, os indivíduos, são livres e iguais uns em relação aos outros, de modo que o estado de natureza é sempre figurado como um estado no qual reinam a igualdade e a liberdade; 5. a passagem do estado de natureza ao estado de sociedade não ocorre necessariamente pela própria força das coisas, mas através de uma ou mais convenções, ou seja, através de um ou mais atos voluntários e deliberados dos indivíduos interessados em sair do estado de natureza, com a conseqüência de que o estado de sociedade é concebido como um ente artificial, ou, como se diria hoje, como um produto da cultura e não da natureza; 6. o princípio de legitimação da sociedade política, diferentemente de qualquer outra forma de sociedade natural, em particular da sociedade familiar, é o consenso. In http://www.coladaweb.com/direito/sociedade_estado_direito.htm E o Liberalismo? No que consiste? Em Filosofia Política, o que chamamos Liberalismo é a forma ao mesmo tempo racional e intuitiva de organização social em que prevalece a vontade da maioria quanto à coisa pública, e que está livre de qualquer fundamento filosófico ou religioso capaz de limitar ou impedir a liberdade individual e a igualdade de direitos, e no qual o desenvolvimento e o bem http://www.coladaweb.com/direito/sociedade_estado_direito.htm 22 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil estar social dependem da divisão do trabalho, do direito de propriedade, da livre concorrência e do sentimento de fraternidade e responsabilidade filantrópica frente à diversidade de aptidões e de recursos dos indivíduos. Em sua inteira expressão, o pensamento liberal contem um aspecto intuitivo, além do puramente racional, e esquecer essa particularidade – como, me parece, faz grande número de filósofos e cientistas políticos – implica em não compreender inteiramente a essência do Liberalismo. Na antiguidade – na Grécia de alguns séculos antes de Cristo –, existiu um regime semelhante ao Liberalismo, pelo menos no que diz respeito à livre decisão do povo, através do voto da maioria, nas questões de interesse público. Porém foi nessa mesma Grécia, daquela mesma época, que a idéia rival do Liberalismo foi ensinada por Platão. Em sua obra A República ele argumenta que a maioria do povo é ignorante, e não sabe decidir racionalmente de acordo com a vontade geral de bem estar social. Por esse motivo, o voto deveria ser privilégio da elite de filósofos, homens esclarecidos que saberiam muito melhor o que seria o bem para todos. Embora não existissem as denominações Liberalismo (vontade livre da maioria) e Socialismo (vontade racional da minoria esclarecida), os germes dessas duas idéias opostas já estavam nessas duas posições políticas. O Liberalismo parte do princípio de que o homem nasce livre, tem a propriedade dos bens que extrai da natureza ou adquire por via de seu mérito ou diligência e, quando plenamente maduro e consciente, pode fazer sua liberdade prevalecer sobre as reações primárias do próprio instinto e orientar sua vontade para a virtude. Uma pessoa madura e livre está à altura de perseguir sua felicidade a seu modo, porém respeitada uma escala de valores discutida e aprovada por todos, ou seja, ela deve reconhecer sua responsabilidade em relação ao seu próprio destino e ao objetivo da felicidade coletiva em sua comunidade ou nação. Será contraditório que alguém ou algum grupo tenha naturalmente poderes para cercear essa liberdade sem que parta do próprio indivíduo uma concordância para tal. Prof. Dr. Rubem Queiroz Costa 23 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1) Quais são os elementos que caracterizam o modelo Jus naturalista? 2) Quais os seriam os principais nexos existentes entre o modelo jusnaturalista e o liberalismo burguês? Dirija-se ao sítio virtual abaixo e leia o artigo de Rubem Queiroz Costa e, em seguida, responda as questões: http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-liberalismo.html http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-liberalismo.html 24 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Objetivo: Aprofundar o estudo sobre as teorias acerca do conceito Estado Um dos principais pontos tratados na Ciência política é o conceito ESTADO. Nesta unidade faremos um estudo dirigidousando de trechos de Said Maluf (*) ―Sociedade, Estado e Direito‖ no qual solicito que indiques a que teorias os mesmos remetem. Para isto, leia o texto abaixo. ESTADO E DIREITO. O PROBLEMA DA PERSONALIDADE DO ESTADO. CONCEITO: O Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre assegurar. Para o estudo do fenômeno estatal, tanto quanto para a iniciação na ciência jurídica, o primeiro problema a ser enfrentado é o das relações entre Estado e Direito. Representam ambos uma realidade única? São duas realidades distintas e independentes? No programa da ciência do Estado, este problema não pode passar sem um esclarecimento preliminar. E sendo tão importante