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12- SAÚDE PUBLICA

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SUMÁRIO 
	 	INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 
	 	SAÚDE PÚBLICA ....................................................................................... 4 
	 	O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO SUS ........................ 5 
	 	O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ............................................................... 22 
	 	PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS ................................................................. 24 
	 	REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 28 
	 	LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................... 30 
 	INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 	SAÚDE PÚBLICA 
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS 
 
Fonte:salariominimo2016.org 
O SUS não foi uma invenção de “ilustres” juristas ou dos “iluminados” deputados constituintes de 1988. Também não nasceu apenas do consenso entre grandes especialistas da área de saúde. O SUS é fruto de um amplo movimento social, iniciado na década de 70, em defesa da saúde do povo brasileiro, que consolidou a reforma sanitária brasileira. 
Tal movimento social se constituiu nas universidades, nos departamentos de Medicina Preventiva e Social, e em outras instituições onde se criticava o modelo assistencial dominante; no movimento sindical, inicialmente na categoria médica, onde surgiu o grupo da "Renovação Médica"; e no interior das instituições de saúde, onde grupos de técnicos não comprometidos com sua política oficial, propunham e experimentavam formas alternativas de organizar serviços. 
Este movimento foi se ampliando para diversos segmentos sociais durante a década de 80, que passaram também a criticar o modelo de atendimento centrado na medicina curativa e hospitalar, bem como o “empresariamento” do setor saúde. 
Em 1986, realizou-se a VIII Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, que reuniu milhares de representantes de usuários, de trabalhadores da saúde e de outros setores sociais e de instituições governamentais, e que delineou a proposta de organização de um sistema único de saúde, com assistência universal e integral à saúde. Mais que isto, surgiu a proposta de que a saúde passasse a ser um direito do cidadão e dever do Estado. 
Estávamos às vésperas da instalação do Congresso Constituinte que iria elaborar a nova Constituição Brasileira... 
A Constituição de 1988 incorporou a ideia de que o direito à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196 CF/88). Nesse sentido, estabeleceu o Sistema Único de Saúde, no Título VIII Da Ordem Social, Capítulo II Da Seguridade Social, Seção II Da Saúde. 
É um "Sistema", porque não se trata somente um serviço ou uma instituição, mas uma rede de unidades, serviços e ações atuando coordenadamente e em diferentes níveis de complexidade tecnológica, no sentido de elevar os níveis de saúde da população. 
É "Único", porque segue os mesmos princípios e diretrizes em todo o território nacional, no sentido de responsabilidade das três esferas de governo: 
I – No âmbito da União, através do Ministério da Saúde; 
II – No âmbito dos Estados e Distrito Federal, através da respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; 
III – No âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. 
 	O PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DO SUS 
O processo de construção do SUS é resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos, travados por diferentes atores sociais ao longo dos anos. Decorrente de concepções diferenciadas, as políticas de saúde e as formas como se organizaram os serviços não são fruto apenas do momento atual. Ao contrário, têm uma longa trajetória de formulações e de lutas. 
A busca de referências históricas do processo de formulação das políticas de saúde, e da vinculação da saúde com o contexto político mais geral do país, pode contribuir para um melhor entendimento do momento atual e do próprio significado do SUS. Nesse sentido, o objetivo deste texto é apresentar, de forma organizada, os elementos que compõe o SUS e alguns marcos históricos da política de saúde do Brasil. É claro que após alguns anos de sua implementação legal pela Constituição Federal de 1988, O SUS não é hoje uma novidade. No entanto, apesar do tempo decorrido e da clareza das definições legais, O SUS significa transformação e, por isso, processo político e prático de fazer das ideias a realidade concreta. A afirmação legal de um conceito é um passo importante, mas não é, em si, uma garantia de mudanças. Construção é a ideia que melhor sintetiza o SUS. Garantido o alicerce, falta compor, parte a parte, a estrutura do edifício. Não existe um caminho natural para isso. Os embates políticos, corporativos e a variada gama de interesses de um setor que mobiliza muitos recursos estarão sempre presentes. Não é a constatação da impossibilidade, pelo contrário, uma exortação ao trabalho político consequente. 
Como se trata de um texto introdutório, procura-se abordar os conceitos e a história da constituição do Sistema Único de Saúde, a partir da trajetória da política de Saúde e Previdência no Brasil. 
 
O Período 23/30: o nascimento da Previdência Social no Brasil 
O surgimento da Previdência Social no Brasil se insere num processo de modificação da postura liberal do Estado frente à problemática trabalhista e social, portanto, num contexto político e social mais amplo. Esta mudança se dá enquanto decorrência da contradição entre a posição marcadamente liberal do Estado frente às questões trabalhistas e sociais e um movimento operário-sindical que assumia importância crescente e se posicionava contra tal postura. Esta também é a época de nascimento da legislação trabalhista brasileira. 
Em 1923, é promulgada a Lei Elói Chaves que, para alguns autores, pode ser definida como marco do início da Previdência Social no Brasil. No período compreendido entre 1923 e 1930 surgem as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP's). As CAP’s eram organizadas por empresas, de natureza civil e privada, responsáveis pelos benefícios pecuniários e serviços de saúde para os empregados de empresas específicas. As CAP's eram financiadas com recursos dos empregados e empregadores e administradas por comissões formadas de representantes da empresa e dos empregados. Cabia ao poder público apenas a resolução de possíveis conflitos. 
No modelo previdenciário dos anos 20 a assistência médica era vista como atribuição fundamental do sistema, o que levava, inclusive, à organização de serviços próprios de saúde. Caracteriza ainda este período, o elevado padrão de despesa. Estas duas características serão profundamente modificadas no período posterior. 
Em relação às ações de saúde coletiva, promovidas por parte do Estado, este período é marcado pelo surgimento do chamado "sanitarismo campanhista", nascidoda Reforma Carlos Chagas em 20/23. Este sanitarismo se pautava por uma visão de combate às doenças de massa com forte concentração de decisões e com estilo repressivo de "intervenção sobre os corpos individual e social". Alguns anos antes, havia sido criado o departamento Nacional de Saúde Pública, responsável por estas ações. O combate à febre amarela e gripe espanhola se deu dentro de tal modelo. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	Assistência à saúde 
	Saúde 
coletiva 
	Nascimento 	da 
legislação trabalhista 
Lei 	Elói 	Chaves 
(1923) 
	.CAP's - organizadas por empresa de natureza civil e privada, financiadas por empregados e empregadores 
	Assistência médica como atribuição das CAP's através de 
serviços próprios 
	Sanitarismo campanhista. Departamento 
Nacional 	de 
Saúde 
Reforma 
Carlos 
Chagas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Período 30/45: As propostas de contenção de gastos e o surgimento das Ações Centralizadas de Saúde Pública 
 
