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Apostila - Bíblia III - Intro ao NT

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Março / 2020
Professor/autor: Dr. Júlio Paulo Tavares Zabatiero
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
SUMÁRIO
Bíblia III - Introdução ao Novo Testamento
Unidade I - Começando a estudar o Novo Testamento
1. Por que estudar "Introdução ao Novo Testamento"?.......................................................04
2. Aspectos da geografi a e história dos tempos helenísticos............................................11
3. A Organização Discursiva e o Cânon do Novo Testamento............................................20
Unidade II - O contexto Político-Cultural do Novo Testamento 
1. O Império Romano: a Pax Romana...................................................................................34
2. O Império Romano: Filosofi as Populares.........................................................................47
3. O Império Romano: Religiões............................................................................................57
Unidade III - O universo discursivo judaico no período helenístico
1. O Judaísmo nos tempos do Novo Testamento...............................................................66
2. O discurso judaico ofi cial..................................................................................................73
3. Discursos judaicos de oposição e resistência.................................................................82
4. Loucura e escândalo: um messias inaceitável (uma análise de I Coríntios 1:18-31)...89
Unidade IV - A teologia neotestamentária no contexto do judaísmo
1. A fi delidade à Torá: um tema em disputa (refl exão a partir do evangelho de Marcos.....97
2. A fi delidade à Torá: um tema em disputa (refl exões a partir de Gálatas 3:1:29).........104
3. O discurso Judaico Ofi cial sobre a pureza......................................................................112
4. O discurso cristão sobre a pureza...................................................................................119
Respostas e reações dos exercícios..........................................................................126
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA4
UNIDADE I : Começando a estudar o Novo Testamento
1. Por que estudar “Introdução ao Novo Testamento”? 
(1) Porque o Novo Testamento foi escrito em uma época da história humana 
que pode ser datada entre os séculos III a.C. e II d.C. Consequentemente, 
várias distâncias nos separam dos tempos neotestamentários – temporal, 
geográfi ca, linguística, cultural, social, política, econômica, religiosa – 
distâncias essas que precisam ser encurtadas pelo estudo; 
(2) Porque apesar da nossa familiaridade com a superfície dos textos 
bíblicos, mediante a leitura diária da Escritura, as características 
linguísticas, literárias e culturais também são distantes das mesmas 
características na atualidade (e.g., para nós, os Evangelhos são 
“biografi as” de Jesus, mas quando comparamos os Evangelhos com 
as biografi as da época neotestamentária, percebemos que eles não 
compartilham das características das biografi as daquela época); 
(3) Porque, como consequência dessas distâncias, os sentidos dos 
temas presentes nos escritos do Novo Testamento também diferem 
dos sentidos que eles fundamentam em nossas teologias atuais – e 
o grande desafi o que esta característica apresenta para nós é o de 
discernir com clareza a “nossa” teologia e a teologia “deles” (e.g., ao 
estudarmos os temas teológicos da literatura paulina, veremos o tema 
do senhorio de Cristo. Para nós, esse tema indica essencialmente que 
Jesus é, como Deus, alguém que tem autoridade plena e poder sobre 
todas as coisas. Nos escritos paulinos, estes aspectos do sentido do 
senhorio de Cristo estão presentes, mas não da mesma forma como 
em nossa realidade atual); 
Portanto, o estudo introdutório do Novo Testamento tem como objetivos 
principais nos ajudar a superar essas distâncias a fi m de entender 
melhor os seus escritos. O nome da disciplina é “introdução” porque 
ela é preparatória para o estudo exegético e teológico dos escritos 
neotestamentários. 
5Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
A perspectiva teórica desta disciplina 
O estudo contemporâneo do período histórico do Novo Testamento tem 
sido realizado a partir de diferentes perspectivas teóricas, das quais as 
mais importantes são: 
(1) perspectiva histórica propriamente dita: a tarefa fundamental do 
estudo é situar os escritos neotestamentários na história do tempo de 
sua escrita. Para fazer isto, é necessário, consequentemente, datar os 
livros bíblicos (quase todos eles não tem indicação explícita da data de 
sua escrita – naqueles tempos não havia a noção de direitos autorais e 
de reprodução – copyright – com as datas de publicação, etc.), descobrir 
onde e como foram escritos, que problemas os escritos tentaram resolver, 
etc. A teoria exegética que sustenta a perspectiva histórica afi rma que 
“um texto só pode ser entendido dentro de seu contexto”. 
