Buscar

Notas de Aula

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 94 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 94 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 94 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1.
RAFAEL KAPP
Resumo. Estas notas correspondem ao conteu´do do curso “Ca´lculo Diferencial
e Integral 1”, do primeiro semestre de 2012.
Conteu´do
Introduc¸a˜o 2
Soma de uma P.G e Se´rie Geome´trica 3
A´rea Abaixo da Para´bola 4
Velocidade e´ Derivada 7
Regras de Derivac¸a˜o 11
Retorno a Exponencial 15
O que vem a seguir? 16
1. Nu´meros Reais 18
1.1. Naturais, Inteiros e Racionais 23
1.2. Intervalos 26
1.3. Mo´dulo e Desigualdade Triangular 30
1.4. Teoremas de Heine-Borel e Bolzano-Weierstrass* 31
2. Sequeˆncias de nu´meros reais 34
2.1. Definic¸a˜o e Exemplos 34
2.2. Limites de Sequeˆncias: definic¸o˜es e primeiros exemplos 34
2.3. Operac¸o˜es Aritme´ticas e Passagem do Limite 36
2.4. Sequeˆncias Mono´tonas 39
2.5. O nu´mero e 41
2.6. Desigualdades e Limites e Sequeˆncias de Cauchy 44
3. Limites de Func¸o˜es 49
3.1. Noc¸a˜o intuitiva de limite e primeiras propriedades 49
3.2. Definic¸a˜o de limite 52
3.3. Func¸o˜es Trigonome´tricas e Limite Fundamental 56
Key words and phrases. Nu´meros reais, limites, derivadas, integrais.
1
2 RAFAEL KAPP
4. Func¸o˜es Cont´ınuas 63
4.1. Propriedades de func¸o˜es cont´ınuas 65
4.2. Teorema do Anulamento e Teorema do Valor Intermedia´rio. 68
4.3. Teorema da limitac¸a˜o de func¸o˜es cont´ınuas (Weierstass). 70
4.4. Exponencial e Logaritmo 70
5. Derivadas 78
5.1. Exponencial e Logaritmo 83
5.2. Trigonome´tricas 84
5.3. Regra da Cadeia 85
5.4. Teoremas de Rolle e Valor Me´dio 89
Introduc¸a˜o
E´ evidente que a ementa do curso da´ uma noc¸a˜o muito pa´lida do que e´ a disciplina
”Ca´lculo Diferencial e Integral 1”. No entanto, vamos comec¸ar por isto; logo depois
faremos um ra´pido tour que, espero, esclarecera´ os propo´sitos do curso.
EmentaB
• Nu´meros reais e func¸o˜es.
(1) Nu´meros, axiomas de corpos ordenados
(2) Supremo, valor absoluto
(3) O conceito de func¸a˜o, func¸o˜es compostas, func¸o˜es inversas e gra´ficos
de func¸o˜es.
• Limites e func¸o˜es cont´ınuas.
(4) Limites de sequ¨eˆncias.
(5) Limites e continuidade de func¸o˜es.
(6) Limites laterais e limites infinitos.
• Derivadas.
(5) Secantes, tangentes, taxa de variac¸a˜o.
(6) Ca´lculo de derivadas.
(6)a Regras de derivac¸a˜o.
(6)b Derivac¸a˜o impl´ıcita.
(6)c Derivac¸a˜o ı´nversa.
(6)d Derivadas de ordem superior.
(7) Aplicac¸o˜es de derivadas.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 3
(7)a Func¸o˜es crescentes e func¸o˜es decrescentes.
(7)b Ma´ximos e mı´nimos.
(7)c Teorema do Valor Me´dio.
(7)d Taxas relacionadas.
(7)e Problemas de otimizac¸a˜o.
(7)f Regra de L”Hopital.
• Integrais.
(8) Antiderivadas, integral como a´rea, integrais definidas e indefinidas.
(9) Teorema Fundamental do Ca´lculo.
(10) Te´cnicas de integrac¸a˜o.
(11) Aplicac¸o˜es da integral: a´reas, volumes, comprimento de arco e outras.
(12) Integrais impro´prias.
E´ uma lista extensa de to´picos e ainda assim insuficiente para descrever o curso.
Vamos comec¸ar por alguns resultados que voceˆs possivelmente conhecem.
Soma de uma P.G e Se´rie Geome´trica. B
Sejam x ∈ R e n ∈ N. Vale a seguinte identidade:
xn+1 − 1 = (x− 1) · (xn + xn−1 + xn−2 + xn−3 + · · ·+ x3 + x2 + x1 + x0). (0.1)
O que pode ser justificada pela aplicac¸a˜o da propriedade distributiva.
Quando x 6= 1, a identidade 0.1 equivale a
n∑
k=0
xk =
xn+1 − 1
x− 1 , (0.2)
que e´ a famosa fo´rmula para soma de uma progressa˜o geome´trica de raza˜o x.
Antes de prosseguirmos, e´ preciso dizer o que significa “
∑
”. Esta e´ a letra grega
sigma. Na matema´tica usamos ela para denotar a soma de parcelas indexadas. Ao
longo desta disciplina - na verdade de toda sua graduac¸a˜o - voceˆ vera´ como e´ u´til
esta forma sinte´tica de expressar somas. Na identidade 0.2 ela e´ lida como “a soma
das poteˆncias xk, com k inteiro, variando de 0 ate´ n”.
Por si so´ 0.2 e´ uma expressa˜o e tanto! Mas ha´ mais uma relac¸a˜o que podemos
deduzir a partir dela. Se −1 < x < 1, a medida que tomamos n suficientemente
4 RAFAEL KAPP
grande, a poteˆncia xn+1 se torna cada vez menor; mais precisamente, ela se apro-
xima de 0. Esta frase pode ser resumida como
xn+1 → 0 quando n→∞.
Assim o lado direito de 0.2 fica
1
1− x.
Ja´ que tomamos todos os valores para n, a soma do lado direito fica, uma vez
conclu´ıdo o processo,
∞∑
k=0
xk. (0.3)
A conclusa˜o, para x real no intervalo (−1, 1), na˜o poderia ser mais surpreendente:
1
1− x =
∞∑
k=0
xk. (0.4)
Na˜o percebeu qua˜o interessante e´ esta identidade? Bem, ela nos informa que a
“soma de infinitas parcelas xk” e´, quando −1 < x < 1, igual a singela frac¸a˜o
(1− x)−1!
Quando algo e´ importante, procura-se lhe dar um nome. A “soma de infinitas
parcelas xk” e´ conhecida como se´rie geome´trica de raza˜o x. Um caso particular
e u´til dela e´
2 =
1
1− 12
=
∞∑
k=0
1
2k
.
A´rea Abaixo da Para´bola. B
Dado um retaˆngulo de base b e altura h, sua a´rea e´, como bem sabemos, b ·h. Com
esta informac¸a˜o, se´rie geome´trica e seguindo os passos de Fermat, podemos calcular
a a´rea sob uma para´bola.
Dado b > 0, considere a regia˜o {(x, y) ; 0 ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ x2}. Esta e´ uma
regia˜o sob a para´bola como pode ser vista na figura abaixo.
Agora vamos cobrir por retaˆngulos esta regia˜o. Faremos isto de modo a obter uma
aproximac¸a˜o razoa´vel da a´rea da mesma. Tome 0 < r < 1, considere os pontos
b, br, br2, br3, · · · , brk, · · · sobre o eixo das abcissas. Tomamos cada par de pontos
consecutivos, brk e brk+1, como base do retaˆngulo de altura yk = (br
k)2 = b2r2k.
Na figura abaixo sa˜o representados apenas os treˆs primeiros retaˆngulos.
Por que esta e´ uma boa cobertura por retaˆngulos? Eis a resposta:
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 5
Figura 1. Regia˜o sob a para´bola
Figura 2. Regia˜o coberta por retaˆngulos
• como rk → 0 quando k → ∞, todo o intervalo [0, b] e´ esgotado por bases
de retaˆngulos, exceto o nu´mero 0;
• pelo item anterior e pelas escolhas das alturas dos reteˆngulos, temos que a
colec¸a˜o de todos retaˆngulos cobre a regia˜o abaixo da para´bola;
• para ajustar a a´rea real da regia˜o pela soma das a´reas dos retaˆngulos, basta
tomarmos r cada vez mais pro´ximo de 1.
6 RAFAEL KAPP
A soma das a´reas de todos os retaˆngulos e´
b2(b− br) + (br)2(br − br2) + (br2)2(br2 − br3) + · · ·+ (brn)2(brk − brk+1) + · · ·
=︸︷︷︸
deixando b3(1− r) em evideˆncia
b3(1− r) [1 + r3 + (r3)2 + (r3)3 + · · ·+ (r3)n + · · · ] = b3(1− r) ∞∑
j=0
(r3)j
=︸︷︷︸
por 0.4
b3(1− r)
1− r3 .
A u´ltima expressa˜o fica, se aplicada 0.1,
b3(1− r)
1− r3 =
b3(1− r)
(1− r)(1 + r + r2) =
b3
(1 + r + r2)
.
A soma das a´reas dos retaˆngulos se aproxima, com maior precisa˜o a medida que
r → 1, da a´rea sob a para´bola. Assim,
A´rea de {(x, y); 0 ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ x2} = b
3
3
. (0.5)
Exerc´ıcio 0.1. Calcule a a´rea do conjunto {(x, y) ; 0 ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ √x}.
Exerc´ıcio 0.2. Seja n ≥ 1 um nu´mero natural. Verifique que a a´rea de {(x, y) ; 0 ≤
x ≤ b e 0 ≤ y ≤ xn} e´ igual a bn+1n+1 .
Exerc´ıcio 0.3. Calcule a a´rea do conjunto {(x, y) ; 0 ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ x1/n}.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 7
Velocidade e´ Derivada. B
t− t0
x(t)− x(t0)
Seja x : R→ R uma func¸a˜o que expressa o desloca-
mento x(t) de uma part´ıcula, sobre uma reta, com
respeito a varia´vel temporal t. A velocidade me´dia
entre os instantes t0 e t e´, por definic¸a˜o,
v¯
t0→t
.
=
x(t)− x(t0)
t− t0 .
Este quociente e´ tambe´m a inclinac¸a˜o da reta que
passa pelos pontos (t0, x(t0)) e (t, x(t)).
A
Agora, a medida que o ponto B = (t, x(t)) se
aproxima de A = (t0, x(t0)), a reta que passa
por eles tambe´m se aproxima de uma reta fixa,
que passa pelo ponto A e tangencia o gra´fico da
func¸a˜o neste ponto. Como obtemos a inclinac¸a˜o
desta reta? Como o limite do quociente x(t)−x(t0)t−t0 ,
quando t → t0. Na Mecaˆnica, este limite e´ co-
nhecido como velocidade instantaˆnea. Outro
nome muito usado e´ derivada da func¸a˜o x(t) no
ponto t0.
E´ possivel que na˜o tenha ficado satisfeito com esta explicac¸a˜o. Alguns bons exem-
plos va˜o ajuda´-loa superar este mal-estar.
Exemplo 0.4. Considere x : R→ R, definida por x(t) = 1. Determine a velocidade
instantaˆnea no tempo t = t0. Veja, para t 6= t0
x(t)− x(t0)
t− t0 =
1− 1
t− t0 = 0.
Agora, quando t→ t0, a expressa˜o acima se aproxima de 0. Conclusa˜o: a derivada
de x(t) = 1, no ponto t0, e´ 0.
Exemplo 0.5. Considere x : R→ R, definida por x(t) = t. Determine a velocidade
instantaˆnea no tempo t = t0. Veja, para t 6= t0
x(t)− x(t0)
t− t0 =
t− t0
t− t0 = 1.
8 RAFAEL KAPP
Agora, quando t→ t0, a expressa˜o acima se aproxima de 1. Conclusa˜o: a derivada
de x(t) = t, no ponto t0, e´ 1.
Exemplo 0.6. Considere x : R → R, definida por x(t) = t2. Determine a veloci-
dade instantaˆnea no tempo t = t0. Veja, para t 6= t0
x(t)− x(t0)
t− t0 =
t2 − t20
t− t0 =︸︷︷︸
0.1
XXXX(t− t0)(t+ t0)
XXXt− t0 = t+ t0.
Agora, quando t → t0, a expressa˜o acima se aproxima de 2t0. Conclusa˜o: a
derivada de x(t) = t2, no ponto t0, e´ 2t0.
Exemplo 0.7. Seja n ∈ N. Considere x : R → R, definida por x(t) = tn. Deter-
mine a velocidade instantaˆnea no tempo t = t0.
Novamente aplicaremos a identidade 0.1.
x(t)− x(t0)
t− t0 =
(t− t0)(
n−1∑
k=0
tktn−1−k0 )
t− t0 =︸︷︷︸
0.1
XXXX(t− t0)(
n−1∑
k=0
tktn−1−k0 )
XXXt− t0 = (
n−1∑
k=0
tktn−1−k0 ).
Agora, quando t → t0, a expressa˜o acima se aproxima de ntn−10 . Conclusa˜o: a
derivada de x(t) = tn, no ponto t0, e´ nt
n−1
0 .
Exerc´ıcio 0.8. No exemplo anterior nos referimos a` identidade 0.1. O que aparece
la´ e´ na verdade uma consequeˆncia imediata daquela identidade. Se 1 < n ∈ N e
x, y sa˜o nu´meros reais quaisquer, verifique que
xn − yn = (x− y) ·
n−1∑
k=0
xkyn−1−k.
Exerc´ıcio 0.9. Seja n ∈ N. Se t0 > 0, verifique que a derivada da func¸a˜o x(t) =
t
1
n+1 , no ponto t0, e´ igual a
t
− nn+1
0
n+ 1
.
E´ evidente que ha´ func¸o˜es importantes que na˜o foram descritas acima. Vamos
analisar brevemente quais sa˜o as derivadas das func¸o˜es seno e cosseno. Primeiro
vamos relembrar algumas propriedades que nos sera˜o u´teis.
sin(α+ β) = sin(α) · cos(β) + sin(β) · cos(α), (0.6)
sin(α− β) = sin(α) · cos(β)− sin(β) · cos(α). (0.7)
Agora, subtraindo (0.7) de (0.6) temos
sin(α+ β)− sin(α− β) = 2 sin(β) · cos(α).
