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1 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA Estática fetal e contratilidade uterina DEFINIÇÃO As RELAÇÕES DO FETO COM A BACIA MATERNA E COM O ÚTERO CONSTITUEM A ESTÁTICA FETAL . Seu estudo permite o conhecimento da nomenclatura obstétrica, fundamental para o tocoginecologista. ATITUDE FETAL A atitude fetal é definida como a RELAÇÃO DAS DIFERENTES PARTES FETAIS ENTRE SI . A ATITUDE FISIOLÓGICA do feto é de flexão da coluna vertebral, a cabeça levemente fletida e as coxas fletidas sobre a bacia. No todo, o feto tem a configuração de um ovoide com 2 extremidades: POLOS CEFÁLICO E PÉLVICO. Na gestação a termo, o feto medindo aproximadamente 50 cm de comprimento ocupa um espaço de 30 cm na cavidade uterina. Durante o trabalho de parto, ocorre a retificação do feto, que adquire a forma de um cilindro. A quantidade de líquido amniótico influi sobre o grau de flexão. Quando em pequena quantidade, observa-se configuração ovoide mais acentuada. SITUAÇÃO Situação é a RELAÇÃO ENTRE O MAIOR EIXO UTERINO E O MAIOR EIXO FETAL . Pode ser LONGITUDINAL, quando ambos os eixos coincidem, ou TRANSVERSAL, quando o feto se dispõe mais ou menos perpendicularmente ao maior eixo uterino. Na SITUAÇÃO LONGITUDINAL, encontrada em 99,5% das gestações, distingue-se a apresentação do polo cefálico ou do polo pélvico. A SITUAÇÃO TRANSVERSA é exceção, encontrada em apenas 0,5% das gestações. Multiparidade, polidrâmnio, placentação anômala, anomalia uterina, miomas submucosos e malformações fetais são fatores predisponentes a esse tipo de situação fetal. A SITUAÇÃO OBLÍQUA é muito rara e costuma ser transitória. APRESENTAÇÃO Trata-se da região do feto que ocupa a área do estreito superior e nela vai se insinuar. A apresentação só é definitiva no penúltimo ou até mesmo no último mês da gestação, período em que o volume fetal oferece dificuldade à passagem por meio da bacia. Nas situações longitudinais, podem ser observadas as APRESENTAÇÕES CEFÁLICAS OU PÉLVICAS. Nas situações transversas, o ombro ocupa a região do estreito superior da bacia, e temos a APRESENTAÇÃO CÓRMICA. CEFÁLICA Figura 1 - Atitude fetal fisiológica: flexão generalizada Figura 2 - A: Longitudinal; B: Transversa 2 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA Em 96% das gestações, observa-se o feto em apresentação cefálica. A cabeça apresenta movimentos no sentido anteroposterior, de flexão e extensão (ou deflexão). Na flexão do polo cefálico, o mento aproxima-se do esterno; é a chamada apresentação cefálica fletida (de vértice ou occipício), encontrada em 95% de todas as gestações. Conforme ocorre a deflexão do polo cefálico, o mento afasta-se do esterno. Classifica-se a deflexão desse polo em 3 graus: a) PARCIAL FLEXÃO (PRIMEIRO GRAU) : apresentação da fontanela bregmática, ponto de referência fetal, bregma; b) PARCIAL DEFLEXÃO (SEGUNDO GRAU) : apresentação de fronte, ponto de referência fetal – raiz do nariz/maxilar superior; c) DEFLEXÃO MÁXIMA (TERCEIRO GRAU) : apresentação de face, em que o polo cefálico se encontra em contato com o dorso. Ponto de referência fetal-mento. Os diâmetros e as circunferências do polo cefálico são importantes no momento do parto, pois, com os diâmetros da bacia, determinam os fenômenos que acontecem durante o trabalho de parto. Os diâmetros mais importantes do polo cefálico são o BIPARIETAL (9,5 cm), o SUBMENTOBREGMÁTICO (SMB) , o SUBOCCIPITOBREGMÁTICO (SOB) , o OCCIPITOMENTONIANO (OM) e o OCCIPITOFRONTAL (OF). PÉLVICA Em 3,5% das gestações, observa-se o feto em apresentação pélvica. Diversos fatores podem predispor às apresentações pélvicas: malformações fetais ou uterinas, gemelaridade, prematuridade, anencefalia ou hidrocefalia, tumores uterinos, vícios pélvicos, brevidade de cordão umbilical, inserção anômala da placenta, entre outros. Quando em apresentação pélvica, o feto pode estar com as coxas fletidas sobre o abdome e as pernas fletidas sobre as coxas (apresentação pélvica completa), ou com os membros rebatidos sobre a parede anterior