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Produção sustentável de Peixes Amazônicos I Criação sustentável de peixes redondos 2 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 8. Sanidade na produção de peixes redondos Apresentação Este módulo visa a orientar a respeito das práticas de manejo sanitário nas criações de peixes redondos e apresentar as doenças mais comuns. Em geral, os animais estão suscetíveis a doenças nos sistemas de produção, pois são confinados e ficam expostos a circunstâncias ambientais, nutricionais e de manejo nem sempre favoráveis. O papel do produtor é prover as melhores condições para que os peixes cultivados possam expressar suas capacidades de crescimento e ganho de peso, podendo, assim, saudáveis, dar o retorno esperado ao piscicultor. O produtor que deseja ser bem-sucedido na criação de peixes redondos deve conhecer uma série de procedimentos que permitem criar animais saudáveis e garantir o sucesso dos trabalhos, como a aquisição de alevinos sadios e o monitoramento da saúde dos peixes. Com a criação responsável, é possível evitar muitas doenças. Vamos conferir! Objetivos de aprendizagem • Adotar práticas de prevenção de surtos e/ou controle de situações de risco à sanidade da criação. • Identificar as principais doenças (parasitoses e bacterioses) que acometem as criações de peixes redondos. 3 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 8.1 Manejo sanitário na piscicultura Um aspecto peculiar da aquicultura em relação às demais criações animais é que o meio aquático proporciona, naturalmente, o crescimento e a multiplicação de patógenos. O manejo inadequado compromete o equilíbrio entre patógeno, hospedeiro e ambiente, estimulando a transmissão de doenças. É importante destacar que, diferentemente de outros animais confinados, na maioria das vezes, os peixes são vistos apenas durante as situações de manejo, como em biometrias, na despesca e, mais frequentemente, durante o arraçoamento. Figura 8.1. Quatro criações de animais: bovinocultura, avicultura, suinocultura e piscicultura, demonstrando como na piscicultura não é possível visualizar os animais cultivados Fo to : P at ric ia M ac ie l A observação de animais doentes é, portanto, mais difícil no ambiente aquático e ocorre, muitas vezes, quando estes já estão muito debilitados. Por isso, é primordial o produtor conhecer o comportamento desejável dos peixes para saber diferenciar quando há indícios de problemas e também aproveitar as operações do manejo para avaliar a saúde da criação. Alguns sinais que devem chamar a atenção ao serem notados na criação ao manejar os peixes são: hiporexia ou anorexia, inapetência, letargia, emagrecimento progressivo, escamas eriçadas, erosão de nadadeiras e brânquias, olhos opacos e/ou esbranquiçados, exoftalmia (olhos saltados), inflamações e lesões visíveis, alterações nas brânquias ou no movimento opercular. Quanto ao comportamento, os peixes doentes poderão apresentar natação errática, rodopios, saltos para fora da água e respiração na superfície aquática. 4 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Figura 8.2. Sinais clínicos indicativos de doenças em peixes: (A) peixes saltando para fora da água; (B) natação na superfície; (C) exoftalmia e distensão abdominal; (D) concentração dos peixes na entrada de água do viveiro; natação com rodopios (E) e errática (F); isolamento e comportamento de se esfregar no fundo do viveiro (G). Ilu st ra çã o: A da pt ad o de M ar in a Iw as hi ta Durante a criação dos peixes redondos, recomenda-se o planejamento e acompanhamento periódico por um técnico especializado. O acompanhamento é fundamental para a associação entre os sinais apresentados durante a observação dos peixes e os métodos de diagnóstico adequados que levarão à gestão correta no caso do aparecimento de doenças. Além disso, o técnico sempre deve recomendar e auxiliar a implantação de práticas adequadas de prevenção de doenças e fazer o registro de ocorrências que irão compor as práticas de manejo sanitário da propriedade. O manejo sanitário reduz o risco financeiro da operação aquícola e aumenta o lucro, o que justifica sua implantação. Além disso, essa dedicação gera competitividade e permite ao criador diferenciar seu produto. As práticas sanitárias aplicam-se aos laboratórios produtores de pós-larvas e alevinos, às pisciculturas de recria ou engorda, ao transporte e ao processamento de peixes. Elas permitem que haja, ainda, equilíbrio com o meio ambiente, melhoria das condições de trabalho, manutenção da saúde dos animais e qualidade e segurança do alimento produzido. Ao produtor cabe estar sempre atento ao comportamento dos peixes e do ambiente para evitar a ocorrência de doenças, além de considerar algumas medidas preventivas. A coleta de dados da criação é uma prática que deve ser adotada pelo criador, pois permite controlar o sistema de forma contínua, além de auxiliar na identificação de problemas mediante a interpretação dos dados coletados. Clique no link inserido no título abaixo e assista, a seguir, a uma animação que apresenta informações que devem constar nos registros de cada viveiro. Acompanhamento da piscicultura https://youtu.be/HKTLVZu4gIo 5 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 8.2 Desinfecção A desinfecção compreende a aplicação de produtos formulados para destruir ou inativar os agentes causadores de doenças. O procedimento deve ser realizado em todos os estabelecimentos de criação, como os laboratórios produtores de alevinos e pisciculturas de recria e engorda de peixes, mas também nos veículos, equipamentos e utensílios que têm contato com os animais. Os processos de desinfecção devem ser praticados por técnicos munidos de equipamentos de proteção individual (EPI), que compreendem botas, luvas, máscaras, óculos e vestuário adequado, como roupas impermeáveis. Essa limpeza deve ser feita após a última despesca e antes que seja introduzido um novo lote de peixes. Clique nas abas para conhecer os métodos de desinfecção para viveiros escavados e outras estruturas de criação, como tanques de alvenaria. Viveiros