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67 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Unidade II 3 PLANEJAMENTO E CONTROLE JUST IN TIME Terminada a Segunda Guerra Mundial, metade do mundo estava esfacelado precisando ser reconstruídos às vezes do zero. As organizações de modo geral estavam arrasadas, em especial na Europa e no Japão. O processo de reconstrução, no então chamado mundo ocidental, foi liderado pelos Estados Unidos da América, que assumiram o papel predominante no processo. Suas organizações assumiram o protagonismo em praticamente todo o mundo, excluindo apenas as áreas sob influência e domínio da então União Soviética. A situação do Japão talvez tenha sido a mais radical. Sua indústria voltada desde antes da guerra para o esforço bélico estava física e psicologicamente arrasada, e foi necessária verdadeira reinvenção do seu modelo. A reconstrução do país contou com o apoio do Plano Marshall, que destinou cerca de 16 bilhões de dólares ao Japão. Através do Plano Marshall o Japão recebeu cerca de 16 bilhões de dólares em valores atualizados, o que, apoiado pela excepcional qualidade do ensino, permitiu a reconstrução de sua economia. Saiba mais O Plano Marshall foi um programa do governo estadunidense para a reconstrução da Europa e do Japão entre 1948 e 1952 aproximadamente. Consistiu na inversão de grande quantidade de capital para a reconstrução dos países destruídos pela guerra. Deu origem à chamada Doutrina Truman, um dos motivos da Guerra Fria. Veja mais em: FÁBIO, A. C. O que foi o Plano Marshall, e por que o conceito ressurge com o coronavírus. Info Money, 25 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3cd7N9F. Acesso em: 2 jun. 2021. O caso japonês teve algumas peculiaridades, no entanto. Primeiro, o menor acesso aos recursos naturais (minérios e petróleo principalmente), o que levou ao desenvolvimento de uma ideia de redução dos desperdícios, não presente na época no resto do mundo, e segundo, a cultura disciplinada e ordenada tradicional do Japão. 68 Unidade II Outro fator marcante foi a atuação de Willian Edwards Deming, um estatístico e professor universitário estadunidense, já renomado pela contribuição à melhoria dos processos durante a Segunda Guerra, junto aos executivos japoneses. Com a aplicação de métodos estatísticos, e principalmente com o enfoque nos efeitos perversos das variações para a qualidade de produtos e processos, contribuiu para tornar a indústria japonesa notória em qualidade e inovação. É considerado o estrangeiro com maior influência na economia japonesa no século XX. Esses fatores todos deram origem ao que se pode chamar de resposta japonesa aos desafios organizacionais. Caracterizados frequentemente pela palavra zero, que identifica a tentativa de evitar variações, levaram a programas como zero defeito; zero paralisação; qualidade total; manutenção total etc. Com o tempo esses programas criaram na indústria japonesa um diferencial competitivo que conduziu ao chamado milagre japonês e posteriormente difundiu-se por toda a indústria ocidental e transformou o Japão em uma das três maiores economias mundiais. Observação O milagre econômico japonês foi o fenômeno econômico ocorrido no Japão de crescimento econômico impulsionado primeiramente pela assistência dos Estados Unidos e consolidado pelo intervencionismo do governo japonês. Entre 1965 e 1980, o PIB nominal japonês aumentou em cerca de 100 bilhões de dólares para um trilhão de dólares, apresentando crescimentos anuais acima de 10% nas décadas de 1950 e 1960. Essas técnicas e políticas japonesas, tais como círculos de controle de qualidades, Poka Yoke, Kanban, Kaizen etc., acabam por ser reunidas sob o nome just in time e disseminadas pelo mundo todo. Just in time, numa tradução literal, apenas a tempo, é o conjunto de atividades destinadas a produzir bens e serviços exatamente quando necessários, nem antecipadamente nem após o necessário. A definição se completa introduzindo os conceitos de qualidade e eficácia ao tempo considerado. O just in time (JIT) é uma abordagem disciplinada que objetiva alcançar uma alta produtividade global e a redução de desperdícios. A ideia é permitir uma produção eficaz em termos de custo com o oferecimento das quantidades certas no momento certo das matérias-primas, componentes e serviços, utilizando ao mínimo as instalações, equipamentos, recursos humanos e estoques. O JIT depende fundamentalmente do equilíbrio entre a flexibilidade do fornecedor e a flexibilidade do cliente e tem como filosofia a simplificação. Outra ideia fundamental das ferramentas é o envolvimento total das pessoas e o trabalho em equipe. A grande diferença entre o JIT e as técnicas tradicionais é o fluxo com ausência de estoques (ou sua redução ao máximo), como mostra a figura a seguir: 69 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Fluxo tradicional Fluxo JIT Estágio I Estágio II Estágio III Estágio I Estágio II Estoque Estágio III Estoque Pedido Entrega Pedido Entrega Figura 15 No fluxo tradicional, os estoques funcionam como amortecedores, permitindo que cada operação adquira certa independência das outras. Ela pode continuar a operar mesmo que a anterior apresente deficiências. É o que se chama de proteção da produção. Um estágio está protegido das eventuais irregularidades dos estágios anteriores. Quanto maiores forem os estoques, maior será essa proteção e maior será a independência do estágio em relação aos demais. Mas lembrem-se: estoques custam muito! No fluxo JIT esse estoque amortecedor deixa de existir, assim os estágios passam a ser interdependentes. Caso um estágio tenha problemas, os demais rapidamente serão contaminados. Isso exige o comprometimento de todos os estágios no resultado final e não apenas na sua atuação individual. Apesar do aparente acerto em se proteger a produção de fatos como falta de matéria-prima, variação de demanda etc., o JIT vai ao sentido contrário. Ele considera que a existência de estoques pode proteger a produção, mas protege principalmente as deficiências estruturais das operações. Esconde problemas e deficiências que não sendo corrigidos incorrem em mais deficiências e mais estoques num círculo vicioso perverso. A figura a seguir é frequentemente utilizada para ilustrar esse conceito. O estoque é relacionado com o nível de água do rio ou lago sugerido. O nível elevado da água esconde montanhas no fundo do curso d’água, assim como o alto nível do estoque esconde os problemas existentes. Não conhecer o problema impede que seja resolvido. A ideia do JIT é ir baixando o nível da água aos poucos, mostrando as irregularidades existentes que, ao serem combatidas, permitem uma melhoria imediata na qualidade dos processos e novas reduções no nível da água, revelando e resolvendo novos problemas. Os estoques seguem essa analogia. Um programa de redução gradual de estoques faz com que os problemas operacionais apareçam e sejam combatidos, tornando os processos mais adequados. 