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 9
Ao definirmos p = α + β e q = α − β, temos α = p+ q
2
e β =
p− q
2
. Tudo isto
substituido na identidade acima leva a
sin(p)− sin(q) = 2 sin
(
p− q
2
)
· cos
(
p+ q
2
)
. (0.8)
Pronto! Agora podemos calcular a derivada da func¸a˜o seno.
sin(t)− sin(t0)
t− t0 =︸︷︷︸
usando 0.8
2 sin
(
t−t0
2
) · cos ( t+t02 )
t− t0 =
sin
(
t−t0
2
)
t−t0
2
· cos
(
t+ t0
2
)
.
Quando fazemos t→ t0, o fator que envolve o cosseno se aproxima de cos(t0). Para
o outro fator usamos a propriedade, que sera´ provada em breve no curso,
sin(h)
h
→ 1, quando h→ 0 (Limite Fundamental).
Agora podemos concluir que sin′(t0) = cos(t0).
Para o cosseno sa˜o importantes as identidades
cos(α+ β) = cos(α) · cos(β)− sin(α) · sin(β), (0.9)
cos(α− β) = cos(α) · cos(β) + sin(α) · sin(β). (0.10)
De forma similar ao que fizemos para o seno, ao definirmos p = α+ β e q = α− β
temos
cos(p)− cos(q) = −2 sin
(
p+ q
2
)
· sin
(
p− q
2
)
. (0.11)
No ca´lculo da derivada do cosseno usamos praticamente as mesmas ide´ias ja´ em-
pregadas para o seno. Veja:
cos(t)− cos(t0)
t− t0 =︸︷︷︸
usando 0.11
=
−2 sin ( t+t02 ) · sin ( t−t02 )
t− t0 .
Pelo Limite Fundamental e o fato de sin
(
t+t0
2
)
se aproximar de sin(t0), quando
t→ t0,conclu´ımos que cos′(t0) = − sin(t0).
O Ca´lculo e´ bastante versa´til e permite diversas abordagens para um mesmo prob-
lema. E´ para mostrar esta versatilidade que introduziremos a func¸a˜o exponencial
de uma forma pouco usual. Queremos encontrar uma func¸a˜o f(t) tal que
f ′(t) = f(t), para todo t ∈ R. (0.12)
f(0) = 1. (0.13)
Vamos propor diversas tentativas. Cada uma delas produzira´ um erro. Veremos
que estes erros se tornara˜o menores a medida que transcorrer o processo.
0-e´sima tentativa.
10 RAFAEL KAPP
Defina f0(t) = 1, para todo t. E´ claro que ela satisfaz (0.13). Quanto a (0.12), o
melhor que podemos fazer e´ f ′0(t) = 0 = f0(t)− erro0(t), com erro0(t) = 1.
1-e´sima tentativa.
Defina f1(t) = 1 + t, para todo t. Procuramos com esta definic¸a˜o incorporar o erro
anterior, esperando com isto que o erro agora cometido seja menor. E´ claro que ela
satisfaz (0.13). Quanto a (0.12), f ′1(t) = 1 = f1(t)− erro1(t), com erro1(t) = t.
2-e´sima tentativa.
Defina f2(t) = 1 + t + αt
2, para todo t. Sua derivada e´ f ′2(t) = 1 + 2αt. Como
desejamos que exista a maior concordaˆncia poss´ıvel com f2(t), tomamos α =
1
2
.
Quanto a (0.12), f ′2(t) = 1 + t = f2(t)− erro2(t), com erro2(t) =
t2
2
.
3-e´sima tentativa.
Defina f3(t) = 1 + t +
t2
2
+ βt3, para todo t. Sua derivada e´ f ′3(t) = 1 + t + 3βt
2.
Novamente, para haver a maior concordaˆncia poss´ıvel com f3(t), tomamos β =
1
3 · 2 . Quanto a (0.12), f
′
3(t) = 1 + t+
t2
2
= f3(t)− erro3(t), com erro3(t) = t
3
3 · 2 .
(n+ 1)-e´sima tentativa.
Agora podemos intuir uma lei de formac¸a˜o. Defina
fn+1(t) = 1 + t+
t2
2!
+
t3
3!
+ · · ·+ t
n
n!
+
tn+1
(n+ 1)!
.
Esta satisfaz (0.13) e f ′n+1(t) = fn+1(t)− erron+1(t), com erron+1(t) =
tn+1
(n+ 1)!
Chegou a hora de falarmos dos erros.
E´ importante registrarmos que para cada t ∈ R, os erros t
n+1
(n+ 1)!
se aproximam
de 0 quando n → ∞. Mais adiante no curso provaremos esta afirmac¸a˜o. Assim
informalmente podemos concluir que a maneira de na˜o cometer erro algum se faz
com
(1) fn+1(t) =
n+1∑
k=0
tk
k! ;
(2) e tomando n→∞.
Com isto, f(t) =
∞∑
k=0
tk
k! . Tudo e´ muito bonito, mas veremos no curso que e´ preciso
mais cuidado com estes argumentos. Na˜o se preocupe, a conclusa˜o sobre a f esta´
correta.
Foi dito acima que introduziriamos a func¸a˜o exponencial. Chegamos a uma ex-
pressa˜o interessante para a func¸a˜o f(t), tambe´m conclu´ımos que na origem assume
o valor 1 mas ainda na˜o mostramos que ela satisfaz uma propriedade tipica de
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 11
func¸o˜es exponenciais, qual seja, f(s+ t) = f(s) ·f(t) para qualquer par de nu´meros
reais s, t. E´ poss´ıvel fazer isto usando f(t) =
∞∑
k=0
tk
k! . Deixaremos isto para outra
parte do curso. Vamos antes apresentar algumas regras de derivac¸a˜o e logo em
seguida voltar a esta questa˜o.
Regras de Derivac¸a˜o. B
Antes disso, veremos que propriedades possui a derivada com respeito a` adic¸a˜o,
multiplicac¸a˜o e divisa˜o. Para enunciar com clareza estas propriedades e´ necessa´ria
uma boa notac¸a˜o para derivadas. Denotamos a derivada de uma func¸a˜o f(t) num
ponto t0 como f
′(t0) ou
df
dt
(t0). Para que fique bem claro
f ′(t0) =
df
dt
(t0)
.
= lim
t→t0
f(t)− f(t0)
t− t0 . (0.14)
SOMA.
Sejam f(t) e g(t) duas func¸o˜es a valores reais (i.e, f(t), g(t) ∈ R, para todo t). Vale
(f(t) + g(t))− (f(t0) + g(t0))
t− t0 =
f(t)− f(t0)
t− t0 +
g(t)− g(t0)
t− t0 .
Assim, se f e g possuem derivadas no ponto t0, a u´ltima soma se aproxima de
f ′(t0) + g′(t0), quando t→ t0.
Portanto, a derivada da soma e´ a soma das derivadas. Veja um exemplo u´til.
Exemplo 0.10. Seja f : R→ R uma func¸a˜o polinomial, ou seja, da forma f(t) =
n∑
k=0
akt
k, com coeficientes ak ∈ R. Pela regra da derivac¸a˜o da soma:
f ′(t0) =
n∑
k=1
akkt
k−1
0 .
O termo constante a0 na˜o aparece no lado direito pois, como sabemos, sua derivada
e´ 0.
PRODUTO.
Ainda trabalhando com func¸o˜es f e g, vale
f(t) · g(t)− f(t0) · g(t0)
t− t0 =← subtraia e some f(t0) · g(t)
(f(t)− f(t0)) · g(t) + f(t0) · g(t)− f(t0) · g(t0)
t− t0 =← deixe f(t0) em evideˆncia
(f(t)− f(t0)) · g(t) + f(t0) · (g(t)− g(t0))
t− t0 =
(f(t)− f(t0)) · g(t)
t− t0 +
f(t0) · (g(t)− g(t0))
t− t0 .
12 RAFAEL KAPP
Note que g(t) → g(t0) quando t → t0. Assim, quando t → t0 a soma acima se
aproxima de
f ′(t0)g(t0) + f(t0)g′(t0).
Exemplo 0.11. Considere a func¸a˜o h(t) = t2 · sin(t). Ela e´ o produto das func¸o˜es
f(t) = t2 e g(t) = sin(t). A regra de derivac¸a˜o do produto nos diz que a derivada
de um produto de func¸o˜es e´ conhecidase sa˜o conhecidas as derivadas de cada um
dos fatores. Enta˜o podemos aplicar a regra, dado que conhecemos as derivadas de
f(t) e g(t).
dh
dt
(t0) =
df
dt
(t0) · g(t0) + f(t0) · dg
dt
(t0) = 2t0 · sin(t0) + t20 · cos(t0).
QUOCIENTE.
Se g(t) 6= 0 para todo t pro´ximo a t0,
f(t)
g(t) − f(t0)g(t0)
t− t0 =
f(t)g(t0)− g(t)f(t0)
g(t)g(t0)(t− to) =← subtraia e some f(t0) · g(t)
(f(t)− f(t0))g(t0)− (g(t)− g(t0))f(t0)
g(t)g(t0)(t− to) =
(f(t)− f(t0))g(t0)
g(t)g(t0)(t− to) −
(g(t)− g(t0))f(t0)
g(t)g(t0)(t− to) .
Novamente, observe que g(t) → g(t0) quando t → t0. Assim, quando t → t0 a
diferenc¸a acima se aproxima de
f ′(t0)g(t0)
g2(t0)
− g
′(t0)f(t0)
g2(t0)
=
f ′(t0)g(t0)− g′(t0)f(t0)
g2(t0)
.
Exemplo 0.12. A func¸a˜o tangente, com domı´nio R \ {pi2 + kpi; k ∈ Z}, e´ um
exemplo de func¸a˜o quociente
tg(t) =
sin(t)
cos(t)
.
Sua derivada num ponto t0 que de in´ıcio parece dif´ıcil de calcular, e´ em realidade
bastante simples se usarmos a regra do quociente.
tg′(t0) =
cos(t0) · cos(t0)− (− sin(t0) · sin(t0))
cos2(t0)
=
cos2(t0) + sin
2(t0)
cos2(t0)
=
1
cos2(t0)
= sec2(t0).
Exemplo 0.13. Com o aux´ılio da regra do quociente podemos calcular derivadas
de func¸o˜es racionais, isto e´, func¸o˜es dadas por quocientes de polinoˆmios. Vejamos
um exemplo simples. Seja h(t) = t
4
1+t2 . Temos
dh
dt
(t0) =
4t30 · (1 + t20) + t40 · 2 · t0
(1 + t20)
2
.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 13
COMPOSTA DE FUNC¸O˜ES.
Digamos que por necessidade, ou por diversa˜o, voceˆ queira derivar a func¸a˜o h(t) =
sin(t2). Ela na˜o e´ muito complicada, mas com os recursos que temos pode ser dif´ıcil
chegar a resposta. Se observar com calma, vera´ que ela e´ a composic¸a˜o das func¸o˜es
f(z) = sin(z) e z(t) = t2. Portanto, se existir uma regra de derivac¸a˜o de func¸o˜es
compostas poderemos emprega´-la neste caso. Esta regra existe e e´ conhecida pelo
nome de Regra da Cadeia. Abaixo vamos chegar a ela por “meios na˜o muito
l´ıcitos”; neste momento estamos mais preocupados com a conclusa˜o, durante o
curso usaremos argumentos mais claros e precisos. Na˜o se preocupe, a conclusa˜o
estara´ correta.
Sejam f(z) e z(t) func¸o˜es deriva´veis em todos os pontos de seus domı´nios. Vamos
supor ainda que fac¸a sentido h(t) = f(z(t)). Para t0 no domı´nio de z(t) temos,
enquanto z(t) 6= z(t0),
f(z(t))− f(z(t0))
t− t0 =
f(z(t))− f(z(t0))
z(t)− z(t0) ·
z(t)− z(t0)
t− t0 .
Quando t→ t0,
z(t)− z(t0)
t− t0 → z
′(t0).
Tambe´m e´ verdade que z(t)→ z(t0) quando t→ t0, assim
f(z(t))− f(z(t0))
z(t)− z(t0) →︸︷︷︸
t→t0
f ′(z(t0)).
Portanto, quando t→ t0
f(z(t))− f(z(t0))
t− t0 → f
′(z(t0)) · z′(t0).
Dito de outra forma,
d
dt
f(z(t))|t=t0 =
df
dz
(z(t0)) · dz
dt
(t0) .
Exemplo 0.14. A derivada da func¸a˜o h(t) = sin(t2) no ponto t0 =
√
pi
2 e´, em raza˜o
da regra da cadeia, sin(pi4 ) · 2 ·
√
pi
2 =
√
2pi
2 .
Com a regra da cadeia e´ poss´ıvel encontrar a derivada de uma func¸a˜o invert´ıvel
se ja´ for conhecida a derivada de sua inversa. Vamos fazer um exemplo simples e
depois trataremos do caso geral.
Exemplo 0.15. A func¸a˜o f(z) =
√
z, com z > 0, e´ a func¸a˜o inversa de z(t) = t2
(t > 0). Nesse caso, f(z(t)) =
√
t2 = t. Derivando os dois lados da identidade e
14 RAFAEL KAPP
tambe´m usando a regra da cadeia temos
1 =
d
dt
f(z(t)) =
df
dz
(z(t)) · dz
dt
(t) = 2t · df
dz
(z(t)) =⇒ df
dz
(z(t)) =
1
2t
.
Ora, se z = t2, com t > 0, e´ claro que t =
√
z. Assim, ddz
√
z = 1
2
√
z
.
Exerc´ıcio 0.16. Usando a regra da cadeia, como feito acima, determine a derivada
de f(z) = z1/n (n ∈ N).
Exerc´ıcio 0.17. Usando a regra da cadeia, como feito acima, determine a derivada
de f(z) = zm/n (m,n ∈ N).
Em geral, se f(z) e´ a func¸a˜o inversa de z(t) e ambas sa˜o deriva´veis,
t = f(z(t)) =⇒ 1 = df
dz
(z(t)) · dz
dt
(t) =⇒︸︷︷︸
se z′(t)6=0
df
dz
(z(t)) =
1
z′(t)
.
Como t = f(z) e f(z) a´ a inversa de z(t), a expressa˜o final e´ dfdz (z) =
1
z′(f(z)) .