A perspectiva histórica possui duas grandes vertentes: a histórico-
crítica e a histórico-gramatical. Ambas possuem basicamente o mesmo 
conceito de história e verdade histórica (um texto é histórico na medida 
em que narra ou representa fi elmente os acontecimentos conforme eles 
realmente aconteceram), mas diferem na sua atitude no tocante à relação 
entre a teologia e a exegese. Na vertente histórico-crítica, conceitos 
teológicos ou doutrinários não devem interferir no estudo introdutório 
(e.g., a inspiração dos escritos bíblicos não os dota de uma “veracidade 
histórica” superior a qualquer outro escrito humano). 
Na histórico-gramatical, conceitos doutrinários ou teológicos podem 
interferir no estudo introdutório – na vertente fundamentalista, não só a 
teologia interfere, como também funciona como único critério de verdade 
para se pesquisar quando, onde, quem e como os textos bíblicos foram 
escritos). Um exemplo da perspectiva histórico-gramatical é: CARSON, D. 
A.; MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, Vida Nova, 
São Paulo, 1997. Um exemplo da perspectiva histórico-crítica é: BROWN, 
R. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005.; 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA6
(2) perspectiva histórico-literária: nesta perspectiva, o foco fundamental 
recai sobre as características literárias dos escritos bíblicos, fi cando em 
segundo plano as questões mais tipicamente históricas. A defi nição 
da data, autoria, história da elaboração do texto são deixadas em lugar 
secundário, e o foco recai sobre o texto em sua forma fi nal. A ênfase recai, 
assim, na pergunta pelas questões típicas da crítica literária: gêneros 
textuais e literários, características de estilo, formas de expressão, uso 
de linguagem fi gurada, distinção entre prosa e poesia, etc. 
No tocante à relação entre teologia e introdução, a perspectiva literária 
é mais plural do que a histórica. A forma dessa relação depende muito 
mais do autor ou autora do estudo do que, propriamente, da teoria literária 
utilizada – uma vez que para a teoria literária a questão da verdade ou 
veracidade histórica de um texto não é relevante. A obra coletiva ALTER, R. 
& KERMODE, F. (orgs.) Guia Literário da Bíblia, São Paulo, EdUNESP, 1997 é 
um excelente exemplo da perspectiva literária. O manual de interpretação 
bíblica de FEE, G. & STUART, D. Entendes o que lês, São Paulo, Vida Nova, 
1996 é um exemplo de como os estudos introdutórios em perspectiva 
literária podem ser usados com uma teologia conservadora. 
7Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
(3) perspectiva sociológica: esta perspectiva é uma forma de 
especialização da histórica – seu enfoque recai sobre as estruturas 
sociais e culturais dos tempos em que os textos bíblicos foram escritos. 
Por isso, precisa das defi nições encontradaspela pesquisa histórica 
sobre data, autoria, etc. Uma vez datado e situado geografi camente o 
texto, o estudo introdutório passa a perguntar pelas características da 
sociedade em que o texto foi escrito: como era a estrutura política, as 
divisões sociais, os papéis masculino e feminino, a função do texto com 
relação à ideologia social e à utopia, etc. Os enfoques desta perspectiva 
são variados, de acordo com a teoria sociológica adotada pela pessoa que 
realiza o estudo. Por exemplo: STAMBAUGH, J.E. & BALCH, D.L. O Novo 
Testamento em seu ambiente social (São Paulo, Paulus, 1996), adota 
uma teoria sociológica de cunho weberiano. THEISSEN, G. Sociologia da 
cristandade primitiva (Sinodal, São Leopoldo, 1987), adota uma teoria 
sociológica de cunho mais funcionalista, com elementos adotados da 
psicanálise e psicologia social. HOUTART, F. Religião e Modos de produção 
pré-capitalistas (São Paulo, Paulinas, 1982), é exemplo de uma teoria 
marxista da sociedade aplicada ao estudo não só de introdução à Bíblia, 
mas da religião em geral. FIORENZA, E. S. As Origens Cristãs a partir da 
Mulher (São Paulo, Paulinas, 1992), exemplifi ca um enfoque sociológico 
caracterizado por uma teoria de gênero. Dentro desta vertente também 
podem ser classifi cados os estudos mais tipicamente antropológicos – 
aqueles que perguntam pela cultura dos tempos bíblicos. 