escavados Os viveiros escavados devem ser expostos ao Sol por ao menos 10 dias para que fiquem completamente secos. Aplica-se cal virgem (óxido de cálcio – CaO) na medida de 200 a 400 g de CaO/m² no fundo do viveiro, nas poças de água temporárias, nas paredes e topos de taludes. Em contato com a água, a cal virgem promove uma elevação brusca da temperatura e do pH, e consequente aumento da amônia tóxica presente na água e no sedimento. Essas reações químicas promovem a eliminação de muitos organismos potencialmente patogênicos e seus vetores, como caramujos e peixes invasores. Em seguida, os viveiros escavados devem receber calcário agrícola e adubo, seguindo as recomendações indicadas no segundo módulo, Iniciando a produção de peixes redondos. A cal virgem não deve ser administrada durante a criação, pois pode provocar a morte dos peixes. Fo to : F ab ríc io P er ei ra R ez en de 6 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Tanques de alvenaria ou caixas d’água Em tanques de alvenaria, pode-se usar produtos químicos à base de cloro ou aldeídos, desde que eles tenham sido recomendados por técnicos habilitados que acompanhem o processo. Nesses casos, a estrutura de criação deve ser posteriormente enxaguada com água limpa para a remoção de quaisquer resíduos químicos. A exposição, por 24 horas, da estrutura de criação ao tempo auxilia a evaporação de produtos químicos como o cloro. Fo to : M el an ie D ig m ay er A limpeza e a desinfecção devem ser realizadas em todos os equipamentos, utensílios e fômites empregados na criação, como baldes, peneiras, bacias, redes, tanques, caixas de água e incubadoras, bem como no pisoe nas paredes dos laboratórios. Devem ser executadas antes e depois do uso e, principalmente, quando se utiliza um único instrumento entre um viveiro e outro. A higienização deve ser efetuada inicialmente com água corrente ou sob pressão, para retirar resíduos mais grossos, restos de animais, poeira, plantas e matéria orgânica. Isso porque os agentes desinfetantes não são eficazes quando há compostos orgânicos em abundância. 7 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Tabela 8.1 – Agentes desinfetantes utilizados em aquicultura Indicação Tipos de desinfetantes Cuidados e recomendações Desinfecção de utensílios, fômites, estruturas de criação (caixas de água etc.) e piso. Pó de hipoclorito de cálcio(65% de cloro ativo). 0,32 g/L de água, 1 hora de exposição. • Uso de EPIs para aplicação. • Uso em áreas ventiladas. • Enxágue após aplicação devido ao potencial de toxicidade para os peixes. Água sanitária comercial (hipoclorito de sódio, 2,5% a 5,0% de cloro ativo). 10mL/L a 20mL/L de água, 1 hora de exposição. Cloramina-T (24% a 26% de cloro ativo). Seguir as recomendações do fabricante. Desinfecção de utensílios e fômites. Formol ou formaldeído comercial 34%-40%. 27 mL/L-220 mL/L (formol 1% a 8%), No mínimo, 1 hora de exposição. • Deve ser adotado como último recurso devido ao potencial tóxico para humanos. • Uso de EPIs para aplicação. • Uso em áreas ventiladas. • Enxágue após aplicação devido ao potencial de toxicidade para os peixes. Fonte: Adaptada de Noga (2010). 8.3 Evitando a transmissão de doenças As doenças que acometem os peixes podem ser de origem infecciosa ou não. As enfermidades infecciosas são as causadas por parasitos (parasitoses), bactérias (bacterioses), fungos (micoses) e vírus (viroses). Existem duas formas de contágio: a vertical e a horizontal. A vertical é a transmissão que acontece dos reprodutores para os ovos por meio dos gametas. No entanto, ainda não há registros dessa via de contaminação em peixes redondos e, por isso, vamos nos concentrar na transmissão horizontal, que também pode ser chamada de cruzada. Na transmissão horizontal, a transferência do patógeno de um peixe ou utensílio contaminado para um indivíduo sadio ocorre por contato: via oral (por meio da ingestão 8 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos de água e de alimentos infectados); pelo toque de pele, brânquias, narinas, ânus; por meio de vetores (como insetos e moluscos) ou fômites (puçás e baldes, por exemplo), entre outros. Um programa sanitário efetivo deve buscar interromper essas sequências de transferência de patógeno, evitando que estes cheguem às estruturas de criação e aos animais, além de zelar pelo bem-estar dos peixes, mantendo-os aptos a responder fisiologicamente a possíveis contaminações. A eficácia da instalação de um programa sanitário nas pisciculturas depende de três fatores: conhecimento das técnicas de medidas sanitárias, assistência técnica de um profissional capacitado e fiscalização nas criações e no transporte de peixes, a fim de se evitar a disseminação de doenças. Clique no link inserido no título abaixo para ouvir o podcast a seguir, onde falaremos de algumas medidas preventivas a serem adotadas. Sanidade na produção de peixes redondos É importante também estar atento aos fatores que têm relação com a redução da resistência dos peixes às doenças, como estresse, qualidade da água, exposição a produtos químicos oriundos de tratamentos inadequados ou que contaminaram a água de abastecimento. Além disso, vale ressaltar que, geralmente, a suscetibilidade a patologias é maior em peixes jovens (larvas e alevinos), uma vez que o sistema de defesa imunológica ainda não está completamente formado. Por isso, outra recomendação é evitar manter alevinos e peixes adultos no mesmo viveiro. https://ava.sede.embrapa.br/pluginfile.php/1444414/mod_resource/content/1/Sanidade%20na%20produ%C3%A7%C3%A3o.mp3 9 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Acompanhar o desempenho dos peixes por meio de biometrias e, nesse momen- to, observar se há alguma evidência de enfermidades, como lesões externas, hemorragias, entre outras. Seguir, no manejo alimentar, as reco- mendações para cada fase de vida dos peixes, observando-se a qualidade, a quantidade, a frequência e o horário de fornecimento da ração. Monitorar os parâmetros de qualidade da água durante toda a criação. Registrar e controlar todas as atividades, rotinas e eventuais imprevistos para uma adequada gestão e planejamento da produção. Remover imediatamente os peixes mortos dos viveiros (podem servir como foco de infecção, passíveis de infectar os demais peixes de produção). Observar diariamente o comportamento dos peixes no horário do arraçoamento. Realizar a desinfecção dos equipamen- tos utilizados nos viveiros (redes, puçás, roupas que entraram na água dos tanques etc.). Realizar quarentena a cada lote de alevinos/reprodutores adquiridos. Conhecer a procedência dos lotes de alevinos adquiridos Conhecer a procedência dos reprodutores adquiridos U sa r m ão d e ob ra q ua lif ic ad a e re al iz ar o t re in am en to d os f un ci on ár io s da pi sc ic ul tu ra e m b oa s pr át ic as d e m an ej o e pr od uç ão Figura 8.3. Fluxograma com o passo a passo das boas práticas de manejo sanitário Fo nt e: A da pt ad a de P er ei ra e t a l. (2 01 6, p . 