quanto complexo, daremos aqui pelo menos um resumo das correntes que disputam entre si a primazia no campo doutrinário. Dividem-se as opiniões em três grupos doutrinários, que são os seguintes: TEORIA MONÍSTICA Também chamada do estatismo jurídico, segundo a qual o Estado e o Direito confundem- se em uma só realidade. UNIDADE 6 25 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Para os monistas só existe o direito estatal, pois não admitem eles a idéia de qualquer regra jurídica fora do estado. O Estado é a fonte única do direito, porque quem dá vida ao Direito é o Estado através da ―força coativa‖ de que só ele dispõe. Logo, como só existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma só realidade. Foram precursores do monismo jurídico: Hegel, Thomas Hobbes e Jean Bodin. Desenvolvida por Rudolf von Ihering e John Austin, alcançou esta teoria a sua máxima expressão com a escola técnico-jurídica liderada por Jellinek e com a escola vienense de Hans Kelsen. TEORIA DUALÍSTICA Também chamada pluralística, que sustenta serem o Estado e o Direito duas realidades distintas, independentes e inconfundíveis. Para os dualistas o Estado não é a fonte única do Direito nem com este se confunde. O que provém do Estado é apenas uma categoria especial do Direito: o direito positivo. Mas existem também os princípios de direito natural, as normas de direito costumeiro e as regras que se firmam na consciência coletiva, que tendem a adquirir positividade e que, nos casos omissos, o Estado deve acolher para lhes dar jurisdicidade. Afirma esta corrente que o Direito é criação social, não estatal. O Direito, assim, é um fato social em contínua transformação. A função do Estado é positivar o Direito, isto é, traduzir em normas escritas os princípios que se firmam na consciência social. O dualismo (ou pluralismo), partindo de Gierke e Gurvitch, ganhou terreno com a doutrina de Léon Duguit o qual condenou formalmente a concepção monista, admitiu a pluralidade das fontes do Direito positivo e demonstrou que as normas jurídicas têm sua origem no corpo social. Desdobrou-se o pluralismo nas correntes sindicalista e corporativistas, e, principalmente, no institucionalismo de Hauriou e Rennard, culminando, afinal, com a preponderante e vigorosa doutrina de Santi Romano, que lhe deu um alto teor de precisão científica. 26 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil TEORIA DO PARALELISMO Segundo a qual o Estado e o Direito são realidades distintas, porém necessariamente interdependentes. Esta terceira corrente, procurando solucionar a antítese monismo-pluralismo, adotou a concepção racional da graduação da positividade jurídica, defendida com raro brilhantismo pelo eminente mestre de Filosofia do Direito na Itália, Giorgio Del Vecchio. Reconhece na teoria do pluralismo a existência do direito não-estatal, sustentando que vários centros de determinação jurídica surgem e se desenvolvem fora do Estado, obedecendo a uma graduação de positividade. Sobre todos estes centros particulares do ordenamento jurídico, prepondera o Estado como centro de irradiação da positividade. A teoria do paralelismo completa a teoria pluralista, e ambas se contrapõem com vantagem à teoria monista. Efetivamente, Estado e Direito são duas realidades distintas que se completam na interdependência. Como demonstra o Prof. Miguel Reale, a teoria do sábio mestre da Universidade de Roma coloca em termos racionais e objetivos o problema das relações entre o Estado e o Direito, que se apresenta como um dos pontos de partida para o desenvolvimento atual do Culturalismo. RELAÇOES ENTRE O ESTADO E O DIREITO: Teoria monista (do estatismo jurídico) Teoria dualista (ou pluralística) Teoria do paralelismo Na equação dos termos Estado-Direito é necessário ter sempre em vista esses três troncos doutrinários, dos quais emana toda a ramificação de teorias justificativas do Estado e do Direito. O Problema da Personalidade do Estado A questão teve origem com os contratualistas, pois necessitavam do Estado como 27 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Pessoa Jurídica para figurar no ―Contrato Social‖. No Século XIX, os publicistas alemães passaram a estudar esse problema que de essencialmente político passou a ser objeto da dogmática jurídica. As teorias sobre o terna se dividem em: 1) Ficcionistas: conceituam o Estado como fruto de uma ficção ou artifício. SAVIGNY: Pessoa Jurídica, sendo o Estado um sujeito artificial. HANS KELSEN, já no século XX, também conceituou o Estado como sujeito artificial como a personalização da ordem jurídica. 