 
Fonte: blog.euvoupassar.com.br 
Com a revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, assumiu o poder uma coalizão que trouxe, de forma destacada, a preocupação com o novo operariado urbano. Este período foi marcado pela criação de órgãos e instrumentos que legitimaram a ação sindical em moldes corporativos. 
Do ponto de vista político, este período pode ser caracterizado por uma profunda crise, marcado por greves de trabalhadores e manifestações populares, principalmente entre os anos 30/35. A busca de aliados por parte do governo, que tentava ampliar sua base de apoio, incluindo entre elas as classes trabalhadoras urbanas, colocava em evidência o tema previdência social. Foi criado o Ministério do Trabalho, aprofundou-se a legislação trabalhista, ao mesmo tempo em que havia restrições e manipulações na esfera sindical. 
Em relação à Previdência Social houve profundas modificações no que se refere à organização e concepção. Do ponto de vista de concepção, a Previdência era claramente definida enquanto seguro, privilegiando os benefícios e reduzindo a prestação de serviços de saúde. Embora com algumas oscilações entre os institutos, a legislação adotada entre 30 e 45 tentará diferenciar as atribuições de benefícios e serviços de saúde. Estes passaram a serem entendidos como concessão, e não mais atribuição específica, uma função provisória e secundária. Tal definição fez com houvesse um profundo corte nas despesas com assistência médico-hospitalar. 
Do ponto de vista organizativo, este é um momento marcado pela criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP's), entidades organizadas não mais por empresas, mas por categorias profissionais. Diferentemente das CAP's, a administração dos IAP's era bastante dependente do governo federal. O conselho de administração, formado com participação de representantes de empregados e empregadores, tinha uma função de assessoria e fiscalização e era dirigido por um presidente, indicado diretamente pelo Presidente da República. Houve uma ampliação da Previdência com a incorporação de novas categorias não cobertas pelas CAP's anteriormente. 
Caracterizaram esta época a participação do Estado no financiamento (embora meramente formal) e na administração dos institutos, e um esforço ativo no sentido de diminuir despesas, mais com a acumulação de reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços. Isto fez com que os superávits dos institutos constituíssem um respeitável patrimônio e um instrumento de acumulação nas mãos do Estado. A Previdência passou a se configurar enquanto "sócia" do Estado nos investimentos de interesse do governo. 
 Em relação às ações de saúde coletiva, esta foi a época do auge do sanitarismo campanhista. Em 1937 foi criado o primeiro órgão de saúde de dimensão nacional, o Serviço Nacional de Febre Amarela, em 39, o Serviço de Malária do Nordeste, e em 40, o Serviço de Malária da Baixada Fluminense. 
No período de 38/45 o Departamento Nacional de Saúde foi reestruturado e dinamizado, articulando e centralizando as atividades sanitárias de todo o país. Em 1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com atuação voltada para as áreas não cobertas pelos serviços tradicionais. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	Assistência à saúde 
	Saúde coletiva 
	Criação do Ministério do Trabalho 
CLT 
	IAP's-organizados 
por categorias profissionais, com dependência do 
governo federal 
	Corte nas despesas médicas, passando os serviços de saúde à categoria de concessão do 
sistema 
	Auge 	do 
sanitarismo campanhista, Serviço Nacional de Febre 
Amarela, Serviço de Malária do 
	
	
	
	Nordeste 
SESP 
	e 
 
O Período 45/66: A crise do regime de capitalização e o nascimento do Sanitarismo Desenvolvimentista 
 
 
Fonte: image.slidesharecdn.com/ 
Este momento pode ser subdividido em duas fases do ponto de vista da conjuntura política, para fins didáticos. A primeira, marcada pelo fim do Estado novo e pela redemocratização do País. Foi o período do desenvolvimentismo, que levou a um acelerado processo de urbanização e industrialização. Foi marcante no governo Juscelino a visão de que a solução para os problemas sociais estava mais no desenvolvimento do que nas questões sociais. O esgotamento do modelo populista de relação entre o Estado e os trabalhadores foi-se acentuando, em associação com o capital estrangeiro e a possibilidade de incorporar as demandas dos trabalhadores. 
Uma segunda fase foi inaugurada com o golpe de 64, que estabeleceu uma ruptura com os governos democráticos anteriores. O regime instalado teve como características o autoritarismo, com o fechamento dos canais de participação aos trabalhadores, e um discurso de racionalidade técnica e administrativa, que repercutiu nas ações de previdência e saúde. 
As ações de previdência foram, então, caracterizadas pelo crescimento dos gastos, elevação de despesas, diminuição de saldos, esgotamento de reservas e déficits orçamentários. Isto levou a um processo de repartição simples, e não mais capitalização como no período anterior. As explicações para tais mudanças podem ser colocadas como resultantes de uma tendência natural (maior número de pessoas recebendo benefícios, uma vez que esta foi a época de recebimento de benefícios dos segurados incorporados no início do sistema); como também de mudanças de posições da Previdência Social (desmontagem das medidas de contenção de gastos dos anos 30/45; crescimento dos gastos com assistência médica, que sobe de 2,3% em 1945 para 14,9% em 1966; crescimento dos gastos com benefícios, em função do aumento dos beneficiários, de mudanças nos critérios de concessão de benefícios e no valor médio destes). 
A legislação pós-45 foi marcada pela progressiva desmontagem das medidas de cunho contencionista do período anterior. Na Constituição de 46 a assistência sanitária foi incorporada à Previdência Social e em 53 foi promulgado o "Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e Pensão", que formalizou a responsabilidade dos mesmos com a assistência médica. A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), promulgada em 1960, uniformizou os direitos dos segurados de diferentes institutos, o que agravou as dificuldades financeiras crescentes da previdência no período. Esta Lei pode ser considerada como um marco da derrota do modelo contencionista anterior, estendendo para o conjunto dos segurados um plano extremamente amplo de benefícios e serviços. Além da assistência médica e dos benefícios pecuniários, a legislação se referia a habitação, empréstimos e alimentação. 
A uniformização dos benefícios alcançados com a LOPS, assim como a extensão da Previdência Social aos trabalhadores rurais, através do Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado no governo João Goulart, não foram acompanhadas de novas bases financeiras concretas para sua efetivação. Para fazer frente aos novos gastos, a contribuição dos segurados foi progressivamente elevada. Em relação à contribuição do Estado, a LOPS rompeu com o conceito de contribuição tripartite. 
Cabia à União, a partir de então, apenas os gastos com administraçãoe pessoal. 
Nessa mesma época, o Brasil passou a ser influenciado pelas ideias de seguridade social que foram amplamente discutidas no cenário internacional ao final da II Guerra Mundial, em contraposição ao conceito de seguro da época anterior. Ao mesmo tempo, viveu-se um intenso processo de construção e compra de hospitais, ambulatórios e equipamentos, por parte dos institutos, e de celebração de convênios para prestação de assistência médico-hospitalar aos segurados. 
Com o golpe de 1964 e o discurso de racionalidade, eficácia e saneamento financeiro, ocorreu a fusão dos IAP's, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Este fato, ocorrido em 1966, marcou também a perda de representatividade dos trabalhadores na gestão do sistema. A unificação enfrentava resistências dos grupos privilegiados pelo antigo sistema corporativo. O governo, no entanto, alegava que a centralização de recursos poderia ser a alternativa para viabilizar o cumprimento do direito de assistência à saúde. 
Com relação à assistência médica, houve um crescimento dos serviços médicos próprios da previdência e dos gastos com assistência médica em geral, mas persistia uma demanda elevada, agravada pelo fato deste direito ter sido estendido a todos os segurados. Os serviços próprios continuavam a conviver com o setor privado conveniado e contratado, também em expansão. 
O sanitarismo desenvolvimentista, característico do período, teve sua contribuição mais voltada para as discussões conceituais relacionadas à saúde. Os sanitaristas da época estabeleceram relação entre saúde e economia e definiram a saúde de um povo como o corolário do seu desenvolvimento econômico. Podem ser apontados dois marcos desta época: o primeiro a criação da Comissão de Planejamento e Controle das Atividades Médico-Sanitárias, com função de elaborar o plano plurianual, integrando as atividades de saúde ao Plano Nacional de Desenvolvimento; o segundo marco foi a realização da III Conferência Nacional de Saúde, que além de discutir as propostas elaboradas pela comissão anteriormente citada, sistematizou as propostas de descentralização e municipalização da saúde. 
Em relação à organização de serviços, o fato mais marcante foi a criação em 1956, do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), que tinha a finalidade de organizar e executar os serviços de investigação e combate às principais patologias evitáveis existentes no período, dentre elas a malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, e outras endemias existentes no país. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	Assistência à saúde 
	Saúde coletiva 
	Constituição de 1946 
LOPS (1960) 
Estatuto 	do 
trabalhador rural . Golpe de 1964 
. INPS (1966) 
	Crescimento dos gastos 	e esgotamento de 
reservas 
Incorporação 	da assistência sanitária à Previdência 
Uniformização dos direitos dos 
segurados 
	Crescimento dos serviços próprios da Previdência 
Aumento dos gastos com a assistência médica 
Convivência com os serviços privados, em expansão 
	Sanitarismo desenvolviment
ista 
Departamento 
Nacional 	de 
Endemias 
Rurais 
(DNERU) 
 