Exemplo 0.18. A func¸a˜o tg(z), quando restrita ao intervalo aberto
(−pi
2 ,
pi
2
)
, possui
tem como func¸a˜o inversa a arctan(t). Pela fo´rmula que acabamos de ver,
d(arctan)
dt
(t) =
1
tg′(arctan(t))
=
1
sec2(arctan(t))
.
E´ isso que a fo´rmula nos da´. E´ claro que gostariamos de melhorar esta expressa˜o
final. No presente caso e´ poss´ıvel melhorar, pois ha´ uma identidade que nos ajuda:
1 + tg2(z) = sec2(z). Por esta identidade e por ser arctan a inversa de tg,
sec2(arctan(t)) = 1 + t2. Conclusa˜o: d(arctan)dt (t) =
1
1+t2 .
Agora voceˆ sera´ capaz de calcular diversas derivadas. Aproveite que agora esta´
envolvido com este assunto para fazer o exerc´ıcio seguinte.
Exerc´ıcio 0.19. Calcule as derivadas.
cot(t) =
cos(t)
sin(t)
csec(t) =
1
sin(t)
sec(t) =
1
cos(t)
√
1 + x2
arcsen(t) arccos(t)
arccot(t) arccsec(t)
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 15
Retorno a Exponencial. B
Dissemos la´ atraz que a func¸a˜o exponencial e´ definida pelas relac¸o˜es 0.12 e 0.13.
Faltou mostrarmos que f(s + t) = f(s) · f(t), para quaisquer nu´meros reais s e
t. Fazendo passso-a-passo fica mais fa´cil de entender. No desenvolvimento da
justificativa precisamos do resultado:
Se f ′(t) = 0 para cada t no intervalo I enta˜o ela e´ constante neste intervalo.
Primeiro Passo: f(t) · f(−t) = f(0) = 1.
Aplicando em sequeˆncia a regra do produto e a regra da cadeia temos
d
dt
f(t)f(−t) = df
dt
(t)f(−t) + f(t) d
dt
f(−t) = df
dt
(t)f(−t)− f(t)df
dt
(−t)f(t) =︸︷︷︸
por 0.12
f(t)f(−t)− f(t)f(−t) = 0.
Assim f(t)f(−t) e´ constante. Dado que f(0)f(−0) = 1 · 1 = 1, concluimos que
f(t)f(−t) = 1.
Segundo Passo: f(s+ t) · f(−t) = f(s) para quaisquer t e s.
Para cada s fixado, f(s + t) · f(−t) e´ uma func¸a˜o na varia´vel t. Se derivarmos
segundo t,
df
dt
(t+ s) · f(−t)− f(s+ t) · df
dt
(−t) =︸︷︷︸
por 0.12
f(s+ t) · f(−t)− f(s+ t) · f(−t) = 0.
Portanto f(s + t) · f(−t) e´ constante na varia´vel t. Tomando t = 0 concluimos
que f(s+ t) · f(−t) = f(s). Dai f(s+ t) = f(s)f(−t) . Do primeiro passo sabemos que
1
f(−t) = f(t); isto conclui o resultado.
O que vai faltar por um tempo.
Ainda falta uma justificativa importante: garantir que f(t) esta´ definida para todo
t ∈ R. Bem, temos um curso todo pela frente, acho que da´ para pagar esta d´ıvida!
Por que a func¸a˜o acima e´ uma exponencial?
16 RAFAEL KAPP
Como f(s+ t) = f(s) · f(t) temos
f(2) = f(1 + 1) = f(1) · f(1) = f(1)2
f(3) = f(1 + 2) = f(1) · f(2) = f(1) · f(1)2 = f(1)3
...
f(n) = f(1 + n− 1) = f(1) · f(n− 1) = f(1) · f(1)n−1 = f(1)n
...
Assim, para n ∈ N vale f(n) = f(1)n. Agora para nu´meros racionais da forma 1n ,
com n ∈ N, basta observar que
f
(
1
n
)n
= f
(
1
n
)
· f
(
1
n
)
· · · f
(
1
n
)
· f
(
1
n
)
=
f
(
n∑
k=1
1
n
)
= f(1),
para concluir que f
(
1
n
)
= f(1)
1
n . Agora, para racionais mn , com m,n ∈ N, voceˆ
pode concluir que f
(
m
n
)
= f
(
1
n
)m
= f(1)
m
n . Agora para um nu´mero real qualquer
r, usamos uma sequeˆncia de racionais
(
mj
nj
)
j∈N
que dele se aproxima para definir
f(x) = lim
j→∞
f(mj/nj) e a propriedade tambe´m segue neste caso.
O que vem a seguir? B
Os ca´lculos de a´reas e derivadas, como voceˆ poˆde observar, esta˜o fundamentados
por algum conceito de aproximac¸a˜o. Para nossa sorte ha´ um conceito u´nico que
fundamenta os dois processos: e´ o conceito de limite. Vamos nos ocupar exclu-
sivamente dele por pouco mais de um quarto do curso; mas ele sera´ um conceito
subjacente na maior parte do tempo da disciplina.
Depois estudaremos derivadas. Voceˆ pode entendeˆ-las como velocidades instantaˆneas,
como fizemos em exemplos acima. Ale´m de calcular uma porc¸a˜o delas, voceˆ vera´
como sa˜o fundamentais em aplicac¸o˜es, estudos de func¸o˜es, problemas e otimizac¸a˜o,
etc. Afim de prepara´-lo para os cursos que esta˜o por vir, ao final farei uma nova in-
terpretac¸a˜o de derivadas, coerente com a generalizac¸a˜o para va´rias varia´veis. Esta
e´ uma parte mais abstrata; mas ate´ la´ voceˆ estara´ apto a compreendeˆ-la.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 17
Os ca´lculos de a´reasaparecera˜o dentro do estudo mais amplo de integrais. De
maneira subliminar ja´ calculamos algumas delas quando determinamos as a´reas
das regio˜es acima. Sera´ neste momento, de estudo das integrais, que aprendera´
um dos resultados mais fundamentais da Matema´tica: “O Teorema Fundamental
do Ca´lculo”. Seu enunciado simples estabelece de maneira clara a relac¸a˜o entre
derivadas e integrais.
18 RAFAEL KAPP
1. Nu´meros Reais
Definic¸a˜o 1.1. Um conjunto R e´ chamado conjunto de nu´meros reais e seus ele-
mentos sa˜o nu´meros reais se o seguinte conjunto de condic¸o˜es se verifica, chamado
o sistema de axiomas dos nu´meros reais.
(I) AXIOMAS PARA A ADIC¸A˜O
Uma operac¸a˜o + : R × R → R, (a operac¸a˜o de adic¸a˜o) esta´ definida, atribuindo a
cada para ordenado (x, y) de elementos x e y de R um certo elemento x + y ∈ R,
chamado soma de x e y. Esta operac¸a˜o satisfaz as condic¸o˜es:
1+ Existe um elemento neutro, ou elemento identidade 0 (chamado zero) tal
que
x+ 0 = 0 + x = x,
para todo x ∈ R.
2+ Para cada elemento x ∈ R existe um elemento −x ∈ R, chamado oposto de
x tal que
x+ (−x) = (−x) + x = 0.
3+ A operac¸a˜o + e´ associativa, i.e., a relac¸a˜o
x+ (y + z) = (x+ y) + z,
e´ va´lida para quaisquer elementos x, y, z de R.
4+ A operac¸a˜o + e´ comutativa, i.e.,
x+ y = y + x,
para quaisquer elementos x, y de R.
AXIOMAS PARA A MULTIPLICAC¸A˜O
Uma operac¸a˜o • : R× R→ R esta´ definida, atribuindo a cada par ordenado (x, y)
de elementos x, y de R um certo elemento x · y ∈ R, chamado produto de x e y.
Esta operac¸a˜o satisfaz as seguintes condic¸o˜es:
1• Existe um elemento neutro, ou elemento identidade 1 ∈ R \ {0} (chamado
um) tal que
x · 1 = 1 · x = x,
para todo x ∈ R.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 19
2• Para cada x ∈ R \ {0} existe um elemento x−1 ∈ R, chamado o inverso ou
rec´ıproco de x, tal que
x · x−1 = x−1 · x = 1.
3• A operac¸a˜o • e´ associativa, i.e., a relac¸a˜o
x · (y · z) = (x · y) · z,
e´ va´lida para quaisquer elementos x, y, z de R.
4• A operac¸a˜o • e´ comutativa, i.e.,
x · y = y · x,
para quaisquer elementos x, y de R.
(I,II) A CONEXA˜O ENTRE ADIC¸A˜O E MULTIPLICAC¸A˜O
A multiplicac¸a˜o e´ distributiva com respeito a adic¸a˜o, i.e.,
(x+ y) · z = x · z + y · z,
para todos x, y, z ∈ R. Observe que, pela comutatividade da multiplicac¸a˜o, a
igualdade permanece va´lida se a ordem dos fatores e´ trocada em qualquer um dos
lados.
Se um conjunto X com duas operac¸o˜es - adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o - satisfaz os ax-
iomas apresentados acima, dizemos que ele e´ um CORPO. O exemplo mais familiar
de corpo e´ (Q,+, ·) com a adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o usuais (aquelas que voceˆ conhece
do ensino me´dio); outro exemplo de corpo e´ (C,+.·), o conjunto dos nu´meros com-
plexos com a adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o usuais. No entanto a lista nao para aqui, ha´
outros conjuntos e operac¸o˜es, num primeiro momento muito estranhos, que juntos
formam corpos. Vou dar um exemplo, mas a lista e´ imensa.
Exemplo 1.2. Seja Z3 = {0¯, 1¯, 2¯}, com as operac¸o˜es ⊕, a adic¸a˜o, e �, a multi-
plicac¸a˜o. Estas operac¸o˜es sa˜o definidas pelas tabelas abaixo.
⊕ 0¯ 1¯ 2¯
0¯ 0¯ 1¯ 2¯
1¯ 1¯ 2¯ 0¯
2¯ 2¯ 0¯ 1¯
� 0¯ 1¯ 2¯
0¯ 0¯ 0¯ 0¯
1¯ 0¯ 1¯ 2¯
2¯ 0¯ 2¯ 1¯
Pode ser um pouco tedioso, mas e´ poss´ıvel verificar que (Z3,⊕,�) e´ um corpo, ou
seja, satisfaz os axiomas listados acima.
Apresentei este exemplo e os comenta´rios logo acima para mostrar que ha´ uma
grande variedade de corpos; portanto, se desejamos definir o conjunto dos nu´meros
20 RAFAEL KAPP
reais, devemos prosseguir e adicionar mais axiomas, de modo que no final so´ reste
R.
(III) AXIOMAS DE ORDEM
Entre elementos de R ha´ uma relac¸a˜o ≤, i.e., para elementos x, y ∈ R se pode
determinar se x ≤ y ou na˜o. As seguintes condic¸o˜es devem ser satisfeitas:
0≤ ∀x ∈ R(x ≤ x).
1≤ (x ≤ y) ∧ (y ≤ x)⇒ (x = y).
2≤ (x ≤ y) ∧ (y ≤ z)⇒ (x ≤ z).
3≤ ∀x ∈ R∀y ∈ R(x ≤ y) ∨ (y ≤ x).
A relac¸a˜o ≤ em R e´ chamada desigualdade.
(I, III) A CONEXA˜O ENTRE ADIC¸A˜O E ORDEM EM R
Se x, y, z sa˜o elementos de R, enta˜o
(x ≤ y)⇒ x+ z ≤ y + z.
(II,III) A CONEXA˜O ENTRE MULTIPLICAC¸A˜O E ORDEM EM R
Se x e y sa˜o elementos de R, enta˜o
(0 ≤ x) ∧ (0 ≤ y)⇒ (0 ≤ x · y).
Para o pro´ximo axioma precisamos de algumas definic¸o˜es.
Definic¸a˜o 1.3. Um subconjunto na˜o-vazio X de R e´:
(1) limitado por cima, se existe u ∈ R tal que x ≤ u, para todo x ∈ X- neste
caso u e´ uma cota superior de X;
(2) limitado por baixo, se existe b ∈ R tal que b ≤ x, para todo x ∈ X- neste
caso b e´ uma cota inferior de X;
(3) limitado, se for limitado por cima e por baixo.
Exemplo 1.4. .
a. X = {x; − 1 < x < 1} e´ limitado por cima por qualquer nu´mero u, com
u ≥ 1.
b. X = {x; − 1 < x < 1} e´ limitado por baixo por qualquer nu´mero b, com
b ≤ −1.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 21
O supremo e ı´nfimo, definidos abaixo, podem lhe parecer abstratos e de utilidade
duvidosa. Acho que posso convenceˆ-lo da utilidade mostrando como supremo e
ı´nfimo sa˜o os melhores substitutos do ma´ximo e mı´nimo de um conjunto, respecti-
vamente, quando estes na˜o esta˜o a disposic¸a˜o. O conjunto X, do exemplo acima,
embora seja limitado por cima na˜o possui um maior elemento. Voceˆ pode ficar ten-
tado a responder “Ora, o 1 e´ o maior elemento de X”. Cuidado, embora 1 supere
todos elementos de X e esteja bem “ajustado” a X, ele na˜o e´ o ma´ximo de X pois
na˜o pertence ao conjunto. Coisa parecida acontece com −1: ele esta´ bem ajustado
a X, e´ inferior a qualquer elemento de X mas, por na˜o pertencer ao conjunto, na˜o
e´ o mı´nimo. Quero registrar de maneira precisa estas caracter´ısticas que 1 e −1
possuem em relac¸a˜o a X, agora para outros subconjuntos de R.
Definic¸a˜o 1.5. (Supremo e ı´nfimo).
Dizemos que s e´ um supremo de X ⊂ R, com X 6= ∅, se
(i) s e´ uma cota superior de X e
(ii) se u for outra cota superior de X enta˜o s ≤ u.
Quando X tem um supremo s, escrevemos
s = supX ou s = sup
x∈X
x.
Dizemos que l e´ um ı´nfimo de X ⊂ R, com X 6= ∅, se
(i) l e´ uma cota inferior de X e
(ii) se b for outra cota inferior de X enta˜o b ≤ l.
Quando X tem um ı´nfimo l, escrevemos
l = inf X ou l = inf
x∈X
x.
Exemplo 1.6. O nu´mero 1 e´ o supremo de X = {x; − 1 < x < 1}; −1 e´ seu
ı´nfimo.