Assim como há uma diversidade de enfoques sociológicos adotados 
nesta perspectiva, também a questão da relação entre conceitos 
teológicos ou doutrinários e o estudo introdutório é variada. Depende 
muito dos autores que a utilizam, embora a maioria deles (e delas) venha 
de ambientes em que se pratica também a pesquisa histórico-crítica. 
Nesta disciplina adotaremos uma perspectiva teórica que engloba 
elementos das três perspectivas acima, tendo como eixo uma teoria da 
ação humana em sociedade conhecida como Teoria da Ação Comunicativa 
– que engloba aspectos da pesquisa histórica, da linguística (que 
fundamenta algumas das teorias literárias) e das sociologias modernas. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA8
Não é necessário descrever esta perspectiva aqui, uma vez que ela 
estará no pano de fundo de todo o nosso estudo, e suas características 
principais aparecerão ao longo da disciplina. À medida que usarmos 
conceitos da teoria, eles serão explicitados e explicados. 
Como o nosso objetivo maior é entender melhor o Novo Testamento, 
conhecer a teoria usada para o estudo introdutório é algo secundário – a 
nossa atenção deve recair diretamente sobre o Novo Testamento e seu 
mundo. As duas obras publicada em português mais próximas desta 
perspectiva são: KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. 
São Paulo: Paulus, 2005 (vol. 1 História, cultura e religião do período 
helenístico; vol. 2 História e literatura do cristianismo primitivo) e 
KLAUCK, Hans-Joachim. O entorno religioso do cristianismo primitivo. 
São Paulo: Loyola, 2011 (vol. 1 Religião civil e religião doméstica, cultos 
de mistérios, crença popular; vol. 2 Culto aos governantes e imperadores, 
fi losofi a, gnose. São Paulo: Loyola, 2011).
EXERCÍCIO DE REFLEXÃO - 01
Após a argumentação inicial sobre a importância de se estudar de 
forma mais ampla diferentes aspectos do mundo na época de Jesus, 
escreva a seguir como os aspectos citados podem infl uenciar em 
sua construção teológica a respeito do Novo Testamento.
Talvez estas explicações teóricas não tenham sido muito convincentes 
para você. Você pode ainda estar se perguntando: “é mesmo necessário 
estudar esta disciplina? Os textos do Novo testamento são tão claros e 
fáceis de entender!” Vejamos exemplos de textos que podem nos ajudar a 
perceber melhor a necessidade dos conhecimentos que iremos construir 
nesta disciplina de Introdução ao Novo Testamento:
Quando Jesus desceu do monte, grandes multidões o 
seguiam. E eis que veio um leproso e o adorava, dizendo: 
9Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo. Jesus, pois, 
estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Quero; sê limpo. 
No mesmo instante fi cou purifi cado da sua lepra. Disse-
lhe então Jesus: Olha, não contes isto a ninguém; mas 
vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que 
Moisés determinou, para lhes servir de testemunho. 
Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, chegou-se a ele um 
centurião que lhe rogava, dizendo: Senhor, o meu criado 
jaz em casa paralítico, e horrivelmente atormentado. 
Respondeu-lhe Jesus: Eu irei, e o curarei. O centurião, 
porém, replicou-lhe: Senhor, não sou digno de que entres 
debaixo do meu telhado; mas somente dize uma palavra, 
e o meu criado há de sarar (Matteus 8:1-8).
Repare nas palavras e frases em itálico. Você é capaz de dizer de que 
“monte” Jesus veio, e por que ele estava lá? Ou, você é capaz de dizer 
onde fi cava Cafarnaum? Se é o nome de uma cidade grande, de um 
vilarejo, de uma cidade judaica ou gentílica? 