do tronco, ou seja, somente flexão das coxas sobre a bacia (apresentação pélvica incompleta, agripina ou modo de nádegas). São possíveis variações dessa apresentação: modo de joelhos (coxas em extensão e pernas fletidas sobre as coxas), modo de pés (ambas as pernas em extensão), modo de joelhos incompleto e modo de pés incompleto. O feto em apresentação pélvica costuma sofrer versão espontânea para apresentação cefálica ao longo da gestação, para adaptar-se às formas da cavidade uterina. CÓRMICA Em 0,5% das gestações, observa-se o feto em apresentação córmica, corresponde à situação transversa. POSIÇÃO Trata-se da RELAÇÃO DO DORSO FETAL COM O LADO DIREITO OU ESQUERDO MATERNO, PODENDO SER DIREITA OU ESQUERDA. Figura 3 - A: Cefálica; B: Pélvica; C: Córmica Figura 4 - Cabeça fetal 3 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA A posição mais comum no final da gestação é a esquerda, pois o útero é pouco rodado para a direita, e a presença do cólon sigmoide e do reto, à esquerda, impulsiona o dorso fetal anteriormente – é a chamada primeira posição. A importância de se determinar a posição é buscar a melhor localização para a ausculta cardíaca fetal durante o trabalho de parto, que será ipsilateral a seu dorso na maioria das vezes. VARIEDADE DE POSIÇÃO A variedade de posição é a RELAÇÃO ENTRE O PONTO DE REFERÊNCIA DA APRESENTAÇÃO FETAL E O PONTO DE REFERÊNCIA DA BACIA MATERNA. Os PONTOS DE REFERÊNCIA DA BACIA MATERNA são invariáveis: pube, eminências ileopectíneas bilateralmente (pontos anteriores), extremidades do diâmetro transverso máximo (pontos transversos), sinostoses sacroilíacas bilateralmente (pontos posteriores) e promontório (sacro). Os pontos de referência fetais e as linhas de orientação variam com a apresentação. Na nomenclatura da variedade de posição, utiliza-se a abreviação composta por 3 letras que definem a APRESENTAÇÃO, O LADO MATERNO PARA O QUAL ESSE PONTO ESTÁ VOLTADO E A SUA VARIEDADE . A primeira letra corresponde ao ponto de referência fetal (O – Occipício, M – Mento etc.) ; a segunda, ao lado materno para o qual se orienta esse ponto; e a terceira letra corresponde à variedade de posição (anterior, transversa ou posterior). Figura 7 - A: Apresentação de vértice em occipitoesquerda anterior; B: Apresentação de vértice em occipitodireita anterior; C: Apresentação de vértice em occipitoesquerda posterior; D: Apresentação de vértice em occipitodireita posterior Figura 5 - Apresentação córmica: A - Implantação fúndica; B - Dorso posterior; C: Dorso anterior Figura 6 - A: Posição direita e B: Posição esquerda 4 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA Além de no decorrer de um parto normal, o estudo da contratilidade uterina tem sua maior importância em três situações: para a inibição de contrações nos casos de trabalho de parto prematuro; para a indução do trabalho de parto em casos em que seja necessária a resolução do parto; e, finalmente, no período pós-parto para o miotamponamento e a para a regressão do útero nos dias seguintes ao nascimento. 5 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA Participam da mecânica do parto o conteúdo uterino em si, ou seja, o feto e seus anexos, a passagem materna representada pela bacia obstétrica e o motor, representado pelas contrações uterinas durante o trabalho de parto. O MIOMÉTRIO é, de fato, composto por células musculares lisas que apresentam grau máximo de diferenciação no sistema muscular. Essas fibras musculares estão dispersas dentro da matriz extracelular, formada principalmente por fibras colágenas. A UNIDADE GERADORA DE CONTRAÇÃO UTERINA é formada por um complexo proteico (actina-miosina) disposto em fuso dentro do citoplasma. Assim, essas fibras estão dispostas em feixes e envoltas por uma matriz de tecido conjuntivocomposta por colágeno, cuja principal função é facilitar a transmissão das forças contráteis geradas pelos feixes musculares. PRINCIPAIS PROCEDIMENTOS TOCOMÉTRICOS Os procedimentos mais precisos para avaliar a atividade do útero gravídico humano são os que registram