6 3) . 8.4 Estresse na criação Os procedimentos que envolvem a manipulação dos peixes, como a biometria, a despesca, a classificação, o transporte e a realocação, estressam os animais e podem deixá-los mais suscetíveis a doenças. Outro motivo de estresse muito comum em pisciculturas é o ambiente de confinamento, em que altas densidades de estocagem, associadas à pouca manutenção da água, ocasionam baixas concentrações de oxigênio. A alta densidade também faz os peixes competirem mais por alimento e disputarem sua sobrevivência, o que aumenta o gasto energético e, consequentemente, pode se reverter em baixo crescimento. Com pouco espaço para locomoção, e sem viver em um local que se utiliza de métodos de controle de predadores, o peixe precisa tentar se livrar constantemente de aves predadoras, além de conviver com o risco de ser ferido gravemente e morrer. O estresse é a resposta do animal a uma ameaça, chamada de agente estressor, que é capaz de provocar mudanças fisiológicas e, em níveis descontrolados, aumentar a suscetibilidade a doenças. 10 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Ambiente alterado Patógenos Hospedeiro Ocorrência de doenças Peixe saudável Baixo crescimento Comprometimento reprodutivo Doenças oportunistas Morte Aumento do grau de estresse Figura 8.4. Representação das consequências do aumento do grau de estresse na piscicultura Fo nt e: A da pt ad a de L im a et a l. (2 01 5, p . 8 7) . Abaixo, indicamos algumas recomendações que ajudam a minimizar o estresse durante o manejo dos peixes. • Separe os equipamentos necessários à despesca, remoção e realocação dos peixes antes das atividades, para evitar prolongar o manejo. Recomenda-se que cada processo seja programado para acontecer o mais rápido possível, de modo a não deixar os peixes presos na rede por muito tempo. • Deixe os peixes em jejum antes da manipulação para evitar o comprometimento da qualidade da água e preservar a saúde dos animais. • Após a manipulação, reavalie a necessidade de alimentar os peixes, pois os animais ingerem menos alimento após o manuseio. A ração não ingerida, além de ter sido desperdiçada, prejudica a qualidade da água. • Dê preferência pelos horários mais frescos do dia para realizar as práticas de manejo. • Respeite as densidades de estocagem nostanques de transporte. Quanto maior a densidade, pior a qualidade da água e maior a chance de provocar ferimentos. 11 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos • Evite a perda excessiva de muco e tenha cuidado para não ocasionar ferimentos nos animais, pois são portas de entrada para infecções secundárias. O muco, também conhecido como “baba” ou “gosma”, é uma substância produzida por células presentes na pele e brânquias dos peixes que forma uma barreira auxiliar na manutenção da saúde e proteção contra patógenos. Além do muco, as escamas também constituem um bloqueio extra para alguns peixes. Sua perda durante procedimentos de manejo favorece infecções secundárias (por bactérias e fungos), que muitas vezes são difíceis de controlar e podem levar os peixes à morte. • Além de puçás, baldes, tanques de transporte e oxigênio, é interessante utilizar equipamentos adequados, como redes de malhas com proporção compatível ao tamanho dos peixes, com certa distância entre os nós (tamanho da malha), para evitar que os animais fiquem emalhados. Evite também o manuseio excessivo dos peixes e tome cuidado para não os deixar cair. • Use sal de cozinha ou sal mineral bovino (cloreto de sódio, NaCl) durante as práticas de classificação e realocação de peixes. Uma das funções do sal é estimular a produção de muco no corpo e nas brânquias, recobrindo lesões decorrentes do manejo. A presença do sal no meio aquático também diminui a perda de sais corporais dos peixes, minimizando os efeitos do estresse. A ocorrência de doenças pode aumentar quando a qualidade da água está inadequada, pois expõe o peixe a estresse crônico e afeta o seu bem-estar. O meio aquático pode ser prejudicado nos períodos mais frios do ano, quando há uma queda de temperatura ou ocorre inversão térmica. A temperatura está diretamente ligada ao funcionamento dos sistemas de defesa dos peixes. Uma dieta mal balanceada também pode comprometer a estruturação do sistema imunológico do peixe, reduzindo sua capacidade de combater os patógenos. Dessa forma, ressalta- se a importância de disponibilizar alimento adequado à espécie. Atenção 12 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 8.5 Uso indiscriminado de medicamentos O uso indiscriminado ou inadequado de remédios pode causar danos ao ambiente e ao animal cultivado. O tratamento pode não funcionar e ser tóxico aos peixes a ponto de levá-los à morte. No caso do ambiente, pode comprometer a qualidade da água, além de deixar resíduos dos medicamentos na carne do pescado, o que dificulta as vendas e é prejudicial à saúde de quem a consome. Em se tratando de antibióticos, o problema é ainda maior, uma vez que podem aumentar a resistência das bactérias patogênicas e oportunistas. Para realizar algum tipo de tratamento nos peixes de criação, é primordial considerar uma diversidade de fatores, sendo o principal deles o diagnóstico correto das doenças, com a especificação da sua causa. Somente com uma análise precisa é possível pensar em tratamentos, que muitas vezes dispensam produtos químicos ou antibióticos. Se houver a necessidade de usar medicamentos, é preciso buscar o apoio de um técnico capacitado. 