70 Unidade II Melhoria contínua Ataque seletivo aos problemas Operadores Operadores destreinadosdestreinados RetrabalhoRetrabalho Estoques ProblemasProblemas Empresas Empresas atrasadas atrasadas ou defeituosasou defeituosas RefugoRefugo FilasFilas QuebrasQuebras Demanda instávelDemanda instável Figura 16 Fonte: Corrêa (2004, p. 599). A repetição sistemática da redução de estoques conduzirá a organização à excelência e, em princípio, sempre permitirá novos ganhos de qualidade. O JIT pode ser visto em três diferentes dimensões: • JIT como filosofia de produção. • JIT como um conjunto de técnicas para a gestão da produção. • JIT como método de planejamento e controle da produção. Entendemos o JIT como método de planejamento de controle da produção em um ambiente que já seja utilizado como conjuntos de técnicas de gestão, em uma organização que o tenha como filosofia de produção. Existe, portanto, uma hierarquia entre as três diferentes dimensões: Filosofia de produção Método de planejamento e controle da produçãoConjunto de técnicas de gestão Figura 17 - Just in time 71 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 3.1 Just in time como filosofia O just in time reflete a filosofia e o conjunto de técnicas introduzidas por deming na origem das chamadas técnicas japonesas e repousa em três pilares: • Eliminar desperdícios. • Envolvimento de todos os envolvidos. • Aprimoramento contínuo. Entende-se desperdício como toda atividade que não agrega valor ao produto. Slack, Chambers e Johnston (2002) enumeram as principais atividades que concorrem para o desperdício: • Superprodução. • Tempo de espera. • Transporte. • Perdas de tempo no processo. • Estoques. • Movimentação de pessoas. • Produtos defeituosos. Perceba que algumas dessas atividades são inevitáveis, o transporte, por exemplo. Mas temos que ter em mente que não agregam valor ao produto, e, portanto, elas devem ser reduzidas o quanto possível, entendendo o combate ao desperdício como filosofia de toda a organização. Por outro lado, o envolvimento de todos sugere a ideia de uma nova cultura organizacional, na qual todos estão envolvidos e comprometidos com o resultado final da operação e não apenas com seus resultados individuais ou setoriais. A perseguição desse envolvimento é feita a partir das chamadas práticas básicas de trabalho que Slack, Chambers e Johnston (2002) enumeram da seguinte forma: • Disciplina e seguir padrões. • Flexibilidade de práticas de trabalho. • Igualdade de condições a todos. • Criatividade. 72 Unidade II • Qualidade de vida no trabalho. • Desenvolvimento pessoal. • Autonomia de cada um intervir no processo. Por fim, o aprimoramento contínuo é explicitado pela filosofia Kaizen: “Nenhum dia poderá passar, em nossa organização, sem que algo tenha sido melhorado”. A filosofia Kaizen integra a mudança de cultura necessária para a implementação do JIT. Lembrete O JIT pode ser compreendido como uma filosofia de melhoria contínua em que as atividades que não agregam valor são identificadas e eliminadas. Isso leva à redução de custos, melhoria da qualidade do produto, do desempenho e da entrega, adicionando flexibilidade e estimulando a inovação na fabricação e no local de trabalho. Como se pode ver, portanto, o JIT busca atender as necessidades dos clientes em curto prazo de forma estratégica. 3.2 Just in time como conjunto de técnicas de gestão A partir da filosofia JIT, uma série de técnicas e ferramentas gerenciais permitem o combate sistemático ao desperdício e trazem em seu bojo uma série de benefícios. Rapidamente podemos citar essas ferramentas e técnicas: • Práticas básicas de trabalho, citadas anteriormente, preparam a organização e os colaboradores para a implementação do JIT. • Projeto para a manufatura revisa os processos, otimizando as operações, através da eliminação de métodos complexos ou confusos. • Foco na operação, buscando simplicidade e o desenvolvimento da experiência através de repetições. • Máquinas simples e pequenas, utilizadas no lugar de grandes máquinas com pouca flexibilidade. • Arranjos físicos, mais suaves e voltados para as pessoas, evitando grandes deslocamentos e excessivos manuseios. • Manutenção produtiva total, evitando paradas inesperadas e reduzindo assim a variabilidade dos processos. • Redução do set-up. Entende-se por set-up o conjunto de esforços e tempo necessários para se alterar as linhas de produção quando da mudança de um produto para outro. É um desperdício notável, pois durante o tempo de set-up nada se produz. O JIT trabalhando com soluções menos complexas e extensas consegue tempos de set-up menores, como menores incrementos de recursos. 73 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • Envolvimento total das pessoas, exigindo que todos utilizem suas competências individuais em prol dos resultados da organização. • Visibilidade, obtida pela discussão dos problemas por todos em ambiente aberto e não sujeito a recriminações. Os círculos de controle da qualidade (CCQ), formados por equipes multifuncionais, multidisciplinares e de variada hierarquia, têm um papel importante neste tópico. • Fornecimento JIT, fazendo com que os materiais cheguem exatamente no momento necessário. Observe que uma simples passada de olhos sobre a lista anterior mostra a dificuldade de se operar com JIT, mas as inevitáveis vantagens fizeram dele um conceito adotado praticamente no mundo todo atualmente. 3.3 Just in time como método de planejamento e controle da produção O JIT no que diz respeito aos aspectos de planejamento e controle da produção atua diretamente sobre os estoques, que é um dos pontos de maior desperdício dentro de uma organização. Nos métodos tradicionais de planejamento e controle da produção as ordens de fabricação são emitidas e incrementadas assim que os insumos estiverem à disposição. A primeira etapa produtiva recebe a ordem, executa a tarefa e “empurra” o material para a segunda etapa e assim sucessivamente. Não existe uma vinculação direta e obrigatória com a efetiva demanda, podendo, portanto, criar dissonâncias entre o produzido e o demandado. A figura a seguir mostra esse fluxo tradicional, chamado de sistema empurrado, e o fluxo just in time, chamado de sistema puxado. Processo de planejamento empurrado Demanda Empurrado – condições para disparar produção: 1. Disponibilidade do material 2. Presença da ordem no programa definida a partir de previsões 3. Disponibilidade do equipamento Processo de planejamento puxado Puxado – condições para disparar produção: 1. Sinal vindo da demanda - quadrado Kanban com menos de dois produtos (no exemplo) 2. Disponibilidade do equipamento 3. Disponibilidade do material Figura 18 Fonte: Corrêa (2004, p. 601). 