Por que o leproso não pede para Jesus curá-lo, mas para torná-lo “limpo” 
e Jesus diz a ele “Sê limpo” e o texto fala do ex-leproso como tendo sido 
purifi cado, e não curado? Como explicar o fato de que um “centurião” se 
dirige a Jesus (quem eram os centuriões? Por que tão poucos centuriões 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA10
aparecem no relato bíblico?) e o chama de “Senhor” e pede a Jesus que 
cure um criado seu, paralítico? Paralisia não é doença, para ser “curada”, 
conforme nós costumamos dizer. Ademais, por que o centurião fala 
do seu criado como “paralítico” e “atormentado”? O leproso judeu e o 
centurião chamam Jesus de “Senhor”, será que ao usar a mesma palavra 
eles entendiam a mesma coisa?
 Vejamos outro texto:
Chegou também a Derbe e Listra. E eis que estava ali 
certo discípulo por nome Timóteo, fi lho de uma judia 
crente, mas de pai grego; do qual davam bom testemunho 
os irmãos em Listra e Icônio. Paulo quis que este fosse 
com ele e, tomando-o, o circuncidou por causa dos 
judeus que estavam naqueles lugares; porque todos 
sabiam que seu pai era grego. Quando iam passando 
pelas cidades, entregavam aos irmãos, para serem 
observadas, as decisões que haviam sido tomadas 
pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém. Assim as 
igrejas eram confi rmadas na fé, e dia a dia cresciam em 
número. Atravessaram a região frígio-gálata, tendo sido 
impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na 
Ásia; e tendo chegado diante da Mísia, tentavam ir para 
Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu. Então, 
passando pela Mísia, desceram a Trôade (Atos 16:1-8). 
Você seria capaz de desenhar um mapa com a localização de todos os 
lugares mencionados neste texto de Atos? Por que o texto fala da mãe 
de Timóteo como uma “judia crente” — havia judeus não-crentes? Crente 
em quem? Por que Timóteo não foi circuncidado ao oitavo dia — seu 
pai era grego (não-judeu) — mas Paulo fez questão de circuncidá-lo por 
causa dos judeus que estavam nos lugares por onde ele fez missão? Que 
relação institucional havia entre as igrejas em Jerusalém e as igrejas 
fundadas por Paulo, para que este lhes entregasse as decisões tomadas 
na reunião dos apóstolos e anciãos em Jerusalém? Que diferenças havia 
entre as funções de apóstolos e anciãos nas igrejas neotestamentárias? 
11Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Estes dois exemplos apenas reforçam a necessidade que temos de 
estudar o período helenístico a fi m de podermos interpretar mais 
adequadamente os escritos do Novo Testamento. No decorrer desta 
disciplina, nos esforçaremos para aprender o máximo possível sobre a 
história e a cultura helenísticas.
2. Aspectos da geografi a e história dos tempos helenísticos
Após observarmos a necessidade de estudar diversos aspectos para 
melhor interpretação das Escrituras, iniciaremos com a geografi a e 
história do Mediterrâneo à época do Novo Testamento. O Cristianismo 
nasce durante um período em que todo o mundo helenístico estava sob 
o domínio do Império Romano. O mundo helenístico se localizava no 
entorno do mar Mediterrâneo. A palavra “mediterrâneo”signifi ca “entre 
terras”, e o Mar Mediterrâneo era chamado “mare internum” (latim), 
conforme o mapa1 abaixo:
1 Copyright (c) Júlio P. T. Zabatiero. Permission is granted to copy, distribute and/or modify 
this document under the terms of the GNU Free Documentation License, Version 1.2 or 
any later version published by the Free Software Foundation; with no Invariant Sections, 
no Front-Cover Texts, and no Back-Cover Texts. A copy of the license is included in the 
section entitled “GNU Free Documentation License”.
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA12
Nosso principal objetivo neste estudo inicial do mundo do Novo 
Testamento é tentar perceber como as principais características geo-
históricas do mundo mediterrâneo infl uenciaram o cristianismo nascente. 