8.6 Descarte de animais mortos Ao monitorar os viveiros, você eventualmente encontrará peixes mortos. Esse evento pode acontecer após o transporte dos peixes, manipulação e realocações. Os cadáveres devem ser retirados do cativeiro imediatamente, uma vez que servem como substrato para o desenvolvimento de microrganismos potencialmente patogênicos. O descarte correto dos peixes mortos contribui para a melhoria das condições ambientais e sanitárias na produção, além de evitar a disseminação de doenças. 13 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Figura 8.5. Peixes mortos flutuando na superfície da água Fo to : P at ríc ia M ac ie l As opções de destino das carcaças apresentam vantagens e desvantagens, além de gerarem impactos que precisam ser avaliados antes da adoção. Veja, a seguir, as diferentes possibilidades para destinação dos animais mortos. Compostagem A compostagem das carcaças de peixes é uma técnica que promove a reciclagem da matéria orgânica durante o processo, com a geração de um composto fertilizante que é indicado para a adubação de plantas. Esse processo permite, ainda, a destruição de agentes causadores de doenças. É de fácil instalação, porém necessita de acompanhamento de um funcionário para estabilização do composto. Fossa séptica A construção de uma fossa séptica para acondicionar os peixes descartados deve ser feita em local seco, longe de lençóis freáticos, provida de um telhado e tampa de encaixe. Utiliza-se cal virgem para auxiliar na desinfecção das carcaças. 14 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Incineração A incineração de carcaças é vantajosa quando o volume de peixes é grande, mas depende de equipamento especial, como o incinerador. O aparelho deve ser instalado em local adequado, no sentido contrário ao vento e longe de galpões e áreas residenciais, uma vez que há a emissão de gases, uma desvantagem desse procedimento. Silagem A fabricação de silagem com os restos de peixes mortos é feita a partir da adição mínima de produtos químicos ou microrganismos aos resíduos. Sua aplicação depende do volume de carcaça gerada, da aquisição das substâncias específicas e do destino de sua produção. 8.7 Passos para diagnóstico de doenças O comportamento dos peixes e os sinais clínicos apresentados fornecem informações valiosas em relação ao estado de saúde e reflete as condições ambientais da criação. Clique no link inserido no título abaixo e veja a videoaula a seguir para aprender a identificar animais doentes. Passos para diagnóstico de doenças 8.8 Doenças de importância na criação de peixes redondos Os agentes etiológicos causadores de doenças infecciosas são variados. Nas criações de peixes redondos, as infecções causadas por bactérias e parasitos são as de maior importância. 8.8.1 Doenças bacterianas As doenças bacterianas podem ter origem primária ou secundária. As de origem primária são aquelas que ocorrem quando as bactérias possuem a capacidade de iniciar uma infecção no hospedeiro, já as bacterioses secundárias se apresentam https://youtu.be/XuSPAh5Tp6o 15 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos quando os peixes estão debilitados, com baixa imunidade. Conheça a seguir dois tipos de doenças bacterianas. • Aeromonose As bactérias do gênero Aeromonas causam uma série de danos aos empreendimentos aquícolas. São cosmopolitas, oportunistas e de patogenicidade facultativa, ou seja, podem ou não causar a doença, embora já tenham sido descritas como agentes primários. A espécie Aeromonas hydrophila é uma bactéria de importância tanto para a criação de tambaqui quanto para a saúde humana, já que é considerada uma zoonose. O sinal clínico característico da doença é a septicemia hemorrágica devido à ruptura de pequenos vasos, que implicam em lesões ulcerativas na pele. Além disso, são observados pontos de hemorragia nos órgãos internos e no abdômen, anemia, necrose de nadadeiras e cauda e perda de escamas. O diagnóstico é realizado por meio do isolamento da bactéria em meios de cultura microbiológica específica e identificação por kits bioquímicos ou técnicas moleculares. O tratamento, quando indicado, é realizado com antibioticoterapia. Para controlar a disseminação da doença, é aconselhável reduzir os fatores causadores de estresse, como as parasitoses, as mudanças bruscas de temperatura e a degradação da qualidade do ambiente aquático. Para evitar a contaminação horizontal, é imprescindível a desinfecção dos utensílios utilizados durante o manejo dos animais infectados e a remoção dos peixes doentes, que são fontes decontágio para os sadios. 16 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Figura 8.6. Lesões hemorrágicas identificadas em um peixe com aeromonose Fo to : M ar in a Iw as hi ta • Colunariose Os peixes de água doce, em geral, estão sujeitos à infecção causada pela bactéria Flavobacterium columnare, componente usual da flora microbiana da água e da superfície dos peixes. A doença é comum em locais com alta temperatura, elevada concentração de amônia e de matéria orgânica e baixos níveis de oxigênio na água. Os peixes jovens são naturalmente mais suscetíveis e, quando infectados, apresentam pequenas lesões acinzentadas ou amareladas pelo corpo, principalmente na região da cabeça e na base das nadadeiras dorsais, que se propagam até as pélvicas. Nas nadadeiras, as lesões desenvolvem-se na direção das extremidades para a base. As feridas agravam-se e adquirem aspecto hemorrágico, aumentam de tamanho e podem tomar até um quarto da superfície do peixe. Além disso, o corpo fica recoberto por um exsudato mucoso amarelado, que contém uma grande quantidade de bactérias. No desenvolvimento das lesões, pode ocorrer exposição da musculatura e perda das nadadeiras. Outros sinais incluem: apatia, isolamento, perda de apetite e natação errática. Altas taxas de mortalidade, de 60 a 90%, são observadas dois dias após o aparecimento dos primeiros sinais. O diagnóstico da doença é baseado nos sinais clínicos, no isolamento da bactéria em meio de cultura e em sua identificação com o emprego de técnicas moleculares. Recomenda-se, de forma geral, evitar situações estressantes que reduzam a imunidade dos peixes. Uma prática que pode ser adotada consiste em fornecer rações suplementadas com aditivos que melhorem a condição imune do organismo, como vitamina C, em períodos que antecedam manejos mais intensos ou de maior variação de temperatura. 