as pressões intrauterinas: AMNIÓTICA, INTRAMIOMETRIAL, PLACENTÁRIA E PUERPERAL . REGISTRO DA PRESSÃO AMNIÓTICA A pressão amniótica informa sobre a contratilidade do útero como um todo, sem fornecer dados específicos de cada segmento funcional da matriz. REGISTRO DA PRESSÃO INTRAMIOMETRIAL A pressão intramiometrial é obtida pelo uso de microbalões (0,02 ml) inseridos na espessura da parede uterina, em três ou quatro regiões funcionalmente distintas. REGISTRO DA PRESSÃO PLACENTÁRIA A dinâmica do útero no secundamento é conhecida pela aferição da pressão sanguínea na veia umbilical, chamada pressão placentária. A técnica serve, igualmente, para registrar a pressão intrauterina logo após o parto do primeiro concepto de gravidez múltipla. 6 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA ANÁLISE DA PRESSÃO INTRAUTERINA Alvarez & Caldeyro-Barcia (1948) medem a pressão amniótica a partir do nível da pressão intra- abdominal, considerada o “zero” na escala de pressões. O TÔNUS UTERINO representa o menor valor registrado entre duas contrações. A INTENSIDADE de cada contração é dada pela elevação que ela determina na pressão amniótica, acima do tônus; a FREQUÊNCIA compreende o número de contrações em 10 min. Conceitua, ainda, a ATIVIDADE UTERINA como o produto da intensidade das contrações pela sua frequência, expressando o resultado em mmHg/10 min ou Unidades Montevidéu (UM); e o TRABALHO UTERINO para realizar certa função, como, por exemplo, dilatar o colo de 2 para 10 cm, corresponde à soma das intensidades de todas as contrações responsáveis por essa tarefa (mmHg). EVOLUÇÃO DA CONTRATILIDADE UTERINA NO CICLO GESTATÓRIO GRAVIDEZ Até 30 semanas de gestação, a atividade uterina é muito pequena, inferior a 20 UM. Os registros de pressão amniótica evidenciam contrações reduzidas, frequentes, cerca de 1 por minuto, que permanecem restritas a diminutas áreas do útero. De vez em quando surgem CONTRAÇÕES DE BRAXTON-HICKS. Têm frequência muito baixa, em torno de 28 a 32 semanas, até 2 contrações/h. O tônus uterino permanece entre 3 e 8 mmHg. As contrações de Braxton-Hicks resultam mais da soma de metrossístoles assincrônicas, parcialmente propagadas, do que de atividade bem coordenada. PRÉ-PARTO Após 30 semanas, a atividade uterina aumenta vagarosa e progressivamente. Nas últimas 4 semanas (pré-parto) a atividade é acentuada, observando-se, em geral, contrações de Braxton-Hicks mais intensas e frequentes, que melhoram a sua coordenação e se difundem a áreas cada vez maiores da matriz (até 3 contrações/h). As pequenas contrações, embora diminuídas em número, permanecem nos traçados obtidos nessa época. O tônus se aproxima de 8 mmHg. Em menor quantidade de casos, a transformação da atividade uterina no pré-parto se faz pelo aumento progressivo da intensidade das pequenas contrações, que se tornam mais expansivas, enquanto sua frequência diminui gradativamente. PARTO Clinicamente, o parto está associado ao desenvolvimento de contrações dolorosas e rítmicas, que condicionam dilatação do colo uterino. Arbitrariamente, considera-se seu início quando a dilatação cervical chega a 2 cm, estando a atividade uterina compreendida entre 80 e 120 UM (em média 100 UM). Não há demarcação nítida entre o pré-parto e o parto, mas, sim transição gradual, insensível, o que torna difícil caracterizar a atividade do começo da dilatação. As pequenas contrações localizadas tendem a desaparecer, estando ausentes nos partos normais, em que os registros exibem apenas metrossístoles fortes e regulares. Na DILATAÇÃO, as contrações têm intensidade de 30 mmHg e frequência de 2 a 3/10 min, para alcançar, no final desse período, valores respectivos de 40 mmHg e 4/10 min. No PERÍODO EXPULSIVO, a frequência atinge 5 contrações em 10 min e a intensidade 50 mmHg. São próprias dessa fase as contrações da musculatura abdominal com a glote fechada, esforços respiratórios verdadeiros, chamados puxos. Eles causam acréscimos súbitos e de curta duração da pressão abdominal, que se sobrepõem às elevações determinadas pelas