2) Realistas: Estadoorganismo biológico (corpo, tigre, leão, dragão, Leviatã) ALBECHT: asseverava em 1837: ―Ainda nos veremos obrigados a representar o Estado como uma pessoa jurídica‖. GERBEN: organicismo ético (moral); não- palpável. GIERKE: o Estado atua através das pessoas físicas dos órgãos estatais. LABAND: a capacidade do Estado é manifestada pela vontade do governante. JELLINEK: a unidade coletiva, consistente na associação não é ficção, mas a forma necessária de síntese de nossa consciência forma a base das instituições e estas tais unidades jurídicas não são menos capazes de adquirir subjetividade jurídica que os indivíduos humanos. ALEXANDRE GROPPLI: analisando estas teorias chamou de ―abstração‖ o processo pelo qual se afirma o Estado como pessoa jurídica explicando que a vontade não tem vida física. OS OPOSITORES A ESSAS TEORIAS SÃO OS NEGATIVISTAS: MAX SEYDEL: nega a unidade e o organismo estatal. Não existe vontade do Estado, mas 28 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil EXERCÍCIO Obs.: leia os textos abaixo (extraídos do artigo de Said Maluf) e escreva abaixo de cada um dos trechos a que teoria se refere. No final do exercício estará a resposta – que você deverá olhar no término do mesmo. A) ―Reconhece à existência do Direito não estatal, sustentando que vários centros de determinação jurídica surgem e se desenvolvem fora do Estado, obedecendo a uma graduação de positividade. Sobre todos esses centros particulares do ordenamento jurídico, prepondera o Estado como centro de irradiação da positividade. O ordenamento jurídico do Estado, afirma Del Vecchio, representa aquele que, dentro de todos os ordenamentos jurídicos possíveis, se afirma como o ―verdadeiro positivismo‖, em razão de sua conformidade com a vontade social predominante‖. R.: Esta é a teoria . Estado, não se confunde com a pessoa natural, só a pessoa tem direitos e obrigações e o Estado para ter direitos e obrigações tem de ser reconhecido como pessoa. Também para o limite jurídico no relacionamento do Estado com o cidadão. http://www.loveira.adv.br/material/tge6.htm do órgão como age quando física pessoa a DALMO DALLARI: sobre o Estado. DONATI: o que é a vontade do governante que é o portador da soberania e subjetividade estatal. LÉON DUGUIT: relaçãode subordinação entre os que mandam e os que são mandados. http://www.loveira.adv.br/material/tge6.htm 29 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil B) Também chamada de estatismo jurídico, segundo a qual o Estado e o Direito confundem-se em uma só realidade.Para os monistas só existe o direito estatal, pois não admitem a idéia de qualquer regra jurídica fora do Estado. O Estado é a única fonte do Direito, porque quem dá vida ao Direito é o Estado através da ―força coativa‖ de que só ele dispõe. Regra jurídica sem coação, disse Ihering, é uma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz que não ilumina. Logo, como só existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma só realidade‖. R.: Esta é a teoria . Foram precursores do monismo jurídico Hegel, Hobbes e Jean Bodin. Desenvolvida por Rudolf Von Ihering e John Austin, alcançou esta teoria a sua máxima expressão com a escola técnico-jurídica liderada por Jellinek e com a escola vienense de Hans Kelsen. C) (...) Estado não é a única fonte do Direito nem com este se confunde. O que provém do Estado é apenas uma categoria especial do Direito: o direito positivo. Mas existem também os princípios de direito natural, as normas de direito costumeiro e as regras que se firmam na consciência coletiva, que tentem a adquirir positividade e que, nos casos omissos, o Estado deve acolher para lhes dar juridicidade. Além do Direito não-escrito existem o direito canônico que independe da força coativa do poder civil, e o direito das associações menores que o Estado reconhece e ampara. R.: Esta é a teoria . RESPOSTAS: Paralelsmo; B) Monista; C) Dualista. 30 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil PESQUISE Sobre a defesa de tal teoria por Robert Filmer, (no período de Carlo I – monarca absolutista). Objetivo: adentrar na problemática de algumas teorias acerca da origem do Estado Muitas são as teorias que abordam a origem do Estado – assunto relevante para a perspectiva do estudo da Ciência política. Temos alguns posicionamentos. O primeiro bloco é o das teorias que afirmam que foram as bases familiares que impulsionaram a formação da origem o Estado. Estas são de conteúdo religioso (dizendo haver um primeiro casal que deu origem a tudo). Tem caráter patriarcal, onde os velhos são respeitados. E, deste modo, o Estado seria um ampliação da realidade familiar. Os principais divulgadores desta teoria foram Sumner Maine, Westermack e Starke. Tem como base política central a defesa da autoridade do monarca, o direito da promogenituta... Outra teoria na mesma perspectiva é a matriarcal. Onde os primórdios das organizações se deram no seio da concepção materna donde, posteriormente, foi substituído pelo patriarcado. UNIDADE 7 31 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Na seqüência temos a chamada teoria patriarcal Essa teoria tem suas raízes, segundo alguns autores da filosofia de Platão, que admitiu, no Livro II