Na˜o confunda supremo com ma´ximo e ı´nfimo com mı´nimo. Dizemos que um
nu´mero e´ ma´ximo de um conjunto X se for o supremo deste conjunto e tambe´m
pertercer a ele; se l = inf X ∈ X enta˜o l e´ o mı´nimo de X. No exemplo anterior,
X na˜o possui ma´ximo e na˜o possui mı´nimo.
(IV) AXIOMA DO SUPREMO
Todo subconjunto X de R, na˜o-vazio e limitado superiormente admite um supremo.
22 RAFAEL KAPP
Que consequeˆncia mais palpa´vel traz este axioma? O conjunto dos nu´meros racionais
Q satisfaz todos os outros axiomas, mas na˜o este. Voceˆ deve estar lembrado que
√
2 /∈ Q, por isso e por √2 ser aproxima´vel (por baixo) por racionais o conjunto
{x ∈ Q; x < √2} na˜o possui supremo s ∈ Q. Assim, o conjunto dos nu´meros
racionais na˜o e´ suficiente para registrar todas as medidas de comprimento, deixando
muitos “buracos”. Isto e´ sanado com os nu´meros reais que, por definic¸a˜o, satifazem
o axioma do supremo. Em breve voceˆ vera´ como este axioma molda a imagem que
possuimos do conjunto dos nu´meros reais.
Exceto o axioma do supremo, voceˆ provavelmente ja´ conhece todos os outros listados
na definic¸a˜o 1.1. Abaixo seguem algumas propriedades obtidas diretamente da
definic¸a˜o de R. Tomarei todas como exerc´ıcios. Se lhe parecer que sa˜o o´bvias e
que na˜o e´ necessa´rio demonstra´-las, ao menos tome conhecimento delas para uso
posterior.
a. Consequeˆncias dos Axiomas de Adic¸a˜o
1o Existe um u´nico zero no conjunto dos nu´meros reais.
2o Cada elemento de R tem um u´nico oposto.
3o No conjunto R a equac¸a˜o a+ x = b tem uma u´nica soluc¸a˜o x = b+ (−a).
b. Consequeˆncias dos Axiomas de Multiplicac¸a˜o
1o Existe um u´nico elemento identidade em R.
2o Cada x 6= 0 possui um u´nico inverso x−1.
3o Para cada a ∈ R \ {0}, a equac¸a˜o a · x = b temsoluc¸a˜o u´nica x = b · a−1.
c. Consequeˆncias do Axioma que conecta Adic¸a˜o e Multiplicac¸a˜o
1o Para cada x ∈ R,
x · 0 = 0 · x = 0.
2o x · y = 0⇒ (x = 0) ∨ (y = 0).
3o Para cada x ∈ R,
−x = (−1) · x,
ou seja, o oposto de x e´ igual ao produto do oposto de 1 por x.
4o Para cada x ∈ R,
(−1) · (−x) = x.
5o Para cada x ∈ R,
(−x) · (−x) = x · x.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 23
d. Consequeˆncias dos Axiomas de Ordem A relac¸a˜o de ordem x ≤ y - lida
como “x e´ menor ou igual a y” - tambe´m pode ser escrita como y ≥ x (y e´ maior
ou igual a x); quando x 6= y a relac¸a˜o x ≤ y e´ escrita como x < y (x e´ menor que
y) ou y > x (y e´ maior que x), neste caso e´ chamada de desigualdade estrita.
1o Para cada x e y em R uma, e apenas uma, das relac¸o˜es se verifica:
x < y, x = y, x > y.
2o Para quaisquer x, y, z ∈ R
(x < y) ∧ (y ≤ z)⇒ (x < z),
(x ≤ y) ∧ (y < z)⇒ (x < z).
e. Consequeˆncias dos Axiomas que conectam Ordem com Adic¸a˜o e Mul-
tiplicac¸a˜o
1o Para quaisquer x, y, z, w ∈ R
(x < y) ⇒ (x+ z) < (y + z),
(0 < x) ⇒ (−x < 0),
(x ≤ y) ∧ (z ≤ w) ⇒ (x+ z ≤ y + w),
(x ≤ y) ∧ (z < w) ⇒ (x+ z < y + w).
2o Se x, y, z ∈ R enta˜o
(0 < x) ∧ (0 < y) ⇒ (0 < x · y),
(x < 0) ∧ (y < 0) ⇒ (0 < x · y),
(x < 0) ∧ (0 < y) ⇒ (x · y < 0),
(x < y) ∧ (0 < z) ⇒ (x · z < y · z),
(x < y) ∧ (z < 0) ⇒ (y · z < x · z).
3o 0 < 1.
4o (0 < x)⇒ (0 < x−1) e (0 < x) ∧ (x < y)⇒ (0 < y−1) ∧ (y−1 < x−1).
A terminologia usual permanece va´lida: nu´meros positivos sa˜o aqueles maiores que
0 e negativos, os menores que 0.
1.1. Naturais, Inteiros e Racionais. B
A definic¸a˜o de R permite a construc¸a˜o de N, Z e Q como alguns de seus subcon-
juntos. Vamos comec¸ar por N e sua propriedades mais importantes.
Definic¸a˜o 1.7. Um suconjunto E de R e´ indutivo se:
24 RAFAEL KAPP
(1) 1 ∈ E;
(2) se x ∈ E enta˜o x+ 1 ∈ E.
Quando pensamos em N vem a memo´ria a descric¸a˜o N = {1, 2, 3 · · · , n, n+ 1, · · · }.
Para nossos propo´sitos isto na˜o basta. Se refletir, voceˆ vera´ que uma boa car-
acterizac¸a˜o e´ aquela que descreve N como um conjunto indutivo. Isto ja´ e´ um
passo importante, mas ainda na˜o distingue N de outros conjuntos indutivos: basta
lembrar que R e´ indutivo. A precisa˜o que necessitamos e´ dada pela
Definic¸a˜o 1.8. O conjunto N, dos nu´meros naturais, e´ menor subconjunto indutivo
de R.
A frase “menor subconjunto indutivo” precisa de esclarecimento. Quando a
emprego quero dizer que se E ⊂ R e´ indutivo enta˜o N ⊂ E. A definic¸a˜o de N torna
quase trivial o seguinte teorema.
Teorema 1.9. (Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica - P.I.M.)
Se Y ⊂ N e´ tal que
(H1) 1 ∈ Y e
(H2) y ∈ Y =⇒ y + 1 ∈ Y
enta˜o Y = N
Prova. Nas hipo´teses acima, Y e´ indutivo e Y ⊂ N. Como N e´ o menor indutivo,
N ⊂ Y . Portanto, Y = N. C.Q.D.
Com o P.I.M. fica fa´cil demonstrar va´rios teoremas e identidades. Veja como e´ feito
no exemplo abaixo e depois fac¸a os exerc´ıcios da Lista para a primeira semana, ja´
postada no Moodle.
Exemplo 1.10. Prove que
n∑
k=1
k = n(n+1)2 , para todo n ∈ N.
Resoluc¸a˜o. Para provarmos o resultado basta mostrarmos que o conjunto Y =
{m ∈ N;
m∑
k=1
k = m(m+1)2 } e´ igual a N. Bem, acabamos de ver que P.I.M. da´
condic¸o˜es claras para que isto ocorra. Note que:
•
1∑
k=1
k = 1 = 1(1+1)2 e portanto esta´ verificada H1.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 25
• Se m ∈ Y enta˜o
m∑
k=1
k = m(m+1)2 . Adicionando m + 1 a esta identidade
temos
(m+ 1) +
m∑
k=1
k = (m+ 1) +
m(m+ 1)
2
=⇒
m+1∑
k=1
k =
m(m+ 1) + 2(m+ 1)
2
=
(m+ 1)((m+ 1) + 1)
2
.
Portanto m+ 1 ∈ Y e vale H2.
Assim, pelo PIM Y = N.
Algumas Propriedades
1a. Qualquer subconjunto de nu´meros naturais, na˜o-vazio e que e´ limitado por cima
conte´m um maior elemento.
Prova. Se Y ⊂ N e´ um subsonjunto nestas condic¸o˜es, segue do axioma do supremo
que ele possui um u´nico supremo s ∈ R. Pela definic¸a˜o de supremo, existe n ∈ Y
natural com s − 1 < n ≤ s. Enta˜o n = maxE, dado que um natural maior que n
deve ser, ao menos, n+ 1 e n+ 1 > s. C.Q.D.
2a O conjunto N na˜o e´ limitado por cima.
Do contra´rio N teria um maior elemento. Isto na˜o pode ocorrer, pois tal elemento,
digamos n, seria inferior a seu sucessor n+ 1, tambe´m um nu´mero natural. C.Q.D
3a Qualquer subconjunto nao-vazio de inteiros que e´ limitado por cima possui um
maior elemento
Prova. Basta repetir a prova da primeira propriedade, trocando N por Z.
4a Qualquer subconjunto nao-vazio de inteiros que e´ limitado por baixo possui um
menor elemento
5a O conjunto Z na˜o e´ limitado, por baixo ou por cima.
6a (Princ´ıpio de Arquimedes) Para cada m > 0 e qualquer x ∈ R existe um u´nico
k ∈ Z tal que (k − 1)m ≤ x < km.
Prova. Como Z na˜o e´ limitado por cima, {n ∈ Z| xm < k} e´ um subconjunto
na˜o-vazio de nu´meros inteiros; note ainda que ele e´ limitado por baixo pois de sua
26 RAFAEL KAPP
definic¸a˜o sabemos que xm e´ uma de suas cotas inferiores. Agora, pela 4
a propriedade
este conjunto possui menor elemento k; logo (k − 1) ≤ xm < k. Dado que m > 0,
vale (k−1)m ≤ x < km. Quando um conjunto possui menor elemento, este e´ u´nico
(verifique), portanto k e´ o u´nico inteiro com a propriedade descrita no enunciado.
C.Q.D.
Corola´rios (resultados imediatos) do Princ´ıpio de Arquimedes
7a Para cada � > 0 existe n ∈ N tal que 0 < 1n < �.
Prova. Pelo princ´ıpio de Arquimedes, existe n ∈ Z tal que 1 < n�. Como 0 < n�
e 0 < � temos 0 < n. Conclusa˜o: 0 < 1n < �. C.Q.D.
8a Se x ∈ R e´ tal que 0 ≤ x e x < 1n , para todo n ∈ N enta˜o x = 0
9a Para cada par de nu´meros reais a, b, com a < b, existe r ∈ Q tal que a < r < b.
Prova. A 7a propriedade garante que ha´ n ∈ N tal que 0 < 1n < b − a. Pelo
princ´ıpio de Arquimedes, existe m ∈ Z tal que m−1n ≤ a < mn .
Afirmamos que mn < b. Do contra´rio,
m− 1
n
≤ a < b ≤ m
n
=⇒ 1
n
=
m
n
− m− 1
n
> b− a,
o que contradiz a escolha de n. Portanto, r = mn ∈ Q possui a propriedade re-
querida. C.Q.D.
Exerc´ıcio 1.11. A 9a propriedade parece esta´tica, ao menos na forma apresentada
acima. Essa e´ uma falsa impressa˜o. Como outras propriedades do Ca´lculo, e´ preciso
aplica´-la sucessivas vezes para um mesmo problema para afinal perceber a dinaˆmica
envolvida. Tome um nu´mero real qualquer y e aplique a 9a propriedade para os
pares y e y+ 1n , com n ∈ N; chame de rn o racional obtido pela aplicac¸a˜o da 9a em
cada caso. O que acontece com rn quando n→∞?
10a Para todo x ∈ R existe um u´nico k ∈ Z, daqui por diante chamado parte inteira
de x, tal que k ≤ x < k + 1
Denota-se a parte inteira de x por bxc. O inteiro k + 1, que e´ o primeiro inteiro
maior que x, denota-se por dxe.
1.2. Intervalos. B
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 27
Podemos dispor os nu´meros reais sobre uma reta, de maneira biun´ıvoca e respei-
tando a relac¸a˜o de ordem.
−4 −3 −2 −1 1 2 3 4 5 6 7 80
Com esta identificac¸a˜o, fica mais clara a representac¸a˜o de certos subconjuntos es-
peciais de R: os intervalos. Intervalos sa˜o definidos da forma usual. Se a e b sa˜o
nu´meros reais,
• [a, b] = {x ∈ R; a ≤ x ≤ b}, um intervalo limitado e fechado de extremos a
e b;
• ]a, b] = {x ∈ R; a < x ≤ b}, um intervalo limitado, aberto em a e fechado
em b;
• ]a, b[= {x ∈ R; a < x < b}, um intervalo aberto e limitado de extremos
(claro, na˜o incluidos) a e b;
• ]−∞, b] = {x ∈ R; x ≤ b}, um intervalo fechado, ilimitado inferiormente e
limitado superiormente por b;
• ] −∞, b[= {x ∈ R; x < b}, um intervalo aberto, ilimitado inferiormente e
limitado superiormente por b;
• [a,∞[= {x ∈ R; a ≤ x}, um intervalo fechado, ilimitado superiormente e
limitado inferiormente por a;
• ]a,∞[= {x ∈ R; a < x}, um intervalo aberto, ilimitado superiormente e
limitado inferiormente por a;
• ]−∞,∞[= R.
Vejamos agora uma propriedade de forte apelo geome´trico relativa a intervalos: a
propriedade dos intervalos encaixantes ou “Princ´ıpio de Cauchy-Cantor”.
Lema 1.12. Para cada sequeˆncia encaixante I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · · , de interva-
los fechados, ha´ um nu´mero real c que pertence a todos os intervalos da sequeˆncia.
Ale´m disso, se e´ verdadeque para cada � > 0 existe n tal que bn−an < �, o nu´mero
c e´ u´nico.
Prova.Para dois intervalos quaisquer desta sequeˆncia, digamos Im = [am, bm] e
Im = [an, bn], vale am ≤ bn. Do contra´rio, an ≤ bn < am ≤ bm, ou seja, Im e In sa˜o
disjuntos; mas isto e´ uma contradic¸a˜o, dado que o de ı´ndice maior conte´m aquele de
ı´ndice menor, afinal por hipo´tese a sequeˆncia de intervalos e´ encaixante. Concluimos
que cada elemento de B = {bn|n ∈ N} e´ uma cota superior para A = {am|m ∈ N}.
Pelo axioma do supremo existe c = supA. Logo an ≤ c ≤ bn para todo n ∈ N.