SAIBA MAIS 
O imperialismo romano é um movimento de longa duração. Trata-
se de quase um milênio de exploração, autoritarismo bélico e de 
domínio sobre outros povos. Caracterizado por sua crueldade, 
braço forte, grandes conquistas - através de sua capacidade militar 
- e superioridade tecnológica, é reconhecido como um dos maiores 
Impérios de todos os tempos e designa um período histórico 
marcado pela ampla dominação da potência romana, sob a direção 
de seus césares. Representava uma forma institucional e territorial 
do exercício de um poder monárquico. É, sem dúvida, um modelo 
exato daquilo que signifi ca o poder imperial em todas as variáveis 
que identifi cam um Império e suas ações imperialistas. 
A inclinação expansionista, motivada por fatores econômicos 
e comerciais, e o desejo pelo domínio e magnitude certamente 
estiveram presentes em toda a história do Império romano. Ou seja, 
convencido de sua força e aptidão à grandeza, brotava no coração 
dos romanos o anseio pelo poder e pela conquista, centro de suas 
motivações e ambições. 
Esse objetivo foi alcançado em boa parte do Mediterrâneo - uma 
região privilegiada estrategicamente por onde passavam as 
maiores e mais importantes vias de comunicação - muito embora o 
lado do Mediterrâneo não foi o único a ser ocupado. Entre os povos 
conquistados estavam os hebreus, no Oriente Médio, os bretões, 
na região da atual Inglaterra, os gauleses, onde hoje é a França, os 
egípcios, os gregos e muitos outros. 
13Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Dentre as estratégias de expansão, destacava-se a busca por terras 
cultiváveis, interesses marítimos e de divisas comerciais. O poder 
romano e suas estratégias de controle e expansão passavam, ainda, 
por questões políticas e era sinônimo de exploração de recursos 
naturais e humanos, de violência física, sexual e psicológica contra 
todas as pessoas, de expansão e construção na base do trabalho 
escravo e da imposição de impostos e tributos.
Era a partir das imposições imperiais que a vida dos povos 
subjugados deveria ser organizada, ainda que em alguns lugares 
houvesse tentativas de resistência e vida alternativa. Nesse caso, 
os vencidos eram massacrados e escravizados. Suas terras eram 
assumidas e divididas entre os romanos, as elites e os governos 
locais.
SILVA, Flávio Henrique de Oliveira. Poder e Violência nos dias de 
Jesus: O reino de Deus em perspectiva anti-imperial.
2.1. O helenismo
Para compreender melhor os escritos do Novo Testamento e as 
comunidades cristãs que os produziram, é necessário construirmos 
uma visão panorâmica do mundo mediterrâneo do qual nasceu o 
Cristianismo. Do ponto de vista geográfi co, o mundo mediterrâneo 
engloba três continentes: Europa, Ásia e África – o que acarreta uma 
grande diversidade cultural, étnica, política, econômica e religiosa. Sendo 
assim, o que justifi ca falar em “mundo mediterrâneo”? Não só o domínio 
imperial romano mas, já antes dele, a conquista de partes signifi cativas 
da Ásia e África por Alexandre, o Grande (séc. IV a.C.), que produziu uma 
espécie de homogeneização cultural-religiosa através da difusão do 
helenismo.
Através do processo de helenização, a língua e a cultura gregas se 
difundiram por todo o mundo mediterrâneo, especialmente graças às 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA14
cidades fundadas por Alexandre e seus sucessores, nas quais a civilização 
grega era implantada e se difundia pelo território ao seu derredor. O 
Judaísmo e o cristianismo nascente não podem ser entendidos de forma 
isolada do padrão cultural e religioso helenístico. Entretanto, o helenismo 
não pode ser visto como uma rua de mão única. Também a língua e a 
cultura gregas foram infl uenciadas pelas culturas afro-asiáticas dos povos 
conquistados – desenvolveu-se o grego coinê (a forma da língua grega 
usada pela maioria da população, e presente em o Novo Testamento), 
expandiram-se as religiões salvífi cas de mistério (sincretismo de cultos 
afro-asiáticos com cultos greco-romanos), o Judaísmo fi cou conhecido 
e era praticado em toda a região graças à dispersão de judeus (o que 
facilitou a expansão do Cristianismo).