de sua República, originar-se o Estado da união das profissões econômicas. Também Cícero explica o Estado como uma organização destinada a proteger a propriedade e regulamentar as relações de ordem patrimonial. Decorre desta teoria, de certo modo, a afirmação de que o direito de propriedade é um direito natural, anterior ao Estado. O Estado feudal, da Idade Média, ajustava-se perfeitamente a esta concepção: era uma organização essencialmente de ordem patrimonial. Entretanto, como instituição anômala, não pode fornecer elementos seguros à determinação das leis sociológicas. Haller, que foi o principal corifeu da teoria patrimonial, afirmava que a posse da terra gerou o poder público e deu origem à organizaçào estatal. Modernamente esta teoria foi acolhida pelo socialismo, doutrina política que considera o fator econômico como determinante dos fenômenos sociais.(*) Outra Teoria e a da força: Também chamada ―da origem violenta do Estado‖, afirma que a organização política resultou do poder de dominação dos mais fortes sobre os mais fracos. Dizia Bodim que ―o que dá origem ao Estado é a violência dos mais fortes‖. PESQUISE Sobre os principais defensores desta teoria: Bachofen, Morgan, Grose, Kholer e Durkheim. 32 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Gumplowicz e Oppenheimer desenvolveram amplos estudos a respeito das primitivas organizações sociais, concluindo que foram elas resultantes das lutas travadas entre os indivíduos, sendo o poder público uma instituição que surgiu com a finalidade de regulamentar a dominação dos vencedores e a submissão dos vencidos. Franz Oppenheimer, médico, filósofo e professor de ciência política em Frankfurt, escreveu textualmente: ―o Estado é inteiramente, quanto `a sua origem, e quase inteiramente quanto à sua natureza, durante os primeiros tempos de sua existência, uma organização social imposta por um grupo vencedor a um grupo vencido, destinada a manter esse domínio internamente e proteger-se contra ataques exteriores‖. Thomas Hobbes discípulo de Bacon, foi o principal sistematizador desta doutrina, no começo dos tempos modernos. Afirma este autor que os homens, no estado de natureza, eram inimigos uns dos outros e viviam em guerra permanente. E como toda guerra termina com a vitória dos mais fortes, o Estado surgiu como resultado dessa vitória, sendo uma organização do grupo dominante para manter o domínio sobre os vencidos. Note-se que Hobbes distinguiu duas categorias de Estados: real e racional. O Estado que se forma por imposição da força é o Estado real, enquanto que o Estado racional provém da razão, segundo a fórmula contratualista. Esta teoria da força, disse Jellinek, ―apoia-se aparentemente nos fatos históricos: no processo da formação originária dos Estados quase sempre houve luta; a guerra foi, em geral, o princípio criador dos povos. Ademais, essa doutrina parece encontrar confirmação no fato incontestável de que todo Estado representa, por sua natureza, uma organização de forma e dominação. Entretanto, como afirma Lima Queiroz, o conceito de força como origem de autoridade, é insuficiente para dar a justificação a base da legitimidade e a explicação jurídica dos fenômenos que constituem o Estado. Ressalta à evidência que, sem força protetora e atuante, muitas sociedades não teriam podido organizar-se em Estado. Todos os poderes, inicialmente, foram protetores. Para refrear a tirania das inclinações individuais e conter as pretensões opostas, recorreu-se, a princípio, à criação de um poder coercitivo, religioso, patriarcal ou guerreiro. E tal poder teria sido o primeiro esboço do Estado. 33 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil SAIBA MAIS Acessando o site: http://www.loveira.adv.br/material/tge2.htm http://books.google.com.br/books?id=yJ96sUg6vIYC&pg=PA121&lpg=PA121&dq=teoria+patri arcal+estado&source=bl&ots=kfDUrOWYml&sig=QA3DNVKF-JOR8ArpbsaPb1pVquA&hl=pt- BR&ei=HPrrTOfxNMnDnAeikaXKAQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=9&ved=0CE0 Q6AEwCA#v=onepage&q=teoria%20patriarcal%20estado&f=false Segundo um entendimento mais racional, porém, a força que dá origem ao Estado não poderia ser a força bruta, por si só, sem outra finalidade que não fosse a dominação, mas sim, a força que promove a unidade, estabelece o direito e realiza a justiça. Neste sentido é magnifica a lição de Fustel de Coulanges: as gerações modernas, em suas idéias sobre a formação dos governos, são levados a crer, ora que eles são resultantes exclusivamente da força e da violência, ora que são uma criação da razão. É um duplo erro: a origem das instituições sociais não deve ser procurada tão alto nem tão baixo. A força bruta não poderia estabelecê-las; as regras da razãosão impotentes para criá-las. Entre a violência e as vãs utopias, na região média em que o homem se move e vive, encontram-se os interesses. São eles que fazem as instituições e que decidem sobre a maneira pela qual uma comunidade se organiza politicamente.