74 Unidade II Todos os recursos estão disponíveis, mas nada produzem até que a etapa anterior solicite o produto necessário, resultando num planejamento puxado pela demanda. Desta forma, a real demanda é que comanda as operações, aumentando em muito a eficácia apesar de ser, por vezes, menos eficiente. As técnicas JIT mais usadas para planejamento e controle da produção são: • Kanban. • Produção nivelada. • Modelos mesclados. • Sincronização. O Kanban é um sistema de cartões em que a etapa posterior da cadeia informa o estágio anterior da necessidade de certa quantidade de material. A frequência com que os cartões são movimentados informa as quantidades a serem produzidas num intervalo de tempo. Suponha que num supermercado você tenha latas de leite condensado separadas em três grupos diferentes, separados por cartões nos quais além da especificação do material temos a quantidade de latas separadas por ele do grupo anterior. O primeiro grupo de latas de leite condensado está ao dispor do cliente e vai sendo progressivamente consumido. Ao consumirmos a última dessas latas, para acessarmos o segundo grupo é necessário tirar o cartão separador, que é enviado para o fornecedor do leite condensado, e a partir daí o segundo grupo passa a ser consumido. O cartão “disparado” orienta o fornecedor sobre necessidade futura de reposição e ele se prepara. Depois de um tempo esgota-se o segundo grupo de latas e o segundo cartão é enviado ao fornecedor. O terceiro grupo passa a ser consumido, mas o fornecedor, baseado no tempo entre cartões e os dados do cartão, já estará enviando a reposição necessária. Note que se a demanda aumentar o intervalo entre cartões diminuirá, mostrando a necessidade de maior produção. Caso a demanda diminua, o intervalo entre cartões aumentará, indicando redução nas produções. Evidentemente que essa descrição simplória não esgota as possibilidades do Kanban, mas demostra como o sistema se administra automaticamente em função da demanda. Um sistema completo de Kanban envolve três tipos de cartões: • Kanban de transporte. • Kanban de produção. • Kanban de fornecimento externo. 75 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Atualmente com o desenvolvimento da tecnologia os cartões físicos são muitas vezessubstituídos por informações computadorizadas. A produção nivelada consiste em tentar manter ao longo do tempo os volumes dos produtos produzidos e o mix desses produtos constantes ao longo do tempo. Ao invés de, por exemplo, produzir 100 unidades de um produto na segunda-feira para atender à demanda semanal, irá se preferir produzir 200 unidades por dia útil da semana. A vantagem é que a produção de pequenas quantidades continuamente reduz os estoques e aumenta as flexibilidades (de volume, mix ou modelo). Modelos mesclados surgem porque nem sempre é possível conciliar a produção de vários produtos com produção nivelada. Volumes e tempos de produção diferentes podem inviabilizar que todos os produtos tenham produção nivelada, assim alguns serão feitos aos lotes e outros continuarão nivelados. Para isso, a sincronização é fundamental para que se atinja um ponto ótimo no planejamento da produção. 3.4 Comparação MRP com JIT O JIT e o MRP são sistemas completares dentro de uma organização, cada um deles apresentando características que os fazem mais ou menos adequados para cada aplicação. Slack, Chambers e Johnston (2002) apresentam o quadro a seguir, comparativo dessas características, ressaltando que além das divergências existem também similaridades entre os dois sistemas. Quadro 5 Características do MRP Características do JIT É um sistema empurrado É um sistema puxado Utiliza ordens de produção oriundas do programa mestre. Atingir o plano é a meta. Monitoramento e controle Usa Kanban, responsável por “disparar” a movimentação e produção de materiais Organização complexa, centralizada e com uso intensivo do computador Decisões descentralizadas, não necessitando de sistemas computadorizados Depende da qualidade dos dados, lista de materiais, estoques etc. Baseia-se em taxas de produção (quantidade/tempo) em vez de volume Usa lead-time fixo Flexibilidade dos recursos e lead-time reduzido Exige tempo para que sejam feitas atualizações O JIT é mais do que apenas planejamento e controle Fonte: Slack, Chambers e Johnston (2002, p. 501-504). De modo geral, o MRP é mais complexo e trabalha com grandes quantidades de informações e é mais adequado para situações nas quais o interesse é prever situações futuras, com grande detalhamento. Já o JIT é mais vantajoso em situações mais simples e repetitivas, sendo mais robusto com flutuações de demanda. 76 Unidade II Dentro de uma mesma organização, pode-se trabalhar com ambos os sistemas interligados, com o MRP fornecendo o plano de materiais, para que eles possam ser puxados pelo JIT. São sistemas, portanto, complementares e não excludentes. 4 COMPRAS: GESTÃO ESTRATÉGICA E OPERACIONAL A atividade de compras é fundamental dentro das organizações, garantindo o suprimento de materiais ou serviços com a qualidade e a quantidade adequada, no momento adequado e ao custo mais baixo possível. Qualquer processo operacional antes do seu início necessita ter disponibilidade de matérias-primas, componentes, equipamentos e serviços para que possa operar. Para que o processo operacional ocorra sem problemas, é preciso que esses insumos estejam à disposição com regularidade, e sua quantidade e qualidade devem ser compatíveis com o processo. Por outro lado, a preocupação com os custos, como em todos os outros processos das organizações, deve ser central. Dependendo da natureza das operações, o desempenho excelente das atividades de compras pode significar vantagem competitiva para as organizações e cadeias de suprimentos. Dias (2015) conclui que os objetivos básicos das atividades de compras são: • obter um fluxo contínuo de suprimentos a fim de atender aos programas de produção; • coordenar esse fluxo de maneira que seja aplicado um mínimo de investimento que afete a operacionalidade da empresa; • comprar materiais e insumos aos menores preços, obedecendo a padrões de quantidade e qualidade definidos; • por meio de uma negociação justa e honesta, sempre procurar as melhores condições para a empresa, principalmente em condições de pagamento. Assim como outras atividades relacionadas ao controle de suprimentos, as atividades de compras eram, há algumas décadas, consideradas como secundárias nas organizações. No entanto, com a competição cada vez mais acirrada por preços, muitas vezes essas atividades se tornaram fontes de vantagens competitivas. Algumas vezes, operar adequadamente essas atividades pode tornar a empresa mais competitiva de modo mais imediato e amplo que algumas outras atividades, em princípio, mais centrais. Além disso, o relacionamento mais distante entre fornecedor e cliente está deixando de existir, sendo substituído por um relacionamento mais estreito, estratégico e perene. 