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2013 1a Edição Psicologia social Prof. Fernando Scheeffer Copyright © UNIASSELVI 2013 Elaboração: Prof. Fernando Scheeffer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S315p Scheeffer, Fernando Psicologia social / Fernando Scheeffer. Indaial: Uniasselvi, 2013. 192 p.; il. ISBN 978-85-7830-747-9 1. Psicologia social. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 301.1 III aPresentação Caro acadêmico! Iniciamos neste momento os estudos referentes à disciplina Psicologia Social e a partir de agora temos um interessante caminho a ser percorrido. A Psicologia Social enquanto área da Psicologia talvez seja uma das áreas mais emblemáticas e intrigantes dadas as divergências e os entraves que a acompanham. Estas especificidades podem ser exemplificadas a partir da dificuldade de delimitação do seu objeto de estudo ou até mesmo diante da dificuldade de definição da mesma. A Psicologia Social vê o social, ou seja, o que circunda o ser humano, algo a ser privilegiado ao se buscar a compreensão do comportamento humano e aí reside a sua principal contribuição para a Psicologia e para as ciências humanas como um todo. Esta importância se dá por propor compreender o ser humano a partir de um enfoque histórico-cultural, diferente do individualizante, que acompanhou a Psicologia por longo tempo e que acreditava que os mais variados aspectos relacionados ao comportamento humano poderiam ser desvendados a partir do acesso aos próprios sujeitos pura e simplesmente. Diante dessas palavras iniciais, o presente Livro de estudos apresenta três momentos distintos, organizados em uma sequência lógica, ou seja, as ideias apresentadas em cada unidade são essenciais para a compreensão dos seguintes e à continuação do estudo. A partir dessa ressalva, a primeira unidade busca explorar alguns elementos introdutórios indispensáveis a quem se aventura a explorar a Psicologia Social. Primeiramente, busca-se defini-la e delimitar seu objeto de estudo, para daí então compreender sua origem tanto a nível mundial como no Brasil. Feito isso são apresentadas as diferentes “Psicologias Sociais”, que não passam de leituras de mundo diferenciadas e, consequentemente, propostas diferentes de intervenção na realidade social. A segunda unidade traz uma reflexão a respeito do desenvolvimento humano por uma perspectiva chamada, neste material, de enfoque psicossocial, enfoque este que busca encontrar no “outro” explicações para o que somos e como nos desenvolvemos. Nesta seção, além de ser discutida esta abordagem, são feitas algumas inferências a respeito da infância, adolescência, idade adulta e velhice, etapas do desenvolvimento humano. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA A terceira unidade busca propiciar a aproximação com conceitos extremamente relevantes em Psicologia Social, como: subjetividade, identidade, atividade, consciência, representações sociais, ideologia e alienação. Estas categorias são chamadas de fundamentais, pois possibilitam que tenhamos um referencial teórico e técnico que nos instrumentaliza a analisarmos vários fenômenos à luz da Psicologia Social. Prontos para entrar em contato com este campo de estudo? Mãos à obra! Prof. Fernando Scheeffer V VI VII UNIDADE 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO..............................................1 TÓPICO 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO ...................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA ......................................................................................3 3 DEFINIÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL ........................................7 4 RELAÇÃO COM ÁREAS AFINS .....................................................................................................10 5 O SIGNIFICADO DO TERMO “SOCIAL”: POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO ...12 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................15 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................18 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................19 TÓPICO 2 – A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL ..............................................................21 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................21 2 PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA: UM FENÔMENO CARACTERISTICAMENTE AMERICANO ......................................................................................................................................22 3 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL ..........................................................................................24 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................29 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................30 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................31 TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA ....................................................................33 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................33 2 O MODELO ESTADUNIDENSE DE PSICOLOGIA SOCIAL ..................................................34 3 ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS ..................................................................................36 3.1 PERCEPÇÃO OU COGNIÇÃO SOCIAL ....................................................................................36 3.2 ATITUDES .........................................................................................................................................38 3.3 PRECONCEITO, ESTEREÓTIPOS E DISCRIMINAÇÃO......................................................41 3.4 INFLUÊNCIA SOCIAL ...................................................................................................................44 3.5 PAPÉIS SOCIAIS ............................................................................................................................46 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................48 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................49 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................50 TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA ......................................................................51 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................51 2 A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL ...................................................52 3 A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA...........................................................................................54 4 A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA .................................................................................59 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................65 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................66 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................67 sumário VIII UNIDADE 2 – DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM ENFOQUE PSICOSSOCIAL ..........69 TÓPICO 1 – O LUGAR DO OUTRO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................71 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................71 2 DESENVOLVIMENTO HUMANO: PRINCÍPIOS GERAIS .....................................................71 3 O PAPEL DO OUTRO E DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................................................................75 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................79 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................80 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................81 TÓPICO 2 – INFÂNCIA 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................83 2 A INFÂNCIA ENQUANTO CONSTRUÇÃO SOCIAL ..............................................................83 3 O INTERACIONISMO DE PIAGET E VYGOTSKY ...................................................................85 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................93 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................94 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................95 TÓPICO 2 – ADOLESCÊNCIA ...........................................................................................................97 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................97 2 DEFININDO ADOLESCÊNCIA ......................................................................................................97 3 A INVENÇÃO DA ADOLESCÊNCIA ............................................................................................98 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................104 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................106 TÓPICO 4 – IDADE ADULTA E VELHICE ......................................................................................107 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................107 2 IDADE ADULTA .................................................................................................................................107 3 VELHICE ..............................................................................................................................................110 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................114 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................115 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116 TÓPICO 5 – COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E PRÓ-SOCIAL ........................................117 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................117 2 O COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL: AGRESSÃO .............................................................117 3 O COMPORTAMENTO PRÓ-SOCIAL: ALTRUÍSMO ..............................................................120 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................124 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................125 UNIDADE 3 – CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL ......................127 TÓPICO 1 – SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE ............................