2.2. O Judaísmo
O Judaísmo da época do nascimento do Cristianismo possuía diferentes 
tendências teológicas e institucionais. Na terra de Israel, três grandes 
grupos de líderes religiosos se esforçavam para defi nir como viver a fé 
judaica: os saduceus, os fariseus e os essênios. 
Os saduceus eram um grupo composto principalmente por sacerdotes e 
suas famílias, e valorizava amplamente o ritual sacrifi cial, a obediência 
às leis relativas à alimentação e à pureza, a frequência ao Templo e o 
estudo do Pentateuco como a fonte primordial das doutrinas judaicas e 
do conhecimento da vontade de Deus. 
Os fariseus eram o principal grupo teológico que se opunha aos saduceus. 
Os fariseus não eram sacerdotes, eram líderes leigos, “rabinos” em sua 
maioria, que destacavam: a obediência a todos os mandamentos da Lei 
de Deus, a radical separação do mundo gentio, a prática de boas-obras e 
o estudo de todo o Antigo Testamento como a Palavra de Deus. Enquanto 
os saduceus tinham o domínio do Templo de Jerusalém e da política 
judaica, os fariseus tinham o domínio das sinagogas (casas de oração e 
estudo) e das cidades do interior de Israel. 
15Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
O terceiro grupo mais importante é chamado de essênios. Eles eram 
uma espécie de movimento de renovação do Judaísmo. Consideravam 
que tanto os fariseus como os saduceus estavam errados em sua 
interpretação da vontade de Deus. Por isso, se afastavam do Templo e 
das sinagogas e constituíam comunidades próprias, nas quais estudavam 
as Escrituras e os textos de seus principais líderes. Os essênios fi caram 
conhecidos nos últimos tempos graças à descoberta dos manuscritos 
de Qumram, uma das sedes do movimento. 
Apesar das grandes diferenças teológicas entre eles, todos esses grupos 
defendiam a esperança messiânica – ou seja, todos eles esperavam 
que Deus iria libertar Israel do domínio do Império Romano através do 
Messias, que iria liderar o exército do povo de Deus contra o do Império 
Romano. 
Além desses grupos mais importantes, havia vários outros grupos 
populares de teologia judaica em Israel, além dos movimentos teológicos 
dos judeus fora da terra de Israel. Um dos nomes mais conhecidos do 
Judaísmo fora de Israel é o de Filo, da cidade de Alexandria, um judeu 
que escreveu várias obras em que apresentou o Judaísmo ao mundo 
helenístico.
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA16
EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 02
Os grupos religiosos de maior expressão no Judaísmo estão 
presentes nos Evangelhos, compreender a respeito deles nos 
auxilia a perceber melhor os debates e as divergências presentes 
nos relatos a respeito da vida de Jesus. Sendo assim, analise as 
afi rmações a seguir e assinale a única alternativa correta.
I) Os fariseus controlavam as ações no Templo e da política judaica, 
além de determinar como era o funcionamento das sinagogas.
II) Os essênios formavam uma comunidade independente dos 
saduceus e fariseus, por considerarem as interpretações erradas. 
III) Os saduceus tinham o Pentateuco como principal fonte das 
doutrinas e eram o grupo desacerdotes e suas famílias.
IV) Não havia confl itos de doutrinas entre saduceus e fariseus, suas 
diferenças eram apenas sociais. 
a) Apenas as afi rmações I e III estão corretas.
b) Apenas a afi rmação II está correta.
c) Apenas a afi rmações II e III estão corretas
d) Apenas as afi rmações I e IV estão corretas.
e) Apenas as afi rmações II e IV estão corretas. 