77 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA 4.1 Negociações entre as partes 4.1.1 Poder de barganha No ano de 1979, Michael Eugene Porter publicou no Harvard Business Review o artigo As cinco forças competitivas que moldam a estratégica, no qual considera que cinco fatores, as tais cinco forças, modelam a estratégia da empresa (PORTER, 1979). Nesse modelo proposto, ele introduz o conceito de poder de barganha com os clientes e fornecedores. Poder esse que é biunívoco, ou seja, tem atuação recíproca: uma empresa pressiona e é pressionada por outra, pelo cliente ou pelo fornecedor. O esquema a seguir representa as forças mencionadas: Poder de barganha dos fornecedores Poder de barganha dos clientes Ameaça de novos entrantes Rivalidade entre concorrentes Ameaça de produtos substitutos Figura 19 Observe que duas das cinco forças referem-se ao poder de barganha, que é a força que uma empresa ou organização possui ao discutir preços e condições, conseguindo colocar pressão e exigências, tais como maior qualidade, menor preço ou compras por lotes maiores para obter preços mais baixos. Em seu artigo, Porter (1979) afirma que é essencial que a empresa enxerga o grau de dependência que tem de seus fornecedores avaliando o poder de barganha deles. Uma empresa muito dependente de seus fornecedores precisa reavaliar essa questão com atenção, já que pode afetar diretamente sua capacidade competitiva. 78 Unidade II Evidentemente, do mesmo modo que os fornecedores influenciam as empresas, estas influenciam seus clientes, portanto todos estão submetidos simultaneamente aos poderes de barganha de clientes e fornecedores. A organização deve entender quanto do sucesso dela depende dos fornecedores, em outras palavras, quanto do seu negócio está na mão dos fornecedores. Imagine uma empresa de e-commerce que tem como principal diferencial competitivo a entrega de seus produtos (rapidez, confiabilidade, flexibilidade de entrega), e que, portanto, depende dos serviços oferecidos por empresas de remessas expressas, como os Correios, por exemplo. Imagine uma greve de funcionários dos Correios. Tal acontecimento poderia paralisar os negócios da organização. Esta, por sua vez, precisaria ter várias opções de fornecedores e até poderia cogitar trabalhar com serviço de entrega próprio. Algumas questões ajudam a empresa a diagnosticar o grau dessa força: • Quantos fornecedores você possui atualmente e quais são eles? • Se você tiver apenas um fornecedor, o que vai fazer caso perca esse contato? • E se o seu único fornecedor aumentar os preços dos serviços ou produtos oferecidos? • O que você faria se o seu fornecedor decidisse aumentar o prazo de entrega, do qual você depende inteiramente para conseguir trabalhar? A partir desse diagnóstico, a organização deve se planejar para aumentar seu poder de barganha ou reduzir o poder de barganha dos fornecedores. Isso pode ser feito atuando nos dois lados da relação. É claro que parte do poder de barganha de uma organização em relação à outra é estrutural, ou seja, não depende do momento ou mesmo de atuação administrativa; por exemplo, uma empresa média ou pequena, fornecedora de uma grande rede de supermercados, terá estruturalmente um poder debarganha muito menor que a rede. O mesmo ocorre com clientes de uma grande empresa de insumos petroquímicos. No entanto, muitas vezes as empresas podem melhorar seu poder de barganha atuando de modo conjuntural. Essa atuação pode ser feita em duas frentes: • Barganha do fornecedor: — Caso o fornecedor demonstre grande interesse no pedido, manifesto normalmente com a quantidade de acessos que ele faz ao comprador, seu poder de barganha diminui. No caso contrário, no qual o interesse pelo pedido seja menos intenso, seu poder de barganha aumentará. Comportamento semelhante se relaciona com o estado anímico da economia. Em épocas de recessão, o poder do fornecedor cai, em épocas de desenvolvimento, ele cresce. 79 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA — O fornecedor que tiver certeza de que obterá o pedido, por ter preços e condições mais competitivas que os concorrentes ou que tiver o monopólio do mercado, terá seu poder de barganha muito aumentado. — O fator tempo frequentemente está a favor dos fornecedores, visto que muitas vezes o comprador tem necessidade de obter o produto ou o serviço rapidamente. • Barganha do comprador: — Ter vários e qualificados fornecedores aumenta a barganha do comprador. O oposto, ter um ou poucos fornecedores, diminui em muito esse poder de barganha. — Conhecer a estrutura de custos e preços do produto aumenta o poder de barganha do comprador. Em processos de terceirização isso é possível, na medida em que o comprador já produziu ou produz o produto e o serviço que ora compra. — O conhecimento técnico do produto ou serviço a ser adquirido também aumenta o poder de barganha do comprador. Esse conhecimento não é simples de ser adquirido e certamente não é algo que o comprador possa desenvolver para todos os produtos, mas aqueles produtos que são vitais para a organização podem ser foco especial de aprendizado. Imagine você indo comprar um computador sem sequer saber o que é uma memória flash. Certamente, ficaria à mercê do vendedor. 4.1.2 Relação ganha-ganha e ganha-perde A negociação entre fornecedor e cliente tradicionalmente é um confronto no qual os lados desejam obter vantagens um sobre o outro. Naturalmente, o fornecedor de um produto deseja vendê-lo pelo maior preço possível, entregá-lo com o maior prazo possível e com a menor qualidade aceitável. O comprador deseja exatamente o contrário. E essa dicotomia de desejos irá causar, obrigatoriamente, conflitos. A existência de um conflito em si não é algo negativo; pelo contrário, a resolução adequada de um conflito pode ser a oportunidade de melhoria. De modo geral, ainda hoje, muitos desses conflitos são resolvidos através de uma relação do tipo ganha-perde, na qual para um lado ganhar o outro lado tem que perder o equivalente. Muitas vezes é chamada de negociação distributiva, e os ganhos da negociação são desiguais entre as partes. Observe a seguir um simples exemplo: duas crianças dividindo uma barra de chocolate ao meio. Dificilmente os dois receberão exatamente a mesma quantidade de chocolate. Isso poderia ser corrigido com um acerto do tipo um divide e o outro escolhe primeiro, daí teríamos uma relação integrativa, a chamada relação ganha-ganha. Com essa estratégia – um divide, o outro escolhe – cria-se um equilíbrio entre as partes. Esse exemplo simplório ilustra a negociação ganha-ganha. Esta, mais do que o resultado de uma situação particular, se preocupa com o processo de negociação em longo prazo. A abordagem ganha-ganha, portanto, considera a resolução de conflitos como uma oportunidade para se chegar