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 SUBJETIVIDADE: UM DOS OBJETOS DA PSICOLOGIA ......................................................129 3 IDENTIDADE .....................................................................................................................................133 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................137 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 IX TÓPICO 2 – ATIVIDADE E CONSCIÊNCIA ..................................................................................141 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................141 2 ATIVIDADE .........................................................................................................................................141 3 CONSCIÊNCIA ...................................................................................................................................143 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................146RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................148 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................149 TÓPICO 3 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ....................................................................................151 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151 2 COMO NASCE A TEORIA ...............................................................................................................151 3 CONCEITO ..........................................................................................................................................152 4 COMO SÃO CRIADAS AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .....................................................154 5 COMO AS INVESTIGAMOS ..........................................................................................................155 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................157 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................160 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................161 TÓPICO 4 – IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO ......................................................................................163 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................163 2 IDEOLOGIA ........................................................................................................................................163 3 ALIENAÇÃO .......................................................................................................................................168 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................171 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................174 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................175 TÓPICO 5 – COMUNIDADE E SOCIEDADE .................................................................................177 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................177 2 O CONCEITO DE COMUNIDADE ................................................................................................177 3 COMUNIDADE VERSUS SOCIEDADE: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS .......................180 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................182 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................185 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................186 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................187 X 1 UNIDADE 1 PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender a origem e a evolução da Psicologia Social; • defini-la e diferenciá-la das áreas afins; • apresentar as diferentes perspectivas em Psicologia Social. A Unidade 1 está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando as atividades propostas. TÓPICO 1 – PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO TÓPICO 2 – A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 1 INTRODUÇÃO A ideia deste primeiro tópico é trazer princípios fundamentais que contribuam para a compreensão de todo o caderno. Em um primeiro momento serão trazidos elementos que permitam compreender o surgimento da Psicologia enquanto ciência. Você tem noção do que é a Psicologia? Qual o seu objeto de estudo? Por que é possível afirmar que não existe uma única Psicologia e sim “Psicologias”? É importante que estas e outras questões estejam claras para adentrarmos na Psicologia, uma divisão ou campo da Psicologia. É importante que você tenha claro que mais do que trazer respostas prontas ou verdades, pretenderemos problematizar várias questões que ainda permeiam a Psicologia Social. Dentre as várias divergências ainda existentes, encontraremos uma diversidade enorme de definições, de compreensão a respeito do seu objeto de estudo, bem como sua relação com outras ciências humanas. Ao final da leitura deste tópico é importante que você consiga perceber qual a intenção da Psicologia social, bem como se aproprie dos principais dilemas presentes neste campo de estudo, dentre eles o significado do termo “social”, questões essenciais para uma primeira aproximação com essa área do conhecimento. 2 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA FIGURA 1 – PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO FONTE: Disponível em: <http://psicologia-fadeup-jpgf.webnode.com.pt/materia-/>. Acesso em: 31 out. 2011. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 4 O termo Psicologia talvez seja um dos que, para o leigo, tenha um sentido mais controverso e pouco definido. Qualquer pessoa se dispõe a falar sobre e acredita se apropriar dela em vários momentos. O fato é que no cotidiano ela acaba tendo vários sentidos, poucos ancorados em uma sistemática mais rigorosa. Esta Psicologia “despreocupada” costumeiramente é denominada de “Psicologia do senso comum”, muito diferente da Psicologia dos psicólogos ou esta compreendida enquanto ciência. Esta breve contextualização não pretende desconsiderar o saber popular, mas sim deixar claro que nesse momento a intenção é apresentar a Psicologia científica. A partir de uma análise mais rigorosa e sistemática, percebe-se que um primeiro desafio é defini-la. De acordo com a origem grega da palavra, Psicologia significa o estudo (logos) acerca da alma ou espírito (psique). A etimologia da palavra não traduz a dificuldade e a diversidade de possibilidades de interpretação do objeto de estudo e do próprio conceito de Psicologia. Típico das ciências humanas são as diversas leituras da realidade e isso, no caso da Psicologia, é percebido diante da diversidade de abordagens presentes na mesma. Essas diferentes abordagens trazem consigo divergentes teorias e formas de analisar e intervir diante de um mesmo fenômeno. De forma unificada, normalmente se define a Psicologia como a ciência que estuda o comportamento. Nesse sentido não há consenso, visto que para a Psicanálise (uma das abordagens em Psicologia), por exemplo, o objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), as três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste século são o Behaviorismo, chamado também de Psicologia comportamental, a Gestalt e a Psicanálise. O Behaviorismo, de base americana, tornou-se bastante importante por ter definido o fenômeno psicológico como algo bastante concreto, o comportamento (behavior). A Gestalt tem seu berço na Europa, a partir da premissa de que o todo é maior que a soma das partes. Esta encontra no fenômeno da percepção as condições para a compreensão do comportamento humano.A Psicanálise teve como principal precursor Sigmund Freud e surge da prática médica propondo um objeto de estudo totalmente inusitado, o inconsciente, se contrapondo à tradição da Psicologia em voga entendida como ciência da consciência e da razão. Abaixo é apresentada uma síntese dos principais achados e contribuições das escolas psicológicas citadas anteriormente. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 5 QUADRO 1 – PRINCIPAIS ABORDAGENS PSICOLÓGICAS DO SÉCULO XX Principais representantes Objeto e método de estudo Fatores determinantes Behaviorismo Watson (1878-1958) - EUA Skinner (1904-1990) Comportamento humano o b s e r v á v e l . S e u t i l i z o u frequentemente de pesquisas sobre estímulos e respostas em animais em laboratório. Somos governados pelas consequências dos nossos atos. Reforços e punições promovem condicionamento e modelam o comportamento e o desenvolvimento humano. Gestalt Koffka (1886-1941) - Alemanha Pe r c e p ç ã o e c o n s c i ê n c i a humana. Promoviam situações exper imenta is com seres humanos e animais. A percepção humana possui leis próprias. O ser humano não atende de forma direta à lógica estímulo–resposta. Psicanálise Freud (1856-1939) – Áustria Lacan (1901-1981) – França Jung (1875-1961) – Suíça Relação entre inconsciente e consciente. Principal método: associação livre (escuta pela fala), análise dos sonhos e atos falhos. A subjetividade humana é determinada pelos vínculos afetivos estabelecidos ao longo da vida. FONTE: O autor DICAS Para melhor compreender as diversas teorias em Psicologia é válido o contato com a obra “Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia”, organizada por Bock, Furtado e Teixeira (São Paulo: Saraiva, 2002) ou então “A diversidade da Psicologia: uma construção teórica”, organizada por Kahhale (São Paulo: Cortez, 2008), uma das poucas obras que se dedica exclusivamente a essa questão. O fato é que o próprio termo comportamento atualmente tem um sentido bem mais amplo do que no passado. O comportamento inclui muito mais do que movimentos ou ações flagrantes, como os que fazemos ao andar. Inclui os chamados comportamentos incobertos, atividades muito mais sutis, como perceber, pensar, sentir. A Psicologia se ocupa desta infinidade de formas dos sujeitos se expressarem e se apresentarem para o mundo. A Psicologia, nesta ótica, trata e se atém a todas as formas de manifestação do ser humano. Ouve-se muito a ideia de que a Filosofia é a mãe de todas as ciências. Isto é um fato e no caso da Psicologia não é diferente. Muito antes de se tornar uma ciência, o homem já buscava explicações sobre si mesmo. As primeiras explicações sobre o ser humano e sua conduta foram de natureza sobrenatural, assim como todos os eventos. Aos poucos a Filosofia toma as rédeas e os mais variados eventos passam a ser analisados por uma ótica racional. Desta forma, a matriz UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 6 da Psicologia é a Filosofia, e já por volta de 500 a.C. temas como alma, espírito, já eram discutidos na Grécia por filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles. O primeiro tratado de Psicologia é considerado Da anima, redigido por Aristóteles. Seguem abaixo as principais contribuições destes para a Psicologia. QUADRO 2 – CONTRIBUIÇÕES DOS FILÓSOFOS GREGOS PARA A FORMAÇÃO DA PSICOLOGIA Filósofo Contribuições para a formação da Psicologia Influência nas a b o r d a g e n s a t u a i s d a Psicologia Sócrates (469 - 399 a.C.) Postula que a principal característica do homem é a razão e que esta o diferencia de outros animais. Teorias Psicológicas que se apoiam no estudo da razão e da consciência, como, por exemplo, o Cognitivismo. Platão (427 - 347 a.C.) Concebe a razão (alma) separada do corpo, tendo como elemento de ligação a medula. A razão se localizaria na cabeça. Para ele, as ideias ou características humanas eram geradas a partir do próprio interior do homem. Teorias Psicológicas que se apoiam no inconsciente, como, por exemplo, a Psicanálise de Freud e a Psicologia Analítica de Jung. Aristóteles (384 - 322 a.C.) Alma e corpo não podem ser dissociados. Para ele, a psyche seria o princípio ativo da vida. O homem possuiria a alma racional, com a função pensante. Estuda os fenômenos de sensação e percepção (órgãos dos sentidos). Reconhece a influência dos fatores externos que são percebidos pelos órgãos sensoriais. Considerado o pai da Psicologia por ter escrito o tratado Da Anima. Te o r i a s q u e a t r i b u e m destaque às influências do ambiente na constituição d o h o m e m , c o m o o Comportamentalismo. FONTE: Bock (2002) Já a Psicologia, enquanto ciência, nasce tendo como marco histórico o ano de 1875, quando Wilhelm Wundt (1832-1926) criou o primeiro Laboratório de Psicologia experimental, em Leipzig, na Alemanha. Wundt se ateve ao estudo das reações a estímulos realizados sob condições controladas por ele. Ao estudar as sensações e as percepções adotando o método experimental, o mesmo abandonou ideias abstratas expressas no conceito de alma em voga para se arraigar aos princípios e métodos científicos, um tipo de conhecimento extremamente rigoroso e sistemático. IMPORTANT E Segundo o Oxford American Dictionary, ciência é a atividade intelectual e prática que abarca a estrutura e o comportamento do mundo físico e natural por meio da observação e da experimentação. Esta parece ser uma forma bastante objetiva, mesmo que simplificada, de conceituar ciência. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 7 Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), na Psicologia o status de ciência é obtido à medida que a mesma se liberta da Filosofia e passa a se pautar em novos padrões de produção de conhecimento, ao: • Definir claramente seu objeto de estudo (comportamento, consciência etc.). • Delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas do conhecimento. • Formular métodos de estudo do seu objeto. • Formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimento na área. As variadas teorias psicológicas, a partir desse momento, passam a obedecer aos critérios básicos do método científico, isto é, buscar a neutralidade, os dados passam a ser passíveis de comprovação e o conhecimento acaba sendo acumulativo, ou seja, permite a continuação de pesquisas na área. Embora a Psicologia tenha nascido na Alemanha, é nos Estados Unidos que ela encontra condições para crescer rapidamente. A partir do que foi apresentado, uma constatação interessante é que as primeiras ciências a se desenvolverem foram justamente as que tratam do que está mais distante do homem, como, por exemplo, a Astronomia. As que se referem ao que está mais próximo são as que tiveram desenvolvimento mais tardio. Nesse sentido, a Psicologia é uma das áreas mais novas da Ciência, com, aproximadamente, 135 anos. Em termos de história, isso é muito pouco e exemplifica a fragilidade da mesma em explicar ainda muitas coisas. 3 DEFINIÇÃO E OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL FIGURA 2 – GENEALOGIA DO GÊNERO, RAÇA, ESPÉCIE FONTE: Disponível em: <http://permissaveniablogspotcom.blogspot.com/2010/06/cotacao. html>. Acesso em: 31 out. 2011. A partir do conceito de Psicologia parece óbvio que a Psicologia Social deveria então estudar o comportamento social, porém, como afirma Lane (2008), surgem algumas polêmicas: quando o comportamento se torna social? São possíveis comportamentos não sociais nos seres humanos? UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 8 Para Ramos (2003), a dificuldade de definição da Psicologia Social pode ser explicada na imprecisão de seus objetivos. Sendo uma disciplina relativamente recente, ainda não há consenso no sentido dedelimitação dos seus objetivos de forma precisa e ainda da extensão da sua aplicação. Considerada por muitos como um mix entre Psicologia e Sociologia, no polo da Psicologia a impressão que se tem é que tudo que não pertence à Psicologia fisiológica seria Psicologia social: suas funções psíquicas só se compreenderiam no jogo das suas relações sociais. O comportamento humano é social pela sua natureza e/ou pelos seus fins. No polo da Sociologia todo estudo dos fatos sociais, tendo o homem como centro, converter-se-ia em uma Psicologia Social. Kimbal Young (apud RAMOS, 2003) traz uma concepção de Psicologia Social bastante interessante e completa. Segundo ele, o estudo da personalidade é o grande objetivo da Psicologia Social, no entanto, enquanto que a Psicologia individual estuda os aspectos organopsicológicos da personalidade, a Psicologia Social trata do estudo da personalidade e do desenvolvimento em relação à ambiência social. Essa definição deixa claro o grande objetivo e o recorte bastante específico da Psicologia Social: estudar a personalidade como expressão da interação do indivíduo em seu meio social e cultural. Lane (2008) afirma que o enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento no que ele é influenciado socialmente. Isso acontece desde o momento que nascemos ou até mesmo antes do nascimento. Essa influência histórico-social se faz sentir, primordialmente, pela aquisição da linguagem. Podemos perceber, então, que é bastante difícil encontrarmos comportamentos humanos que não envolvam componentes sociais, embora sejam estes os elementos que se tornaram o enfoque da Psicologia Social. Em outras palavras, a Psicologia Social estuda a relação entre o indivíduo e a sociedade. Para Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999), a Psicologia Social é a área da Psicologia que procura estudar a interação social. Segundo os mesmos autores (1999, p. 24), “[...] a Psicologia Social é o estudo científico de manifestações comportamentais de caráter situacional suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas ou pela mera expectativa de tal interação [...]”