O Período 1966/73: O acirramento da crise e a privatização da assistência médica 
Foi um período marcado pelo crescente papel do Estado como regulador da sociedade, e pelo alijamento dos trabalhadores do processo político, ao lado de uma política de arrocho salarial decorrente do modelo de acumulação adotado. 
A criação do INPS, citada anteriormente, inseriu-se na perspectiva modernizadora da máquina estatal, aumentando o poder de regulação do Estado sobre a sociedade e representando uma tentativa de desmobilização das forças políticas estimuladas em períodos populistas anteriores. O rompimento com a política populista não significou alteração em relação à política assistencialista anterior, ao contrário, o Estado ampliou a cobertura da previdência aos trabalhadores domésticos e trabalhadores rurais, além de absorver as pressões por uma efetiva cobertura daqueles trabalhadores já beneficiados pela Lei LOPS. Excetuando os trabalhadores do mercado informal de trabalho, todos os demais eram cobertos pela Previdência Social. Em relação à assistência médica, observa-se um movimento ainda mais expressivo de ampliação e cobertura. 
Os gastos com assistência médica, que continuaram a crescer neste período, chegaram a representar mais de 30% dos gastos totais do INPS em 76. A Ênfase era dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento das medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo. Exemplo de descaso com as ações coletivas e de prevenção foi a diminuição do orçamento do Ministério da Saúde, que chegou a representar menos que 1,0% dos recursos da União. 
Ocorreu uma progressiva eliminação da gestão tripartite das instituições previdenciárias, até sua extinção em 70. Ao mesmo tempo, a "contribuição do estado" se restringiu aos custos com a estrutura administrativa. A criação do INPS propiciou a implementação de uma política de saúde que levou ao desenvolvimento do complexo médico-industrial, em especial nas áreas de medicamentos e equipamentos médicos. Ao mesmo tempo, e em nome da racionalidade administrativa, o INPS deu prioridade à contratação de serviços de terceiros, em detrimento dos serviços próprios, decisão que acompanhou a postura do governo federal como um todo. De 69 a 75 a porcentagem de serviços comprados de terceiros representou cerca de 90% da despesa do INPS. 
A modalidade de compra de serviços adotada possibilitou o superfaturamento por parte dos serviços contratados, com prejuízo do atendimento médico prestado e colocando em risco o sistema financeiro da instituição. Para aumentar o faturamento, estes serviços utilizavam os expedientes de multiplicação e desdobramento de atos médicos, preferência por internações mais caras, ênfase em serviços cirúrgicos, além da baixa qualidade do pessoal técnico e dos equipamentos utilizados. 
A expansão do complexo previdenciário criou uma nova modalidade de atendimento, a medicina de grupo, estruturada a partir de convênios entre o INPS e empresas, ficando estas com a responsabilidade pela atenção médica de seus empregados. O convênio empresa foi a forma de articulação entre o Estado e o empresariado que viabilizou o nascimento e o desenvolvimento do subsistema que viria a se tornar hegemônico na década de 80, o da atenção médica supletiva. 
Apesar das atribuições definidas pelo Decreto Lei 200/67 para o Ministério da Saúde, com subordinação da assistência médica previdenciária à política nacional de saúde, a prática mostrava um Ministério esvaziado em suas competências. Foram incorporados a ele a Fundação SESP e a Fundação das Pioneiras Sociais, dando início à autarquização do ministério, que acompanhava processo similar da administração federal. 
Por parte da saúde coletiva, as ações estavam dispersas num conjunto de Ministérios como o da Agricultura, dos Transportes, do Trabalho, do Interior, da Educação, dentre outros, e internamente ao Ministério da Saúde, em um conjunto de órgãos da administração direta e indireta. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	
	Assistência à saúde 
	Saúde coletiva 
	AI-5 
Emenda 
Constitucional nº 1 
	Modernização 
autoritária Ampliação cobertura previdenciária Ampliação complexo previdenciário 
	de 
do 
	Aumento dos gastos com saúde no âmbito da previdência 
Extensão 	de 
cobertura 
Modelo de compra de serviços 
Convênios 	com 
medicina de grupo Autarquização do MS 
	Dispersa 	em 
vários ministérios e em órgãos da administração direta e indireta 
 