a 80 Unidade II um resultado mutuamente benéfico e inclui a identificação das preocupações de cada lado, a fim de encontrar uma alternativa que atenda às preocupações de todos. A relação ganha-ganha é indicada nas seguintes situações: • o ambiente é colaborativo; • quando é necessário tratar dos interesses das várias partes envolvidas (como, tipicamente, na cadeia de suprimentos); • onde exista um elevado grau de confiança entre as partes; • quando se tem em mente uma relação de longo prazo; • quando se tem em mente a responsabilidade compartilhada dos resultados. Apesar da relação ganha-ganha não ser utilizada sempre, e talvez nem na maioria dos casos, ela traz diversas vantagens: • reforça os sentimentos de confiança e justiça; • leva a uma solução real do problema; • embasa uma colaboração futura; • as responsabilidades são compartilhadas; • reduz o estresse das negociações. A qualidade das relações entre os elos da cadeia de suprimentos, sejam do tipo ganha-ganha, sejam do tipo ganha-perde, é percebida pelo consumidor final e comparada com as relações das cadeias concorrentes. De uma forma ou de outra, conflitos mal administrados são percebidos como perda de energia da cadeia e impactam o valor atribuído a ela. Imagine uma situação em que o fornecedor, por motivos conjunturais (falta de capital, retração de mercado, perda de clientes etc.), seja obrigado a aceitar uma negociação prejudicial a ele, por exemplo, ter que reduzir sua margem de lucro. De alguma forma, no futuro, ele tentará compensar esse prejuízo por meio de uma redução de qualidade do produto, com uma entrega mais demorada ou então dará preferência a outros clientes. A cadeia de suprimentos como um todo sentirá essa disputa destrutiva e haverá redução do valor. De qualquer forma, a negociação na atividade de compra é um processo de decisão submetido a planejamento, análise e revisão, aplicados a duas partes opostas que buscam um consenso satisfatório a ambas, maximizando os resultados. 81 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Lembrete A área de compras é responsável por questões importantes na gestão financeira da empresa, por exemplo, os custos de produção e as despesas administrativas. Interfere na lucratividade do negócio de modo direto, quer na qualidade das mercadorias e na satisfação dos clientes, quer na economia e transparência, que afetam diretamente a lucratividade e os resultados empresariais. Essa área, atualmente, está ligada à governança corporativa, com seus controles internos. Os grandes objetivos da negociação são: • Chegar a um preço razoável e satisfatório: os negociadores de cada um dos lados da mesa têm um preço alvo e um preço limite. O preço alvo é o que cada um dos lados deseja alcançar. Já o preço limite é o máximo que o comprador admite pagar e o mínimo que o fornecedor admite receber. A figura a seguir ilustra essa situação: ZAP Valor de compra alvo Valor de venda limite Valor de compra limite Valor de venda alvo Comprador Vendedor ZAP = zona de acordo possível Figura 20 – Escala de valores (preços) Adaptada de: Wilmer (2011). • Obter garantias do fornecedor para o cumprimento de prazos e condições contratuais: é absolutamente imprescindível que seja acertado um cronograma de entregas com o fornecedor para que não ocorram surpresas, em especial com os itens mais vitais para a produção da empresa. Em épocas que a economia está mais aquecida, é sempre importante estar atento para priorizações que não atendam às expectativas. Nessas épocas os clientes classe A são atendidos em detrimento dos demais. • Conseguir a máxima colaboração do fornecedor: relacionamentos mais duradouros tendem a criar um ambiente de maior colaboração e atendimento mais cordial e até preferencial. Em momentos de necessidade, isso pode ser a diferença entre a empresa ser ou não atendida pelo fornecedor. 82 Unidade II • Manter relação cordial com os fornecedores competentes: relações pensadas em longo prazo, não se deixando levar por vantagens pontuais, constroem um relacionamento cordial que irá repercutir em facilidades nas negociações futuras. Quando falamos de negociações comerciais, pensamos sempre em preço e prazo, mas há vários outros aspectos que podem envolver negociações. Dias (2015) elenca os principais: • existência de variáveis como qualidade e serviços associados ao produto; • previsão contra riscosque não podem ser previstos precisamente; • perdas geradas por contingências não possíveis de serem previstas (fenômenos naturais, por exemplo); • custos de instalação, arranjos físicos e ferramentais quando eles são parte importante dos custos envolvidos; • possibilidade de reavaliação das especificações quando o lead-time é longo, permitindo melhorias; • interrupções na produção quando as especificações estiverem em desacordo com as originais. 4.1.3 Parcerias de longo termo O relacionamento pontual entre cliente e fornecedor é o predominante no mundo dos negócios. São comuns negociações isoladas ou mesmo repetitivas, mas que se esgotam na própria operação. Essas negociações devem seguir as melhores práticas e assim atender aos objetivos específicos. Ocorre, no entanto, que com o crescimento da complexidade das relações entre os agentes econômicos, algumas empresas estão se relacionando com outras em parcerias de longo termo. Essas parcerias trazem vantagens evidentes, mas são extremamente difíceis de serem implantadas em razão, principalmente, do alto grau de transparência necessário. Essas parcerias vão se tornando cada vez mais comuns e com evidentes benefícios para os envolvidos, podendo se realizar entre grandes e pequenas empresas utilizando-se da complementariedade das competências. Ocorrem casos até de empresas concorrentes formarem parcerias. Estas são vistas como uma oportunidade de estreitar relacionamento e desfrutar de competências potenciais complementares. Estão sendo usadas inclusive como estratégias de crescimento. A ideia é colocar as necessidades do cliente final em primeiro lugar e desenvolver uma solução estratégica que beneficie a todos os envolvidos. Em outras palavras, focar no cliente final, conforme foi acentuado anteriormente. Essas estratégias de cooperação mútua são relativamente recentes, mas elas têm sido aceitas rapidamente no mundo dos negócios, apesar das grandes dificuldades envolvidas. 