. Para os autores, a Psicologia Social estuda os fenômenos sociais, comportamentais e cognitivos decorrentes da interação entre as pessoas. O que caracteriza o aspecto social do comportamento estudado é a importância dada à influência de fatores situacionais. Todas as definições, em maior ou menor grau, acabam por acentuar os fatores psicológicos individuais, ora os fatores sociológicos presentes na interação social. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2002), a interação social, a interdependência entre os indivíduos, o encontro social são os objetos investigados por essa área da Psicologia. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 9 IMPORTANT E Fenômenos cognitivos ou mesmo o termo cognição significam “aquisição de conhecimento” ou a forma como as pessoas processam as informações. Cognição é sinônimo de processos mentais que estão por detrás dos comportamentos. São exemplos: atenção, percepção, memória etc. Esse termo é bastante presente na Psicologia Social de base norte-americana (Psicologia social cognitiva), vertente que será apresentada no tópico seguinte. Para Ramos (2003), após o exercício de buscar definir Psicologia Social, normalmente se chega à conclusão de que ela acaba por estudar três ordens gerais de fenômenos: em primeiro lugar, a Psicologia Social estuda as bases psicológicas do comportamento social e, nesse sentido, aproxima-se da Psicologia do indivíduo. Em seguida, estuda as interações psicológicas dos indivíduos na vida social. Por último, a Psicologia Social se atém à influência dos grupos sobre a personalidade, acaba então sendo uma espécie de Sociologia psicológica ou uma Psicologia cultural. DICAS Para aprofundar algumas questões introdutórias em relação à Psicologia Social, um livro de fácil compreensão é: LANE, Silvia T. M. O que é Psicologia social. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2008. Partindo da convicção de que ela não é uma ciência autônoma, e mais do que isso, diante da dificuldade de delimitação de suas especificidades, a seguir, buscaremos fazer algumas relações, apontaremos semelhanças e diferenças com áreas que de alguma forma “disputam” o mesmo objeto de estudo, até por fazerem também parte das chamadas ciências humanas. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 10 4 RELAÇÃO COM ÁREAS AFINS FIGURA 3 – COMUNICAÇÃO – FALAR EM PÚBLICO FONTE: Disponível em: <http://www.babado.org/tag/medo>. Acesso em: 31 out. 2011. Dificilmente, ao entrar em contato com a Psicologia Social, não surge dúvida em relação à diferença entre Psicologia Social e outros setores afins do conhecimento, tais como: Sociologia, Antropologia, Filosofia e até mesmo as demais áreas da Psicologia. Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) relatam as aproximações e os distanciamentos da Psicologia Social com outros campos do saber de maneira bastante perspicaz. Uma primeira área do conhecimento que tem relações bastante próximas com a Psicologia Social e que, provavelmente, acaba sendo a área que gera mais dúvida em relação às diferenças é a Sociologia. De maneira bastante breve, podemos afirmar que a Sociologia é a ciência que tem como objeto de estudo a sociedade, as instituições sociais e as relações sociais. Podemos dizer que é uma “teoria da sociedade”. A Sociologia pode ser considerada uma ciência social cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Em outros termos, é uma teoria da modernidade. Dificilmente se encontra um psicólogo social ou um sociólogo que afirme, categoricamente, que Psicologia Social e Sociologia são ramos totalmente distintos. A maioria se inclina a acreditar que tem um objeto formal até distinto, embora reconheçam que exista algo em comum de maneira bastante nítida. É comum e coerente, inclusive, a afirmação de que quando temos um campo de interseção entre Psicologia e Sociologia, é exatamente aí que encontramos a Psicologia Social, que estudaria não só o indivíduo nas suas reações sociais como também a sociedade nos seus aspectos psicológicos. Dessa forma, a Psicologia Social e a Sociologia têm um objeto idêntico ou quase idêntico, no entanto, diferem na maneira pela qual estudam esse objeto, formulando perguntas diferentes aos seus processos investigativos. Talvez uma afirmação possível e simples para delimitar a diferença seria a de que enquanto o psicólogo social estuda o indivíduo no grupo, o sociólogo considera o grupo como um todo. Não há como negar, porém, uma área de interseção grande entre essas duas disciplinas e, em alguns momentos alguns estudos, acabam por pouco ou nada diferirem. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 11 Já a distinção entre a Psicologia Social e a Antropologia é bem mais nítida. De forma extremamente simplificada, é possível dizer que a Antropologia se refere à ciência que estuda as culturas humanas nos mais variados aspectos. Normalmente, ela é dividida em Antropologia biológica e Antropologia cultural. A primeira, como o nome já indica, dedica-se aos aspectos biológicos dos seres humanos e, por isso, normalmente, é classificada como uma ciência natural, enquanto que a segunda busca analisar e compreender o desenvolvimento das sociedades humanas ao redor do mundo e é considerada uma ciência social. Não se tem dúvida de que os estudos antropológicos fornecem dados valiosos para o entendimento do comportamento humano em diferentes culturas, principalmente os ligados à Antropologia cultural, entretanto, a Antropologia estuda as produções humanas nas diferentes culturas, embora não faça isso de forma individualizada tal como pretende em alguns momentos fazer a Psicologia Social. Em suma, a Antropologia é uma área de importância incontestada para a Psicologia Social,embora tenha nuances e características bastante distintas. Diferente da Psicologia Social, da Sociologia e da Antropologia, citadas anteriormente e que compartilham o método científico (observação – hipótese – experimentação – generalização), a Filosofia coloca-se em um patamar diferente. Embora trabalhe com enunciados precisos e rigorosos, por ter como objeto de estudo coisas abstratas, ela busca encadeamentos lógicos a partir da utilização da razão. Mais importante do que as respostas alcançadas via experimentação, a Filosofia contenta- se em suscitar perguntas e questionar aquilo que comumente se tem como natural. Dessa forma, em relação à Psicologia Social, a primeira diferença consiste exatamente na diferença entre objetividade por parte da Psicologia Social e especulação por parte da Filosofia. Vale ressaltar que nos referimos a métodos e a objetos de estudo diferentes, o que faz com que seja inconveniente a terminologia melhor/pior. Embora todo psicólogo ou mesmo toda pessoa tenha suas convicções filosóficas, como a melhor organização da sociedade, finalidade da vida em sociedade etc., a Psicologia Social acaba por se ater a questões mais superficiais, diferente da Filosofia, que busca e faz questão de ser radical (ir à raiz das coisas). A grande diferença reside, então, sobretudo, no grau de abstração de uma e de outra. Outra dúvida que aparece com frequência quando se entra em contato com a Psicologia Social é a da diferença entre ela e os demais setores ou áreas da Psicologia. Como será colocado a seguir, ao se discutir o significado do termo “social”, não há consenso em relação a isso. Por um lado, é possível dizer que em comum com as demais áreas da Psicologia (Psicologia Clínica, Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar etc.), temos o fato de que todas se veem constantemente às voltas com o estudo das interações humanas. Por outro lado, a distinção entre as várias áreas da Psicologia parecem se dar pela ênfase posta no estudo de certos fenômenos psicológicos em detrimento de outros. No caso da Psicologia Social parece evidente o fato de que o que a caracteriza, como colocado no item 2 (definição e objeto de estudo), é a ênfase dada às relações sociais, ao estudo da influência dos fatores situacionais no comportamento humano. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 12 5 O SIGNIFICADO DO TERMO “SOCIAL”: POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO Muitas poderiam ser as áreas nas quais as comparações teriam sentido e importância, no entanto, foram escolhidas algumas em que as dúvidas são mais comuns, com o intuito de exercitarmos as relações, a partir da compreensão da definição e objeto de estudo expostos no item 2 desse tópico. Feito isso, para encerrar esse primeiro contato com a Psicologia Social, buscaremos aprofundar o significado do termo “social” a seguir. FIGURA 4 – ECONOMIA CRIATIVA FONTE: Disponível em: <http://www.papocriativo.com.br/tag/economia-criativa/>. Acesso em: 31 out. 2011. Reflexão interessante é a trazida por Moreira (2007) a respeito da formação em Psicologia Social e as primeiras perguntas que os alunos fazem ao entrar em contato com a disciplina: “O que é Psicologia Social?”, “O que faz um psicólogo social?”. Aparentemente essas perguntas e as respectivas respostas deveriam ser trabalhadas como conteúdo obrigatório e como introdução da disciplina de Psicologia Social, no entanto, o autor revela que, na prática cotidiana, o que se percebe é que essas questões permanecem pouco claras. Moreira (2007) expõe que, ao lecionar a disciplina de Psicologia Social, propôs aos alunos que expusessem o significado da palavra “social” para eles. Vale ressaltar que esses alunos não tinham qualquer contato anterior com a disciplina. Suas visões foram construídas a partir dos comentários de outros alunos que cursaram alguma disciplina afim ou mesmo pelo que já haviam lido ou escutado a respeito, nos mais diversos meios de informação. Moreira percebeu que algumas ideias estão frequentemente associadas à Psicologia Social e que as respostas podiam ser agrupadas em três categorias básicas, entre elas a de que “toda psicologia é social”, a de que “a psicologia social trabalha com os pobres” e, finalmente, que “a psicologia social é essencialmente crítica”. Buscaremos, a seguir, analisar as seguintes proposições, tentando esclarecer o que há de verdade e mito nessas afirmações. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 13 A primeira ideia presente e expressa por parte dos alunos se refere à opinião de que “toda psicologia é social”. Freud, em 1921, na sua obra “Psicologia de grupo e análise do ego”, aponta que toda a psicologia individual pode ser considerada uma psicologia social, pelo fato de que não é possível pensar o sujeito fora de suas relações com o outro. Em consonância com essa afirmação, Silvia Lane, em várias obras, faz exatamente essa afirmação: toda psicologia é social ou pelo menos deveria ser. “[...] esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à Psicologia Social, mas sim cada uma assumir dentro da sua especificidade a natureza histórico-social do ser humano”. (LANE, 1984, p. 19). O que está implícita nessa afirmação é o fato de ela defender que não há a possibilidade de conhecer e compreender qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentando-o, como se existisse em si e por si. O sujeito com o qual a Psicologia trabalha é um ser relacional e histórico e, nesse sentido, as explicações que tomam como base a natureza, a herança genética e o comportamento inato acabam sendo colocadas em xeque nessa concepção. Diante do exposto, a afirmação de que “toda psicologia é social” parece ter sentido ao se compartilhar a premissa colocada até então. Como não existe uma única Psicologia e sim “psicologias”, temos dificuldade de colocar um ponto final nessa discussão, visto que algumas abordagens não compartilham esses pressupostos. Outra proposição recorrente é a de que “a psicologia social trabalha com os pobres”. Nesse caso o “social” acaba estando bastante atrelado à Assistência Social e na qual a Psicologia teria, nesse caso, a função de intervir no meio social, a fim de “ajudar” as classes menos favorecidas. É interessante o fato de que a universalidade da expressão “toda psicologia é social” se perde, pois é a Psicologia Social que se dedica e trabalha com os pobres. O “social”, nesse caso, acaba sendo quase um sinônimo de “carente”. É fato que a Psicologia Social produziu e produz constantemente metodologias para a intervenção em grupos e comunidades das periferias das grandes cidades e para a população em situação de vulnerabilidade social, sobretudo com o intuito de incluir esses grupos e comunidades, em defesa da cidadania. No entanto, o grande equívoco talvez esteja no ponto em que se reduz o campo de atuação da Psicologia Social a somente isso. A Psicologia Social debruça-se sobre todo e qualquer fenômeno coletivo da sociedade e às relações sociais existentes. Entretanto, a partir de uma perspectiva crítica, em uma sociedade desigual e produtora de desigualdades de toda ordem como no Brasil, ela acaba por se ater a esta problemática de forma significativa, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de grande parte da população que vive em condições precárias. A última ideia presente no estudo relatado por Moreira (2007) é a de que a Psicologia Social tem natureza crítica. Nesse sentido, essa concepção parece ser equivocada, já que parte do princípio de que todas as outras psicologias e suas práticas seriam alienadas e alienantes. Não seriam se fizessem a almejada UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 14 crítica social. Nessa ótica, a Psicologia Social seria o “certo”, enquanto as outras psicologias seriam “erradas”, dando à PsicologiaSocial um status superior e, inclusive, autorizando-a a criticar os mais diversos campos da Psicologia. Outro problema reside na dificuldade, a partir dessa suposta superioridade, de ser feita uma crítica interna, um olhar sobre a própria Psicologia Social, acertos e equívocos. Diante do que foi apresentado até então sobre o significado do “social” acrescido ao termo Psicologia, é importante notarmos que facilmente podemos cair em armadilhas, visto que não é raro esse termo significar muitas coisas e, em alguns momentos, totalmente distintas. No caso da nomenclatura “Psicologia Social”, e voltando às discussões expostas no início desse tópico, o “social” acaba por significar “relações sociais” ou até mesmo “sociedade”, adjetivo que designa o que é relativo à sociedade, como é trazido por vários dicionários da língua portuguesa. O termo “social” exprimiria a aplicação da Psicologia aos fatos sociais, assim como a Psicologia educacional se voltaria à educação e a Psicologia organizacional às organizações. Em síntese, o termo “social” traz a ideia de um “olhar para fora”, contrário à cegueira que fez por muito tempo parte da Psicologia e que levou à mesma a falácia de achar que o ser humano pode ser explicado e compreendido a partir dele mesmo, ignorando o entorno, as várias variáveis externas que acabam por interferir no desenvolvimento humano e na construção da subjetividade. ESTUDOS FU TUROS Na Segunda Unidade, abordaremos a temática desenvolvimento humano por um viés psicossocial, que é o da Psicologia Social. Na Terceira unidade, entraremos em contato com vários conceitos importantes em Psicologia Social, dentre eles a subjetividade. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 15 OS OUTROS S. T. M. Lane O ser humano ao nascer necessita de outras pessoas para a sua sobrevivência, no mínimo de mais uma pessoa, o que já faz dele membro de um grupo (no caso, de uma díade – grupo de dois). E toda a sua vida será caracterizada por participações em grupos, necessárias para a sua sobrevivência, além de outros, circunstanciais e esporádicos, como os de lazer ou aqueles que se formam em função de um objetivo imediato. Assim, desde o primeiro momento de vida, o indivíduo está inserido num contexto histórico, pois as relações entre o adulto e a criança recém-nascida seguem um modelo ou padrão que cada sociedade desenvolve e que considera correta. São práticas consideradas essenciais e, portanto, valorizadas; se não forem seguidas, dão direito aos “outros” de intervirem direta ou indiretamente. E, quando se fala em “dar o direito”, significa que a sociedade tem normas e/ ou leis que institucionalizam aqueles comportamentos que historicamente vêm garantindo a manutenção desse grupo social. Em cada grupo social encontramos normas que regem as relações entre indivíduos, algumas são mais sutis, ou restritas a certos grupos, como as consideradas de “bom-tom”, outras são rígidas, consideradas imperdoáveis se desobedecidas, até aquelas que se cristalizam em leis e são passíveis de punição por autoridades institucionalizadas. Essas normas são o que, basicamente, caracteriza os papéis sociais, e que determinam as relações sociais: os papéis de pai e de mãe se caracterizam por normas que dizem como um homem e uma mulher se relacionam quando eles têm um filho, e como ambos se relacionam com o filho e este, no desempenho de seu papel com os pais. Do mesmo modo, o chefe de uma empresa só o será, em termos de papel, se houver chefiados que, exercendo seus respectivos papéis, atribuam um sentido à ação do chefe, ou seja, um complementa o outro: para agir como chefe tem que ter outros que ajam como chefiados. Essa análise poderia ser feita em todas as relações sociais existentes em qualquer sociedade – amigos, namorados, estranhos LEITURA COMPLEMENTAR UNI No texto a seguir fica clara a importância dada aos outros, às relações sociais. Buscando explicar como nos tornamos sociais, a autora ressalta a importância dos “outros” na construção do que somos. Leia com atenção, pois além de se relacionar com o conteúdo apresentado anteriormente, também é importante para a leitura da Unidade 2. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 16 na rua, que interagem circunstancialmente, balconista e freguês – em relação a todos existem expectativas de comportamentos mais ou menos definidos e quanto mais a relação social for fundamental para a manutenção do grupo e da sociedade, mais precisas e rígidas são as normas que a definem. E a pergunta que sempre ocorre é: e a individualidade? Aquelas características peculiares de cada indivíduo? Afinal, se nós apenas desempenhamos papéis, e tudo que se faz tem sua determinação social, onde ficam as características que individualizam cada um de nós? A resposta é, mais ou menos, como aquela estória do pai dizendo à filha: “Você pode se casar com quem quiser, desde que seja como o João...”. Em outras palavras, podemos fazer todas as variações que quisermos, desde que as relações sejam mantidas, isto é, aquelas características do papel que são essenciais para que a sociedade se mantenha tal e qual. Existem teorias que definem os papéis sociais em termos de graus máximos e mínimos, de variações possíveis, e exemplificam com fatos como: a rainha Elizabeth (Inglaterra), na abertura do Parlamento, desempenha um papel totalmente definido; qualquer ação ou não ação que saia fora do protocolo gera confusão. Por outro lado, quando Zé da Silva está em um país estranho, se aventurando por conta própria (sem ser um “turista” o que já é um papel), atuando como um cidadão comum, sem ter as determinações daquela sociedade e, sabendo que a qualquer momento ele poderá se explicar como sendo estrangeiro, ele se dá o direito de fazer como sente, como gosta, “ele pode ser ele mesmo”, ou seja, fazer coisas que não faria se as pessoas o conhecessem, o identificassem como filho de “fulano”, casado com “sicrana”, que trabalha na firma X. Agora podemos pensar em toda a variedade de situações que nós vemos cotidianamente e reconhecermos situações em que somos mais determinados e outras em que somos menos determinados, ou seja, “livres”. Essa liberdade de manifestarmos a nossa personalidade também tem a sua determinação histórica: naquelas atividades sociais que não são importantes para a manutenção da sociedade, ou, às vezes, até o contrário, a contravenção necessária para reforçar o considerado “correto”, “normal” – os grupos considerados “marginais” reafirmam os sérios e trabalhadores, desde que não ponham em risco a ordem da sociedade; então a ordem é: façam como quiserem, sabendo que o “querer” é limitado; porém, naquelas situações, as quais podem abalar todo o sistema de produção da sobrevivência social, a liberdade se restringe a um “estilo” (ser mais ou menos sorridente, mais ou menos sério, mais expansivo ou mais tímido, entre outros). Assim como a rainha Elizabeth na abertura do Parlamento, o trabalhador se relaciona com suas ferramentas e máquinas, com seus chefes e mesmo com seus colegas de trabalho segundo um protocolo muito bem definido, pois, afinal, se ele não o fizer, o outro se sairá melhor ou ele perderá o emprego. TÓPICO 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: EM BUSCA DE UM CONCEITO 17 O viver em grupos permite o confronto entre as pessoas e cada um vai construindo o seu “eu” nesse processo de interação, através de constatações de diferenças e semelhanças entre nós e os outros. É nesse processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa identidade social e a consciência de si mesmo. FONTE: Lane (2008, p. 12-16) 18 Neste tópico, que pretendeu aproximá-lo(a) do conceito de Psicologia Social (definição e objeto de estudo), as principais informações podem ser agrupadas nos seguintes itens: • É possível definir a psicologia comoa ciência que estuda o comportamento. • É clara a dificuldade de definição da Psicologia Social por não se ter consenso em relação aos seus objetivos e aplicação. • Psicologia Social pode ser definida como a área da Psicologia que estuda a relação entre indivíduo e sociedade ou, então, a interação social. • A Psicologia Social compartilha com as demais ciências humanas o estudo do homem e, por esse motivo, as diferenças e semelhanças com as demais áreas em alguns momentos gera dúvida por grande parte dos que se atrevem a conhecê-la com mais afinco. A maior dúvida está na diferença entre Psicologia Social e Sociologia, porque é comum o fato dela ser colocada entre a Psicologia e a Sociologia. • O termo “social” desperta vários significados e conotações. Em seu sentido “puro” se refere às relações sociais, à sociedade: Psicologia Social seria então a aplicação da Psicologia aos fatos sociais. RESUMO DO TÓPICO 1 19 1 A partir das informações trazidas neste tópico, defina Psicologia Social, diferencie-a das demais áreas da Psicologia e da Sociologia e, por último, explique o significado do termo “social” presente nesta nomenclatura. AUTOATIVIDADE DICAS Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia os seguintes livros: RAMOS, A. Introdução à Psicologia Social. 4. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; DE SANTI, Pedro Luiz Ribeiro. Psicologia: uma nova introdução. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2004. 20 21 TÓPICO 2 A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO FIGURA 5 – PSICOLOGIA SOCIAL FONTE: Disponível em: <http://psicologiaadm.blogspot.com/2011/04/psicologia-social-do-que- se-trata.html>. Acesso em: 1 nov. 2011. Falar em invenção da Psicologia Social não significa acreditar que seu surgimento se deve a um mero acaso ou “capricho” de algum intelectual buscando evidência, mas invenção a partir da premissa de que é fruto de uma necessidade histórica, em que se exige um novo campo do saber, que possa trazer respostas e propor soluções até então inacessíveis e inconcebidas. A partir dessa constatação, explicar o aparecimento relativamente recente de um campo de conhecimento e de um conjunto de práticas, para se ocupar das “relações sociais” entre os indivíduos, é o que nos propomos a seguir. Iniciaremos buscando melhor compreender seu surgimento em nível mundial, para daí, então, refletirmos sobre as peculiaridades do surgimento e construção da Psicologia Social no Brasil. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 22 2 PSICOLOGIA SOCIAL MODERNA: UM FENÔMENO CARACTERISTICAMENTE AMERICANO FIGURA 6 – MEDITAÇÃO FONTE: Disponível em: <http://prcardson.blogspot.com/2011/03/confissao-positiva-realmente- vale-pena.html>. Acesso em: 1 nov. 2011. São infindáveis as controvérsias ou mesmo a ênfase dada na bibliografia da área a respeito do histórico da Psicologia Social. Temos desde os que ignoram essa temática a alguns poucos que se atrevem a fazer algumas inferências. Muito poucos são os que buscam aprofundar essa questão de forma consistente. Entre os que consideram esse tema relevante, há o consenso de que existem resquícios da Psicologia Social tal como é concebida hoje, desde o momento em que se buscou estudar e compreender a natureza social do homem ou mesmo a formação da sociedade. No entanto, de forma mais sistemática, normalmente, tem- se sua demarcação, enquanto área do conhecimento, no final do século passado ou mesmo durante este século. Buscaremos melhor compreender esse momento em específico, deixando de lado a “pré-história” da Psicologia Social (as bases filosóficas que serviram como alicerce ao momento que vivenciamos hoje). Em se tratando de marcos, datas e nomes, ao final do século XIX, encontramos grande produção no que foi denominado “Psicologia das massas”. Nessa época surgem livros como “As leis da imitação”, de Gabriel Tarde (1890), “A Psicologia das multidões”, de Gustave Le Bon (1895), “As representações individuais e coletivas”, de Émile Durkheim (1898) e, ainda, os dez volumes de “Psicologia dos povos”, de Wundt, entre 1900 e 1920 (MAYORGA; PRADO, 2007). Nesse sentido, não há consenso em relação ao seu surgimento exatamente, no entanto, muitos autores acabam por considerar como marco inaugural da Psicologia Social, e inauguração da denominação “psicologia social”, a publicação, em 1908, de “Social psychology” pelo sociólogo Edward A. Ross, e “An introduction TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 23 to social psychology”, pelo psicólogo William McDougall. O que parece ser consenso é que a Psicologia Social surge no século XX como uma área da Psicologia que faz uma ponte entre a Psicologia e a Sociologia. Sua formação está muito atrelada aos movimentos ideológicos e conflitos presentes nesse período. Já ao se referir a acontecimentos recentes que contribuíram para a solidificação da Psicologia Social enquanto estudo científico e sistemático, temos um desenvolvimento bastante grande após a Primeira Guerra Mundial. Juntantemente com outras ciências sociais, buscou-se procurar compreender as crises e as convulsões que abalavam o mundo naquela ocasião. No entanto, seu reconhecimento e o período de maior produção se dão, segundo Farr (1999), após a Segunda Guerra Mundial. A guerra, com suas nuances