(*) (*)http://www.coladaweb.com/direito/sociedade,-estado-e-direito http://www.loveira.adv.br/material/tge2.htm http://books.google.com.br/books?id=yJ96sUg6vIYC&pg=PA121&lpg=PA121&dq=teoria%2Bpatri http://www.coladaweb.com/direito/sociedade%2C-estado-e-direito 34 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 35 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1) Quais são os problemas iniciais propostos pelo autor? 2) Comente o parágrafo apontando o que está por trás de suas linhas: O que quer que seja, não é o mesmo que o poder (absoluto). A autoridade decorre da legitimidade que se possui para governar, e o simples poder não garante esta legitimidade. Há uma máxima bastante popular entre os tiranos que diz "o poder faz o direito". Objetivo: perceber a justificação do Estado. O que justifica a existência e presença do Estado? Uma justificativa objetiva e certa não é possível ser pensada. Na verdade justificar o Estado é sempre uma tarefa de grande esforço. Este estudo faremos com o auxílio do prof. Jean Hampton (da Universidade do Arizona) em seu artigo: O problema da justificativa do Estado (publicado na Revista Crítica na Rede). Por favor, acesse, imprima e dialogue om o texto mediante as questões abaixo: http://criticanarede.com/html/pol_justestado.html 3) Como legitimidade e obediência estão relacionadas? UNIDADE 8 http://criticanarede.com/html/pol_justestado.html 36 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil ―Não posso odiar ou gostar do que me mandam fazer, pois desde que essa ordem derive de uma autoridade política legítima, acredito que tenho a obrigação de a cumprir. Essa obrigação suplanta todo o tipo de razões que eu possa ter contra a obediência a ordens directas (ainda que possamos pensar que não suplanta todas as razões — por exemplo, pode não suplantar as razões baseadas em certos princípios morais que possam parecer mais importantes do que a obrigação política, como afirmam os defensores da desobediência civil)‖. Hampton 37 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil VÍDEO http://www.youtube.com/watch?v=hl7ZTOycrmU&feature=fvsr Objetivo: Aprofundar o pensamento político de Thomas Hobbes. Thomas Hobbes Olá! Dentro do estudado na Unidade anterior nos aplicaremos nesta unidade ao pensamento político de Thomas Hobbes. Para tanto sugiro que assista o vídeo abaixo sobre a vida do filósofo. A intenção deste simples vídeo é auxiliá-lo a integrar-se no universo do tempo de Hobbes e de sua vida. Thomas Hobbes, inglês de família pobre, conviveu com a nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar, e defendeu ferrenhamente o direito absoluto dos reis, ameaçado pelas novas tendências liberais. Teve contato com Descartes, Francis Bacon e Galileu. Preocupou-se, entre outras coisas, com o problema do conhecimento, tema básico das reflexões de sua época. UNIDADE 9 http://www.youtube.com/watch?v=hl7ZTOycrmU&feature=fvsr 38 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil O que ocorria no século XVII, tempo em que Hobbes viveu? O absolutismo, atingindo o apogeu, encontrava-se em vias de ser ultrapassado, enfrentando inúmeros movimentos de oposição, baseados em idéias liberais. Se, numa primeira fase (Inglaterra de Isabel e França de Luís XIV) o absolutismo era o corolário das práticas econômicas mercantilistas, pois as indústrias nascentes eram protegidas pelo governo, numa segunda fase o desenvolvimento do capitalismo comercial contribuiu para miná-lo, com a burguesia ascendente agora aspirando ao poder. Continuava o processo de laicização do pensamento, a partir de um sentimento de independência em relação ao papado e de uma crítica à teoria do poder divino dos reis. A vida política era agitada por movimentos revolucionários: na França, terminada a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), rebentava a Fronda; na Inglaterra, Cromwell, comandando a Revolução Puritana, destronava e executava o rei Carlos I (1649). Ao contrário da maioria dos escritores políticos, Hobbes jamais se ocupou ativamente da prática política, nem como homem de partido e nem como conselheiro de príncipes. Portanto, foi um teórico político no sentido mais estrito da expressão. Em comparação com Maquiavel, ele poderia bem ser considerado ―apenas um erudito‖. Mesmo não tendo sido jamais um político militante, Hobbes escreveu sobre a política partindo do problema real e crucial de seu tempo: o problema da unidade do Estado, ameaçada, por um lado, pelas discórdias religiosas e pelo contraste entre os gládios temporal e espiritual e, pelo outro lado, pelo dissenso entre a Coroa e o parlamento ingleses, sempre envolvidos em disputas em torno da divisão de poderes. O ideal defendido por Hobbes é o da unidade contra a anarquia. Hobbes é obcecado pela idéia da dissolução da autoridade, pela desordem que julga resultar da liberdade