83 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Uma parceira, obviamente, só pode ser considerada se ela for vantajosa para ambos os lados. Eventualmente, é possível que uma empresa seja mais beneficiada que a outra, mas isso precisa ficar evidente para todos os envolvidos. Considerando o que foi exposto, algumas vantagens podem ser obtidas: • Redução de custos operacionais: é uma vantagem imediata, na medida em que alguns custos podem ser divididos, não havendo duplicidade. Empresas parceiras, por exemplo, não precisam realizar controles de qualidade em duplicata. Além disso, uma parceria bem-sucedida tende a melhorar as margens de lucro e ainda reduzir as necessidades de investimento, algo saudável em momentos mais difíceis. • Aumento do alcance da marca: o desenvolvimento da marca costuma ser facilitado pelas parcerias, com ações de marketing que impactam mais fortemente os clientes, inclusive em termos de lembrança da marca. • Benefícios para os clientes: redução de custos e aumento no alcance da marca resulta frequentemente em redução de preço, o que é fundamental como fator competitivo. Isso pode colaborar inclusive na fidelização dos clientes. • Sinergia das competências individuais: talvez seja o maior benefício das parcerias. Toda empresa tem atividades sobre as quais têm domínio total. Assim, para se manter concentrada naquilo que é essencial em seu negócio, uma boa saída pode ser a parceria com empresas que supram essas necessidades, criando uma sinergia de negócio vantajosa para as ambas as empresas. Alguns empecilhos importantes, no entanto, podem dificultar a efetivação de parcerias. Algumas questões têm que ser respondidas antes de se efetivar uma parceria: • A empresa e seus fornecedores operam com transparência? A tendência das empresas é não serem transparentes. Entretanto, não há muito a se esconder, a maioria das empresas compete com a qualidade de suas operações, e não devido a segredos impenetráveis. Abrir a sua estrutura de custos e exigir reciprocidade do parceiro prepara o terreno para a colaboração, o que melhora o desempenho de todos. • A empresa e seus fornecedores compartilham interesse no desempenho financeiro um do outro? Uma parceria efetiva exige que ambas as partes se beneficiem em termos reais, o que significa, normalmente, obter lucro. Estabelecer objetivos financeiros para os parceiros é fundamental. 4.2 Gestão estratégica de compras 4.2.1 Princípios As organizações modernas cada vez mais se concentram em entregar benefícios superiores aos clientes finais, e isso faz com que uma gestão estratégica de compras se torne a cada dia mais importante. 84 Unidade II Para que esse objetivo ocorra, os setores da empresa devem trabalhar em conjunto e o departamento de compras deve garantir que os materiais estejam disponíveis no momento adequado e com uma relação custo/desempenho adequada. Com o constante aumento da concorrência e da competitividade em todos os mercados e indústrias, as organizações sofrem pressões cada vez maiores para reduzir seus custos visando preservar tanto quanto possível suas margens de lucro. No que tange às atividades de compras, manter seus fornecedores estrategicamente alinhados e comprometidos com os objetivos finais e com os desejos dos consumidores é a maneira de manter margens de lucro adequadas com sucesso sustentável. Esse posicionamento extrapola as simples atividades de cotação, compra e recebimento de materiais, obrigando o desenvolvimento de relações mais estreitas e estratégicas com os fornecedores. O desenvolvimento de ações conjuntas com eles permitirá a aquisição de novas competências e o aumento de competitividade. A gestão estratégica de compras não é uma tarefa fácil, visto que envolve a alteração e a criação de uma cultura interna e externa à organização, na medida em que envolve as equipes internas e o relacionamento cliente-fornecedor de modo muito mais próximo que o tradicional. O desenvolvimento dessas relações exige a elaboração de políticas sofisticadas, o que envolve a homologação dos parceiros, a necessária qualificação e o controle dos resultados. Também é exigido um planejamento macro, determinando, por exemplo, os critérios de qualificação e homologação. Para tal, é necessário desenvolver rotinas diárias, por exemplo, estabelecer prazos e cronogramas de entrega que atendam às demandas internas no momento preciso e respeitar o fluxo de caixa da empresa. A maioria das empresas ainda segue paradigmas antigos e uma mudança de cultura exige aplicação e, principalmente, tempo para ocorrer. Treinamentos e reuniões de alinhamento constantes serão necessários para essa mudança. Esta, caso ocorrer, promoverá resultados mais eficazes. As pessoas entregam resultados melhores quando desenvolvem suas capacidades plenamente. 4.2.2 Fornecimento global como vantagem competitiva A evolução das telecomunicações e da informática reduziu as distâncias e facilitou a comunicação entre países do mundo todo. Com isso, procurar produtos e serviços ao redor do mundo em locais onde eles são mais vantajosos tornou-se uma forte tendência. Muitas vezes essa estratégia empresarial assume o nome de global sourcing. Basicamente, é um tipo de terceirização que aproveita custos menores apresentados em lugares nos quais o custo da mão de obra é menor ou a produtividade é maior. Esse processo se intensificou com a globalização, que eliminou muitas das barreiras geopolíticas existentes. Originalmente, o global sourcing aplicou-se a commodities produzidas em países com diferencial competitivo relacionado principalmente ao clima e às terras agriculturáveis, posteriormente expandindo-se para produtos manufaturados por empresas asiáticas. Serviços de call center em inglês, por exemplo, utilizam intensivamente empresas indianas. 85 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA É notável a produção atual de produtos cujos componentes são feitos por empresas ao redor do mundo. Computadores, tablets e celulares são exemplos desses produtos. Outro termo quevem ganhando espaço é o follow sourcing, que inverte a lógica do global sourcing, agrupando fornecedores próximos às empresas produtoras. Caso característico disso são as empresas automobilísticas, que criam um grupo de fornecedores de partes dos veículos e seus componentes. O fornecimento global está sujeito a vantagens e desvantagens assim como a críticas. Por um lado, ele permite o desenvolvimento de vantagens competitivas a partir da abertura cada vez maior das economias dos diversos países. Uma operação que seja realmente vantajosa exige análise acurada de todos os fatores envolvidos, como custos logísticos, burocracias decorrentes e qualidade intrínseca dos produtos e serviços. Por outro lado, critica-se essa estratégia porque, apesar de poder trazer vantagens competitivas pelas empresas, possivelmente gerará menos empregos e rendas a determinados países. No âmbito da economia brasileira, é possível que existam vantagens para os consumidores, pois, com os custos inferiores, é possível trabalhar com preços mais baixos. Saiba mais Spot são itens que, embora não estejam diretamente ligados à cadeia produtiva, geram valor considerável para um processo de negociação. Conheça o strategic sourcing para as compras spot lendo: SILVA, A. de S.; GOMES, R. L. R. A importância do strategic sourcing para o processo de compras spot. Revista Observatorio de la Economía Latinomericana, dez. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3sQiXIn. Acesso em: 26 ago. 2021. 4.3 Visão operacional de compras 4.3.1 Centralização versus descentralização Quando falamos de compras, tendemos a nos concentrar na aquisição dos materiais e serviços mais importantes e sensíveis nas organizações, principalmente, matéria-prima e componentes essenciais à atividade-fim, mas devemos notar que muitos outros materiais são adquiridos diariamente, desde esses, mais importantes e vitais, até itens aparentemente sem grande importância, mas que causariam problemas se não fossem adquiridos ou fossem adquiridos inadequadamente. Praticamente todos os setores e departamentos de uma empresa têm necessidade de insumos, sejam produtos, sejam serviços, que deverão ser adquiridos seguindo as melhores práticas. Apesar da 86 Unidade II evidente diferença de importância dentro de uma empresa entre os vários insumos, todos eles têm, em alguma medida, sua importância. A falta de um óleo lubrificante pode paralisar uma máquina e, consequentemente, toda a manufatura, assim como a falta da matéria-prima principal. É natural, no entanto, que a empresa em geral se preocupe mais com as matérias-primas fundamentais do que com o óleo lubrificante das máquinas ou com os materiais necessários de limpeza e higiene. Isso nos conduz à discussão de como estruturar os departamentos de compras em termos de centralização e descentralização. De fato, há vantagens e desvantagens em cada uma das estruturas. Nas estruturas descentralizadas, as aquisições são feitas pelos diversos setores ou por grupos de setores. Como a atividade está próxima do usuário, esse tipo de estrutura tende a ser mais flexível e ágil, conferindo a devida importância a cada item adquirido. Por exemplo, dificilmente faltará óleo lubrificante para as máquinas se a aquisição desse material estiver a cargo do departamento de manutenção. Esse item é muito importante para o departamento de manutenção, apesar de a organização como um todo não notar. Nesse modelo os setores seguem, evidentemente, políticas corporativas e são sujeitos ao controle da empresa, mas estão subordinados à gestão da unidade de negócio. Já à estrutura centralizada são atribuídas todas as atividades de compras da empresa em todos os níveis e setores. Geralmente, é uma área subordinada à hierarquia mais alta da organização e acaba por ser responsável não só pelas atividades operacionais como também pela própria definição dos procedimentos de aquisição de toda empresa ou grupo de empresas. Evidentemente, como em qualquer situação, cada um dos modelos tem vantagens e desvantagens, como mostrado no quadro a seguir: Quadro 6 Vantagens Desvantagens Estrutura descentralizada A responsabilidade pelo desempenho (custo e produtividade) é do setor local O sistema mais pressionado pode resultar em custos maiores Existe um maior controle sobre o processo, visto que a compra é feita localmente pelo setor Pode ocorrer conflito entre o comprador e o cliente interno, pois eles têm prioridades diferentes. O cliente quer disponibilidade e o comprador, preço e opções de fornecimento Resposta mais rápida. O cliente interno está próximo do comprador Baixa especialização do comprador. Ele adquire todos os materiais, não se especializa em nada Comunicação entre o cliente interno e o comprador é mais eficiente devido à proximidade Qualificação do comprador normalmente menor, pois não é remunerado de modo semelhante a um comprador técnico profissional O comprador local conhece o mercado local mais intimamente, podendo utilizar as vantagens características desse mercado Como as compras são feitas com baixa agregação, os savings são baixos 87 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Vantagens Desvantagens Estrutura centralizada Em razão dos maiores volumes, o poder de negociação aumenta, reduzindo não só os preços unitários como o custo total de aquisição (custo de pedir) Menos agilidade na aquisição tanto em termos de tempo como no aumento de processos e burocracias A equipe de compras é especializada, frequentemente técnica, e consegue atingir menores preços e melhores condições Há menos foco no cliente interno. Como é preciso atender a muitos clientes internos, as necessidades e urgências nem sempre são bem assimiladas e atendidas pelo departamento de compras As compras não são tão direcionadas para fornecedores locais, consequentemente, é possível trabalhar com parceiros mais vantajosos A comunicação entre comprador e usuário é menos direta e eficiente, podendo falhar e causar perda de tempo na negociação, seleção incorreta de fornecedores e especificações deficientes, reduzindo a eficiência e a eficácia das compras Observação O termo saving de compra significa a diferença de ganho entre o valor que foi orçado (previsto) pelo que foi efetivamente comprado. Funciona como um indicador, mensurando tanto os aspectos financeiros como de desempenho. Como cada um dos sistemas tem suas vantagens e desvantagens, um sistema híbrido apresenta-se como o ideal. Compras de maior valor, em maior quantidade e normalmente mais vitais são compradas por um setor centralizado; as compras de menor valor, mais corriqueiras, por compradores locais. Materiais de limpeza, papelaria e de manutenção ficam a cargo de compradores locais. Matéria-prima, serviços, equipamentos, instalações etc. passam a ser responsabilidade de um setor centralizado, corporativo. Frequentemente, o valor da compra define o setor comprador, bem como os níveis hierárquicos de aprovação. 4.3.2 Gestão eletrônica de suprimentos Você deve ter percebido quantas vezes repetimos a expressão redução de custos. Isso porque é uma preocupação central das atividades de compras. Reduzir custos significa comprar somente o que é necessário, no momento correto, na quantidade necessária e com o menor preço, com qualidade e prazo de pagamentos adequados, reduzindo os custos decorrentes da manutenção de capital de giro. Um bom sistema de gestão de compras deve ter vários recursos e características que permitam alcançar esses objetivos, e os recursos eletrônicos vêm em socorro dessa gestão, permitindo ao profissional atuar adequadamente na complexidade do processo. Esses sistemas de gestão devem conter algumas funcionalidades para que sejam atingidos os objetivos da atividade: 88 Unidade II • regras de compras; • solicitação de compras; • integração com os estoques; • restrições de aquisições; • autorização de compras; • permissão de compras; • aprovação de compras; • autorização eletrônica;• mensagens de alertas; • agenda de compromissos; • segurança tributária e fiscal; • segurança da informação; • integração com os demais sistemas da empresa; • cadastro de produtos e serviços; • cadastro de fornecedores. 