e consequências, acabou por impulsionar de forma avassaladora o desenvolvimento da Psicologia Social, semelhante ao que a Primeira Guerra Mundial fez com os testes psicométricos. Nessa perspectiva, a Segunda Guerra Mundial é um elemento-chave para a compreensão da construção da Psicologia Social e, a partir dela, é possível significar as características da mesma tal qual conhecemos hoje. Na Segunda Guerra Mundial são inúmeras as pesquisas realizadas pelos cientistas sociais, com o intuito de buscar respostas para várias questões que se colocavam naquele momento. Como exemplo, foram realizados inúmeros levantamentos sociais com o objetivo de adequar os soldados à vida do exército, bem como entender a participação nos combates e as consequências associadas. As várias pesquisas realizadas naquele momento foram importantes por uma série de razões, sobretudo para o desenvolvimento de programas conjuntos de pesquisa entre Psicologia e Sociologia. Vários programas interdisciplinares têm início nesse período, em várias universidades. Esse fato em específico é de suma importância para o desenvolvimento da Psicologia Social na era moderna. Em muitas disciplinas, inclusive em Psicologia Social, a geração de estudantes de pós- graduação após a guerra foi qualitativamente e quantitativamente rica. É possível afirmar que foram muitos os fatores que moldaram e interferiram no desenvolvimento histórico da Psicologia Social. Acontecimentos da vida real podem e acabam tendo uma influência marcante e, muitas vezes, dramática no desenvolvimento histórico das disciplinas acadêmicas. Em relação à Psicologia Social isso não foi diferente. Para Cartwright (apud FARR, 1999, p. 24) “[...] se fôssemos obrigados a nomear uma pessoa que teve o maior impacto nesse campo, essa deveria ser Adolf Hitler”. O que fica claro é a importância e os grandes reflexos da Segunda Guerra Mundial para a Psicologia Social. Além dos estudos anteriormente citados, o próprio surgimento do nazismo na Alemanha fez com que vários intelectuais migrassem para a América, dentre eles, Kurt Lewin, Heider, Kohler, Wertheimer etc. Foi de particular importância a migração dos psicólogos da Gestalt da Áustria e da Alemanha para a América. A presença desses personagens e de muitos outros nos Estados Unidos, mais especificamente, foi crucial para o engrandescimento da Psicologia Social. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 24 Nesse sentido, ao buscarmos compreender a origeme as raízes da Psicologia Social, percebemos que, apesar de encontrarmos resquícios em toda a tradição ocidental, seu florescimento atual é reconhecido como um fenômeno caracteristicamente americano. As raízes são vistas como europeias e as flores como especificamente americanas. É nos Estados Unidos que ganha um status experimental e surge inclusive a primeira forma estruturada de Psicologia Social, conhecida como Psicologia Social Cognitiva. Embora entremos em maiores detalhes em um tópico posterior é importante deixar claro, nesse momento, que a Psicologia Social americana pode ser considerada uma forma psicológica de Psicologia Social. Embora seja incontestável que faça parte do nascimento da Psicologia Social a relação com a Sociologia e outras ciências sociais, o enfoque emergente tem uma natureza bastante individual, típica da tradição psicológica dominante da Psicologia Social nos EUA, e alvo de críticas por muitos que atestam seu caráter ideológico e mantenedor das relações sociais existentes, ou seja, uma Psicologia claramente conservadora. ESTUDOS FU TUROS As características bem como as diferenças entre as considerada Psicologia social psicológica e a Psicologia social sociológica serão abordadas em breve quando buscarmos compreender as diferentes “psicologias” sociais: Psicologia social cognitiva e Psicologia sócio-histórica. 3 A PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL FIGURA 7 – PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL FONTE: Disponível em: <http://ucha.blogia.com/2009/061601-psicologia-do-esporte-no-brasil- uma-historia-a-ser-contada....php>. Acesso em: 1 nov. 2011. TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 25 No Brasil, semelhante ao que ocorreu em toda a América Latina, a influência maior na Psicologia foi a norte-americana. É pertinente a afirmação de que a primeira obra em Psicologia Social foi publicada em 1921. De autoria de Francisco José de Oliveira Viana e intitulada “Pequenos estudos de Psicologia”, foi composta de vários artigos, dentre eles alguns com temas enfatizando o meio social e o meio político. É importante ressaltar que nessa época já havia um pensamento psicossocial no Brasil. Dentre os autores mais relevantes, destacam-se, ainda no século XIX e na passagem para o século XX, Sylvio Romero, Raimundo Nina Rodrigues e Manoel Bomfim, todos frutos de um momento no qual se tinha o predomínio das ideias positivistas de forma bastante evidente. O regime escravocrata era uma questão bastante discutida em suas obras. IMPORTANT E Positivismo: termo complexo e com reflexos em várias áreas, designa uma corrente de pensamento que prevê que a ciência é a única explicação legítima da realidade. A Psicologia, assim como nas demais ciências humanas defende a noção de que se deve adotar os mesmos métodos nas ciências da natureza, como a objetividade e a mensuração. Na década de 30 surgem os primeiros cursos superiores em Psicologia Social, dos quais se destaca o ministrado em 1935 por Arthur Ramos e que resultou na edição do livro “Introdução à Psicologia Social”, em 1936. Ao tentar compreender a origem da Psicologia Social no Brasil, exercício interessante é, primeiramente, analisar o que a Psicologia buscou explicar e fazer através dos tempos. Antunes (1999) expõe que já no Brasil Colonial encontramos estudos sobre fenômenos psicológicos embutidos em outras áreas, como: Teologia, Pedagogia, Política e Arquitetura. A produção daquele momento se debruçava sobre o estudo das emoções, sentidos, autoconhecimento, adaptação ambiental, diferenças raciais, entre outros temas. Escritos por autores de formação jesuítica, a intenção claramente detectável era a de contribuir para o controle dos indígenas. Mais tarde, com a vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, são muitas as alterações sociais associadas. O crescimento das cidades, sem infraestrutura e preparo apropriado, faz emergir problemas até então não tão alarmantes, como: doenças, miséria, prostituição e loucura. Surge uma demanda de serviços até então inexistentes, como: educação em seus diversos níveis. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 26 É nesse período (século XIX) que se desenvolvem, no país, as ideias de saneamento (físico e moral) e higienização das cidades. Os conteúdos psicológicos aparecem nas produções médicas para caracterizar as doenças mentais e morais presentes nas prostitutas, nos pobres e nos loucos. É o período da criação dos grandes hospícios. Buscava-se uma sociedade livre da desordem e dos desvios. O final do século XIX trouxe a República e no século XX tem-se a modernização da sociedade brasileira, a Psicologia começa a se separar como área. Acontece a efetivação da Psicologia enquanto ciência autônoma e a produção da Psicologia se atém à Educação, as escolas transformam-se em verdadeiros laboratórios e surge o movimento chamado Escola Nova. IMPORTANT E Escola Nova foi o nome dado ao movimento que ganhou impulso na década de 1930 que pregava a Educação como elemento-chave para o crescimento do país. Buscou uma renovação na Educação a partir da defesa de métodos ativos e criativos, diferente do que era feito até então. As ideias psicológicas nesse período podem ser caracterizadas pelo interesse em diferenciar as pessoas, pois a predominância é a de que as capacidades são inerentes ou não aos indivíduos. Com esse intuito, percebe-se o desenvolvimento dos testes psicológicos, instrumentos que permitiam essa prática diferenciadora e categorizadora da Psicologia. O chavão “o homem certo no lugar certo” também está presente, principalmente associado à Administração e à gestão do trabalho, no qual se busca, a todo custo, a seleção de trabalhadores para as empresas. Em síntese, para Bock (2003), temos o controle como marca fundamental no período colonial, a higienização no início do século XIX e a diferenciação no século XX. Já no século XX a institucionalização da Psicologia torna-se evidente e, em 1962, tem-se como marco a Lei nº 4.119, que regulamentou a profissão no país. Nos anos que se seguem, proliferaram, no país, os cursos de Psicologia, associações profissionais e científicas, assim como a abertura de campos de trabalho, indicando que a Psicologia passa a se desenvolver com vigor. Diante do que foi colocado até então, fica claro que a tradição da Psicologia no Brasil foi marcada por um compromisso com as elites, a partir da constatação de que o interesse maior era controlar, higienizar, categorizar e diferenciar, objetivos claramente de uma minoria e necessários à manutenção e/ou incremento do lucro, dentre outros interesses secundários. TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 27 Assim, a Psicologia se institui como uma ciência extremamente conservadora, pouco ou praticamente nada preocupada com qualquer tipo de projeto de transformação social. Adotou no seu início uma perspectiva essencialmente naturalizante de homem e de seu desenvolvimento psíquico (BOCK, 2003). UNI Você deve se perguntar: o que significa isso? Vamos lá! O que fica evidente até esse momento é uma concepção de fenômeno psicológico como algo possível de ser explicado a partir do próprio sujeito. O fenômeno psicológico pode ser considerado naturalizado e universal, por se ter a prevalência da ideia de que está em todos nós, ao nascermos, e se desenvolverá conforme o homem for entrando em contato com o meio no qual está inserido. Essa concepção teve como resultado uma Psicologia de costas para a realidade social, já que naquele momento não se sentiu necessidade de fazer referência ao cotidiano vivido pelas pessoas, à cultura, às relações sociais, para compreender o mundo psíquico. Nessa concepção predominante até então, a sociedade não tem papel algum, já que é vista como algo externo ao sujeito, que nada tem a ver com seu desenvolvimento. Nesse sentido aPsicologia se instituiu na sociedade como uma profissão basicamente corretiva, utilizada apenas quando desvios ou patologias fossem detectados. Caso tudo esteja bem, é sinal de que a natureza fez o seu trabalho e não há necessidade da contribuição da área. A Psicologia nasce, então, associada a patologias, desvios, doenças, conflitos, desequilíbrios e desajustes, pouco contribuindo para a qualidade de vida ou mesmo promoção de saúde da maioria da população. As coisas começam a mudar no final da década de 70 diante dos novos acontecimentos sociopolíticos, como a luta pela redemocratização do país, as grandes greves operárias e a ascensão dos movimentos sociais, sobretudo como forma de protesto à ditadura militar. Na Psicologia ocorre a criação de vários sindicatos e os conselhos da categoria passam a ser ocupados por grupos mais progressistas. A partir desse momento é dada a largada para um período em que a Psicologia e os próprios psicólogos se perguntarão sobre a relação de seu trabalho ou do próprio fenômeno psicológico com a realidade social. A preocupação e a importância dadas à realidade social passam a ser algo inusitado, o que impulsiona o desenvolvimento da Psicologia social de forma importante. Nessa perspectiva, a grande divergência está em defini-la enquanto uma área ou campo da Psicologia ou uma perspectiva em disputa com a própria Psicologia, pressupostos e fazeres predominantes. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 28 Assim, como afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2002), a Psicologia Social, como área do conhecimento, passa a estudar o psiquismo humano, objeto da Psicologia, agora por uma nova ótica, tentando compreender como se dá a construção da subjetividade a partir das relações sociais vividas pelo homem. O mundo objetivo passa a ser visto como um fator a ser levado em conta ao buscar compreender o psiquismo humano. Esse enfoque, distinto da Psicologia “tradicional”, justificou o surgimento dessa nova área da Psicologia: a Psicologia Social, que no Brasil, principalmente na década de 80, buscou autonomia científica, com um aumento significativo de estudos realizados. Nessa década, ainda, foram criados os primeiros cursos de doutorado específicos na área, várias associações científicas, dentre elas a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), em julho de 1980. Segundo Bomfim (2003), muitos são os fatores relacionados ao surgimento e à produção de conhecimento em Psicologia Social no Brasil. A autora destaca três: o progresso de áreas afins, como: Sociologia, Antropologia, Educação, dentre outras; o avanço da Psicologia Social em países da Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na América Latina; e, ainda, as condições nacionais que, aliadas às novas demandas, abriram caminho nesse campo do conhecimento, agora um enfoque psicossocial. TÓPICO 2 | A INVENÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 29 LEITURA COMPLEMENTAR Por que a Psicologia Social é considerada uma subdisciplina da Psicologia? Questão importante, sim, pois como uma especialidade pode ser entendida na diversidade a partir de um tronco comum. Se voltarmos ao seu desenvolvimento, descobriremos que no seu início, não só na Europa ou nos Estados Unidos, mas também em diversos países latino-americanos, as menções de algo como uma Psicologia Social ou que represente temas considerados como próprios a ela, era produzida por pessoas que pertenciam não só à Psicologia, mas também e com muita frequência à Sociologia, à Filosofia Social, ao campo da Ciência política ou da História e da Antropologia. Sociólogos como Gabriel Tarde e Émile Durkheim, na França do final do século XIX e início do século XX, fizeram importantes contribuições à Psicologia coletiva. No entanto, para muitos, Augusto Comte ainda é considerado o antecessor. Na história da Psicologia Social estadunidense, aparecem como fundadores um psicólogo, W. McDougall, e um sociólogo, E. Ross. O interacionismo simbólico tem início com a obra de um filósofo: G. H. Mead; e na segunda metade do século XX, Stryker já alardeava a existência social de uma Psicologia social psicológica e outra sociológica. Para fazer uma história breve, cabe dizer que quase todos os temas abordados pela Psicologia Social se enriquecem com os aportes provenientes de outras ciências sociais, com as quais mantém diálogos frutíferos, ou seja, é certo que a história dessa disciplina pode ser contada desde dentro, mas também de fora dela mesma. Se as origens da Psicologia social são pluridisciplinares, então, como são suas fronteiras? São claras essas fronteiras? FONTE: Montero apud Mayorga; Prado (2007, p. 8) UNI No texto a seguir, você perceberá que a Psicologia Social não é uma área totalmente nova, mas sim um novo recorte feito e com semelhanças e diferenças um tanto confusas em relação a outras ciências humanas. Fique atento a esta peculiaridade da Psicologia Social e que servirá como uma primeira reflexão do que trataremos no próximo tópico, em que procuraremos conceituá-la, diferenciá-la de áreas afins, assim como delimitar seu objeto de estudo. 30 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico são trazidas algumas informações a respeito da origem da Psicologia Social, sendo que as informações mais significativas podem ser resumidas nos seguintes itens: l A Psicologia Social tal qual a conhecemos hoje surge a partir de uma necessidade histórica. l Tem-se como marco inaugural da Psicologia Social a publicação, em 1908, de “Social psychology”, pelo sociólogo Edward A. Ross, e “An introduction to social psychology”, pelo psicólogo William McDougall. l A Psicologia social cognitiva, assim como a Psicologia social moderna, é principalmente um produto do após-guerra. l No Brasil, a primeira obra em Psicologia Social data de 1921, embora a Psicologia Social enquanto área do conhecimento tenha crescido e se desenvolvido de forma significativa na década de 70, a partir da vinculação do fenômeno psicológico com a realidade social. 31 1 A partir do que foi colocado até então, relate os marcos de início da Psicologia Social no mundo e no Brasil. Feito isso, exponha os momentos históricos que alavancaram seu desenvolvimento e acabaram por contribuir para seu formato atual. AUTOATIVIDADE DICAS Para um aprofundamento destes temas, sugiro que você leia o seguinte livro: BRAGHIIROLLI, E. Psicologia geral. Petrópolis: Vozes, 2004. 32 33 TÓPICO 3 A PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO FIGURA 8 – PSICOLOGIA SOCIAL COGNITIVA FONTE: Disponível em: <http://carlospsicologo.blogspot.com/>. Acesso em: 1 nov. 2011. O estudo dos processos mentais (cognição) se dá em várias áreas da Psicologia e inclusive na Psicologia Social. De base norte-americana, a Psicologia social cognitiva é a primeira vertente de Psicologia Social existente, tendo como principal representante, no Brasil, Aroldo Rodrigues. A seguir, compreenderemos melhor as características desta Psicologia Social, origem, principais conceitos e sobre que tipo de questões ela vem se preocupando recentemente. 34 UNIDADE 1 | PSICOLOGIA SOCIAL: ORIGEM E DEFINIÇÃO 2 O MODELO ESTADUNIDENSE DE PSICOLOGIA SOCIAL FIGURA 9 – REESTRUTURAÇÃO COGNITIVA FONTE: Disponível em: <http://psicomental.com/category/emocoes/page/4/>. Acesso em: 1 nov. 2011. Em se tratando de Psicologia, não só Psicologia Social, é fato que o modelo estadunidense influenciou significativamente a Psicologia brasileira a partir de 1930, buscando dar a ela um caráter de neutralidade e, com isso, automaticamente, levou-a a certo afastamento da realidade social, o que mais tarde inclusive será alvo de críticas ferrenhas. ESTUDOS FU TUROS A chamada crise da relevância da Psicologia Social será aprofundada no tópico seguinte, ao entrarmos em contato com a outra vertente
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