28 RAFAEL KAPP
Agora, se c1 < c2 sa˜o nu´meros pertencentes a todo intervalo da sequeˆncia, an ≤
c1 < c2 ≤ bn; logo 0 < c2 − c1 ≤ bn − an. Isto nos garante que na˜o ha´ intervalo
da sequeˆncia com comprimento inferior a c2 − c1. Assim, se ha´ intervalos de com-
primentos arbitrariamente pequenos na sequeˆncia so´ pode haver um u´nico ponto c.
C.Q.D.
Exemplo 1.13. O resultado acima e´ va´lido para intervalos na˜o fechados? Sem
hipo´teses adicionais a resposta e´ na˜o. Veja, a sequaˆncia (Jn)n∈N com intervalos
definidos por Jn =]0,
1
n [ e´ encaixante. No entanto, na˜o existe c ∈ ∩n∈NJn; para
existir, tal nu´mero seria maior que 0 e menor que qualquer 1/n, uma flagrante
contradic¸a˜o com a 8a propriedade.
O princ´ıpio dos intervalos encaixantes e´ importante por pelo menos mais uma raza˜o.
Com ele podemos provar facilmente que a equac¸a˜o x2 = 2 possui uma u´nica soluc¸a˜o
real positiva. Para que esta conclusa˜o fique mais interessante vou mostrar antes
que a mesma equac¸a˜o na˜o possui soluc¸a˜o em Q.
Prova. Suponha, por absurdo, que ha´ uma frac¸a˜o irredut´ıvel p/q, i. e., com p e q
relativamente primos, tal que p
2
q2 = 2. Enta˜o
p2 = 2q2 =⇒ 2 divide p2 =⇒ 2 divide p;
neste caso p = 2k, para algum k ∈ N. Com esta nova expressa˜o de p, 4k2 = 2q2,
logo
2k2 = q2 =⇒ 2 divide q2 =⇒ 2 divide q.
Portanto q = 2m, para algum m ∈ N; assim p = 2k e q = 2m possuem 2 como
fator comum, o que e´ uma contradiz o fato de p e q serem relativamente primos
(absurdo!). C.Q.D.
Exerc´ıcio 1.14. Prove que a equac¸a˜o x2 − 3 = 0 na˜o possui soluc¸a˜o raconal posi-
tiva.
Ha´ um crite´rio simples para determinar a irracionalidade de certos nu´meros reais.
Deixo ele na forma de exerc´ıcio.
Exerc´ıcio 1.15. Seja y(x) =
n∑
i=0
aix
i um polinoˆmio com coeficientes inteiros. Se
p
q e´ um racional na forma reduzida, i.e. mdc(p,q)=1, e e´ uma raiz de y(x) enta˜o
q|an e p|a0.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 29
Exerc´ıcio 1.16. Use o exercicio anterior para provar que se n ∈ N na˜o e´ o
quadrado de nu´mero natural algum enta˜o a equac¸a˜o x2 = n na˜o possui soluc¸a˜o
racional.
Teorema 1.17. A equac¸a˜o x2 = 2 possui uma u´nica soluc¸a˜o real positiva.
Prova.Cada escolha de nu´mero inteiro nos passos abaixo e´ garantida pela 3a pro-
priedade.
0o Tome o maior inteiro A0 tal que A
2
0 < 2. Neste caso, A
2
0 < 2 < (A0 + 1)
2.
Defina a0 = A0 e b0 = A0 + 1. Note que b0 − a0 = 1.
1o Tome o maior inteiroA1 tal que (a0+
A1
10 )
2 < 2. Neste caso, (a0+
A1
10 )
2 < 2 <
(a0 +
A1+1
10 )
2. Defina a1 = a0 +
A1
10 e b1 = a0 +
A1+1
10 . Note que b1−a1 = 110
e a0 ≤ a1 ≤ b1 ≤ b0.
2o Tome o maior inteiro A2 tal que (a1 +
A2
102 )
2 < 2. Neste caso, (a1 +
A2
102 )
2 <
2 < (a1 +
A2+1
102 )
2. Defina a2 = a1 +
A2
102 e b2 = a1 +
A2+1
102 . Note que b2 −
a2 =
1
102 e a1 ≤ a2 ≤ b2 ≤ b1.
• ...
no Tome o maior inteiro An tal que (an−1 + An10n )
2 < 2. Neste caso, (an−1 +
An
10n )
2 < 2 < (an−1 + An+110n )
2. Defina an = an−1 + An10n e bn = an−1 +
An+1
10n .
Note que bn − an = 110n e an ≤ an−1 ≤ bn−1 ≤ bn.
• ...
Contruimos assim uma sequeˆncia (In)n∈N de intervalos encaixantes, com In =
[an, bn]. Como bn − an = 110n , para esta sequeˆncia de intervalos e´ verdade que
para cada � > 0 existe k ∈ N tal que bk − ak < �. Conluimos que ha´ um u´nico
α ∈ ∩n∈NIn. Afirmamos que α2 = 2. De fato,
0 ≤ an ≤ α ≤ bn,∀n ∈ N =⇒ a2n ≤ α2 ≤ b2n,∀n ∈ N
Sabemos, a partir da construc¸a˜o dos intervalos, que a2n ≤ 2 ≤ b2n, para todo n ∈ N.
Como b2n − a2n = (bn + an)(bn − an) ≤ 2b0(bn − an) ≤ 2b0 · 110n , segue da segunda
parte do princ´ıpio de intervalos encaixantes que ha´ um u´nico ponto na intersec¸a˜o
∩n∈N[a2n, b2n]. Portanto, α2 = 2. C.Q.D.
A soluc¸a˜o real positiva de x2 = 2 e´ denotada por
√
2. O teorema acima admite
generalizac¸a˜o, conforme o exerc´ıcio abaixo.
30 RAFAEL KAPP
Exerc´ıcio 1.18. Seja n ∈ N um natural maior que 1. Dado 0 < a ∈ R qualquer,
prove que existe uma u´nica soluc¸a˜o real positiva para a equac¸a˜o xn = a. (Dica:
siga os mesmos passos da demonstrac¸a˜o acima).
Agora sabemos que
√
2 ∈ R \ Q. Assim vale a pena garantir uma versa˜o ana´loga
da 9a propriedade.
Exerc´ıcio 1.19. 9a (versa˜o para irracionais) Para cada par de nu´meros reais a, b,
com a < b, existe q ∈ R\Q tal que a < q < b. (Dica: siga os passos da demonstrac¸a˜o
da 9a propriedade).
Entre va´rias utilidades de intervalos, lembro que podemos usa´-los para denotar
conjuntos-soluc¸o˜es inequac¸o˜es.
Exemplo 1.20. Resolva a inequac¸a˜o x−9x+1 < 0.
O quociente de dois nu´meros reais e´ negativo se, e so´ se, numerador e denomi-
nador tem sinais opostos. Portanto, resolver a inequac¸a˜o equivale a determinar os
conjuntos
(a) A = {x ∈ R; x− 9 < 0 e x+ 1 > 0} e
(b) B = {x ∈ R; x− 9 > 0 e x+ 1 < 0}.
Note que A = {x ∈ R; x < 9 e x > −1} = {x ∈ R; − 1 < x < 9} =] − 1, 9[. O
conjunto B e´ evidentemente vazio. Portanto, o conjunto soluc¸a˜o da inequac¸a˜o e´
]− 1, 9[.
Exerc´ıcio 1.21. Resolva as inequac¸o˜es. Quando poss´ıvel expresse o conjunto
soluc¸a˜o como intervalo ou reunia˜o de intervalos.
(a)
2x− 1
x+ 1
< 0 (b) (2x− 1)(x+ 3) ≤ 0
(c)
1− x
3− x ≥ 0 (d) 3x
2 − x
(e) (1− x)(x2 − 2x+ 1) (f) 5x+ 3
x2 + 1
≥ 5
1.3. Mo´dulo e Desigualdade Triangular. B
O mo´dulo de um nu´mero real x e´ definido por
|x| .=
{
x, se x ≥ 0,
−x, se x < 0.
Algumas propriedades do mo´dulo sa˜o imediatas:
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 31
(1) |x| ≥ 0, ∀x ∈ R;
(2) |x|2 = x2
(3) |x| ≤ t⇐⇒ −t ≤ x ≤ t;
(4) |x · y| = |x| · |y|.
A menos evidente, por isso usada com pouco cuidado pelo iniciante, e´ a Desigual-
dade Triangular. Para quaisquer x, y ∈ R vale
|x+ y| ≤ |x|+ |y| (Desigualdade Triangular) (1.1)
Para demonstra´-la usarei o seguinte lema cuja prova deixarei como exerc´ıcio.
Lema 1.22. Se 0 ≤ a e 0 ≤ b sa˜o tais que a2 ≤ b2 enta˜o a ≤ b.
Prova da Desigualdade Triangular. Sejam x e y nu´meros reais quaisquer, vale
|x+ y|2 = (x+ y)2 = x2 + 2xy + y2≤|x|2 + 2|x||y|+ |y|2 = (|x|+ |y|)2.
Pelo Lema 1.22 segue que |x+ y| ≤ |x|+ |y|. C.Q.D
Aproveite e demonstre que
|x− y| ≥ |x| − |y|,
|x− y| ≥ |y| − |x|,
||x| − |y|| ≤ |x− y|,
para quaisquer x, y reais.
Exerc´ıcio 1.23. Elimine o mo´dulo
(a) |x+ 1|+ |x| (b) |x− 2| − |x+ 1|
(c) |2x− 1|+ |x− 2| (d) |x|+ |x− 1|+ |x− 2|
Exerc´ıcio 1.24. Resolva as inequac¸o˜es.
(a) |2x− 3| > 1 (b) |x− 2| ≤ |2x− 3|
(c) |2x− 1| < |x− 2| (d) |x− 1|+ |x− 2| > 1
1.4. Teoremas de Heine-Borel e Bolzano-Weierstrass*. Os dois pro´ximos
resultados sera˜o utilizados mais adiante no curso. Se desejar, voceˆ podera´ evita´-los
numa primeira leitura e so´ retornar a eles quando forem citados ao longo do curso.
Pec¸o apenas que leia as definic¸o˜es desta sec¸a˜o e os enunciados dos teoremas.
32 RAFAEL KAPP
Definic¸a˜o 1.25. Um sistema S = {X}, formado por conjuntos X, e´ chamado de
cobertura de um conjunto Y se Y ⊂ ⋃
X∈S
X, i. e., cada elemento y ∈ Y pertence a
ao menos um conjunto X do sistema S.
Teorema 1.26. (Heine-Borel)
Todo sistema de intervalos abertos que cobre um intervalo limitado e fechado [a, b]
possui subsistema finito que tambe´m cobre [a, b].
Prova. Seja S = {U} um sistema de intervalos abertos U que cobre o intervalo
[a, b] = I1. Se I1 na˜o puder ser coberto por um subsistema finito de S enta˜o, ao o
dividirmos pela metade, ao menos uma destas metades, digamos o intervalo fechado
I2, tambe´m na˜o admite cobertura finita. Repetimos este processo para I2 e assim
por diante.
Dessa maneira formamos uma sequeˆncia encaixanteI1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · · ,
de intervalos limitados e fechados. Como |In| = |I1|2−n, segue do princ´ıpio dos
intervalos encaixantes (segunda parte) que ha´ um u´nico c ∈ ⋂
n∈N
In.
Como c ∈ I1, existe um intervalo aberto ]α, β[= U ∈ S que conte´m c, ou seja,
α < c < β. Seja � = min(c−α, β− c). Na sequeˆncia constru´ıda podemos encontrar
In com |In| < �. Como c ∈ In e |In| < �, conclu´ımos que In ⊂ U =]α, β[. Mas
isto contradiz a hipo´tese de In na˜o poder ser coberto por uma quantidade finita de
intervalos do sistema. C.Q.D.
Chamamos de vizinhanc¸a de um ponto x ∈ R a qualquer intervalo aberto que
contenha x; chamamos de δ−vizinhanc¸a em torno de x o intervalo ]x− δ, x+ δ[.
Definic¸a˜o 1.27. Um ponto p ∈ R e´ chamado de um ponto limite do conjunto
X ⊂ R se cada vizinhanc¸a de p conte´m uma infinidade de pontos de X.
Exemplo 1.28. (a) O nu´mero 0 e´ o u´nico ponto limite de X = { 1n |n ∈ N}.
(b) Qualquer nu´mero real e´ um ponto limite de X = Q; pois, como ja´ vimos,
todo intervalo aberto conte´m um nu´mero racional.
Teorema 1.29. (Bolzano-Weierstrass)
Todo conjunto de nu´meros reais que e´ limitado e possui infinitos pontos tem ao
menos um ponto limite.
Prova. Seja X ⊂ R nas condic¸o˜es acima. Como ele e´ limitado, ele esta´ contido
num intervalo limitado e fechado I. Vamos provar que ao menos um ponto de I e´
ponto limite de X.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 33
Suponha que na˜o; enta˜o cada ponto x ∈ I possui uma vizinhanc¸a U(x) que na˜o
conte´m ponto algum de X ou, no ma´ximo, uma quantidade finita deles. A colec¸a˜o
de todos estas vizinhanc¸as forma uma cobertura de I por intervalos abertos U(x).
Pelo teorema de Heine-Borel, ha´ uma quantidade finita destas vizinhanc¸as, digamos
U(x1), · · · , U(xn), que juntas cobrem I. Como X ⊂ I, elas tambe´m cobrem X.
Dado que cada uma destas vizinhanc¸as tem (no ma´ximo) uma quantidade finita de
pontos de X e elas sa˜o em nu´mero finito, enta˜o X e´ finito; o que e´ uma contradic¸a˜o
com a hipo´tese inicial de X possuir uma quantidade infinita de pontos. CQD
34 RAFAEL KAPP
2. Sequeˆncias de nu´meros reais
2.1. Definic¸a˜o e Exemplos. B
O termo sequeˆncia se refere a uma sucessa˜o de objetos. Neste cap´ıtulo estes objetos
sa˜o nu´meros reais. Uma definic¸a˜o mais precisa de sequeˆncia de nu´meros reais e´:
uma func¸a˜o f : N → R. Se voceˆ ainda na˜o se sente conforta´vel com o termo
“func¸a˜o”, pense em sequeˆncias como listas ordenadas de nu´meros reais.