metrossístoles. Os puxos têm intensidade média de 50 mmHg, de tal modo que, somados à pressão intrauterina, neste caso também de 50 mmHg, condicionam pressão amniótica de 100 mmHg. Em partos normais a atividade uterina varia de 100 a 250 UM. 7 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA SECUNDAMENTO Após o nascimento do concepto, o útero continua a produzir contrações rítmicas. As 2 ou 3 primeiras usualmente descolam a placenta de sua inserção uterina e a impelem para o canal do parto. As contrações, agora indolores, proporcionam alívio imediato às pacientes, por isso foram responsáveis pelo chamado período de repouso fisiológico. PUERPÉRIO Os gráficos mostram contrações cuja frequência vai diminuindo, até atingir 1 em cada 10 min, decorridas 12 h de puerpério. Nos dias que se seguem, a intensidade e o número das contrações estão mais reduzidos. Quando o bebê suga o seio materno, pode haver aumento nítido na atividade uterina, que desaparece ao final da mamada. As contrações do secundamento e do puerpério, apesar de mais intensas do que as do parto, não exprimem aumento real na força muscular, como foi mencionado. FUNÇÕES DA CONTRATILIDADE UTERINA MANUTENÇÃO DA GRAVIDEZ Durante a gestação, o útero não está inativo, mas sua atividade é bastante reduzida, irregular, localizada e sem significado funcional expulsivo. A gravidez provavelmente se mantém pelo chamado bloqueio progesterônico. A PROGESTERONA tem a propriedade de diminuir a sensibilidade da célula miometrial ao estímulo contrátil, por hiperpolarização da membrana, bloqueando a condução da atividade elétrica de uma célula muscular a outra. Grande parte da progesterona placentária alcança o miométrio antes de ser carreada pela circulação sistêmica. Esse componente local determina o gradiente de concentração progesterônica no útero, função da distância à placenta. 8 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA DILATAÇÃO DO ISTMO E DO COLO UTERINO No pré-parto, a contração encurta o corpo uterino e exerce tração longitudinal no segmento inferior, que se expande, e no colo, que progressivamente se apaga e se dilata (amadurecimento). A tração pode ser transmitida com eficiência ao colo porque o segmento também se contrai, embora com força menor que o corpo. Ao termo da gravidez, o orifício externo cervical atinge, em média, 1,8 cm nas nulíparas e 2,2 cm nas multíparas; o colo se apaga, respectivamente, cerca de 70 e 60%. No parto, essas alterações se intensificam; depois de cada metrossístole o corpo fica mais curto e mais espesso (braquiestase ou retração), e o colo uterino fica mais dilatado. O istmo é tracionado para cima, deslizando sobre o polo inferior do feto, experimentando dilatação no sentido circular; apenas no período expulsivo produz-se certo estiramento longitudinal do segmento. A pressão exercida pela apresentação fetal ou pela bolsa das águas, atuando em forma de cunha, constitui o segundo fator responsável pela dilatação das porções baixas do útero. O progresso da dilatação cervical depende da contratilidade uterina propagada, coordenada e com tríplice gradiente descendente, embora a resistência oposta pelo colo desempenhe papel relevante. A DURAÇÃO DO PARTO NORMAL é muito variável, completando-se a DILATAÇÃO, nas primíparas, após 10 a 12 h, e, nas multíparas, decorridas 6 a 8 h. DESCIDA E EXPULSÃO DO FETO As metrossístoles, ao encurtarem o corpo uterino, empurram o feto através da pelve e o expulsam para o exterior, estando a parte inferiordo útero presa à pelve, principalmente pelos ligamentos uterossacros. Embora a parte mais importante se desenvolva no período expulsivo, são as contrações do pré-parto que começam a adaptar e a insinuar a apresentação fetal na bacia. No segundo período do parto, o segmento inferior é estirado no sentido longitudinal, em cada contração do corpo, com o consequente adelgaçamento de suas paredes. As contrações dos ligamentos redondos, sincrônicas com as do útero, tracionam o fundo para frente, colocando o eixo longitudinal da matriz na direção do eixo da escavação