de discordar sobre o justo e o injusto, pela desagregação da unidade do poder, destinada a ocorrer quando se começa a defender a idéia de que o poder deve ser limitado, ou, numa palavra, obcecado pela anarquia que seria o retorno do homem ao estado de natureza. O mal que ele mais teme não é a opressão que deriva do excesso de poder, mas a insegurança que resulta, ao contrário, da escassez de poder centralizado. Insegurança, antes de mais nada, da vida, entendida como 39 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil , o bem supremo e condição de possibilidade do gozo dos demais bens, tal como o da propriedade privada. Na descrição do estado de natureza que nos é oferecida nas duas principais obras políticas de Hobbes 3 ele aduz os argumentos que justificam a criação do Estado (ou Leviatã, poderoso monstro bíblico ao qual Hobbes faz referência repetidas vezes, por analogia). Esses argumentos nascem de uma análise tanto das condições objetivas em que os homens se encontram no estado de natureza (condições independentes de suas vontades) quanto das paixões ou desejos humanos (que as condições contribuem em parte para alimentar). A principal condição objetiva do homem em estado de natureza é a igualdade de fato: enquanto iguais por natureza, os homens são capazes de causar uns aos outros o maior dos males: a morte. Se acrescenta depois uma segunda condição objetiva, a escassez dos bens, pelo que pode ocorrer que mais de um homem deseje possuir a mesma coisa, a igualdade faz surgir em cada um a esperança de realizar seu próprio objetivo. Disto nasce um estado permanente de desconfiança recíproca, que leva cada um a se preparar mais para a guerra (e, quando necessário, a realizá-la) do que para a busca da paz. Entre as condições objetivas, a obra do cidadão dá particular relevo ao jus in omnia, isto é, ao direito que a natureza deu a cada um que vive fora da sociedade sobre todas as coisas: direito sobre todas as coisas significa que, quando as leis civis ainda não introduziram um critério de distinção entre o meu e o teu, todo homem tem direito de se apropriar de tudo o que cai sobre o seu poder, ou de tudo o que é útil para a sua própria conservação. Na verdade, essas condições objetivas bastariam por si só para explicar a infelicidade do estado de natureza: a igualdade de fato, unida à escassez dos recursos e ao direito sobre tudo, destina-se por si só a gerar um estado de impiedosa concorrência, que ameaça converter-se continuamente em luta violenta. A seguinte passagem do Leviatã é bastante ilustrativa, nesse sentido:3 Do cidadão, publicado originalmente em 1642, e Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, publicado originalmente em 1651. As respectivas referências bibliográficas dessas duas obras, por nós utilizadas neste texto, são HOBBES, Thomas (1992 e 1988). 40 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil “A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontram ameaçados pelo mesmo perigo”. Quanto às faculdades do espírito (...) encontro entre os homens uma igualdade ainda maior do que a igualdade de força. Porque a prudência nada mais é do que a experiência, que um tempo igual igualmente oferece a todos os homens, naquelas coisas a que igualmente se dedicam. O que talvez possa tornar inaceitável essa igualdade é simplesmente a concepção vaidosa da própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo; quer dizer, em maior grau do que todos menos eles próprios. (Continua...) 41 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Objetivo: Aprofundar o pensamento político de Thomas Hobbes. Continuando o pensamento de Hobbes... Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente a sua própria conservação e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. E contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo (...). Por outro lado, os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros ( e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. (...) Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que UNIDADE 10 42 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida (...). Portanto, tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” (Hobbes, 1988: 74-6). A concepção que Hobbes tem do estado de natureza distancia-o da maior parte dos teóricos da política que o antecederam, os quais acreditaram haver no homem uma disposição natural para viver em sociedade. Em Do cidadão, Hobbes argumenta contra Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), para quem o homem é um animal político e já está naturalmente incluído numa ordem social. Como o desejo de conservação da vida é básico na teoria hobessiana, para ele os indivíduos entram em sociedade somente quando essa conservação se vê ameaçada. Os homens não viveriam em cooperação natural, como o fazem as abelhas e as formigas. O ―acordo‖ entre esses insetos é natural; entre os homens, só pode ser artificial. O homem, não sendo sociável por natureza, o será por artifício, por pacto ou contrato. É o medo da morte violenta que o leva a fundar um estado social e a autoridade política, abdicando de seus direitos naturais sobre todas as coisas em favor do soberano, que por sua vez terá um poder absoluto. A transmissão do poder deve ser total, caso contrário, se se conservar um pouco que seja da liberdade natural do homem, instaura-se de novo a guerra. Esse poder concentrado e absoluto se exerce ainda pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os homens. ―Os pactos sem a espada [sword] não são mais do que palavras [words]‖. Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto; 43 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Antes de continuar seus estudos é fundamental que você faça a Atividade 1, no link ―Atividades‖. ninguém pode dele discordar, pois tudo o que o soberano faz é justificado pela autoridade que lhe foi investida pelo súdito no momento do pacto social. Investido de autoridade e dotado de poder, o soberano não pode ser destituído, punido ou morto, salvo se for incapaz de garantir aos seus súditos a paz social almejada pelo contrato. Ele tem o poder de prescrever leis, de julgar, de fazer a guerra e a paz, de recompensar e punir, de escolher os conselheiros, distribuir cargos e funções. Hobbes preconiza ainda a censura, sobretudo em matérias religiosas, já que o soberano é juiz das opiniões e doutrinas contrárias à sua própria vontade. E quando, afinal, Hobbes se pergunta se não seria muito miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compararia às misérias que acompanham a guerra civil ou a condição dissoluta de homens sem soberano. A maneira como se dá, na teoria hobbesiana, a passagem do estado de natureza ao estado de sociedade é própria da concepção racionalista, segundo a qual a política é a esfera onde se chocam interesses contrapostos, mas compatíveis com procedimentos nos quais possa haver uma parcela relevante de cálculo racional que resulte em consenso. Tal concepção é contrária à concepção realista, cujo representante óbvio seria Maquiavel, a qual busca considerar a política do ponto de vista das paixões que nela se agitam e que precisam ser freadas por um poder externo não necessariamente consensual. O também inglês John Locke, escrevendo cerca de meio século após Thomas Hobbes, daria continuidade à sua concepção racionalista da política, como veremos a seguir em nossa próxima unidade. 44 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Leia o trecho do texto de Hobbes abaixo, sob a recomendação de que leia integralmente a obra. O motivo que levaos seres humanos a criar os Estados é o desejo de abandonar essa miserável condição de guerra que […] [surge] quando não existe poder visível que os controle […]. O único caminho para criar semelhante poder comum, capaz de defende-los contra a invasão dos estrangeiros […], assegurando-lhes de tal modo que por sua própria atividade e pelos frutos da terra poderão alimentar-se a si mesmos e viver satisfeitos, é conferir todo o seu poder e fortaleza a um homem ou a uma assembléia de homens […] que representem sua personalidade […]. Isso é algo mais que consentimento ou concórdia; é uma unidade real de tudo isso em uma e mesma pessoa, instruída por pacto de cada homem com os demais […]. Feito isso, a multidão assim unida em uma pessoa se denomina Estado. Tradução livre de HOBBES, Thomas. O Leviatã. Apud: ARTOLA, Miguel. Textos fundamentales para la História. Madrid: Revista de Occidente, 1973. p. 327-8 Para Hobbes: O que é o homem? O que é a sociedade? Qual a relação que ele estabelece entre o homem e a sociedade? 45 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Objetivo: Estudar a contribuição de John Locke para o pensamento político. John Locke Olá! Passaremos nesta unidade a estudar a contribuição de John Locke para o pensamento político. As formulações de John Locke (1632-1704) Como a maior parte dos teóricos de sua época, John Locke refletiu sobre a origem e as condições de possibilidade do conhecimento humano. Sua teoria do conhecimento, exposta no Ensaio sobre o entendimento humano (1991, publicado originalmente em 1690) constitui uma longa, pormenorizada e hábil demonstração de uma tese: a de que o conhecimento humano é fundamentalmente derivado da experiência sensível. Fora dos limites da experiência sensível, a mente humana produziria, por si mesma, idéias cuja validez residiria apenas em sua compatibilidade interna, sem que se possa considerá-las como expressão de uma realidade exterior à própria mente. As teses políticas de Locke caminham em sentido paralelo às suas teses sobre a teoria do conhecimento. Assim como não existem idéias inatas no espírito humano, também não existe poder que possa ser considerado inato e de origem divina, como queriam os teóricos do absolutismo divino. Antes, Robert