17 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Figura 8.7. Lesões esbranquiçadas na cabeça e no dorso de peixe com colunariose Fo to : M ar in a Iw as hi ta 8.8.2 Doenças parasitárias Clique no link inserido no título abaixo para assistir a animação a seguir, onde conheceremos um pouco das doenças parasitárias e, na sequência do vídeo, veremos alguns dos tipos mais recorrentes de parasitos. Doenças parasitárias • Ectoparasitos Os ectoparasitos alojam-se na superfície do corpo de seus hospedeiros e provocam lesões no tecido pela fixação ou alimentação. Os parasitos aderidos à pele induzem o aumento da produção de muco. Quando aderidos nas brânquias, o volume de muco no local aumenta, o que é prejudicial ao peixe, principalmente porque a substância age como impermeabilizante e impede as trocas gasosas. Ainda nas brânquias, podem ocorrer hiper e metaplasia do epitélio branquial, que comprometem a respiração. O prurido provocado pelas ações mecânicas de fixação e movimentação dos ectoparasitos leva o peixe a se esfregar nas paredes dos viveiros ou telas dos tanques-rede, o que causa lesões no tegumento, que podem ser portas de entrada para infecções secundárias. Todas essas respostas também são estressantes aos peixes, o que afeta sua condição fisiológica. • Protozoários https://youtu.be/1U5mjfKmr_g 18 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Piscinoodinium pillulare O P. pillulare é um protozoário dinoflagelado, de distribuição geográfica mundial, que apresenta diferentes formatos durante seu desenvolvimento. Quando no hospedeiro, é chamado de trofonte, tem formato de pera e apresenta núcleo arredondado. Fixa- se à pele ou brânquias por meio de estruturas em sua base chamadas de rizocistos. No ambiente, é batizado de dinósporo, quando tem formato arredondado e sofre sucessivas divisões até que se torne infectante. A coloração dos peixes parasitados varia de esverdeada a amarronzada, com aspecto de veludo ou ferrugem, principalmente na região lombar e próximo aos opérculos. Também são observadas inflamação e infecção de origem bacteriana nas bases das nadadeiras – na dorsal, principalmente –, bem como brânquias amarronzadas e intensa produção de muco no corpo. Em infecções intensas, há outros sinais, como alteração na frequência da respiração e aglomeração dos peixes na superfície, nas proximidades da entrada de água. Esse comportamento ocorre porque o intenso parasitismo compromete a capacidade respiratória, ainda que a quantidade de oxigênio dissolvido na água esteja adequada. O diagnóstico é realizado com raspados de muco do corpo e brânquias e observação em microscopia de luz. É uma doença que pode ocasionar a mortalidade massiva do grupo. Figura 8.8. Tambaqui parasitado por P. pillulare, apresentando coloração de ferrugem na região dorsal do corpo e infecção bacteriana na base das nadadeiras (círculos) Fo to : P at ríc ia M ac ie l O I. multifiliis, popularmente conhecido como ictio, é um protozoário coberto de cílios, de formato esférico, que apresenta um macronúcleo em forma de ferradura. Sua distribuição geográfica é mundial e, por não ter especificidade parasitária, já foi descrito em diversas espécies de peixes de criação ou da natureza. A doença é conhecida como ictiofitiríase ou “doença dos pontos brancos”, em que cada ponto corresponde a um espécime, o trofonte, localizado abaixo das células epiteliais da pele ou brânquias do hospedeiro. O ciclo de vida é direto e dependente da temperatura (entre 24 e 26 °C). 19 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Figura 8.9. Pontos esbranquiçados na superfície da pele de alevino parasitado por I. multifiliis Fo to : F an ny Y as um ar u Além do sinal característico do parasito, os pontos brancos, os peixes podem esfregar o corpo contra as estruturas de criação, o que muitas vezes ocasiona lesões em sua superfície, predispondo-os a infecções secundárias. Também podem aparecer focos hemorrágicos na pele, nas nadadeiras e nas brânquias, bem como aumentar a produção de muco, que impermeabiliza as brânquias e dificulta a respiração, causando boquejamento, apatia, anorexia e natação errática e sem vigor. Infestações severas podem matar todos os peixes da criação. Por isso, é importante monitorar os animais e tomar medidas profiláticas. O diagnóstico é feito pela visualização direta dos pontos brancos no corpo ou por meio de exame microscópico de raspado do muco e biopsia de brânquias, entre lâmina e lamínula, por meio do qual é possível observar o parasita realizando movimentos rotativos característicos. Recomenda-se manter a boa qualidade da água, prover uma alimentação adequada e evitar estresses no manejo. A quarentena é uma importante estratégia de prevenção quando se adquire um novo lote de animais, assim como o cuidado na captação 20 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos de água para a piscicultura e o descarte de efluentes que podem carregar formas infectantes. O tratamento contra a ictiofitiríase não é eficaz em viveiros escavados, mas pode ser realizado em criações indoor. • Monogenéticos Os monogenéticos são helmintos de ciclo de vida direto com alta capacidade de proliferação. Eles possuem um aparelho de fixação, com ganchos e ventosas, localizado na parte posterior do corpo, o haptor, que causa intensa irritação nos peixes quando em grandes infestações. São ectoparasitos de corpo, nadadeiras, brânquias e cavidade oral e alimentam-se de muco, epitélio ou sangue dos hospedeiros. Podem parasitar também órgãos internos, como a bexiga natatória e a vesícula