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TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL Fabiane Nicácio de Moura Direito do Trabalho II 1. Introdução O trabalho escravo, visto por muitos como algo erradicado, tem tomado novas feições no presente século. No Brasil, após a abolição da escravatura não se usa mais tal termo, com isso a legislação adotou a nomenclatura “Condição análoga à de escravo” para caracterizar situações onde, de fato, se estabelece uma relação de domínio do empregador para com o empregado. Este ilícito, previsto no artigo 149 do1 Código Penal, se perfaz quando o trabalhador tem sua dignidade humana insanavelmente afrontada, sendo submetido, física e psicologicamente, a situações degradantes. Retrato disso são os corriqueiros casos de trabalhadores com sua locomoção restringida, salários miseráveis, sem condições de habitação, higiene e proteção individual, cumprindo jornadas exaustivas, sofrendo ameaças físicas, morais e ou psicológicas, assumindo forçadamente dívidas que na verdade são responsabilidade do empregador como, por exemplo, ônus com transporte até o local de trabalho, equipamentos de proteção individual (E.P.I) e etc. Segundo dados da OIT, no mundo ainda são 21 (vinte e um) milhões de pessoas em situação de escravidão. Em nosso país, embora ainda existam muitas 1 Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. BRASIL. CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 03/06/2021. 1 pessoas nessas condições, segundo dados do Ministério do Trabalho e emprego (MTE), de 1995 a 2013, foram resgatados 46.478 (quarenta e seis mil quatrocentos e setenta e oito) trabalhadores que estavam trabalhando em situação análoga à de escravo. Permitir que cidadãos trabalhem em condições degradantes é aceitar que os mesmos tenham sua dignidade turbada. Como forma de combate a essa realidade o Brasil tem adotado medidas para coibir esse tipo de exploração através de garantias e sanções previstas na Constituição Federal, no Código Penal, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de regulamentações em Portarias emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em acordos e convenções coletivas de trabalho e leis diversas, além de buscar efetivar a fiscalização a esse tipo de crime e ratificar várias convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho). 2. O Trabalho escravo no Brasil- Análise das situações relatadas no Programa “A Liga”. O presente texto visa analisar à luz da legislação, doutrina e jurisprudência brasileira, os casos expostos pelo programa “A Liga”, da rede Bandeirantes, em 02 de Janeiro de 2013, onde trabalhadores vivem em situação análoga à de escravo, conforme tipificação do Código Penal Brasileiro. São abordados, nesta reportagem, 3 (três) casos onde empregados estão, segundo denúncias, em situação de escravidão. A primeira fiscalização ocorreu em Goianésia do Pará- PA, a segunda em Hortolândia- estado de São Paulo e a terceira no interior e zona norte do mesmo estado. 2.1 Goianésia do Pará Os repórteres foram até Goianésia do Pará, interior do estado do Pará, acompanhando os auditores fiscais do trabalho, Polícia Federal e representantes do Ministério do Trabalho e Emprego na apuração de denúncia de trabalho escravo em uma fazenda da região. 2 Chegando ao local constataram que se tratava de atividade de produção de carvão mineral para fabricação de aço. Em conversa com um dos funcionários foi questionada a falta de E.P.1 (Equipamento de proteção individual), visto que a grande maioria trabalha sem luvas, máscara e demais equipamentos, sendo informado que o dono da carvoaria fornece a quantia para a compra do material, mas que todo o valor é descontado do salário, porém segundo a portaria 3.214/78 do MTE , esses2 equipamentos visam proteger a incolumidade física do trabalhador contra consequências advindas de acidente de trabalho e o empregador deve adquirir, fornecer gratuitamente, treinar o trabalhador, tornar obrigatório o uso, substituir o danificado ou extraviado e responsabilizar-se pela manutenção do mesmo. Foi observado que são alojados em barraco de madeira, ou num local somente com palhas como telhado, com chão de barro, sem banheiro nem tampouco papel higiênico, que dormem em redes próprias, já que o empregador não fornece cama. A água para beber, cozinhar e tomar banho é retirada diretamente para consumo de um córrego imundo, sem tratamento ou canalização, condições estas de puro descaso com o trabalhador, tendo em vista que o ambiente de trabalho deve contar com edificações que proporcionem perfeita segurança ao trabalhador, “instalações sanitárias [...], chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua execução, conforme determina a Consolidação das Leis do Trabalho.”3 Os infectados pela malária, doença constantemente adquirida no local, não 3 Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: VII - higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências, instalações sanitárias, com separação de sexos, chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos industriais. BRASIL. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 03/06/2021. 2 Portaria 3.214/78 do MTE, NR 6. 3 recebem assistência financeira, nem transporte, percorrendo a pé tal percurso até o hospital/posto médico. Todo alimento consumido é descontado contrariando a “lei do trabalhador rural, Lei 5.889, de 08/06/73, que restringe a 25% (vinte e cinco por cento), sobre o salário mínimo, o desconto referente “ao fornecimento de alimentação sadia e farta".4 2.1 Hortolândia - São Paulo Alguns ex-empregados denunciaram a empresa onde trabalhavam, por tê-los atraído do estado de Pernambuco com a promessa de serem contratados, mediante registro em carteira, com salário fixo e em valor superior ao que estavam acostumados, moradia, alimentação e passagem. Porém, ao chegarem no local descobriram que todos os supostos benefícios eram, na verdade, vales descontados posteriormente, inclusive os equipamentos de proteção. Descobriram também que só poderiam ir embora após 3(três) meses, remuneração somente após 2(dois) meses de trabalho. O Código Penal, em seu artigo 207 , §1º, prevê pena de 1(um) a 3(três)5 anos de detenção e multa, descrevendo esta conduta como aliciamento de trabalhadores, onde geralmente um preposto ou “gato” do empregador, mediante fraude e falsas promessas, os leva de uma localidade para outra do território nacional a fim de “escravizá-los”. Segundo o Manual de combate ao trabalho em condições análogas às de escravo, do MTE “a) [...] Por localidade entenda-se povoado, lugarejo, arraial, aldeia, vila ou cidade, ainda que se encontrem dentro de um mesmo estado da federação e até de um mesmo município, visto que a norma legal não estabelece 5 Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena - detenção de um a três anos, e multa. § 1º- Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer