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breve nos ateremos especificamente ao termo “alienação”, processo relacionado à ideologia em seu sentido negativo. Semelhante a Guareschi (1998) e Tomelin e Tomelin (2004), Aranha e Martins (1993) também citam os vários sentidos da palavra ideologia. Eles falam em sentido amplo e restrito. Ideologia, em seu sentido amplo, seria o conjunto de ideias, concepções ou opiniões sobre determinada temática qualquer. Nesse sentido, quando perguntamos qual é a ideologia de determinado pensador, estaríamos nos referindo à doutrina, às ideias e ao seu posicionamento diante de certos fatos. A ideologia em seu sentido amplo é a “boa ideologia”, citada por Tomelin e Tomelin (2004), ou a ideologia na sua dimensão positiva, apresentada por Guareschi (1998). Já a ideologia em seu sentido restrito ganha evidência com Marx (1983), pelo qual é defendido um conhecimento ilusório, com o intuito de mascarar os conflitos sociais. Com a concepção marxista, a ideologia adquire um sentido negativo como instrumento de dominação, acaba sendo uma “má ideologia”. Para melhor compreendermos a ideologia na sua dimensão negativa, a “má ideologia”, ou então a ideologia em seu sentido restrito, buscaremos agora elencar algumas características da mesma enquanto instrumento de dominação. No que tange a esse conceito são válidas as palavras de Guareschi (1998, p. 97) quando afirma que: [...] dominação é uma relação, e se dá quando determinada pessoa expropria poder (capacidades) de outro, ou quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente assimétricas, fazendo com que determinados agentes, ou grupos de agentes, não possam participar de determinados benefícios, sendo assim injustamente deles privados, independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a efeito. A partir do conceito de dominação fica mais fácil pensarmos nas estratégias utilizadas para a criação e manutenção das relações de dominação, talvez a questão mais relevante e útil para quem busca se aproximar do conceito de ideologia. Dentre os vários mecanismos utilizados ideologicamente, destacam- se a naturalização e a universalização. Tanto Tomelin e Tomelin (2004) como Aranha e Martins (1993) buscam explicar esses processos utilizados para conseguir criar e/ou manter o falseamento da realidade. A naturalização, para esses autores, seria uma forma de dirigir a consciência da população ao naturalizar situações que, na verdade, são produtos UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 166 da ação humana e, por conseguinte, são históricos e não naturais. A naturalização é detectada em afirmação como “sempre foi assim e sempre será” ou então que a existência de ricos e pobres faz parte da natureza, assim como a ideia de que é natural que alguns mandem e outros obedeçam. Guareschi (1998) cita o caso de uma mãe que, ao descobrir que sua filha está namorando vários rapazes, afirma: “Minha filha, isso não é natural. Isso nunca foi assim”. As tibetanas possuem muitos maridos e os árabes muitas mulheres, o que demonstra o quão presente está entre nós esse processo ao tirarmos dos fenômenos seu caráter histórico, relativo e transformá-los em eternos, imutáveis, naturais. Brecht (2010), poeta marxista, faz uma denúncia à ideologia e ao processo de naturalização em seu poema “Nada é impossível de mudar": Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. Outro processo citado pelos autores em questão é a universalização, na qual os valores da classe dominante são estendidos à classe dominada. Consiste na formação de uma consciência universal, uma espécie de correnteza ideológica, o que dificulta que alguém resolva “remar contra”. A consciência de classe é um exemplo desse mecanismo, no qual a empregada doméstica “boazinha” não se incomoda em trabalhar além do horário e com o salário que recebe. Ciente do seu lugar e situação, acredita que essa é uma espécie de regra a ser seguida. Outro exemplo trazido por Guareschi (1998) é o do político que em algum discurso afirma que a competição em âmbito mundial e a globalização são fundamentais para o desenvolvimento de todas as nações. Segundo ele, estamos diante da estratégia ideológica da universalização e fica uma pergunta: esses processos irão de fato beneficiar a todos os países ou só a alguns? Uma leitura possível é a de que eles vêm a favorecer só a alguns a partir da constatação de que os países não estão em pé de igualdade, ou seja, os fracos saem muito prejudicados, semelhante ao atleta que posicionado à frente e com muito mais preparo físico tende a ganhar daqueles que estão posicionados atrás dele e com menos recursos. Outro exemplo trazido por ele e ainda mais comum pode ser resumido na fala “rico é quem poupa”. Por detrás dessa fala está uma enorme legitimação da riqueza de poucos e uma espécie de mistificação da realidade, já que na grande maioria das vezes são pobres aqueles que não tiveram igualdade de oportunidades e/ou foram explorados. Para Tomelin e Tomelin (2004), a função principal da ideologia dominante é a manutenção das coisas como estão, buscar o status quo ao criar uma realidade TÓPICO 4 | IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO 167 ilusória, que traz conforto a todos os dominados. A ingenuidade coletiva faz com que não sejam enxergadas as contradições e a opressão e isso fica claro em dizeres cotidianos como: todos os homens são livres, os pobres não enriquecem porque não se esforçam, todos são iguais perante a lei, todos possuem igualdade de oportunidades, o trabalho dignifica o homem, as crianças não aprendem porque não são inteligentes, o salário paga o trabalho do operário. Analisando a afirmação de que os pobres não enriquecem porque não se esforçam, fica evidente a ideia de que as diferenças sociais podem ser explicadas no campo individual, sobretudo no talento e esforço de cada sujeito. Esse argumento é falacioso ao percebermos que a pobreza envolve muitas dimensões, inclusive de ordem social e política, o que nos levaria a questionarmos essa afirmação individualizante. A quem serve essa crença? Quem são os beneficiados de todos pensarem assim? Essas perguntas nos remetem à função das várias leituras equivocadas e tendenciosas da realidade. Segundo Chaui (2003), não temos acesso à realidade em si mesma. Se assim fosse, seria incompreensível que os seres humanos, conhecendo as causas da exploração, da miséria e da injustiça, nada fizessem contra elas. Esse imaginário social constitui a ideologia, que teria algumas funções primordiais: dissimular a presença da luta de classes, negar as desigualdades sociais e oferecer a imagem ilusória de uma comunidade (Estado) originada do contrato social entre homens livres e iguais. A ideologia é a lógica da dominação social e política. Tomelin e Tomelin (2004) deixa claro que a ideologia está presente nos mais diversos meios, como: na escola, na família, na religião, na política, na mídia e em todos os lugares onde existem pessoas se relacionando. Ela se propaga em todas as instituições sociais que, de alguma forma, acabam exercendo um papel formativo da consciência humana. Segundo Tomelin e Tomelin (2004, p. 140), algumas características evidenciam o que a ideologia faz e como atua na consciência humana: l Estabelece uma visão de mundo. l Manipula as vontades, cria desejos e necessidades, desenvolve o fascínio pela mercadoria. l Encobre a verdade. l Deixa a realidade confusa e distorcida. l Coisifica a relação entre as pessoas. l Prescreve normas para a conduta humana. l Cria representações sociais,