O Período 74/79: Crise, reforma e consolidação da rede privada em saúde 
 
As alterações na conjuntura política, dos pontos de vista interno e externo, forçaram o Estado a fortalecer a opção pela Seguridade Social, como forma de buscar legitimidade, o que levou à intensificação do modelo, através do aumento crescente de cobertura e ampliação de benefícios. 
 No ano de 1974, foram criados o Ministério da Previdênciae Assistência Social (MPAS) e o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). A criação do Ministério significou o fortalecimento das ações de previdência no interior do aparelho estatal. A criação do FAS proporcionou a remodelação e a ampliação dos hospitais da rede privada, através de empréstimos com juros subsidiados. A existência de recursos para investimento e a criação de um mercado cativo de atenção médica para os prestadores privados levou a um crescimento próximo de 500% no número de leitos hospitalares privados no período 69/84, de tal forma que subiram de 74.543 em 1969 para 348.255 em 1984. 
 O II Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado no mesmo período, consagrou a separação de ações de saúde coletiva e atenção médica, e reservou os primeiros ao setor estatal e os segundos, via previdência social, ao setor privado. O plano institucionalizou o modelo médico assistencial privativista e definiu competências para as instituições públicas e privadas. Ocorreu uma autonomização da política de assistência médica previdenciária, em função da revogação de parte do Decreto Lei 200, que estabelecia a necessidade de sua obediência à política nacional de saúde. 
A falta de controle sobre os serviços contratados criou condições para que a corrupção atingisse, em 1974, níveis que ameaçavam o equilíbrio financeiro da previdência. Foram definidos, então, mecanismos de enfrentamento da crise, com o objetivo de controlar as distorções do modo vigente, criando condições que possibilitassem a continuidade da expansão, sem alterar substancialmente o mesmo. Foram definidos mecanismos de controle ao setor contratado, através da criação da Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV), da ampliação dos convênios (convênios com sindicatos, universidades, prefeituras, governos estaduais, dentre outros) e da normatização e criação de novos mecanismos institucionais de relação público-privado e entre esferas de governo. Dentre estes, merece destaque o Plano de Pronta Ação (PPA) e o Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS). O PPA tinha como objetivo desburocratizar o atendimento dos casos de emergência, o que levou à universalização do atendimento das mesmas. Foram estabelecidas formas de relacionamento através de contratos, com pagamento de serviços prestados e convênios, com repasse de subsídios fixos. O PPA teve importância em virtude do início da universalização do atendimento com recursos previdenciários e por remunerar instituições estatais. 
A criação do SINPAS tinha como objetivo disciplinar a concessão e manutenção de benefícios e prestação de serviços, o custeio de atividades e programas, a gestão administrativa, financeira e patrimonial da previdência. Foram criados o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e o Instituto de Arrecadação da Previdência Social – (IAPAS), além de integrar os órgãos já existentes. A criação do SINPAS pode ser compreendida no processo de crescente tendência à universalização e à adoção do modelo de Seguridade Social. 
Neste período foram definidas as bases que permitiram a hegemonia na década de 70, do modelo assistencial privativista. De acordo com Mendes, este modelo se assenta no seguinte tripé: (a) o Estado como financiador do sistema, através da Previdência Social; (b) o setor privado nacional como maior prestador de serviços de assistência médica; (c) o setor privado internacional como mais significativo produtor de insumos, em especial equipamentos médicos e medicamentos. 
Em relação às ações de saúde coletiva, percebeu-se uma coincidência entre as propostas internacionais de cuidados primários em saúde, decorrentes da Conferência de Alma-Ata, da qual o Brasil é um dos signatários, e a necessidade interna de desenvolver e expandir cobertura para contingentes populacionais excluídos pelo modelo previdenciário. 
Tendo como referência as experiências em vigor, as recomendações internacionais e a necessidade de expandir cobertura, em 1976 iniciou-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Concebido na Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o PIASS se configurou como o primeiro programa de medicina simplificada do nível federal e permitia a entrada de técnicos provenientes do "movimento sanitário" no interior do aparelho de Estado. O programa concentrou suas ações nas Secretarias Estaduais de Saúde, que adotaram modelos desconcentrados. Em 1979 foi estendido a todo território nacional, o que resultou numa grande expansão da rede ambulatorial pública. 
Esta época pode ser definida como o início do movimento contra hegemônico que, nos anos 80, viria a se conformar como o projeto da Reforma Sanitária Brasileira. Em todo o País surgiram movimentos de trabalhadores de saúde. Foram criados o 
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de PósGraduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), que participaram do processo de sistematização das propostas de mudança do modelo de saúde em vigor. Aconteceram também os primeiros encontros de secretários municipais de saúde, alimentando um incipiente, mas crescente, movimento municipalista em saúde. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	Assistência à saúde 
	Saúde 
coletiva 
	· II PND 
· MPAS 
· FAS 
	· SINPAS 
· Disciplina 
	concessão 	de 
benefícios, 
prestação de serviços e administração da previdência 
	· Remodelação e ampliação dos hospitais da rede privada 
· Criação 	do 
INAMPS 
· Separação das ações de saúde pública e assistência 
	· Cuidad
os primários 
em saúde 
(Alma-Ata) 
· PIASS 
· CEBES 
· ABRAS
CO 
A Década de 80: Eclosão da Crise Estrutural e a Consolidação das Propostas Reformadoras 
O Brasil vivia um quadro político e econômico marcado por dificuldades no panorama nacional e internacional, caracterizado por um processo inflacionário e por uma crise fiscal sem controle, ao lado do crescimento dos movimentos oposicionistas e de divisões internas nas forças que apoiavam o regime. A derrota do governo nas eleições de 1982, agregada ao crescimento do processo recessivo, quebrou as coesões internas do regime, determinando um redesenho de seus pactos. Teve início neste momento os movimentos em direção ao processo de redemocratização do País. Os anos 80/83 foram um período de eclosão de três crises: (a) a crise ideológica; (b) a crise financeira; (c) a crise político-institucional. 
A crise ideológica se caracterizou pela necessidade de reestruturação e ampliação dos serviços de saúde. Inspirados pelas experiências anteriormente relatadas e pela repercussão interna da Conferência de Alma-Ata, onde os países participantes reconheceram a atenção primária e a participação comunitária como estratégias para a conquista da meta de "Saúde para todos no ano 2.000", foi formulado o PREV-SAÚDE. Este projeto incorporou os pressupostos de hierarquização, participação comunitária, integração de serviços, regionalização e extensão de cobertura. A discussão do projeto fez eclodir uma divisão profunda entre a equipe responsável pelo mesmo e alguns setores interessados na questão saúde, principalmente a Federação Brasileira de Hospitais. Isto fez com que surgissem versões diferentes do PREV-SAÚDE, e que o mesmo tenha sido caracterizado como "natimorto", não chegando a ser implementado. 
A crise financeira foi decorrente do déficit crescente desde 1980. Em contradição com um sistema em franca expansão, a base de financiamento continuava sem qualquer alteração. Havia um desacordo entre a crescente absorção de faixas cada vez mais extensas da população cobertas pela proteção social, e a manutenção de um regime financeiro calcado na relação contratual. 
Ao lado da restrição das fontes de financiamento, com ausência do Estado no financiamento da previdência, e da expansão de cobertura, o modelo de privilegiamento dos produtores privados de serviços de saúde implantado era corruptor, incontrolável e sofisticado, o que o tornava extremamente oneroso. Isto levou a propostas de contenção de despesas, especialmente daassistência médica. 
A crise político-institucional foi marcada pela criação do Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), em 1981, com o objetivo de "operar sobre a organização e o aperfeiçoamento da assistência médica, sugerir critérios de alocação de recursos previdenciários para este fim, recomendar políticas de financiamento e de assistência à saúde, analisar e avaliar a operação e o controle da Secretaria de Assistência Médica da Previdência Social". 
O CONASP era composto por representantes de diferentes ministérios, por representantes da sociedade civil, e de parte dos prestadores de serviços de saúde contratados/conveniados. As propostas, de inspiração racionalizadora, visando cortar custos, tinham no documento " Reorganização da Assistência Médica no Âmbito da Previdência Social", formulado em 1982, sua maior expressão. O documento recuperou propostas anteriormente colocadas pelo PREV-SAÚDE, no sentido da hierarquização, regionalização, descentralização, integração de serviços, dentre outros. Propunha mudanças na sistemática de pagamentos, introduziu novos mecanismos de auditoria técnica e tinha a proposta da plena utilização da capacidade instalada dos serviços públicos de saúde, incluindo os estaduais e municipais. 
Ao lado das propostas racionalizadoras do CONASP, cresciam os movimentos reformadores da saúde, e o movimento oposicionista no País. Em 1982 foram eleitos vários prefeitos comprometidos com as propostas de descentralização, o que levou a bem-sucedidas experiências municipais de atenção à saúde. 
A proposta do CONASP foi consubstanciada nas Ações Integradas de Saúde (AIS), que podem ser divididas em dois momentos: um anterior e outro posterior à Nova República. Mais do que um programa dentro do INAMPS e das Secretarias de 
Saúde, as AIS's passaram da estratégia setorial para a reforma da política de saúde. 
 
 
Fonte: slideplayer.com.br 
Em 1984, eram destinados às AIS's 4% do orçamento do INAMPS passando para 12% em 1986. Ao lado do aumento de recursos destinados ao setor público, merecem destaque a universalização no uso de recursos previdenciários e a incorporação de novos atores na disputa pelos mesmos. Em 88 as AIS's abrangiam todos os estados e 2.500 dos pouco mais de 4.000 municípios então existentes. 
No governo da Nova República, a proposta das AIS's foi fortalecida e este fortalecimento passou pela valorização das instâncias de gestão colegiada, com participação de usuários dos serviços de saúde. 
Em 1986, foi realizada em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), com ampla participação de trabalhadores, governos, usuários e parte dos prestadores de serviços de saúde. Precedida de conferências municipais e estaduais, a VIII CNS significou um marco na formulação das propostas de mudança no setor de saúde, consolidadas na Reforma Sanitária Brasileira. Seu documento final sistematiza o processo de construção de um modelo reformador para a saúde, que é definida como: " resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida". Este documento serviu de base para as negociações na Assembleia Nacional Constituinte, que se reuniria logo após. 
Paralelo ao processo de elaboração da Constituição Federal, uma outra iniciativa de reformulação do sistema foi implementada, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Idealizado enquanto estratégia de transição em direção ao SUS, propunha a transferência dos serviços do INAMPS para estados e municípios. O SUDS pode ser percebido como uma estadualização de serviços. O seu principal ganho foi a incorporação dos governadores de estado no processo de disputa por serviços previdenciários. Contudo, a estadualização, em alguns casos, levou à retração de recursos estaduais para a saúde e à apropriação de recursos federais para outras ações, além de possibilitar a negociação clientelista com os municípios. 
Enquanto resultante dos embates e das diferentes propostas em relação ao setor de saúde presentes na Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição Federal de 1988 aprovou a criação do SUS, reconhecendo a saúde como um direito a ser assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, equidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação da população. 
 