pélvica, facilitando a progressão do feto. Os ligamentos redondos, ao se encurtarem nas contrações, tendem a aproximar o fundo uterino da pelve, somando-se à força que no mesmo sentido exercem as contrações do corpo. A contribuição mais expressiva, todavia, é dada pelos PUXOS. O desejo de esforçar-se é desenvolvido pela distensão da vagina e do períneo, produzida pelo polo inferior do feto, impulsionado pela contração uterina. É por esse motivo que os puxos ocorrem durante a metrossístole, o que é conveniente para se obter a eficiente soma de pressão desenvolvida pelos músculos abdominais e pelo miométrio. 9 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA DESCOLAMENTO DA PLACENTA Com a expulsão do feto, o corpo do útero, adaptando-se à grande redução volumétrica, se retrai muito. O acentuado encurtamento é responsável pela desinserção placentária, bastando geralmente 2 a 3 contrações para descolá-la do corpo para o canal do parto (segmento inferior, colo e vagina). Esses 6 a 10 primeiros minutos do secundamento constituem o tempo corporal, porque a placenta permanece dentro do corpo uterino. Uma vez no canal do parto, a pequena contratilidade exercida pelo segmento inferior é incapaz de expulsar a placenta para o exterior, o que só ocorrerá após esforços expulsivos da paciente ou com a intervenção do tocólogo. HEMÓSTASE PUERPERAL A atividade do útero no pós-parto é indispensável para coibir a hemorragia no sítio placentário, quando a hemóstase depende fundamentalmente do tônus uterino, das contrações e da retração das fibras musculares. Mais tarde, o modo de propagação peristáltica, que caracteriza o ÚTERO PUERPERAL, é eficaz para eliminar os coágulos e os lóquios do interior da matriz. No período expulsivo, no secundamento e no puerpério, embora ocorram acentuadas e progressivas reduções volumétricas, o miométrio tem grande capacidade para encurtar-se e, portanto, adaptar-se às enormes e rápidas diminuições do conteúdo uterino, mantendo o mesmo tônus. CORRELAÇÕES CLÍNICAS As contrações só são percebidas à palpação abdominal, depois que sua intensidade ultrapassa 10 mmHg. Como o início e o fim da onda contrátil não podem ser palpados, a duração clínica da metrossístole é mais curta (70 s) que a real, obtida pelo registro da pressão amniótica (200 s). A palpação das contrações torna-se muito difícil quando o tônus uterino está acima de 30 mmHg, e além de 40 mmHg não mais se consegue deprimir a parede uterina. As contrações são habitualmente indolores até que sua intensidade ultrapasse 15 mmHg (valor médio para parturientes sem analgotocia). Essa é a pressão mínima para distender o segmento inferior e o colo na fase de dilatação; ou a vagina e o períneo, na fase expulsiva. A duração da dor (60 s) é ligeiramente menor que a permanência da onda contrátil, tal qual é percebida pela palpação. A metrossístole normal é indolor quando não produz distensão do conduto genital – contrações da gravidez, do secundamento e do puerpério. Em algumas puérperas, geralmente multíparas, as contrações uterinas, principalmente na ocasião da mamada, provocam dor (tortos) de mecanismo desconhecido. 10 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA Figura 8 - Principais etapas da contração uterina FISIOLOGIA DAS CONTRAÇÕES UTERINAS UNIDADE CONTRÁTIL MIOMETRIAL A contração uterina depende da interação dos componentes do complexo proteico entre si, que é modulada pela ação da enzima cínase da cadeia leve de miosina. Essa enzima é influenciada por três sistemas reguladores: cálcio, calmodulina e monofosfato de adenosina cíclico (AMP cíclico). Os dois primeiros formam um complexo que ativa a cínase da cadeia leve de miosina, enquanto o AMP cíclico inibe a sua atividade enzimática. Por sua vez, a cínase da cadeia leve de miosina, quando ativada, modula a fosforilação da miosina, ao nível da cadeia leve, permitindo dessa forma uma interação das duas proteínas do mas reguladores da cínase da cadeia leve de miosina estão inter-relacionados e respondem a ações hormonais e a agentes farmacológicos. A