biliar. No Brasil, cinco espécies de Monogeneas são descritas para peixes redondos: Anacanthorus spathulatus, A. penilabiatus, Notozothecium janauachensis, Linguadactyloides brinkmanni e Mymarothecium boegeri. Figura 8.10. Adulto de Dawestrema sp., monogenético de Arapaima gigas (pirarucu), evidenciandoa estrutura de fixação – haptor (pontilhado) – e a liberação de ovo (seta) por microscopia de luz Fo to : P at ríc ia M ac ie l Os sinais clínicos e o grau de prejuízo têm relação com a espécie e a carga de parasitos sobre o hospedeiro. Parasitoses intensas nas brânquias frequentemente ocasionam surtos de morbidade e mortalidade nas pisciculturas, principalmente em criações intensivos. Entre os sintomas, pode haver letargia, anorexia, perda de peso, aumento na produção de muco e a entrada de infecções secundárias por meio das lesões. O diagnóstico é 21 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos realizado pela visualização em microscopia óptica de raspados de muco ou biópsia de brânquias. A identificação da espécie, importante para avaliar a patogenia e analisar quais medidas são adequadas à prevenção, deve ser feita por um especialista. Além dos cuidados durante a aquisição de animais, da quarentena e da prevenção de fatores estressantes ao longo da criação, é interessante realizar sempre a desinfecção dos viveiros antes do povoamento, a cada ciclo produtivo, para eliminar fases do parasito que possam estar no ambiente. • Crustáceos Os crustáceos ectoparasitos de peixes de criação pertencem a três grupos: braquiúros, copépodes e isópodes. Em peixes redondos, os recorrentes são três braquiúros (Dolops carvalhoi, Argulus chicomendesi e A. multicolor) e dois copépodes (Gamidactylus jaraquensis e Perulernaea gamitanae). São parasitos que podem ser observados a olho nu na superfície do corpo, boca e brânquias dos hospedeiros. O diagnóstico pode ser realizado por observação direta dos parasitas, porém a microscopia de luz em raspados de muco e a biópsia das brânquias são necessárias para a visualização de algumas fases de vida, como a larval de copepodito dos copépodes. A identificação da espécie é feita por um especialista. Braquiúros Neste grupo, estão os ectoparasitos conhecidos como “carrapatos ou piolhos de peixe”. Incluem os gêneros Argulus e Dolops, mais frequentes nas pisciculturas brasileiras. Possuem o corpo achatado dorsoventralmente e têm uma carapaça que cobre as patas localizadas na região ventral. Habitam preferencialmente a superfície do corpo dos peixes, onde se movimentam, nadam, e podem mudar de hospedeiro livremente. Têm ciclo de vida direto: as fêmeas fecundadas abandonam o hospedeiro e fazem a ovoposição no substrato, como em plantas e em pedras, onde eclodem as formas larvais já com a aparência do adulto. Figura 8.11. Vista dorsal de braquiúra em pintado-da-Amazônia Fo to : P at ríc ia M ac ie l 22 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Esses parasitos agem a partir de seu par de maxilas – modificadas em ventosas nos Argulus sp. e em ganchos nos Dolops sp. –, que perfuram a pele do hospedeiro para prover a alimentação, baseada em células e sangue. Os sinais dependem da intensidade da infecção e do tamanho dos peixes, mas é possível observar alguns aspectos: alterações na coloração dos peixes devido às lesões dos cromatóforos; lesões hemorrágicas puntiformes; alterações comportamentais, como natação errática devido ao prurido; hiporexia e redução do crescimento; diminuição da eficiência alimentar; estresse; ocorrência de infecções secundárias; mortalidade. As lesões na pele reduzem o valor da venda dos animais, principalmente devido ao aspecto repugnante. Para controle, recomenda-se a precaução de evitar introduzir peixes portadores na criação ou abastecer o viveiro com água que contenha formas larvais. Convém realizar a quarentena dos peixes adquiridos e utilizar filtros na captação de água de abastecimento. Medidas de assepsia das estruturas de produção e limpeza da vegetação das bordas dos viveiros evitam o fornecimento de substrato para a deposição de ovos do parasito. Atenção Copépodes Copépodes são ectoparasitas conhecidos popularmente como “vermes-âncora” devido ao formato de sua porção anterior, que penetra no tegumento dos peixes. Apenas fêmeas adultas parasitam, enquanto os machos são de vida livre. Podem ser encontrados na superfície do corpo dos peixes, na boca, no palato, nas narinas, na língua e na parte interna do opérculo. Entre os copépodes, a Lernaea cyprinacea é uma representante de destaque no Brasil, pois parasita diversas espécies de peixes, tendo sido introduzida no país há algumas décadas. Teve fácil disseminação pelos corpos d’água e pisciculturas por apresentar baixa especificidade, com sua ampla distribuição pelo território devido ao transporte e à movimentação de peixes sem medidas profiláticas. O parasito adulto penetra no hospedeiro, provoca lesões hemorrágicas e fixa-se profundamente em seus tecidos, o que torna difícil sua remoção. Dependendo da espécie parasitada, as alterações patológicas resultam em altas taxas de morbidade e mortalidade. O lerneídeo mais importante para a criação de redondos no Brasil é a Perulernaea gamitanae. As fêmeas gravídicas dessa espécie se fixam na língua, nas narinas e nas brânquias dos peixes por meio de ganchos em formato de âncora localizados na 23 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos cabeça. O local de fixação fica inflamado, principalmente as brânquias, o que pode facilitar o desenvolvimento de infecções bacterianas e micóticas, ambas relativamente comuns em peixes infestados pelos crustáceos. Em infestações intensas, os parasitos chegam a ocupar toda a cavidade bucal do peixe, o que impede sua alimentação e provoca a perda produtiva do lote em pouco tempo. Além disso, a P. gamitanae pode debilitar os peixes ou causar sua morte devido à apatia e à anorexia. Figura 8.12. Tambaqui parasitado pelo Perulernaea gamitanae na boca Fo to : M ar co s Ta va re s D ia s Por se alastrar facilmente, a P. gamitanae é uma grande preocupação para a aquicultura amazônica. A fim de evitar a