	Marco legal e político 
	Previdência 
	Assistência à saúde 
	Saúde 
coletiva 
	· Redemocratiz
ação 
· Nova 
República - 	Constituição de 1988 
· Lei Orgânica da Saúde 
	· PREV-SAÚDE 
· CONASP 
· Seguridade 
Social 
	· Crescimento 
da 	medicina supletiva 
· Universalizaçã
o 
· AIS 
· VIII CNS 
· SUDS 
· SUS 
	- 	Criaçã o do SUS - 	Formali zação do 
conceito 
amplo de saúde 
 
 
 
 
 	O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 
PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E ORGANIZATIVOS 
 
Fonte:image.slidesharecdn.com 
A primeira e maior novidade do SUS é seu conceito de saúde. Este "conceito ampliado de saúde", resultado de embates teóricos e políticos, como foi visto anteriormente, trouxe com ele um diagnóstico das dificuldades que o setor saúde enfrentou historicamente, e a certeza de que a reversão deste quadro extrapolava limites restritivos da noção vigente. Encarar saúde apenas como ausência de doenças, nos legou um quadro repleto não só das próprias doenças, como de desigualdades, insatisfação dos usuários, exclusão, baixa qualidade e falta de comprometimento profissional. 
Para enfrentar esta situação era necessário transformar a concepção de saúde, de serviços de saúde, e até mesmo de sociedade. Uma coisa era se deparar com a necessidade de abrir unidades, contratar profissionais, comprar medicamentos. Outra tarefa era conceber a atenção à saúde como um projeto que iguala saúde com condições de vida. O direito à saúde, nesta visão, se confunde com o direito à vida. 
Este conceito ampliado, ao definir os elementos condicionantes da saúde, incorpora: 
· Meio físico (condições geográficas, água, alimentação, habitação, etc.) 
· Meio socioeconômico (emprego, renda, educação, alimentação, educação, hábitos, etc.) 
· A garantia de acesso aos serviços de saúde responsáveis pela promoção, proteção e recuperação da saúde. 
Ou seja, para se ter saúde é preciso possuir um conjunto de fatores, como alimentação, moradia, emprego, lazer, educação, etc. A saúde se expressa como um retrato das condições de vida. Por outro lado, a ausência de saúde não se relaciona apenas com a inexistência ou a baixa qualidade dos serviços de saúde, mas com todo este conjunto de determinantes. 
A saúde precisa, desta forma, incorporar novas dimensões e se torna responsável por conquistas que, até então, se colocavam externas a ela. O sistema de saúde deve se relacionar com todas as forças políticas que caminhem na mesma direção, como a defesa do meio ambiente, o movimento contra a fome, as manifestações pela cidadania, contra a violência no trânsito, pela reforma agrária, etc. O SUS, ao abraçar este conceito, pressupõe ainda a democratização interna da gestão dos serviços e dos sistemas de saúde, como um elemento a mais no movimento de construção da cidadania. 
Antes de entrar na doutrina e nos princípios organizativos do SUS, é importante frisar dois aspectos. Em primeiro lugar o SUS faz parte das ações definidas na Constituição como sendo de "relevância pública", ou seja, é atribuído ao poder público a regulamentação, a fiscalização e o controle das ações e serviços de saúde, independente da execução direta dos mesmos. De acordo com Flávio Andrade Goulart, "as competências decorrentes da relevância pública envolvem, certamente, o exercício de um poder regulador, de arbitragem e de intervenção executiva por parte das esferas do poder público e, por consequência, de suas agências de prestação de serviços". Este poder público pode ser traduzido como autoridade e responsabilidadesanitárias. Em segundo lugar, a saúde faz parte de um sistema mais amplo, o Sistema da Seguridade Social. De acordo com o artigo 194 da Constituição, "a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social". 
Ao lado do conceito ampliado de saúde, o SUS traz dois outros conceitos importantes, o de sistema e a ideia de unicidade. A noção de sistema significa que não estamos falando de um novo serviço ou órgão público, mas de um conjunto de várias instituições, dos três níveis de governo e do setor privado contratado e conveniado, que interagem para um fim comum. Na lógica do sistema público, os serviços contratados e conveniados são seguidores dos mesmos princípios e das mesmas normas do serviço público. Os elementos integrantes do sistema referem-se ao mesmo tempo às atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. 
Este sistema é único, ou seja, deve ter a mesma doutrina e a mesma forma de organização em todo o país. Mas, é preciso compreender bem esta ideia de unicidade. Num país com tamanha diversidade cultural, econômica e social como o Brasil, pensar em organizar um sistema sem levar em conta estas diferenças seria uma temeridade. O que é definido como único na Constituição é um conjunto de elementos doutrinários e de organização de sistema de saúde, os princípios da universalização, da equidade, da integralidade, da descentralização e da participação popular. Estes elementos se relacionam com as peculiaridades e determinações locais, através de formas previstas de aproximação da gerência aos cidadãos, seja com a descentralização políticoadministrativa, seja através do controle social do sistema. 
 	PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS 
Universalização 
Historicamente quem tinha direito à saúde no Brasil eram apenas os trabalhadores segurados do INPS e depois do INAMPS. Com o SUS isto é diferente, pois a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito. Neste sentido, o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, renda, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais. O SUS foi implantado com a responsabilidade de tornar realidade este princípio. 
 
Equidade 
O objetivo da equidade é diminuir desigualdades. Mas isto não significa que a equidade seja sinônimo de igualdade. Apesar de todos terem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades diferentes. Equidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Para isso, a rede de serviços deve estar atenta às necessidades reais da população a ser atendida. A equidade é sinônimo de justiça social. 
 
Integralidade 
O princípio da integralidade significa considerar a pessoa como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. Ao mesmo tempo, o princípio da integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, como forma de assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. 
 
Princípios Organizativos 
Para organizar o SUS, a partir dos princípios doutrinários apresentados e levando-se em consideração a ideia de seguridade social e relevância pública, existem algumas diretrizes que orientam o processo. Na verdade, tratam-se de formas de concretizar o SUS na prática. 
 
Regionalização e Hierarquização 
A regionalização e a hierarquização de serviços significam que os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e conhecimento da clientela a ser atendida. Como se trata aqui de "princípios", de indicativos, este conhecimento é muito mais uma perspectiva de atuação do que uma delimitação rígida de regiões, clientelas e serviços. 
A regionalização é, na maioria das vezes, um processo de articulação entre os serviços já existentes, buscando o comando unificado dos mesmos. A hierarquização deve, além de proceder a divisão de níveis de atenção, garantir formas de acesso a serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso, no limite dos recursos disponíveis numa dada região. Deve Aída incorporar-se à rotina de acompanhamento dos serviços, com fluxos de encaminhamento (referência) e de retorno de informações ao nível básico do serviço (contra referência). Estes caminhos somam à integralidade da atenção com o controle e a racionalidade dos gastos no sistema. 
 