Exemplo 2.1. Sa˜o exemplos de sequeˆncias:
(1) 1, 2, 3, 4, · · · , n, · · · , a sequeˆncia de todos os nu´meros naturais;
(2) 1,−1, 1,−1, 1, · · · , a sequeˆncia alternada com valores 1 e −1;
(3) 1, 12 ,
1
3 ,
1
4 , · · · 1n , · · · , a sequeˆncia dos inversos dos nu´meros naturais.
(4) 2, 32 ,
4
3 ,
5
4 , · · · , n+1n , · · · , a sequeˆncia formada por frac¸o˜es da forma n+1n , com
n ∈ N;
(5) sin(1)1 ,
sin(2)
2 ,
sin(3)
3 , · · · , sin(n)n , · · · , a sequeˆncia de termo geral sin(n)n , com
n ∈ N.
E´ costume denotar uma sequeˆncia apenas escrevendo seus valores an
.
= f(n) como
(an)n∈N ou simplesmente (an). Esta e´ uma forma muito conveniente pois basta
indicar os valores da sequeˆncia para defin´ı-la. As sequeˆncias do exemplo anterior,
escritas nesta nova notac¸a˜o, ficam:
(1) (an), com cada an definido por an = n;
(2) (an), com cada an definido por an = (−1)n;
(3) (an), com cada an definido por an =
1
n ;
(4) (an), com cada an definido por an =
n+1
n ;
(5) (an), com cada an definido por an
.
= sin(n)n .
Na notac¸a˜o mais enxuta (an)n∈N ficam:
(1) (n)n∈N ;
(2) ((−1)n)n∈N ;
(3)
(
1
n
)
n∈N ;
(4)
(
n+1
n
)
n∈N ;
(5)
(
sin(n)
n
)
n∈N
.
2.2. Limites de Sequeˆncias: definic¸o˜es e primeiros exemplos. B
Voceˆ ja´ deve estar mais habituado com a sequeˆncia
(
1
n
)
pois ela apareceu algumas
vezes no cap´ıtulo anterior e em exerc´ıcios. Alguns experimentos computacionais
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 35
podem convenceˆ-lo, se ja´ na˜o esta´ convencido, que a medida que se toma n cada
vez maior a frac¸a˜o 1n fica mais pro´xima de 0; melhor ainda, podemos encontrar
1
n
ta˜o pro´ximo de zero quanto desejarmos, bastando tomar n suficientemente grande.
Este tipo de processo de aproximac¸a˜o e´ definido de maneira precisa como limite de
sequeˆncia.
Definic¸a˜o 2.2. Uma sequeˆncia de nu´meros reais (an) e´ convergente se existe
a ∈ R tal que: para cada � > 0, exista n0 ∈ N com
|an − a| < � para todo n > n0.
Neste caso dizemos que (an) converge para a ou que a e´ um limite de (an).
Usamos qualquer uma das seguintes notac¸o˜es:
• an → a (n→∞);
• lim
n→∞ an = a;
• an n→∞−→ a.
Ja´ que comec¸amos falando da sequeˆncia
(
1
n
)
, vamos mostrar que seu limite e´ 0;
uma coisa que ja´ intuiamos.
Exemplo 2.3. lim
n→∞
1
n = 0, pois para cada
∣∣ 1
n − 0
∣∣ < � se n > n0 = ⌈ 1� ⌉.
Exemplo 2.4. lim
n→∞
n+1
n = 1, pois
∣∣n+1
n − 1
∣∣ = 1n < � se n > n0 = ⌈ 1� ⌉.
Exemplo 2.5. lim
n→∞
(
1 + (−1)
n
n
)
= 1, pois
∣∣∣(1 + (−1)nn )− 1∣∣∣ = 1n < � se n > n0 =⌈
1
�
⌉
.
Exemplo 2.6. lim
n→∞
sin(n)
n = 0, pois
∣∣∣ sin(n)n − 0∣∣∣ ≤ 1n < � para n > n0 = ⌈ 1� ⌉.
Exemplo 2.7. lim
n→∞
1
qn = 0, se |q| > 1.
O conjunto {|q|j |j ∈ N} na˜o e´ limitado por cima. De fato, como |q| > 1 e´ verdade
que |q| = 1 + x com x > 0 (veja, x = 1 − |q|). Da desigualdade de Bernoulli,
(1 + x)n ≥ 1 + nx para todo n ∈ N.
Para provar a afirmac¸a˜o basta concluir que {nx|n ∈ N} na˜o e´ limitado por cima.
Suponha, por absurdo, que exista u ∈ R tal que nx ≤ u para todo n ∈ N. Dado
que x > 0, temos n ≤ ux para todo n ∈ N; portanto N e´ limitado superiormente por
u
x (absurdo!).
Agora ja´ sabemos que {|q|j |j ∈ N} na˜o e´ limitado por cima; em particular, para
cada � > 0 existe n0 ∈ N tal que |q|n0 > 1� . Visto que |q|n > |q|n0 se n > n0, temos∣∣∣ 1|q|n − 0∣∣∣ = ∣∣∣ 1|q|n ∣∣∣ < � se n > n0.
36 RAFAEL KAPP
Exemplo 2.8. Agora um exemplo de sequeˆncia divergente. A sequeˆncia ((−1)n)n∈N
e´ divergente.
Resoluc¸a˜o. Devemos mostrar que nenhum nu´mero real e´ limite desta sequeˆncia.
Como ela alterna entre os valores 1 e −1, vemos que e´ uma boa estrate´gia dividir
em treˆs casos:
1o 1 na˜o e´ o limite. De fato, para � < 12 ha´ infinitos ı´ndices na forma n = 2k+ 1,
com k ∈ N, tais que |(−1)2k+1 − 1| = 2 > �. Dito de outra forma, na˜o existe n0 tal
que |(−1)n − 1| < � para todo n > n0.
2o −1 na˜o e´ o limite. E´ ana´logo ao primeiro caso se tomarmos n da forma
n = 2k, com k ∈ N.
3o Se a 6= 1 e a 6= −1 enta˜o a na˜o e´ o limite. De fato, para � menor que
|1− a| > 0 e menor que | − 1− a|, vale |(−1)n − a| > � para todo n ∈ N.
Conlu´ımos que a sequeˆncia ((−1)n)n∈N e´ divergente.
2.3. Operac¸o˜es Aritme´ticas e Passagem do Limite. B
Podemos somar, multiplicar e dividir sequeˆncias.
Definic¸a˜o 2.9. Se (an) e (bn) sa˜o duas sequeˆncias de nu´meros reais, a soma,
produto e quociente delas sa˜o definidas por:
(1) (Soma) (an + bn);
(2) (Produto) (an · bn);
(3) (Quociente)
(
an
bn
)
, se bn 6= 0 para todo n ∈ N.
Exemplo 2.10. Considere as sequeˆncias
(
n2
)
n∈N e
(
1
n
)
. Temos:
• que a sequeˆncia (n2 + 1n)n∈N e´ a soma delas;
• que a sequeˆncia (n)n∈N e´ o produto delas;
• que a sequeˆncia (n3)
n∈N e´ o quociente da primeira pela segunda.
O limite de sequeˆncia tem uma boa qualidade, ele comuta com a soma, multiplicac¸a˜o
e divisa˜o de sequeˆncias. Este e´ o conteu´do do pro´ximo teorema.
Teorema 2.11. Sejam (an) e (bn) sequeˆncias de nu´meros reais. Se lim
n→∞ an = a e
lim
n→∞ bn = b enta˜o
a- lim
n→∞(an + bn) = a+ b;
b- lim
n→∞(an · bn) = a · b;
c- lim
n→∞
an
bn
= ab , desde que bn 6= 0 (n = 1, 2, · · · ) e b 6= 0.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 37
Antes de provar este resultado vou mostrar treˆs exemplos de como usa´-lo correta-
mente. Depois apresentarei exemplos de uso incorreto!
Exemplo 2.12. Calcule o limite (se existir) da sequeˆncia
(
1
n +
1
2n
)
.
Resoluc¸a˜o. Lembre-se que nos exemplos 2.3 e 2.7 verificamos que lim
n→∞
1
n = 0 e
lim
n→∞
1
2n = 0 (pois |2| > 1). Nestas condic¸o˜es podemos aplicar o ı´tem (a) do teorema
acima:lim
n→∞
(
1
n
+
1
2n
)
= lim
n→∞
1
n
+ lim
n→∞
1
2n
= 0 + 0 = 0.
Exemplo 2.13. Calcule o limite (se existir) da sequeˆncia
(
(n+1)·(n+2)
n2
)
.
Resoluc¸a˜o. Lembre-se que lim
n→∞
1
n = 0 e limn→∞
n+1
n = 1; enta˜o segue da propriedade
do limite da soma que
lim
n→∞
(
n+ 2
n
)
= lim
n→∞
1
n
+ lim
n→∞
n+ 1
n
= 0 + 1 = 1 (∗) .
Note que (n+1)·(n+2)n2 =
n+1
n · n+2n . Ja´ sabemos que existe o limite de cada fator,
tornando poss´ıvel a aplicac¸a˜o do ı´tem (b) do teorema acima.
lim
n→∞
(n+ 1) · (n+ 2)
n2
= lim
n→∞
n+ 1
n
· n+ 2
n
=
(
lim
n→∞
n+ 1
n
)
·
(
lim
n→∞
n+ 2
n
)
=
1 · 1 = 1.
Exemplo 2.14. Calcule o limite (se existir) da sequeˆncia
(
n
n+1
)
.
Resoluc¸a˜o. Ja´ vimos em exemplo anterior que
(
n+1
n
)
converge para 1. Na˜o temos
problemas em concluir que a sequeˆncia constante (1)n∈N converge para 1. Com
estas informac¸o˜es podemos aplicar a propriedade (c) do teorema acima.
lim
n→∞
n
n+ 1
= lim
n→∞
1
n+1
n
=
lim
n→∞ 1
lim
n→∞
n+1
n
=
1
1
= 1.
Para reforc¸ar as ide´ias desenvolvidas nos exemplos resolva o pro´ximo exerc´ıcio.
Exerc´ıcio 2.15. Seja x ∈ R tal que −1 < x < 1. Verifique que
lim
n→∞
1− xn
1− x =
1
1− x.
Em cada exemplo acima, antes de aplicar a conclusa˜o de cada propriedade verifiquei
se valiam as hipo´teses de cada uma. So´ podemos usar uma propriedade se
todas as hipo´teses dela forem verificadas. Vejamos no exemplo abaixo o que
ocorre se na˜o respeitamos esta simples regra de lo´gica.
38 RAFAEL KAPP
Exemplo 2.16. Como na˜o pode ser feito!
1 = lim
n→∞ 1 = limn→∞(−1)
n · (−1)n =︸︷︷︸
errado
= lim
n→∞(−1)
n · lim
n→∞(−1)
n.
Disto concluimos que lim
n→∞(−1)
n = 1 ou lim
n→∞(−1)
n = −1. No´s ja´ vimos no exemplo
2.8 que nenhuma destas afirmac¸o˜es esta´ correta, pois o limite na˜o existe.
Ainda preciso provar o teorema 2.11. Antes devo apresentar um resultado que vai
facilitar muito sua prova. Comec¸o com algumas definic¸o˜es.
Definic¸a˜o 2.17. Se existe um nu´mero A e um ı´ndice N tais que an = A para todo
natural n > N , dizemos que a sequeˆncia (an) e´ essencialmente constante.
Definic¸a˜o 2.18. Uma sequeˆncia (an) e´ limitada se existe M ∈ R tal que |an| ≤M
para todo n ∈ N.
Lema 2.19. H
a) Uma sequeˆncia essencialmente constante e´ convergente.
b) Cada vizinhanc¸a do limite de uma sequeˆncia conte´m todos os termos da
sequeˆncia a menos (possivelmente) de um nu´mero finito deles.
c) Uma sequeˆncia convergente tem um u´nico limite.
d) Uma sequencia convergente e´ limitada.
Prova.Os ı´tens a e b sa˜o de fa´cil verificac¸a˜o. Vamos nos concentrar em c e d.
c) Seja lim
n→∞ an = A. Tome B 6= A qualquer. Para � <
|A−B|
2 existe n0(�) tal que
|an −A| < �. Este fato juntamente com a desigualdade triangular nos da´
� <
|A−B|
2
= |A−B| − |A−B|
2
< |A−B| − |an −A| < |an −B|,
para n > n0. Assim B na˜o e´ limite da sequeˆncia (an).
d) Digamos que A = lim
n→∞ an. Para � = 1 existe n0 tal que |an − A| < 1. Esta
desigualdade e a triangular nos da˜o
|an| = |an −A+A| ≤ |an −A|+ |A| < 1 + |A|, se n > n0.
Se M = max |a1|, · · · , |an0 |, 1 + |A| enta˜o |an| ≤M , para todo n ∈ N. CQD
Prova do Teorema 2.11.
a. Dado � > 0 existem n′0 e n
′′
0 , naturais, tais que
|an − a| < �
2
, se n > n′0,
|bn − b| < �
2
, se n > n′′0 .
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 39
Logo, para n0 = max(n
′
0, n
′′
0) vale
|(an + bn)− (a+ b)| ≤︸︷︷︸
des. triang.
|an − a|+ |bn − b| < �
2
+
�
2
= �,
se n > n0.
b. Dado � > 0, existem n′0 e n
′′
0 tais que
|an − a| < �
2(|b|+ 1) , se n > n
′
0,
|bn − b| < �
2(|a|+ 1) , se n > n
′′
0 .
Logo, para n0 = max(n
′
0, n
′′
0) e n > n0 vale
|anbn − ab| = |(a− an)b+ a(bn − b)| ≤ |(a− an)b|+ |a(bn − b)| =
|an − a||b|+ |a||bn − b| ≤ |b| �
2(|b|+ 1) + |a|
�
2(|a|+ 1) <
�
2
+
�
2
= �.
c. Esta demonstrac¸a˜o e´ a mais dif´ıcil das treˆs. Primeiro vou usar a hipo´tese
lim
n→∞ bn = b, com b 6= 0, para estimar |bn| por baixo. Tome �
′ = |b|2 > 0; a u´ltima
desigualdade decorre de b 6= 0. Como bn → b, existe n′0 tal que |bn − b| < �′ = |b|2
se n > n′0. Logo, para n > n
′
o, vale
|bn| = |b− (b− bn)| ≥ |b| − |b− bn| ≥ |b|
2
(*)
Assim, a partir de n′0 vale∣∣∣∣anbn − ab
∣∣∣∣ ≤︸︷︷︸
por (*)
2
|ban − abn|
|b|2 (**).
