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Contrações uterinas A contração uterina depende da interação dos componentes do complexo proteico entre si, miosina e actina, que é modulada pela ação da enzima cínase da cadeia leve de miosina. Essa enzima é influenciada por três sistemas reguladores: cálcio, calmodulina e monofosfato de adenosina cíclico (AMP cíclico). Os dois primeiros formam um complexo que ativa a cínase da cadeia leve de miosina, enquanto o AMP ádico inibe a sua atividade enzimática. Por sua vez, a cínase da cadeia leve de miosina, quando ativada, modula a fosforilação da miosina, ao nível da cadeia leve, permitindo dessa forma uma interação das duas proteínas do complexo e possibilitando a contração local. Esses três sistemas reguladores da cinase da cadeia leve de miosina estão inter-relacionados e respondem a ações hormonais e a agentes farmacológicos. A progesterona, principal hormônio da gravidez, consolida as ligações do cálcio no retículo sarcoplasmático, reduzindo assim a fração livre disponível de cálcio intracelular e, consequentemente, elevando o limiar de excitabilidade da fibra miometrial. Esse fato torna o útero quiescente e foi descrito como bloqueio progestagênico. De forma inversa, as prostaglandinas também modulam o fluxo de cálcio por meio de alterações na permeabilidade da membrana celular, o que leva ao aumento dos níveis intracelulares de cálcio e favorece a contração das fibras. Somado a isso, as células musculares comunicam-se umas com as outras via conexões proteicas denominadas gap junctions (conexinas). Essas conexões facilitam a sincronização e a transmissão dos estímulos eletrofisiológicos, aumentam em número com a progressão da gestação e estão sob a influência dos esteroides placentários, sendo o estrógeno o principal responsável pelo aumento da concentração dessas proteínas de conexão. Características das células musculares miometriais Sensibilidade dolorosa: é discreta no colo e no corpo uterino. A queixa dolorosa relatada pelas pacientes relaciona-se, na cesárea, ao manuseio do peritônio. Durante o parto por via vaginal, ela coincide com a contração e resulta da projeção da apresentação fetal contra o segmento inferior e da compressão dos órgãos vizinhos. Contrações com intensidade de 40 a 50 mmHg não são identificadas pelas gestantes. Excitabilidade: as fibras miometriais podem ser excitadas. A resposta uterina a eventos estressantes está relacionada à produção de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e é seguida por alterações da contratilidade, por vezes associadas ao trabalho de parto prematuro. Elasticidade: a capacidade elástica do miométrio é representada pelas características de extensibilidade e retratilidade. o - Extensibilidade: diz respeito à capacidade de adaptação da parede miometrial às alterações do conteúdo uterino ao longo da gestação e, principalmente, no trabalho de parto. o - Retratilidade: por outro lado, a redução abrupta do volume de líquido amniótico (rotura das membranas ovulares) é seguida pelo encurtamento das fibras contráteis miometriais (com aumento de sua espessura), mantendo-se praticamente inalterado o tônus uterino. Na expulsão fetal, à medida que a apresentação avança pelo canal de parto, a parede uterina, por causa da retratilidade, mantém- se adaptada sobre o corpo fetal. Após a expulsão do feto, a parede adapta-se sobre a placenta. Depois Saúde da mulher Por: ANA CLARA MELO da dequitação, ainda em razão da retratilidade, as fibras miometriais comprimem os vasos que as atravessam, garantindo a hemostasia local (o que caracteriza clinicamente o chamado "globo vivo de Pinard"). Tonicidade: é representada pela pressão intrauterina no intervalo de duas contrações. Pode estar alterada para mais (hipertonia) ou para menos (hipotonia). Apesar do aumento ou da redução moderada do conteúdo uterino, normalmente seus valores pouco se alteram. Contratilidade: o útero apresenta atividade contrátil durante toda a gestação. Essas contrações são de dois tipos: de alta frequência e baixa amplitude (tipo A), 11 geralmente localizadas, com frequência de 1 contração/ min e intensidade de 2 a 4 mmHg; e de alta amplitude (contrações de Braxton Hicks ou tipo B), cuja intensidade é de 10 a 20 mmHg e se difundem de forma parcial ou total pelo útero. Sua frequência aumenta progressivamente com a evolução da gestação, tendo