Descentralização e Comando Único 
Descentralizar é redistribuir poder entre os níveis de governo. Na saúde, a descentralização tem como objetivo prestar serviços com maior qualidade e garantir o controle e a fiscalização pelos cidadãos. Quanto mais perto tiver a decisão, maior a chance de acerto. No SUS a responsabilidade pela saúde deve ser descentralizada até o município. Isto significa dotar o município de condições gerenciais, técnicas, administrativas e financeiras para exercer esta função. 
 A decisão deve ser de quem executa, que deve ser o que está mais perto do problema. A descentralização, ou municipalização, é uma forma de aproximar o cidadão das decisões do setor e significa a responsabilização do município pela saúde de seus cidadãos. É também uma forma de intervir na qualidade dos serviços prestados. 
Para fazer valer o princípio da descentralização, existe a concepção constitucional do mando único. Cada esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade. Assim, a autoridade sanitária do SUS é exercida na União pelo ministro da saúde, nos estados pelos secretários estaduais de saúde e nos municípios pelos secretários ou chefes de departamentos de saúde. Eles são também conhecidos como “gestores” do sistema de saúde. 
 
Participação Popular 
O SUS foi fruto de um amplo debate democrático. Mas a participação da sociedade não se esgotou nas discussões que deram origem ao SUS. Esta democratização também deve estar presente no dia-a-dia do sistema. Para isto, devem ser criados Conselhos e as Conferências de Saúde, que tem como função formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde. 
Os Conselhos de Saúde, que devem existir nos três níveis de governo, são órgãos deliberativos, de caráter permanente, compostos com a representatividade de toda a sociedade. Sua composição deve ser paritária, com metade de seus membros representando os usuários e a outra metade, o conjunto composto por governo, trabalhadores da saúde e prestadores privados. Os conselhos devem ser criados por lei do respectivo âmbito de governo, onde serão definidas a composição do colegiado e outras normas de seu funcionamento, 
As Conferências de Saúde são fóruns com representação de vários segmentos sociais que se reúnem para propor diretrizes, avaliar a situação da saúde e ajudar na definição da política de saúde. Devem ser realizadas em todos os níveis de governo. 
Um último aspecto que merece destaque é o da complementaridade do setor privado. Este princípio se traduz nas condições sob as quais o setor privado deve ser contratado, caso o setor público se mostre incapaz de atender a demanda programada. Em primeiro lugar, entre os serviços privados devem ter prioridade os não lucrativos ou filantrópicos. Para a celebração dos contratos deverão ser seguidas as regras do direito público. Em suma, trata-se de fazer valer, na contratação destes serviços, a lógica do público e as diretrizes do SUS. Todo serviço privado contratado passa a seguir as determinações do sistema público, em termos de regras de funcionamento, organização e articulação com o restante da rede. Para a contratação de serviços, os gestores deverão procedera licitação, de acordo com a Lei Federal nº 8666/93. 
A criação do SUS, feita pela Constituição Federal, foi posteriormente regulamentada através das Leis 8080/90, conhecida como Lei Orgânica, e 81421/90. Estas leis definem as atribuições dos diferentes níveis de governo com a saúde; estabelecem responsabilidades nas áreas de vigilância sanitária, epidemiológica e saúde do trabalhador; regulamentam o financiamento e os espaços de participação popular; formalizam o entendimento da saúde como área de “relevância pública” e a relação do poder público com as entidades privadas com base nas normas do direito público.; dentre outros vários princípios fundamentais do SUS. Outros instrumentos têm sido utilizados para possibilitar a operacionalização do Sistema, dentre eles as Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde, publicadas pelo Ministério da Saúde, sob forma de portaria. 
 
 	 
 	REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
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DONNANGELO, M. C. F. Medicina e Sociedade: o médico e seu mercado de trabalho. 
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MACHADO, M. H. (Coord.) Os Médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997. 
NUNES, A. et al. (Coords.) Medindo as Desigualdades em Saúde no Brasil. Brasília: 
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RODRIGUES, B. de A. Fundamentos de Administração Sanitária. Rio de Janeiro: 
Freitas Bastos, 1967. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 	LEITURA COMPLEMENTAR 
Educação em saúde e busca ativa de casos de hanseníase em uma escola pública em Ananindeua, Pará, Brasil 
 
Bruna Ranyelle Marinho Sousa. Universidade Federal do Pará (UFPA). bruna-
ranyelle@hotmail.com (Autora correspondente) Francisco Hepaminondas Abreu Moraes. 
Universidade Federal do Pará (UFPA). hepaminondasmoraes@hotmail.com 
Jocyane Souza Andrade. Universidade Federal do Pará (UFPA). cyanny_10@yahoo.com.br Ennye Sakaguchi Lobo. Hospital Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, Belém (PA). enalawolf@hotmail.com 
Enerli Araújo Macedo. Prefeitura Municipal de Ananindeua (PA). henerli@hotmail.com Carla Andréa Avelar Pires. Universidade Federal do Pará (UFPA). carlaavelarpires@bol.com.br Egon Luiz Rodrigues Daxbacher. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). egondax@gmail.com 
 
Resumo 
 
Objetivo: Descrever ação para o controle da hanseníase por meio da educação em saúde e da busca ativa de casos na faixa etária escolar, em uma instituição pública de ensino do município de Ananindeua, Pará. Métodos: Trata-se de estudo descritivo, conduzido em uma instituição pública de ensino, incluindo estudantes do ensino fundamental. Em outubro e novembro de 2010 foram realizadas palestras na escola sobre hanseníase e outras dermatoses e, em seguida, foi feita uma triagem com os alunos que apresentaram alguma mancha na pele. No total de 532 alunos envolvidos, foram identificados 55 alunos como casos suspeitos para hanseníase. Esses alunos foram conduzidos para consulta dermatológica, sendo realizados o exame clínico e a aplicação de questionários sociodemográficos. Resultados: A face (49%) e os membros superiores (45%) foram as principais regiões do corpo com lesões. Na maioria dos casos investigados tratava-se de pitiríase alba (42%) e pitiríase versicolor (31%). Entretanto, diagnosticou-se um caso de hanseníase (2%), na forma clínica tuberculóide. Conclusão: Considerando a abrangência do estudo, o número de casos de hanseníase encontrado é significativo e reafirma a alta taxa de detecção de hanseníase em menores de 15 anos no município. Ações de vigilância epidemiológica devem ser intensificadas, no sentido de detectar a doença mais precocemente, contribuindo para a redução de estigmas e da restrição à participação social. 
Palavras-chave: Hanseníase. Mycobacterium leprae. Adolescentes. Educação em Saúde. Estudos Transversais. 
 