2.3. Religiões e a fi losofi a no helenismo
As religiões e as fi losofi as no mundo helenístico existiam em grande 
quantidade e diversidade e não é possível fazer uma apresentação sucinta 
delas. Para a compreensão do Novo Testamento, porém, o tópico mais 
importante, a meu ver, é um elemento comum à maioria dessas religiões e 
fi losofi as: uma visão dualista do mundo. Por dualismo entendemos uma 
visão de mundo que separa o material do espiritual e atribui ao espiritual
mais valor do que ao material. Por exemplo, em religiões de mistério, a 
salvação era entendida como salvação da alma, e não do corpo, pois o 
17Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
corpo não teria chance de ser salvo, pois deveria ser destruído. Note que 
o Cristianismo afi rma a ressurreição do corpo! Na fi losofi a de Platão, por 
exemplo, o mundo espiritual era concebido como formado de ideias que 
eram a própria essência das coisas que se percebiam no mundo material, 
de modo que a sabedoria e a salvação consistiam em conhecer as ideias, 
pois tal conhecimento nos livraria da prisão do corpo. Quando Paulo, aos 
coríntios, diz que o conhecimento incha, ele está se referindo a esse tipo 
de conhecimento fi losófi co, e não ao conhecimento em geral.
2.4. Uma sociedade agrária avançada
A economia do mundo mediterrâneo se caracteriza principalmente pelo 
latifúndio agrícola e pelo trabalho escravo. Ao lado da produção agrícola, 
a mineração e o comércio internacional eram as outras atividades 
econômicas fundamentais. Não se deve desconsiderar, todavia, o 
signifi cativo papel desempenhado na economia do mundo romano pela 
tributação que o Império impunha em seus domínios – que ajudava a 
manter a desigualdade social intensa e a vida em níveis precários de 
subsistência para a imensa maioria da população. É importante ressaltar, 
porém, que a ênfase central na escravidão como fator determinante 
da economia daquele tempo deve ser qualifi cada. Na maior parte das 
regiões do Império Romano o trabalho agrícola era realizado por pessoas 
livres, espécies de arrendatários das terras que pertenciam a um número 
relativamente pequeno de cidadãos romanos ricos e poderosos.
A tecnologia de produção era precária, fortemente dependente da mão-de-
obra, mas em comparação com períodos anteriores era mais adequada, 
na medida em que se usavam ferramentas de ferro (especialmente 
arados) que permitiam maior produtividade, de modo que se produzia 
sufi cientemente para a subsistência da população geral do Império. O 
problema maior era a distribuição desses produtos, de tal forma que os 
governantes romanos tinham um papel importante na distribuição do 
trigo, por exemplo, como um dos meios de manter a tranquilidade nos 
seus domínios. Avanços mais signifi cativos se deram na construção de 
estradas e aquedutos, bem como no desenvolvimento de formas mais 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA18
seguras de navegação ao longo das diversas costas do Mediterrâneo. 
Tais avanços foram necessários em função de dois fatores principais: 
o comércio e a manutenção do controle militar (exércitos dependem de 
boas estradas para alcançar com rapidez regiões de guerra). Em parte, 
isto nos ajuda a entender a importância do controle dos exércitos na 
tomada e manutenção do poder imperial. Também nos ajuda a entender 
a importância da pax romana como mecanismo ideológico de apoio para 
a manutenção da tranquilidade nos domínios imperiais.
2.5. A vida urbana
Se a economia estava profundamente ligada ao campo, a vida cultural 
e política estava intrinsecamente ligada à cidade. Por um lado, a cidade 
era o centro político da sociedade, por outro, era o espaço da vida 
cotidiana. Vários estudiosos consideram que “exatamente a oposição 
entre cidade e campo é que também moldou a forma da sociedade 
antiga” (STEGEMANN, E. W. & STEGEMANN, W. História social do 
protocristianismo. Os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo 
no mundo mediterrâneo. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 27). As cidades 
não eram, em sua maioria, populosas. A maioria da população habitava 
no campo, e nas cidades havia poucas oportunidades de trabalho – a 
não ser aquelas vinculadas à produção de bens e prestação de serviços 
especialmente para as elites urbanas (roupas, construções, alimentação, 
educação, lazer, etc.). Algumas cidades eram densamente povoadas, por 
exemplo: Roma, Corinto, Atenas, Alexandria no Egito, Éfeso (algumas 
com mais de 500.000 habitantes), mas a maioria era de pequeno porte.