acréscimo máximo nas quatro semanas que antecedem o parto. Antes de 28 semanas de gestação, elas são quiescentes e, a partir de então, há aumento gradual e coordenado na frequência e na intensidade. O início do trabalho de parto é marcado pela ocorrência de duas contrações a cada 10 minutos, com intensidade de 20 a 40 mmHg. O útero, durante o parto, realiza trabalho que poderia ser medido pela soma total das pressões intrauterinas obtidas em cada contração (trabalho uterino total), e seu valor estimado é de 7.000 mmHg para multíparas, chegando a 10.000 mmHg, para primíparas. Uma maneira mais simples de avaliar o trabalho uterino durante o parto é por meio da atividade uterina expressa pelo produto entre a intensidade e a frequência de contrações em 10 minutos, cuja unidade de medida é denominada Unidade Montevidéu (mmHg/10 minutos). Dessa forma, a análise quantitativa da pressão amniótica avalia as contrações uterinas quanto a sua intensidade e sua frequência em determinado intervalo. O tônus uterino representa a menor pressão entre duas contrações. A intensidade de cada contração é dada pela elevação que ela determina na pressão amniótica acima do tônus uterino, e a frequência corresponde ao número de contrações no período de 10 minutos. As contrações são percebidas pela palpação quando sua intensidade é superior a 10 mmHg. Dessa forma, o início e o fim das ondas contráteis não podem ser percebidos o que determina uma subquantificação clínica. A duração clínica da contração uterina (em média 70 segundos, podendo variar de 40 a 100 segundos) é mais curta que a duração real (200 segundos). As contrações uterinas tornam-se dolorosas quando a intensidade é superior a 15 mmHg, valor suficiente para dilatar e distender o útero moldando indiretamente o canal de parto. Esse efeito sobre o útero permanece por cerca de 60 segundos, ao menos em sua forma palpável. O tônus uterino é inferior a 10 mmHg. Contudo, em algumas situações patológicas, ele pode ser superior a 30 mmHg, tornando as contrações imperceptíveis. A principal delas é o descolamento prematuro da placenta, em que não se observa o tônus uterino de repouso. Contrações durante a gestação Durante a gestação, o miométrio apresenta crescimento constante e, em virtude do bloqueio progestagênico, há baixa frequência de contrações. Até por volta de 28 semanas de gestação, as contrações predominantes são as do tipo A, quando então as do tipo B tornam-se mais frequentes, atingindo incremento máximo quatro semanas antes do início do trabalho de parto. Ambos os tipos de contrações estão sujeitos ao bloqueio progestagênico e essas contrações não são dolorosas, tendo como função estimular a circulação fetal. Um fator importante é que o maior incremento do peso fetal se dá a partir de 28 semanas de gestação, o que coincide com a maior frequência das contrações de Braxton Hicks (tipo B). Nas últimas semanas de gravidez, as contrações de Braxton Hicks apresentam frequência maior e, em consequência disso, ocorrem distensão do segmento inferior do útero e pequeno grau de encurtamento cervical, o que justifica a percepção de diminuição do volume do abdome nessa fase (queda do ventre). Constituem motivo frequente de queixas por parte das gestantes, e a conduta frente a queixas de incômodo por causa dessas contrações é simplesmente a administração de antiespasmódicos (escopolamina, por exemplo) e o repouso relativo. Assim, essas contrações absolutamente fisiológicas devem ser bemdistinguidas das contrações dolorosas que de fato modificam o colo, constituindo trabalho de parto. A principal distinção, além da sensação dolorosa, é a ausência de ritmo nas contrações de Braxton Hicks e a sua cessação com a tomada de uterolítico ou com o repouso. Contrações durante o parto O diagnóstico de trabalho de parto se firma diante de contrações uterinas regulares e da modificação cervical progressiva. O início desse trabalho é considerado quando a dilatação atinge 2 cm, estando a atividade uterina compreendida entre 80 e 120 Unidades Montevidéu. As contrações uterinas se iniciam na parte superior do útero, local em que são mais intensas, e se propagam com intensidade decrescente pelo corpo do útero até atingir o segmento inferior. A essas três características das contrações uterinas intraparto são denominadas de tríplice gradiente descendente ou dominância fúndica. A manutenção