4.3.3 Gestão de fornecedores e seus indicadores Como em todas as atividades administrativas, as compras devem ser planejadas, executadas, controladas e corrigidas na medida das necessidades. Trata-se do famoso ciclo PDCA. Isso nos conduz à necessidade de mensurar os resultados, para verificar se estamos no caminho correto. Diversos indicadores são recomendados para isso, tais como: • número de pedidos de compras; • tempo de colocação de pedidos; • pedidos ainda em aberto; • valor total de compras efetuadas; • volume de compras pagas por modalidade de pagamento (à vista, a prazo, em dinheiro etc.); 89 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA • índices de qualidade do fornecedor (por exemplo, porcentagem de atendimentos com defeitos); • eficácia no desenvolvimento de fornecedores; • quantidade de coletas de preço por aquisição; • tempo médio decorrido nas concorrências; • quantidade média de propostas coletadas; • controle dos descontos obtidos; • avaliações de eficácia. Evidentemente que os itens adquiridos têm importâncias diferentes e, portanto, serão geridos de maneira diferente. Como foi exposto anteriormente, eles deverão ser classificados de acordo com a Lei de Pareto e cada classe ou subclasse administrada com maior ou menor dedicação. Resumo Falamos do just in time (JIT), uma filosofia advinda do modelo japonês de gestão de produção que possui um conjunto de técnicas para o planejamento e controle da manufatura, inclusive o Kanban. Em seguida, fizemos uma comparação entre o JIT e o MRP. Vimos que o processo de compras tem uma importância crescente nas operações, considerando a dinâmica das negociações entre as partes (empresa e seus fornecedores) e abordando o desejo de uma relação de parceria na qual, independentemente do poder de barganha de cada um, prevaleça uma relação ganha-ganha. Diante do cenário atual de internacionalização dos fornecimentos, a empresa necessita expandir os seus relacionamentos com fornecedores globais, propiciando ganhos competitivos aos seus clientes em relação a custos, rapidez e, principalmente, qualidade. Acentuamos os aspectos operacionais de compras, considerando as vantagens e desvantagens de centralização e descentralização da tomada de decisões de compras. Nos dias atuais, existem ferramentas digitais que facilitam e agilizam o processo de compras, assim como criam uma rede de relacionamentos com os fornecedores, gerando medições e indicadores de desempenho dos fornecedores no que tange à sua eficiência, eficácia e flexibilidade. 90 Unidade II Exercícios Questão 1. (Enade 2015, adaptada) A logística atual adotou um conceito de integração que abrange toda a cadeia de suprimentos de uma empresa, desde a obtenção de matéria-prima até a entrega do produto ao consumidor final. Para que isso aconteça, é fundamental um gerenciamento logístico dessa cadeia, de tal modo que ocorra uma elevação nos níveis de serviço e uma redução nos custos ou manutenção. Contudo, o ciclo de vida dos produtos tem se reduzido cada vez mais, o que torna o mercado instável, visto que a obsolescência de um produto pode ocorrer pouco tempo depois de seu lançamento. Tal situação exige uma gestão cada vez mais eficiente, tendo em vista a necessidade de informações quase que instantâneas, para, assim, evitar equívocos que possam penalizar a empresa, além dos prejuízos financeiros. Nesse contexto, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – A gestão da cadeia de suprimentos representa a integração externa das atividades de uma empresa, pois estende a coordenação dos fluxos de materiais e informações aos fornecedores e ao cliente final. porque II – A gestão da cadeia de suprimentos é a coordenação estratégica e sistêmica das funções de negócios tradicionais e das ações táticas que perpassam essas funções em uma empresa e através de negócios, dentro da cadeia logística, com o propósito de aprimorar o desempenho de longo prazo dessa empresa e da cadeia de suprimentos como um todo. A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa correta. A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I. C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa A. Análise da questão Na questão, além do conceito de gerenciamento da cadeia de suprimentos, aborda-se o conceito de integração, que é o objetivo desse gerenciamento. 91 GESTÃO DE SUPRIMENTOS E LOGÍSTICA Uma cadeia de suprimentos é uma rede de organizações conectadas e interdependentes, trabalhando conjuntamente, em regime de cooperação mútua, para controlar, gerenciar e aperfeiçoar o fluxo de matérias-primas e de informações dos fornecedores para os clientes finais. Assim, o gerenciamento da cadeia trata da coordenação do fluxo de produtos ao longo de funções e de empresas a fim de produzir vantagem competitiva e lucratividade para cada uma e para o conjunto das companhias. Considerando que a razão da existência da rede de empresas que trabalham juntas é a criação da vantagem competitiva por meio da integração entre seus procedimentos, as afirmativas I e II são verdadeiras e a II é justificativa correta da I. Questão 2. (Enade 2015, adaptada) Leia o texto a seguir: “O just in time (JIT), sistema de produção que visa aprimorar a produtividade global e eliminar os desperdícios, possibilita a produção eficaz no que se refere a custo, assim como o fornecimento apenas da quantidade correta no momento e locais corretos, utilizando o mínimo de instalações, equipamentos, materiais e recursos humanos. O JIT depende do balanço entre a flexibilidade do fornecedor e a flexibilidade do usuário.” Fonte: SLACK, N.; CHYAMBERS, S.; JOHNSTON, R. Administração da produção. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. Adaptado. Nesse contexto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I – Nos sistemas de produção JIT, procura-se reduzir o tempo gasto na nova preparação/ajustes do equipamento até o instante em que a produção é liberada. porque II – No sistema JIT, com a redução do tempo gasto na nova preparação/ajuste do equipamento, o estoque médio diminui. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a asserção II justifica a I. B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a asserção II não justifica a I. C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As asserções I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa A. 92 Unidade II Análise das asserções I – Asserção verdadeira. Justificativa: no JIT procura-se diminuir o setup de máquinas, pois essa redução aumenta a eficiência da produção. O JIT foi desenvolvido para reduzir o tempo necessário para a produção de um item por meio da adoção de técnicas que permitem aplicar o material certo, no local certo e no momento certo. II – Asserção verdadeira. Justificativa: a redução do setup implica a redução de estoques, já que o tempo de espera dos materiais em estoque será diminuído. Logo, essa asserção justifica a anterior.
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