Introdução 
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa causada pela Mycobacterium leprae. Apresenta evolução crônica, atingindo predominantemente a pele e os nervos periféricos. É considerada potencialmente incapacitante e, embora curável, seu diagnóstico ainda causa grande impacto psicossocial e comprometimento da qualidade de vida1,2. Trata-se de uma doença endêmica no Brasil, o que torna o país responsável por 93% dos casos de hanseníase no continente americano. O Brasil apresentou em 2011 coeficiente geral de detecção de novos casos de 17,65/100.000 habitantes. Nesse ano foram diagnosticados 33.955 casos novos, sendo 2.420 (7,12%) em menores de 15 anos. Segundo o Ministério da Saúde, observou-se ainda que 2.165 pacientes apresentaram grau II de incapacidade3,4. 
No estado do Pará, o coeficiente geral de detecção de novos casos na faixa etária de menores de 15 anos foi de 18,29/100.000 habitantes, sendo classificado como hiperendêmico e revelando a persistência na transmissão da doença e as dificuldades dos programas de saúde para o controle desse agravo4,5. 
O município de Ananindeua, segundo mais populoso do Pará, é um dos 87 municípios do estado com situação hiperendêmica para hanseníase em crianças e adolescentes. Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), fornecidos pela Secretaria de Vigilância Epidemiológica de Ananindeua, o coeficiente de detecção de novos casos foi 6/100.000 em 2008 e, apesar da redução de 45% em relação a 2004, as políticas de controle de hanseníase precisam continuar e se intensificar. Entre os menores de 15 anos com hanseníase, a faixa etária com maior quantidade de casos é a de 10 a 14 anos. Segundo o SINAN, a hanseníase mostrou-se mais incidente em homens, 57% em 2008, sendo que a forma clínica de notificação mais acometida foi a dimorfa e que 69% dos casos foram multibacilares6. 
Para a transmissão da hanseníase, é necessário o convívio prolongado com pacientes transmissores do bacilo de Hansen. Tais bacilos são eliminados pelas secreções nasais e da orofaringe dos indivíduos multibacilares e penetram no organismo do indivíduo sadio pelas vias aéreas superiores7. Estudos relatam a participaçãode fatores genéticos contribuindo para a infecção e fenótipos clínicos da hanseníase8. 
A doença, inicialmente, pode se manifestar por meio de lesões de pele, tais como máculas hipocrômicas ou avermelhadas que apresentam alteração de sensibilidade. Essas lesões ocorrem em qualquer região do corpo, mas com maior frequência na face, orelhas, nádegas, braços, pernas e costas. Podem aparecer nervos espessados e doloridos, diminuição de sensibilidade nas áreas inervadas, resultando em comprometimento sensitivo, motor e autonômico (alterações de glândulas sudoríparas e sebáceas) responsáveis pelas incapacidades e deformidades características da hanseníase9. O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado nos sinais e sintomas, no exame da pele (avaliação dermatoneurológica) e dos nervos periféricos e na história epidemiológica. Excepcionalmente há necessidade de auxílio laboratorial para a confirmação diagnóstica, sendo que seu diagnóstico é de competência da atenção primária à saúde7. 
A hanseníase é uma enfermidade considerada de adultos devido ao seu longo período de incubação, entretanto, em áreas endêmicas e quando ocorrem casos na família, o risco de crianças adoecerem aumenta. A ocorrência de hanseníase em menores de 15 anos reflete a exposição precoce e intensa, com alta carga bacilar. Dessa forma, a ocorrência de hanseníase em crianças é considerada um indicador da prevalência da doença na população geral e sua detecção é importante, uma vez que indica a necessidade de atividades de vigilância epidemiológica para busca de contactantes e identificação do caso fonte10,11. 
O Programa Nacional de Controle de Hanseníase (PNCH) tem como prioridade a redução de casos em menores de 15 anos de idade, pois esses casos têm relação com doença recente e focos de transmissão ativos. Seu monitoramento epidemiológico é de grande relevância para o controle da hanseníase12. Na Estratégia Global para Redução Adicional da Carga da Hanseníase quinquênio de 2011 a 2015, da Organização Mundial da Saúde, reiterou-se que o controle da hanseníase continuará a depender da detecção precoce e do tratamento com a poliquimioterapia (PQT)13. 
Nesse sentido, é de grande importância que no estado do Pará, especialmente na cidade de Ananindeua, sejam exercidas ações visando o diagnóstico precoce, tais como a busca ativa de casos, além de ações de educação em saúde para o maior controle da hanseníase, principalmente na faixa etária escolar, na qual os índices de detecção são altos, indicativos de focos ativos de transmissão. 
Nesse contexto, esse estudo teve como objetivo contribuir para o controle da hanseníase por meio da educação em saúde e da busca ativa de casos na faixa etária escolar em uma escola pública do município de Ananindeua, estado do Pará, fornecendo informações e realizando exame dermatológico a fim de diagnosticar precocemente os casos de hanseníase e de outras dermatoses nessa população. 
 
Metodologia 
Trata-se de estudo descritivo, tendo como base populacional estudantes do ensino fundamental (6º ao 9º ano) de uma escola municipal localizada no município de Ananindeua, Pará, no Conjunto Stélio Maroja. O estudo foi realizado nos meses de outubro e novembro de 2010 e consistiu de duas etapas: educação em saúde na escola e consulta dos alunos selecionados. 
Inicialmente foram realizadas atividades de educação em saúde com os 532 alunos matriculados no ensino fundamental (6º ao 9º ano), por meio de palestras ministradas de sala em sala, nos turnos da manhã e da tarde, com o objetivo de orientar e informar os estudantes sobre a hanseníase, a importância do diagnóstico precoce e o tratamento. Outras doenças dermatológicas foram também abordadas, com o intuito de realizar o diagnóstico diferencial com a hanseníase. Durante esse primeiro momento, cada aluno recebeu uma ficha para preenchimento de informações sobre dados pessoais e sociodemográficos que deveria ser preenchida caso o entrevistado relatasse a presença de alguma alteração na pele. Ao final das palestras, foram selecionados os alunos que apresentavam mácula hipocrômica ou eritematosa ou outra lesão sugestiva de hanseníase e que aceitaram participar da pesquisa. 
Dessa forma, a população do estudo foi composta por 55 (cinquenta e cinco) alunos que inicialmente preencheram um questionário sociodemográfico e que posteriormente foram encaminhados para a avaliação dermatoneurológica realizada por uma médica dermatologista, constituindo-se na segunda etapa do projeto. Os pais e/ou responsáveis assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) permitindo a participação dos menores no estudo. 
As crianças com problemas dermatológicos simples identificados receberam prescrição durante a realização da consulta com a médica especializada. Aquelas identificadas como portadoras de hanseníase foram encaminhadas à unidade básica de saúde do bairro para realizar tratamento específico. 
Importante ressaltar que os professores e a diretora se mostraram muito solícitos durante a realização da pesquisa, compreendendo a importância do estudo e contribuindo para o seu desenvolvimento, disponibilizando parte do tempo de aula para que fossem realizadas as palestras sobre hanseníase e demais alterações dermatológicas. Os pais e/ou responsáveis, entretanto, apesar de terem assinado o TCLE e terem sido esclarecidos sobre a importância da consulta dermatológica, não se mostraram muito ativos e interessados nos resultados que seriam obtidos com a realização do estudo. 
Os resultados obtidos foram armazenados em banco de dados para serem analisados e demonstrados por meio de tabelas e figuras, utilizando o software Microsoft Office Excel 2007. 
O presente trabalho seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (ICS-UFPA), CAAE 3167.0.000.073-10 e parecer nº 112/10. 
Resultados 
O perfil sociodemográfico dos alunos selecionados para a consulta dermatológica (Tabela 1) mostrou predominância do gênero feminino, faixa etária entre 12 e 14 anos incompletos e cor parda. Com relação à escolaridade, o número de alunos por ano foi bem distribuído, sendo a maioria dos alunos atendidos estudantes do 6º ano e do turno da manhã. 
Quanto à procedência (Tabela 2), verificou-se que a maioria dos alunos atendidos pela pesquisa era da localidade Nova Esperança, situada no bairro do Coqueiro, próximo ao Conjunto Stélio Maroja. 
De acordo com o Figura 1, verifica-se que, conforme relato dos entrevistados, as principais regiões do corpo que apresentavam as lesões foram: a face (49%), os membros superiores (45%) e o tórax (33%). 
Com a realização da consulta dermatológica foi possível estabelecer o diagnóstico das manchas apresentadas pelos alunos (Figura 2). 
Tabela 1. Perfil sociodemográfico dos 55 alunos atendidos por consulta dermatológica no município de Ananindeua, Pará, em 2010. 
 