Filmer (1588-1653), autor de O patriarca, e um dos defensores do absolutismo divino, procurara demonstrar que o povo não é livre para escolher sua forma de governo e que os monarcas possuem um poder inato. Contra Filmer, Locke dirigiu seu Primeiro tratado sobre o governo civil; depois, desenvolveu suas próprias UNIDADE 11 46 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil formulações no Segundo tratado sobre o governo civil (1991, publicado originalmente em 1689-90). Neles, Locke sustenta que o estado de sociedade e, conseqüentemente, o poder político nascem de um pacto entre os homens. Antes desse acordo, os homens viveriam em estado de natureza. Como vimos, as teses do estado de natureza e do pacto social também foram defendidas por Thomas Hobbes, mas o autor de Leviatã tinha objetivos inteiramente opostos aos de Locke, pois pretendia justificar o absolutismo. A diferença entre os dois resultava, basicamente, do que entendiam por estado de natureza, acarretando diferentes concepções sobre a natureza do contrato social e a estrutura do governo político. Para Locke, no estado de natureza ―nascemos livres na mesma medida em que nascemos racionais‖. Os homens, por conseguinte, seriam iguais, independentes e governados pela razão. O estado de natureza seria a condição na qual o poder executivo da lei natural permanece exclusivamente nas mãos dos indivíduos, sem se tornar comunal. Todos os homens participariam dessa sociedade singular que é a humanidade, ligando-se pelo laço comum da razão. No estado de natureza, todos os homens teriam o destino de preservar a paz e a humanidade e evitar ferir os direitos dos outros. Entre os direitos que Locke considera naturais, está o de propriedade, no qual os dois tratados sobre o governo concedem especial destaque. O direito à propriedade seria natural e anterior à sociedade civil, mas não inato. Sua origem residiria na relação concreta entre o homem e as coisas, através do processo de trabalho. Se, graças ao trabalho, o homem transforma as coisas, pensa Locke, o homem adquire o direito de propriedade: “Todo o homem possui uma propriedade em sua própria pessoa, de tal forma que a fadiga de seu corpo e o trabalho de suas mãos são seus”. Assim, em lugar de opor o trabalho à propriedade, Locke sustenta a tese de que o trabalho é a origem e o fundamento da propriedade. As coisas sem trabalho teriam pouco valor, e seria mediante o trabalho que elas deixariam o estado em que se encontram na natureza, tornando-se propriedades: “Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens [no estado de natureza], cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem 47 Copyright © 2014, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que o exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros. Aquele que se alimenta das bolotas colhidas debaixo de um carvalho ou das maçãs apanhadas nas árvores da floresta, com toda certeza delas se apropriou para si. Ninguém pode negar que lhe pertença o alimento. (...) O trabalho [de colheita] que era meu, retirando- o do estado comum em que se encontrava, fixou a minha propriedade sobre ele” (Locke, 1991: 227-8) (colchetes meus). Vivendo em perfeita liberdade e igualdade no estado de natureza, o homem, contudo, estaria exposto a certos inconvenientes. O principal seria a possível inclinação no sentido de beneficiar-se a si próprio. Como conseqüência, o gozo da propriedade e a conservação da liberdade e da igualdade ficariam seriamente ameaçados. Justamente para evitar a concretização dessas ameaças, o homem teria abandonado o estado de natureza e criado a sociedade política, através de um contrato não entre governantes e governados, mas entre homens igualmente livres. O pacto social não criaria nenhum direito novo, que viesse a ser acrescentado aos direitos naturais. O pacto seria apenas um acordo entre indivíduos, reunidos para empregar sua força coletiva na execução das leis naturais, renunciando a executá-las pelas mãos de cada um. Seu objetivo seria a preservação da vida, da liberdade e da propriedade, bem como reprimir as violações desses direitos naturais. Em oposição às idéias de Hobbes, Locke afirma que, através do contrato social, os homens não renunciam aos seus próprios direitos naturais, em favor do poder dos governantes. Após o pacto, os direitos naturais dos homens não desaparecem, subsistindo para limitar o poder do soberano, legitimando, em última instância, o direito à resistência e à insurreição. Em Locke, o poder político é um trust, um depósito confiado aos governantes. Em que Locke diverge de Hobbes? Justifique. Qual a influência de Locke no pensamento ocidental? O que é o poder político para Locke? Trata-se se uma relação de confiança entre governados e governantes e, se estes não visarem ao bem público, é permitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem.
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