Ja´ este u´ltimo quociente pode ser reescrito como
2
|b(an − a) + a(b− bn)|
|b| ≤
2
|b|2 (|b||an − b|+ |a||b− bn|)
2.4. Sequeˆncias Mono´tonas. B
Na sec¸a˜o anterior calculamos alguns limites de sequeˆncias e vimos que e´ poss´ıvel ex-
pandir a lista de limites computa´veis se considerarmos somas, produtos e quocientes
de sequeˆncias. Ha´ ainda uma classe importante de sequeˆncias a se considerar: a das
sequeˆncias mono´tonas. O que saˆo sequeˆncias mono´tonas? Sa˜o aquelas descritas na
definic¸a˜o abaixo.
Definic¸a˜o 2.20. Uma sequeˆncia (an)n∈N e´:
(1) crescente se an ≤ an+1, para todo n ∈ N;
(2) estritamente crescente se an < an+1, para todo n ∈ N;
(3) decrescente se an ≥ an+1, para todo n ∈ N;
(4) estritamente decrescente se an > an+1, para todo n ∈ N.
40 RAFAEL KAPP
Discutimos em sala o aspecto intuitivo dos dois pro´ximos teoremas. Vou apresenta´-
los com suas demonstrac¸o˜es. Recomendo que antes de estudar as demonstrac¸o˜es
voceˆ veja como se aplicam estes resultados.
Teorema 2.21. (Weierstrass). Se a sequeˆncia (an) e´ crescente (ou estritamente
crescente) e limitada por cima enta˜o ela e´ convergente. Ale´m dsso, lim
n→∞ an =
sup{an|n ∈ N}.
Prova.Como (an) e´ limitada por cima, existe s = sup
n∈N
an. Segue da definic¸a˜o de
supremo que para cada � > 0, existe aN ∈ {an|n ∈ N} tal que s − � < aN ≤ s.
Como a sequeˆncia e´ crescente, temos s − � < aN ≤ an ≤ s, para todo n > N .
Assim, |s− an| = s− an < �. Portanto, lim
n→∞ an = s. CQD
Teorema 2.22. Se a sequeˆncia (an) e´ decrescente (ou estritamente decrescente) e
limitada por baixo enta˜o ela e´ convergente. Ale´m dsso, lim
n→∞ an = inf{an|n ∈ N}.
Prova.Como (an) e´ limitada por baixo, existe l = inf
n∈N
an. Segue da definic¸a˜o de
ı´nfimo que para cada � > 0, existe aN ∈ {an|n ∈ N} tal que l ≤ aN < l + �. Como
a sequeˆncia e´ decrescente, temos l ≤ an ≤ aN < l + �, para todo n > N . Assim,
0 ≤ an − l = |an − l| < � Portanto, lim
n→∞ an = l. CQD
Agora vamos a alguns exemplos.
Exemplo 2.23. lim
n→∞
n
qn = 0, se |q| > 1.
Resoluc¸a˜o.Denoto o termo geral da sequeˆncia por an =
n
qn . A partir disto tenho
an+1 =
n+1
nq an. Como limn→∞
n+1
nq = limn→∞
n+1
n
1
q =
[
lim
n→∞
n+1
n
]
·
[
lim
n→∞
1
q
]
= 1 · 1q < 1,
concluo que ha´ N ∈ N tal que an+1 < an, para n > N ; ou seja, a sequeˆncia e´ estri-
tamente decrescente a partir de N . O termo geral desta sequeˆncia e´ positivo, logo 0
limita esta sequeˆncia por baixo. Pelo teorema 2.22 concluo que existe lim
n→∞ an = a.
Veja,
a = lim
n→∞ an+1 = limn→∞
n+ 1
nq
an = lim
n→∞
n+ 1
nq
· lim
n→∞ an =
1
q
a =⇒
(
1− 1
q
)
a = 0.
Como 1q < 1, a u´ltima igualdade me garante que a = 0. CQD
O pro´ximo exemplo e o pro´ximo exerc´ıcio seguem de maneira quase imediata do
resultado acima.
Exemplo 2.24. lim
n→∞n
1
n = 1.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 41
Resoluc¸a˜o.Ja´ foi provado que, dado � > 0, existe N ∈ N tal que 1 ≤ n < (1 + �)n
para n > N . Entaˆo para n > N tenho 1 ≤ n 1n < 1 + � e disto concluo que
lim
n→∞n
1
n = 1. CQD
Voceˆ na˜o tera´ dificuldades para resolver o pro´ximo exerc´ıcio.
Exerc´ıcio 2.25. Mostre que lim
n→∞ a
1
n = 1 para qualquer a > 0.
Exemplo 2.26. lim
n→∞
qn
n! = 0; aqui q e´ um nu´mero real qualquer, n ∈ N, n!
.
=
1 · 2 · · · · · n.
Resoluc¸a˜o.Quando q = 0 e´ fa´cil concluir que o limite e´ 0. Observe que
∣∣∣ qnn! ∣∣∣ = |q|nn! ,
logo basta verificar a afirmac¸a˜o para q > 0. Procedendo como no exemplo 2.23,
tenho an+1 =
q
n+1an para termos sucessivos da sequeˆncia. Agora, limn→∞
q
n+1 = 0;
portanto ha´ N ∈ N tal que 0 < qn+1 < 1 se n > N . Concluo que a sequeˆncia e´
decrescente a partir de N . Como ela e´ positiva, e´ tambe´m limitada por baixo pelo
0. Com isto, existe lim
n→∞ an = a e da´ı
a = lim
n→∞ an+1 = limn→∞
q
n+ 1
an = lim
n→∞
q
n+ 1
· lim
n→∞ an = 0 · a =0.
2.5. O nu´mero e. B
Definimos o nu´mero e como o limite
e
.
= lim
n→∞
(
1 +
1
n
)n
. (2.1)
A existeˆncia do limite acima ainda precisa ser estabelecida. Antes disto considere
a pergunta: como este nu´mero surge das aplicac¸o˜es? Vou mostrar como ele surge
naturalmente na matema´tica financeira.
Suponha que desejamos aplicar um montante inicial a0 = 1 com rendimento igual
a 1 (100% se preferir). A taxa 1 se refere a algum per´ıodo de tempo T . Como
evolui este montante inicial a0 se em lugar aplicarmos a taxa apenas ao final de
um per´ıodo T , dividirmos a taxa em n partes iguais e calcularmos o rendimento
apo´s cada per´ıodo de tempo igual a Tn ? Voceˆ na˜o tera´ dificuldade em concluir que
42 RAFAEL KAPP
o processo evolui da maneira indicada abaixo:
a0 = 1
a1 = a0 + a0
1
n
=
(
1 +
1
n
)
a2 = a1 + a1
1
n
=
(
1 +
1
n
)2
a3 = a2 + a2
1
n
=
(
1 +
1
n
)3
...
an = an−1 + an−1
1
n
=
(
1 +
1
n
)n
.
A medida que n cresce, dividimos o per´ıodo de tempo T em unidades cada vez
menores. Assim se nossa intenc¸a˜o e´ criar uma aplicac¸a˜o com rendimentos cont´ınuos
no tempo, basta fazermos n → ∞. Assim surge naturalmente o nu´mero e. Agora
vou mostrar que o limite 2.1 existe.
1o. Existeˆncia de lim
n→∞
(
1 + 1n
)n+1
.
A sequeˆncia definida por yn =
(
1 + 1n
)n+1
e´ decrescente. De fato, usando a de-
sigualdade de Bernoulli temos
yn−1
yn
=
(
1 + 1n−1
)n
(
1 + 1n
)n+1 = n2n(n2 − 1)n nn+ 1 =
(
1 +
1
n2 − 1
)n
n
n+ 1
≥(
1 +
n
n2 − 1
)
n
n+ 1
>
(
1 +
1
n
)
n
n+ 1
= 1.
Portanto, yn e´ uma sequeˆncia decrescente e limitada por baixo (cada yn > 0). Ja´
vimos que sequeˆncias deste tipo sa˜o convergentes.
2o Agora basta relacionar os limites.
lim
n→∞
(
1 +
1
n
)n
= lim
n→∞
(
1 +
1
n
)n+1
n
n+ 1
=
lim
n→∞
(
1 +
1
n
)n+1
lim
n→∞
n
n+ 1
= lim
n→∞
(
1 +
1
n
)n+1
. CQD
Agora vou dar uma outra expressa˜o para o nu´mero e. Primeiro vou usar alguns
argumentos que o convencera˜o da validade da expressa˜o, embora estes argumentos
sejam incorretos. Depois vou mostrar como sa˜o “movedic¸os” estes argumentos e
por fim dar uma demonstrac¸a˜o correta.
So´ para convencer!
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 43
Vamos relembrar a fo´rmula do binoˆmio de Newton. Se a, b ∈ R e n ∈ N enta˜o
(a+ b)n =
n∑
k=0
(
n
k
)
an−kbk, (2.2)
com
(
n
k
)
= n!(n−k)!k! .
Esta fo´rmula aplicada para a = 1 e b = 1n da´(
1 +
1
n
)n
=
n∑
k=0
(
n
k
)
1
nk
.
Chegaremos a fo´rmula desejada ao analisar cada parcela do somato´rio acima. Veja,(
n
k
)
1
nk
=
n(n− 1) · · · (n− k + 1)
k!
1
nk
=
1
k!
n
n
n− 1
n
· · · n− k + 1
n
.
Agora, sabemos que lim
n→∞
n−l
n = 1, para qualquer l ∈ R. Assim,
n
n
n− 1
n
· · · n− k + 1
n
n→∞−→ 1 =⇒
1
k!
n
n
n− 1
n
· · · n− k + 1
n
n→∞−→ 1
k!
=⇒
n∑
k=0
(
n
k
)
1
nk
→
∞∑
k=0
1
k!
.
Portanto, lim
n→∞
(
1 + 1n
)n
=
∞∑
k=0
1
k! . Esta conclusa˜o esta´ correta. Esta e´ uma ex-
pressa˜o va´lida para o nu´mero e; o problema esta´ na forma como chegamos ate´
ela.
Quando falha o argumento do tipo usado acima.
Observe que,
1 =
1
2
+
1
2
=
1
3
+
1
3
+
1
3
= · · ·
n∑
k=0
1
n
.
Observe que lim
n→∞
1
n = 0. Se concordarmos com os argumentos acima (em vermelho)
teremos que concluir que
1 = lim
n→∞
n∑
k=0
1
n
= 0;
que e´ claramente um absurdo. Agora voceˆ comec¸a a desconfiar da fo´rmula para o
nu´mero e. Acompanhe agora como chegamos a fo´rmula de uma maneira correta.
Forma correta.
Pela fo´rmula do binoˆmio de Newton,(
1 +
1
n
)n
= 1 + 1 +
1
2!
(
1− 1
n
)
+ · · ·+ 1
k!
(
1− 1
n
)(
1− 2
n
)
× · · · ×
(
1− k − 1
n
)
+ · · ·+ 1
n!
(
1− 1
n
)
· · ·
(
1− n− 1
n
)
.
44 RAFAEL KAPP
Tome en =
(
1 + 1n
)n
e sn = 1+1+
1
2! + · · ·+ 1n! . Temos que en < sn ( n = 1, 2, cdots
). Por outro lado, quando k esta´ fixado e n ≥ k, temos
1 + 1 +
1
2!
(
1− 1
n
)
+ · · ·+ 1
k!
(
1− 1
n
)
· · ·
(
1− k − 1
n
)
< en.
Quando n → ∞, o lado esquerdo se aproxima de sk e o direito de e. Disto con-
cluimos que sk ≤ e, para todo k. Resumindo,
en < sn ≤ e.
Tomando o limite concluimos o resultado.
Com a representac¸a˜o em se´rie podemos aproximar mais rapidamente o nu´mero e
por nu´meros racionais. Temos
0 < e− sn = 1
(n+ 1)!
+
1
(n+ 2)!
+ · · · = 1
(n+ 1)!
[
1 +
1
n+ 2
+
1
(n+ 2)(n+ 3)
+ · · ·
]
<
1
(n+ 1)!
[
1 +
1
n+ 2
+
1
(n+ 2)2
+ · · ·
]
=
1
(n+ 1)!
1
1− 1n+2
=
n+ 2
n(n+ 1)2
<
1
n!n
.
Desta desigualdade concluimos que e e´ um nu´mero irracional. Suponha, por ab-
surdo, que e = pq , com p e q naturais. Enta˜o o nu´mero q!e e´ inteiro. Logo
0 < q!e− q!sq < q!
q!q
< 1,
com q!e− q!sq ∈ Z, o que e´ um absurdo, pois na˜o ha´ nu´mero inteiro entre 0 e 1.
2.6. Desigualdades e Limites e Sequeˆncias de Cauchy. B
Teorema 2.27. (a) Sejam (xn) e (yn) sequeˆncias convergentes com lim
n→∞xn =
A < B = lim
n→∞ yn. Enta˜o existe N ∈ N tal que xn < yn para todo n > N .
(b) Suponha que (xn), (yn) e (zn) sejam tais que xn ≤ yn ≤ zn, para todo n > N ∈
N. Se (xn) e (zn) convergem para um mesmo limite enta˜o a sequeˆncia (yn) tambe´m
converge para este limite.
Prova. (a). Tome M = A+B2 . E´ claro que A < M < B. Pela definic¸a˜o de limite,
podemos encontrar N ′ e N ′′ tais que |xn − A| < M − A, para todo n > N ′, e
|yn − B| < B −M , para todo n > N ′′. Assim, para N = max(N ′, N ′′), temos
xn ≤ |xn| ≤ |xn −A|+A < A+M −A = M = B − (B −M) < yn.
(b) Suponha que lim
n→∞xn = limn→∞ zn = A. Dado � > 0 escolha N
′ e N ′′ tais que
A − � < xn, para todo n > N ′, e zn < A + �, para todo n > N ′′. Enta˜o para
n > N = max(N ′, N ′′) teremos A − � < xn ≤ yn ≤ zn < A + �; o que da´
|yn −A| < �, ou seja, A = lim
n→∞ yn. CQD
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 45
O ı´tem (a) do teorema recebe o nome de propriedade da preservac¸a˜o do sinal,
o ı´tem (b), Teorema do Confronto ou Teorema do Sandu´ıche. Voceˆ pode
verificar que utilizamos ele na demonstrac¸a˜o de que e =
∞∑
k=0
1
k! . Uma outra aplicac¸a˜o
deste resultado deixo na forma de exerc´ıcio.