propagação desse crustáceo em pisciculturas, é preciso cautela ao transportar peixes e é importante realizar a quarentena e o diagnóstico antes de introduzir novos animais em viveiros. Procedimentos de precaução devem ser reforçados, uma vez que infecções maciças podem prejudicar a sobrevivência de animais juvenis, bem como provocar a depreciação de animais prontos para a comercialização, comprometendo os negócios e o consumo desses peixes. O tratamento dessa parasitose é realizado com antiparasiários administrados principalmente via banhos de imersão. • Endoparasitos Os endoparasitos são organismos que vivem dentro de seus hospedeiros. Os prejuízos causados dependem do hospedeiro acometido, da espécie e quantidade de parasitos 24 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos envolvidos, do órgão parasitado, da capacidade de causar sinais clínicos nos peixes e do seu potencial zoonótico. O diagnóstico da maioria das endoparasitoses é realizado pela visualização dos espécimes nas cavidades e órgãos do animal doente. Características morfológicas visíveis em microscopia de luz são suficientes para identificar os grupos. A identificação da espécie é possível com o auxílio de um especialista, sendo importante para avaliar a patogenia e a possibilidade de o organismo ser zoonótico. Os endoparasitos são alocados nos seguintes grupos: Mixosporídeos Os mixosporídeos parasitam diversos órgãos de peixes e são encontrados nos espaços inter e intracelulares, vasos sanguíneos, bexiga natatória, brânquias, baço, fígado, rim e musculatura. O ciclo de vida é indireto e inclui dois hospedeiros definitivos, geralmente um invertebrado anelídeo e um vertebrado que pode ser peixe, ave, réptil ou mamífero. Quando parasitam os peixes, formam pequenos cistos (plasmódios) que abrigam inúmeros esporos microscópicos em seu interior. Os gêneros de mixosporídeos parasitos de peixes mais comuns no Brasil são Myxobolus e Henneguya, sendo asespécies Henneguya piaractus e Myxobolus colossomatis descritas infestando peixes redondos. A patogenia da infecção envolve compressão das células do órgão parasitado, com consequente redução de sua funcionalidade, bem como lesões nas brânquias que comprometem a capacidade respiratória do peixe. O diagnóstico das enfermidades causadas por mixosporídeos pode ser realizado por observação direta dos cistos nos órgãos acometidos, além da análise dos esporos a fresco em microscopia de luz. É possível também avaliar raspados de muco, imprint de tecido ou cortes histológicos. Figura 8.13. Esporo de Myxobolus sp. (seta) em imprint de tecido renal de tambaqui e leucócitos (Le) Fo to : P at ríc ia M ac ie l Digenéticos 25 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos São helmintos heteroxênicos, ou seja, possuem um ciclo de vida complexo, necessitando de um hospedeiro intermediário e um definitivo. Os moluscos são hospedeiros intermediários; peixes podem ser hospedeiros intermediários ou definitivos; aves, répteis e anfíbios são hospedeiros definitivos. Peixes podem ser infectados por parasitos adultos ou larvas, que ficam alocados no intestino ou na cavidade visceral, vesícula biliar, olhos, brânquias, gônadas, tecido subcutâneo e sistema circulatório. Os sinais clínicos variam de acordo com a localização e a relação entre o tamanho do parasito e o do hospedeiro. Tanto as formas adultas quanto as larvais podem acometer órgãos e tecidos dos peixes. As metacercárias (formas larvais) podem parasitar os olhos do peixe, facilmente visualizadas a olho nu, com a “doença do verme dos olhos”; encistadas na pele do peixe, elas formam cistos escuros, caracterizando a “doença dos pontos pretos”; quando encistadas na musculatura do animal, provocam a “doença dos pontos amarelos”. Peixes infectados são facilmente acometidos por infecções secundárias, têm perda de visão, retardo no crescimento, letargia e anorexia. Figura 8.14. Ovos (círculo) e adultos (seta) de digenéticos na cavidade abdominal de alevino Fo to : P at ríc ia M ac ie l 26 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Em criações de peixes redondos, além de todos os cuidados de manejo anteriormente citados, é necessário adotar práticas de controle e reduzir a população de caramujos, bem como dificultar o acesso das aves às estruturas de produção. Atenção Nematódeos Os parasitos adultos geralmente localizam-se no tubo digestório dos peixes, enquanto as fases larvais podem ser encontradas encistadas na musculatura, mesentério e em outros órgãos. Os nematódeos possuem corpo alongado, com forma tubular e extremidades afiladas. Os danos causados ao hospedeiro dependem da espécie e do número de parasitos, bem como do órgão invadido. Os sinais do parasitismo são inespecíficos, podendo ser anemia, oclusão intestinal, compressão dos órgãos, atrofia dos órgãos internos, castração parasitária, anorexia e perda de peso. Além disso, em alguns casos, é possível visualizar vermes ao redor do ânus do peixe. Reforça-se a necessidade da adoção das boas práticas de manejo sanitário e de qualidade da água como medidas de controle e prevenção. Figura 8.15. Corte transversal da musculatura de traíra (Hoplias malabaricus), com larva de Eustrongylides sp. livre (seta) e encistada (círculo) Fo to : P at ríc ia M ac ie l 27 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Acantocéfalos Os indivíduos adultos são parasitos exclusivos do tubo digestório. A região anterior do corpo na fase adulta é provida de uma estrutura com ganchos, denominada probóscide, que é utilizada para fixação na parede do intestino. O ciclo de vida é heteroxeno e simples: os parasitos que têm sexo separado copulam no tubo digestório dos peixes e expelem ovos para o ambiente; estes são ingeridos pelo hospedeiro intermediário (um artrópode) e se rompem dando origem às formas larvais: acântor, acantela e cistacanto (forma encistada). Sabe-se que a introdução de peixes contaminados no sistema é a principal causa do desenvolvimento dessa parasitose, além da presença de hospedeiro intermediário compatível na criação, que contribui para a permanência e multiplicação do parasito. A parasitose em peixes redondos, como o tambaqui e seus híbridos, é provocada pelo helminto Neoechinorhynchus buttnerae, um verme de coloração esbranquiçada, visível a olho nu, podendo medir de 1 a 2 cm, que se aloja no trato intestinal dos peixes. Figura 8.16. Porção do intestino de tambaqui com infestação pelo acantocéfalo Neoechinorhynchus buttnerae Fo to : P at ríc ia M ac ie l Peixes com acantocefalose podem apresentar perda de peso, retardo do crescimento e até mesmo morrer, dependendo de seu tamanho e do número de parasitos em seu corpo. No caso do tambaqui, alguns animais exibem caquexia, mas sem mortalidade. Na necropsia, em severa infecção por N. buttnerae, observa-se enrijecimento e espessamento da parede do intestino e secreção intestinal mucosa, de aspecto catarral e coloração amarelada. 