desse tríplice gradiente descendente é fundamental para o adequado desenrolar do trabalho de parto. Durante a fase de dilatação, a frequência das contrações uterinas é de duas a três em 10 minutos, com intensidade de aproximadamente 30 mmHg; já no período expulsivo, pode chegar a cinco contrações em 10 minutos, com intensidade de 50 mmHg. Nessa fase, soma-se às contrações uterinas a contração voluntária da musculatura abdominal, denominada puxo, cuja função é aumentar a pressão abdominal e facilitar a expulsão do feto. A cada contração uterina, durante o trabalho de parto, admite-se que sejam impulsionados do território placentário cerca de 300 mL de sangue, determinando aumento do retorno venoso ao coração e consequente incremento do volume ejetado na sístole cardíaca. Soma-se a esse incremento, após a expulsão do feto, a diminuição da pressão exercida pelo útero gravídico sobre a veia cava inferior. Esses fenômenos devem ser observados de forma cuidadosa, sobretudo em pacientes cardiopatas ou com síndromes hipertensivas graves, pois o aumento súbito do retorno venoso pode predispor a quadro de edema pulmonar agudo. Contrações no puerpério Após a expulsão fetal, o útero continua a apresentar contrações rítmicas cuja função é propiciar a dequitação fisiológica. Todavia, essas contrações são indolores e, após duas ou três contrações, a placenta é impelida para o canal de parto. Esse primeiro momento do secundamento constitui o chamado tempo corpóreo e dura entre 6 e 10 minutos. As contrações que ocorrem no puerpério imediato têm como principal função auxiliar a dequitação e a hemostasia. Esse fenômeno de miotamponamento determina a "laqueadura viva" dos vasos uterinos e faz com que o útero fique devidamente contraído, o que foi denominado globo de segurança por Pinard. Decorridas as primeiras 12 horas após o parto, registra-se uma contração em 10 minutos, e nos dias subsequentes sua intensidade e sua frequência reduzem-se. Vale salientar que, durante as mamadas, a sucção do leite determina a liberação de ocitocina, o que causa aumento na frequência das contrações e ocasionalmente pode provocar desconforto na puérpera (dor de tortos). Propagação da onda contrátil no útero Na gravidez, a quase totalidade das metrossístoles permanece circunscrita a pequenas áreas do útero, causando elevação de pouca ampliação na pressão amniótica. Ocasionalmente, contrações de Braxton-Hicks mais intensas e menos frequentes se espalham para áreas maiores do órgão. No parto normal, a onda contrátil tem sua origem em dois marca-passos, direito e esquerdo, situados perto das implantações das tubas. O marca-passo direito seria predominante; em algumas mulheres, o esquerdo seria o principal. Ainda se admite o funcionamento alternado: certas ondas nascem do direito e outras, do esquerdo, sem que haja, todavia, interferência entre eles. Do marca-passo a onda se propaga ao resto do útero na velocidade de 2 cm/s, percorrendo todo o órgão em 15 s. O sentido de propagação da onda é predominantemente descendente; apenas em um pequeno trajeto, que se dirige ao fundo, é ascendente. A intensidade das contrações diminui das partes altas do útero para as baixas. No colo, somente a zona próxima ao orifício interno tem tecido muscular liso e pode se contrair, não obstante com força menor que a do segmento e muito inferior à do corpo; o tecido que circunda o orifício externo é desprovido de músculo, sendo, portanto, incontrátil. Diz-se, então, que a onda de contração do parto normal tem triplo gradiente descendente: as metrossístoles começam primeiro, são mais intensas e têm maior duração nas partes altas da matriz do que nas baixas. Essa coordenação do útero parturiente normal determina a soma de efeitos, com elevação regular, de pico único, intensa, da pressão amniótica. Como todas as regiões do órgão se relaxam ao mesmo tempo, a pressão amniótica pode descer ao tônus normal entre as contrações. No útero puerperal, a velocidade de propagação diminui muito (0,2 a 0,5 cm/s), gastando a onda contrátil 1 min para percorrer o trajeto que vai do marca-passo até o segmento inferior. Como consequência, as diferentes partes do útero alcançam de modo sucessivo, e não simultaneamente, como no parto, o máximo de contração, dando características peristálticas às metrossístoles aqui encontradas.
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