progesterona, principal hormônio da gravidez, consolida as ligações do cálcio no retículo sarcoplasmático, reduzindo assim a fração livre disponível de cálcio intracelular e, consequentemente, elevando o limiar de excitabilidade da fibra miometrial.6 Esse fato torna o útero quiescente e foi descrito como bloqueio progestagênico. De forma inversa, as prostaglandinas também modulam o fluxo de cálcio por meio de alterações na permeabilidade da membrana celular, o que leva ao aumento dos níveis intracelulares de cálcio e favorece a contração das fibras. Somado a isso, as células musculares comunicam-se umas com as outras via conexões proteicas denominadas gap junctions (conexinas). Essas conexões facilitam a sincronização e a transmissão dos estímulos eletrofisiológicos, aumentam em número com a progressão da gestação e 11 VALESSA VALENÇA | HAM VII | 2021.2 | OBSTETRÍCIA estão sob a influência dos esteroides placentários, sendo o estrógeno o principal responsável pelo aumento da concentração dessas proteínas de conexão. Entre as principais características das células musculares miometriais, podem ser citadas a sua baixa sensibilidade a estímulos dolorosos, a excitabilidade, a capacidade elástica, a tonicidade e a capacidade contrátil. • SENSIBILIDADE DOLOROSA: é discreta no colo e no corpo uterino. A queixa dolorosa relatada pelas pacientes relaciona-se, na cesárea, ao manuseio do peritônio. Durante o parto por via vaginal, ela coincide com a contração e resulta da projeção da apresentação fetal contra o segmento inferior e da compressão dos órgãos vizinhos. Contrações com intensidade de 40 a 50 mmHg não são identificadas pelas gestantes. • EXCITABILIDADE: as fibras miometriais podem ser excitadas. A resposta uterina a eventos estressantes está relacionada à produção de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e é seguida por alterações da contratilidade, por vezes associadas ao trabalho de parto prematuro. • ELASTICIDADE: a capacidade elástica do miométrio é representada pelas características de extensibilidade e retratilidade. – Extensibilidade: diz respeito à capacidade de adaptação da parede miometrial às alterações do conteúdo uterino ao longo da gestação e, principalmente, no trabalho de parto. – Retratilidade: por outro lado, a redução abrupta do volume de líquido amniótico (rotura das membranas ovulares) é seguida pelo encurtamento das fibras contráteis miometriais (com aumento de sua espessura), mantendo-se praticamente inalterado o tônus uterino. Na expulsão fetal, à medida que a apresentação avança pelo canal de parto, a parede uterina, por causa da retratilidade, mantém-se adaptada sobre o corpo fetal. Após a expulsão do feto, a parede adapta-se sobre a placenta. Depois da dequitação, ainda em razão da retratilidade, as fibras miometriais comprimem os vasos que as atravessam, garantindo a hemostasia local (o que caracteriza clinicamente o chamado “globo vivo de Pinard”). • TONICIDADE: é representada pela pressão intrauterina no intervalo de duas contrações. Pode estar alterada para mais (hipertonia) ou para menos (hipotonia). Apesar do aumento ou da redução moderada do conteúdo uterino, normalmente seus valores pouco se alteram. • CONTRATILIDADE:o útero apresenta atividade contrátil durante toda a gestação. Essas contrações são de dois tipos: de alta frequência e baixa amplitude (tipo A), geralmente localizadas, com frequência de 1 contração/ min e intensidade de 2 a 4 mmHg; e de alta amplitude (contrações de Braxton Hicks ou tipo B), cuja intensidade é de 10 a 20 mmHg e se difundem de forma parcial ou total pelo útero. Sua frequência aumenta progressivamente com a evolução da gestação, tendo acréscimo máximo nas quatro semanas que antecedem o parto. Antes de 28 semanas de gestação, elas são quiescentes e, a partir de então, há aumento gradual e coordenado na frequência e na intensidade. O início do trabalho de parto é marcado pela ocorrência de duas contrações a cada 10 minutos, com intensidade de 20 a 40 mmHg.
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