28 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Em análise para diagnóstico da doença intestinal por N. buttnerae, os parasitos são facilmente observados a olho nu a partir da abertura do intestino dos peixes. Em casos de infecção massiva, a infestação é vista mesmo externamente à abertura do intestino. Em observações a fresco, com microscópio ou estereomicroscópio (lupa), é possível identificar a principal característica do parasito: a probóscide com ganchos. Com o auxílio de um microscópio, na observação das fezes dos peixes, é possível também detectar os ovos de acantocéfalos. A intensidade da infecção depende do regime alimentar e da acessibilidade aos hospedeiros intermediários. As lesões produzidas provocam alterações no intestino do peixe e, de acordo com o tamanho do animal cultivado e da espécie de parasito, a probóscide pode atravessar o intestino, atingir órgãos internos e agravar as lesões. Ainda que não ofereça risco à saúde do ser humano, essa doença prejudica a comercialização do pescado, uma vez que o intestino contaminado tem aspecto repugnante. No entanto, o risco vem do uso indiscriminado de medicamentos para controle da parasitose sem respeito ao período de carência, podendo o pescado ser vendido com resíduos de remédios. Apesar de existirem quimioterápicos para tratamento de acantocéfalos em peixes em outros países, atualmente, no Brasil, não existem fármacos registrados. Assim, os piscicultores de peixes redondos muitas vezes usam produtos sem registro para controle das infecções por acantocéfalos nas criações de tambaqui. Curiosidade Destaca-se que, em decorrência de infecções massivas por acantocéfalos, uma medida tem sido recentemente adotada em algumas pisciculturas da Região Norte, mas necessita ser mais bem estudada: o rodízio de espécies. Essa prática alterna ciclos de produção entre tambaqui e matrinxã (ou outra espécie não aparentada com o tambaqui) com o objetivo de quebrar o ciclo de vida do parasito, uma vez que o N. buttnerae é espécie-específico. Contudo, a viabilidade dessa alternativa pode depender do mercado para venda da espécie a ser selecionada para alternar a criação, pois o peixe-alvo do consumidor da Região Norte, por exemplo, é o tambaqui. De modo geral, para o controle da enfermidade, deve-se atuar em duas frentes: primeiramente, prevenir, evitando a entrada do patógeno e, se houver a sua instalação, reduzir ou eliminar as chances de reinfecção; depois, realizar o tratamento propriamente dito da doença. Porém, tratar e prevenir só são possíveis com o diagnóstico correto e precoce da patologia. Como a maioria das infecções é assintomática, sem alterações 29 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos clínicas perceptíveis nos peixes(e geralmente a infecção não é seguida de mortalidade), é necessária a avaliação de amostragens de lotes nas pisciculturas. A prevenção à exposição a esse acantocéfalo é o melhor método para limitar a incidência do problema; é preciso, pois, controlar a entrada do parasito na criação e a presença dos potenciais hospedeiros intermediários nos viveiros. Os acantocéfalos na aquicultura brasileira, até recentemente, não foram impactantes o suficiente para motivarem o desenvolvimento de medidas de controle específicas. Possivelmente, isso se deve aos registros na literatura, que não se preocupam com esse grupo de parasitários, o que fez com que a ocorrência de acantocéfalos em criações de tambaquis e seus híbridos tenha sido negligenciada por muitos anos. 30 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Síntese Finalizamos o oitavo módulo de nosso curso. Nele, você aprendeu acerca da importância da sanidade na produção de peixes redondos. No próximo módulo, estudaremos o processamento e a comercialização dos peixes. Confira! 31 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Glossário Patógenos: são organismos (parasitas, bactérias, fungos e vírus) que causam ou podem causar uma doença 32 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Referências Lima, A. F.; Silva, A.P.; Rodrigues, A.P.O.; Bergamin, G.T.; Lima, L.K.F.; Torati, L.S.; Pedroza Filho, M.X.; Maciel, P.O.; Flores, R.M.V. 2015. Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados. Brasília: Embrapa, 143p. Noga, E. J. Fish disease: diagnosis and treatment. 2nd ed. Iowa: Wiley-Blackwell, 2010. 536 p. Pereira, S. L. A.; Chagas, E. C.; Maciel, P. O.; Benavides, M. V.; Majolo, C.; Boijink, C. de L.; Tavares-Dias, M.; Ishikawa, M. M.; Fujimoto, R. Y.; Brandão, F. R.; Sousa, K. L. de; Morais, M. Dda S.; Martins, V. F. da S. 2016. Agentes patogênicos de tambaquis cultivados, com destaque para registros em Rio Preto da Eva, AM. Embrapa Amazônia Ocidental. Série Documentos, 127. Manaus: Embrapa Amazônia Ocidental. Rodrigues, A.P.O.; Lima, A.; Alves, A.; Rosa, D.; Torati, L.; Santos, V. 2013. Piscicultura de água doce: multiplicando conhecimentos. Brasília: Embrapa, 440p. Tavares-Dias, M.; Neves, L.R.; Santos, E.F.; Dias, M.K.R.; Marinho, R.G.B.; Ono, E.A. 2011. Perulernaea gamitanae (Copepoda: Lernaeidae) parasitizing tambaqui (Colossoma macropomum) (Characidae) and the hybrids tambacu and tambatinga, cultured in northern Brazil. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, 63(4), 988-995.
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