Exerc´ıcio 2.28. Sejam (yn), uma sequeˆncia limitada, e (xn) um sequeˆncia que
converge para 0. Mostre que (yn · xn) tambe´m e´ convergente e que seu limite e´ 0.
Exerc´ıcio 2.29. Sejam k ∈ N e a > 0. Se a ≤ xn ≤ nk para todo n ∈ N, enta˜o
lim
n→∞
n
√
xn = 1. Dica: use o teorema do confronto.
Suponha que lim
n→∞xn = A. Neste caso, para cada � > 0 existe n0(�) tal que |xn −
A| < �2 , se n > n0. Com isto, para m > n0 e n > n0 vale
|xm − xn| = |xm −A+A− xn| ≤ |xm −A|+ |A− xn| < �
2
+
�
2
= �.
Esta desigualdade - |xm − xn| < �, se m,n > n0 - expressa analiticamente uma
intuic¸a˜o bastante clara: se os termos da sequeˆncia esta˜o pro´ximos de A enta˜o eles
esta˜o pro´ximos entre si. Pense no � como esta medida de proximidade e entendera´
sem dificuldade a afirmac¸a˜o.
A caracter´ıstica de sequeˆncias convergentes descrita acima e´ muito importante e
na˜o pode ficar sem registro.
Definic¸a˜o 2.30. (Sequeˆncias de Cauchy).
Uma sequeˆncia (xn) e´ chamada de sequeˆncia de Cauchy se, para cada � > 0
existe um ı´ndice N ∈ N tal que |xm − xn| < � sempre que m > N e n > N .
Logo aqui acima verificamos que toda sequeˆncia convergente e´ de Cauchy. A
rec´ıproca tambe´m vale, ou seja, toda sequeˆncia de Cauchy de nu´meros reais e´
convergente em R. E´ sobre disto que trata o teorema de profundas consequeˆncias
que apresentamos abaixo. A prova do resultado e´ ligeiramente extensa, no entanto
ela e´ fundamentada por uma propriedade com a qual, imagino, voceˆ ja´ esteja mais
familiarizado: propriedade dos intervalos encaixantes. Assim, vale a pena estuda´-la!
Teorema 2.31. Uma sequeˆncia de nu´meros reais e´ convergente se, e so´ se, e´ uma
sequeˆncia de Cauchy.
Prova. Vou provar apenas que toda sequeˆncia de Cauchy e´ convergente; a rec´ıproca
ja´ foi demonstrada nos para´grafos anteriores. Seja (xn) uma sequeˆncia de Cauchy.
46 RAFAEL KAPP
A sequeˆncia e´ limitada. Dado � > 0, posso encontrar N tal que |xm − xk| < �3 ,
quando m ≥ N e k ≥ N . Fixado m = N , tenho para cada k > N as desigualdadesxN − �
3
< xk < xN +
�
3
. (2.3)
Como ha´ apenas um nu´mero finito de ı´ndices inferiores a N , concluo que a sequeˆncia
e´ limitada.
Intervalos encaixantes. Do primeiro passo da prova, sei que a sequeˆncia (xn) e´
limitada. Assim, para cada n ∈ N existem
an
.
= inf
k≥n
xk e bn
.
= sup
k≥n
xk.
E´ claro desta definic¸a˜o que an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn, para todo n ∈ N. Pela
propriedade dos intervalos encaixantes, existe A comum a todos intervalos [an, bn].
A e´ o limite. Como an ≤ A ≤ bn, para todo n ∈ N, e an = inf
k≥n
xk ≤ xk ≤
sup
k≥n
xk = bn, para k ≥ n, segue
|A− xk| ≤ bn − an. (2.4)
Mas segue da inequac¸a˜o 2.3 que
xN − �
3
≤ inf
k≥n
xk = an ≤ bn = sup
k≥n
xk ≤ xN + �
3
,
para n > N , e portanto
bn − an ≤ 2�
3
< � (2.5)
para n > N . Comparando as inequac¸o˜es 2.4 e 2.5, temos
|A− xk| < �,
para k > N . Conclusa˜o: lim
n→∞xk = A. CQD
Frequentemente e´ mais fa´cil provar que uma sequeˆncia e´ de Cauchy do que provar
diretamente que ela e´ convergente. Para provar a partir da definic¸a˜o que uma
sequeˆncia e´ convergente e´ preciso antes declarar qual e´ seu limite. Agora, para
verificar que ela e´ de Cauchy este passo e´ desnecessa´rio. Vamos a um exemplo.
Exemplo 2.32. Vou exibir aqui uma maneira de aproximar
√
2 por nu´meros
racionais. Se x > 0 e x2 = 2 enta˜o
x2 − 1 = 1⇐⇒ (x− 1)(x+ 1) = 1⇐⇒ x = 1 + 1
x+ 1
.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 47
A partir disto proponho a sequeˆncia (an) definida por
a0 = 1
an+1
.
= 1 +
1
an + 1
.
Os treˆs primeiros termos desta sequeˆncia sa˜o:
a1 = 1 +
1
1 + 1
,
a2 = 1 +
1
2 +
1
1 + 1
,
a3 = 1 +
1
2 +
1
2 +
1
1 + 1
.
Afinal, a sequeˆncia (an) converge? Se converge, ela se aproxima de
√
2? Consigo
responder afirmativamente a primeira pergunta ao mostrar que a sequeˆncia e´ de
Cauchy. Observe que an > 1,∀n ∈ N; dai
|an+1 − an| =
∣∣∣∣ 11 + an − 11 + an−1
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ an−1 − an(1 + an)(1 + an−1)
∣∣∣∣ < 12 |an − an−1|,
para todo n ∈ N. Se aplico este resultado sucessivas vezes tenho
|an+1 − an| < 1
2
|an − an−1| < 1
2
1
2
|an−1 − an−2| < · · · < 1
2n
|a1 − a0| (*).
Usando a desigualdade triangular, concluo para m > n que
|am − an| = |(am − am−1) + (am−1 − am−2) + · · · (an+1 − an)| ≤
m−1∑
k=n
|ak+1 − ak|
<︸︷︷︸
por (*)
m−1∑
k=n
1
2k
|a1 − a0| = |a1 − a0|
m−1∑
k=n
1
2k
(**).
Lembre-se que
∞∑
k=0
1
2k
= 11−1/2 = 2. Logo, a sequeˆncia sj =
j∑
k=0
1
2j e´ convergente
e portanto tambe´m e´ de Cauchy. Assim, para cada � > 0 existe n0(�) tal que
|sm−1 − sn−1| < �1+|a1−a0| , para todos m − 1 > n0 e n − 1 > n0. Usando esta
informac¸a˜o em (**) concluo que |am−an| < �, se m > n0 e n > n0. Portanto, (an)
e´ uma sequeˆncia de Cauchy. Pelo teorema acima sabemso que ela e´ convergente, ou
seja, existe a, no caso maior ou igual a 1, tal que lim
n→∞ an = a. Pelas propriedades
de operac¸o˜es com limites,
a = lim
n→∞ 1 +
1
1 + an
= 1 +
1
1 + lim
n→∞ an
= 1 +
1
1 + a
=⇒ a2 = 2,
48 RAFAEL KAPP
com a > 1. Portanto, a =
√
2.
Uma leitura cuidadosa do exemplo acima torna simples a resoluc¸a˜o do seguinte
exerc´ıcio.
Exerc´ıcio 2.33. Seja (an) uma sequeˆncia para a qual existe 0 < c < 1 tal que
|an+1 − an| ≤ c|an − an−1|, para todo n ∈ N. Mostre que (an) e´ uma sequeˆncia de
Cauchy.
Se desejamos mostrar que uma sequeˆncia na˜o e´ convergente, basta mostrarmos que
ela na˜o e´ de Cauchy. Veja o exemplo.
Exemplo 2.34. Considere a sequeˆncia (an) definida por an = 1 +
1
2 + · · · + 1n =
n∑
k=1
1
k . Vou mostrar que ela na˜o e´ de Cauchy. De fato,
|a2n − an| = 1
n+ 1
+ · · ·+ 1
n+ n
> n · 1
2n
=
1
2
,
para todo n ∈ N; logo a sequeˆncia na˜o e´ de Cauchy e portanto na˜o e´ convergente.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 49
3. Limites de Func¸o˜es
Vamos iniciar com alguns gra´ficos de func¸o˜es, identificar nestes gra´ficos algumas
propriedades e introduzir a noc¸a˜o intuitiva de limites. Depois assumiremos que os
limites teˆm determinadas propriedades com respeito as operac¸o˜es de soma, produto,
multiplicac¸a˜o por escalar e divisa˜o. Veremos como podemos ampliar a lista de
limites computa´veis a partir destas propriedades. Mais adiante daremos a definic¸a˜o
precisa de limite e desencolveremos o restante do ca´lculo de limites.
3.1. Noc¸a˜o intuitiva de limite e primeiras propriedades. B
Nas figuras abaixo sa˜o representados os gra´ficos das func¸o˜es f(x) = x, f(x) = bxc
e f(x) = sin(1/x), respectivamente.
(a) y = x (b) y = bxc (c) y = sin(1/x)
Acreditando naquilo que vemos nos gra´ficos, podemos responder com facilidade as
seguintees questo˜es.
(1) De qual valor se aproxima y = x quando x se aproxima de 1?
(2) De qual valor se aproxima y = bxc quando x se aproxima de 1, com x > 1?
(3) De qual valor se aproxima y = bxc quando x se aproxima de 1, com x < 1?
(4) De qual valor se aproxima y = sin(1/x) quando x se aproxima de 0?
Eis as respostas.
(1) A func¸a˜o y = x se aproxima de 1 quando x se aproxima de 1.
(2) A func¸a˜o y = bxc se aproxima de 1 quando x se aproxima de 1 e x > 1.
(3) A func¸a˜o y = bxc se aproxima de 0 quando x se aproxima de 1 e x < 1.
(4) A func¸a˜o y = sin(1/x) na˜o se aproxima de valor algum quando x se aprox-
ima de 0.
As treˆs primeiras respostas sa˜o bem amparadas por aquilo que vemos. O esboc¸o do
gra´fico de f(x) = sin(1/x) tambe´m ajuda a compreender a quarta resposta, mas
50 RAFAEL KAPP
neste caso na˜o ficamos ta˜o convencidos da validade desta afirmac¸a˜o. Sera´ que ha´
uma justificativa clara para a quarta resposta? Sim, veja.
Lembre-se que
sin(θ) = 0⇐⇒ θ = kpi, com k ∈ Z;
sin(ϕ) = 1⇐⇒ ϕ = pi
2
+ 2kpi, com k ∈ Z;
sin(λ) = −1⇐⇒ λ = 3pi
2
+ 2kpi, com k ∈ Z.
Tomando xk =
(
pi
2 + 2kpi
)−1
, com k ∈ N, teremos sin(1/xk) = sin
(
pi
2 + 2kpi
)
= 1 e
xk
k→∞−→ 0. Dito de outra forma, ha´ uma infinidade de pontos x, pro´ximos a zero,
para os quais sin(1/x) e´ igual a 1. Agora se tomarmos xk =
(
3pi
2 + 2kpi
)−1
, com
k ∈ N, teremos sin(1/xk) = sin
(
3pi
2 + 2kpi
)
= −1 e xk k→∞−→ 0. Dito de outra forma,
ha´ uma infinidade de pontos x, pro´ximos a zero, para os quais sin(1/x) e´ igual a
−1. Conclusa˜o: quando x se aproxima de 0 a func¸a˜o sin(1/x) oscila infinitas vezes
entre os valores 1 e −1, anulando qualquer possibilidade de que ela se aproxime de
um nu´mero fixo.
Notac¸ao. A frase ”A func¸a˜o f(x) se aproxima de L quando x se aproxima de
x0”ja´ foi usada logo acima. Como e´ frequente, vamos substituir esta frase por uma
notac¸a˜o. Em breve perceberemos que benef´ıcios isto traz. A notac¸a˜o
lim
x→x0
f(x) = L
deve ser lida como: “o limite da func¸a˜o f(x), quando x se aproxima de um nu´mero
fixado x0, e´ igual ao nu´mero L”. Neste caso tambe´m nos referimos a L como o
limite de f(x) quando x tende a x0. De acordo com esta notac¸a˜o, temos para
f(x) = x e x0 = 1 que
lim
x→1
x = 1.
E´ preciso registrar que f(x) = bxc na˜o tem limite quando x tende a 1 pois, quando
x se aproxima de 1 e x > 1 a func¸a˜o f(x) se aproxima de 1; ja´ quando x se aproxima
de 1 e x < 1 a func¸a˜o se aproxima de 0. Embora na˜o exista lim
x→1
bxc, valem
lim
x→1
x>1
bxc = 1,
lim
x→1
x<1
bxc = 0.
CA´LCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL 1 51
Estes sa˜o os chamados limite a` direita e limite a` esquerda de f(x) no ponto 1,
respectivamente. Tambe´m para eles ha´ notac¸o˜es mais adequadas:
lim
x→1+
bxc = 1,
lim
x→1−
bxc = 0.
Operac¸o˜es com limites e como elas geram novos limites.B
Com uma pequena tabela de limites e um conjunto de operac¸o˜es va´lidas para limites
podemos gerar uma imensa lista de func¸o˜es para as quais podemos calcular limites.
A pequena tabela de limites e´:
lim
x→aα = α, (3.1)
se α e´ um nu´mero real que na˜o depende de x,
lim
x→ax = a. (3.2)
A lista de operac¸o˜es, que por enquanto admitiremos sem prova, e´:
lim
x→a[f(x) + g(x)] = limx→a f(x) + limx→a g(x), (3.3)
(limite da soma e´ a soma dos limites)
lim
x→a[f(x) · g(x)] = limx→a f(x) · limx→a g(x), (3.4)
(limite do produto e´ o produto dos limites)
lim
x→a
f(x)
g(x)
=
lim
x→a f(x)
lim
x→a g(x)
, se lim
x→a g(x) 6= 0. (3.5)
(limite do quociente e´ o

Outros materiais