	Variáveis 
	Alunos (n) 
	Alunos (%) 
	Gênero 
	 
	 
	Masculino 
	20 
	36 
	Feminino 
	35 
	64 
	Idade 
	 
	 
	10 |— 12 
	15 
	27 
	12 |— 14 
	19 
	35 
	14 |— 16 
	16 
	29 
	+ de 16 
	05 
	09 
	Raça 
	 
	 
	Branca 
	13 
	24 
	Parda 
	26 
	47 
	Negra 
	07 
	13 
	Indígena 
	01 
	02 
	Não declarou 
	08 
	14 
	Série do ensino fundamental 
	 
	 
	6º ano 
	18 
	33 
	7º ano 
	12 
	22 
	8º ano 
	11 
	20 
	9º ano 
	14 
	25 
	Turno 
	 
	 
	Manhã 
	33 
	60 
	Tarde 
	22 
	40 
 
 
Tabela 2. Procedência dos alunos que foram atendidos na consulta dermatológica no município de Ananindeua, Pará, em 2010. 
 
	Localidades de Ananindeua 
	Alunos (n) 
	Alunos (%) 
	Conjunto Cidade Nova 
	09 
	16 
	40 Horas 
	07 
	13 
	Nova Esperança 	 	 19 	 34 
	Conjunto Stélio Maroja 
	07 
	13 	 
	Loteamento 28 de Agosto 
	05 
	09 	 
	Outros 
	08 
	14 	 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1. Principais regiões do corpo que apresentavam lesões nos alunos entrevistados no município de Ananindeua, Pará, em 2010. 
 
 
 
 
Observou-se que a maioria dos alunos apresentoupitiríase alba (42%), pitiríase versicolor (31%) e dermatite atópica (22%). Além disso, o estudo permitiu o diagnóstico precoce de um caso de hanseníase, na forma clínica tuberculóide, paucibacilar. O perfil do caso encontrado era: sexo masculino, pardo, 15 anos, 7ª série, morador do Loteamento 28 de Agosto. A lesão apresentava mácula hipocrômica com bordas papulosas, irregulares e limites imprecisos localizada em sua mão direita, além de placa eritematosa no cotovelo direito, com alteração de sensibilidade térmica e espessamento do nervo ulnar. Essa criança foi encaminhada à unidade básica de saúde mais próxima de sua residência e iniciou tratamento com poliquimioterapia para hanseníase. Foi realizada busca ativa de casos no domicílio, não tendo sido encontrando nenhum caso ativo, embora houvesse histórico familiar de hanseníase já tratada e curada. 
Durante as consultas do estudo, identificou-se ainda outro aluno, do sexo masculino, pardo, morador da área de ocupação Nova Esperança, que já teve a doença e concluiu o tratamento, apresentando apenas lesões residuais na pele. 
Importante salientar que as crianças não tiveram seu diagnóstico revelado para os colegas, não sendo expostas a nenhum tipo de preconceito. 
Discussão 
Os dados encontrados sobre hanseníase são significativos dentro da população estudada, considerando-se os coeficientes utilizados pelo Programa Nacional de Controle da Hanseníase (PNCH). O estado do Pará apresenta coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos de 18,29/100.000 habitantes, segundo dados de 20115. Nesse estudo, encontrou-se um caso de hanseníase em uma amostra de 532 alunos, o que evidencia uma taxa bastante alta, muito maior que os dados atuais apresentados para o estado do Pará, refletindo a condição hiperendêmica do município. Entretanto, é necessário considerar que tal discrepância talvez se deva à amostra bastante reduzida do estudo. 
A redução de casos em menores de 15 anos de idade, como o caso observado nesse estudo, é prioridade do PNCH, uma vez que esses casos têm relação com doença recente e focos de transmissão ativos e seu monitoramento epidemiológico é relevante para o controle da hanseníase12. 
Em um estudo semelhante feito por Silva et al.14 em estudantes de escolas públicas no município de Buriticupu, estado do Maranhão, foram identificados 20 casos de hanseníase entre 14.653 estudantes, o que representa uma taxa de detecção de 1,36 casos para cada 1.000 indivíduos. Entre as faixas etárias observadas, a maior detecção de casos ocorreu entre 11 anos e 14 anos, com um total de 10 casos de hanseníase. Esse estudo apresenta dados semelhantes aos observados na presente pesquisa, que apresentou taxa de detecção de casos de 1,87/1.000. 
A detecção de casos de hanseníase no sexo masculino, forma paucibacilar e com presença de histórico familiar nessa casuística está em consonância com o estudo de Lastória e Abreu15, que realizaram busca ativa de casos de hanseníase no estado de São Paulo. Eles encontraram um índice de detecção de 4% em menores de 15 anos, superior ao do presente estudo, provavelmente por limitação de amostra. 
Em estudo realizado por Ferreira et al.16 sobre dermatoses pediátricas, observou-se maior prevalência de dermatoses alérgicas (28,0%), seguidas por dermatoses inflamatórias (18,6%), dermatoses pigmentares (15,9%) e dermatoses infecciosas (14,4%). Em contrapartida, no presente estudo a maior prevalência foi de pitiríase alba (42%) e pitiríase versicolor (31%), assim como as dermatoses alérgicas representaram 22% dos casos. Laczynski e Cestari17 encontraram a pitiríase alba entre as principais dermatoses em crianças, principalmente de escola pública, o que corrobora dados do presente estudo. 
Um fato importante a ser discutido é a procedência dos casos diagnosticados pelo estudo. A maioria dos alunos era da localidade Nova Esperança (34%), Conjunto Cidade Nova (16%) e Conjunto Stélio Maroja (13%). A área de ocupação Nova Esperança é uma localidade que faz parte do Bairro do Coqueiro, em Ananindeua, constituindo uma área de condições higiênico-sanitárias precárias e que, de acordo com a investigação, apresentou um caso de hanseníase já tratada. O Conjunto Stélio Maroja é constituído em sua grande maioria por residências mal arejadas, pequenas e bastante próximas umas das outras, o que pode facilitar a transmissibilidade da hanseníase, bem como de outras doenças, tais como tuberculose e pneumonia. O caso ativo de hanseníase encontrado provém do Loteamento 28 de Agosto, que apresenta condições precárias semelhantes às do Conjunto Nova Esperança. Esses fatores são relevantes para a monitorizarão de áreas de risco e para a implementação de medidas de controle e planejamento das ações de vigilância em saúde. 
Conclusão 
O número de casos de hanseníase encontrados pode aparentemente ser irrelevante, no entanto, considerando o pequeno tamanho amostral, o resultado tornase significativo, reafirmando a alta detecção de hanseníase em menores de 15 anos no município, principalmente na faixa escolar. Isso revela a intensidade de transmissão da doença, alertando para o fato de que muitos outros casos podem estar ocultos na própria família ou localidade. 
Dessa forma, verifica-se a importância de proporcionar melhores condições de vida e moradia aos indivíduos com o objetivo de interromper a cadeia de transmissibilidade, além do monitoramento de áreas endêmicas e aumento de ações educativas e preventivas, a fim de se detectar a doença mais precocemente e evitar as consequências do diagnóstico tardio e dos estigmas sociais. Observa-se, assim, a necessidade de maiores estudos, especialmente nessa faixa etária que se apresenta como importante marcador de transmissão da hanseníase. 
Convém ressaltar que o estudo promoveu como benefício a educação em saúde para os alunos no que tange à hanseníase e outras dermatoses, permitindo também que muitas dessas fossem diagnosticadas e tratadas. A alta incidência de pitiríase alba nos alunos, bem como a busca ativa de casos intradomiciliares de comunicantes de hanseníase, podem ser alvo de estudos futuros. 
Referências 
 
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