A estratifi cação política e social era elevada. “Há grandes diferenças entre 
as pessoas quanto à participação no poder, ao desfrute de privilégios e 
de prestígio na sociedade. A fonte primordial dessa desigualdade são 
as instituições do governo. A classe dominante entende o Estado como 
seu despojo.” (STEGEMANN, op. cit., p. 26) Estima-se que a população 
rica e governante representasse de 1 a 2% de toda a população do 
19Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Império. Devido à concentração dessa pequena parcela da população 
nos serviços estatais, havia também grande dose de corrupção, uma 
forma de ascensão política e econômica mais rápida e viável do que o 
desenvolvimento baseado no trabalho e talento.
Boa parte da vida na cidade se caracterizava pela participação no 
governo (lembre-se da ínfi ma parcela da população representada nos 
altos escalões governamentais) e na vida cultural (teatro, banhos, festas 
religiosas, atividades esportivas, poesia, etc.). Cidades como Atenas, por 
exemplo, eram centros intelectuais de grande importância e ajudavam 
a difundir o modo de vida greco-romano. Por outro lado, as cidades 
acabavam por se tornar, também, espaço de dissensão e revoltas 
populares, de modo que o controle “policial” nas mesmas era de alta 
importância e feito, evidentemente, pelos exércitos imperiais.
EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 03
Pudemos observar bem rapidamente como o contexto religioso, 
político e econômico são importantes para compreender melhor as 
Escrituras do Novo Testamento. Sendo assim, para contextualizar 
o Evangelho de maneira coerente, é igualmente importante 
conhecermos nosso contexto religioso, político, econômico. Essa 
afi rmação é verdadeira ou falsa? Assinale a única alternativa 
correta.
a) Falsa, pois esses fatores são não agregam na leitura, interpretação 
e contextualização das Escrituras.
b) Verdadeira, pois só é possível comunicar uma mensagem de 
forma efetiva se conhecermos bem nosso próprio contexto.
c) Falsa, porque não houve nenhuma mudança signifi cativa no 
mundo daquela época e na atualidade. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA20
Conclusão 
Procure, agora, relacionar os conhecimentos acima com alguns textos 
do Novo Testamento, por exemplo: 1Co 1:18-31; At 17:1-14.15-34; Ap 
18:1-24. Note em 1Co 1:18-31 como Paulo usa aspectos do contexto 
para argumentar e apresentar a sua teologia: ele fala de judeus e gregos; 
ele usa termos relativos à estratifi cação social e à fi losofi a: sábios, 
poderosos, nobres, fracos, fortes, desprezados. Em Atos 17:1-14 também 
aparecem judeus e gregos, cidades, autoridades, diferentes religiões – 
note como Paulo e Silas procuram perceber esses aspectos do contexto 
em sua pregação do Evangelho. O capítulo 18 do Apocalipse é uma 
grande denúncia de João contra o Império Romano (que ele chama, no 
texto, de Babilônia – a grande nação inimiga do povo judeu no passado) 
– e termos como cidade, luxo, comércio, navios, marinheiros, escravos 
nos indicam aspectos do contexto e nos dão pistas a respeito de como 
João analisava criticamente o mundo em que ele vivia. 
3. A Organização Discursiva e o Cânon do NovoTestamento
Já vimos a afi rmação de que só é possível entender o texto dentro de 
seu contexto histórico. A tarefa que temos, então, é: como tirar proveito 
do “contexto histórico” para entender o texto? Assim sendo, nesse tópico 
iremos descrever como estava organizado discursivamente o contexto 
histórico dos escritos no Novo Testamento. Na exegese de acordo 
com o modelo histórico, a operacionalização deriva de uma concepção 
objetivista e factual da história. Isso signifi ca que o “contexto histórico” 
que me ajuda a entender um texto é composto de fatos, acontecimentos 
e estruturas político-sociais. Assim, há a necessidade de toda uma 
descrição crítica dos acontecimentos históricos da época da escrita do 
texto, a fi m de que se possa verifi car a relação entre acontecimentos e 
textos, entre estruturas e textos.
 Nos modelos linguísticos e discursivos de interpretação 
textual, não se contesta o princípio da contextualidade. De fato, só é 
possível entender um texto em suas relações com o contexto em que 
21Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
foi produzido e inicialmente comunicado. A diferença está na forma 
de operacionalização do princípio da contextualidade. Nos modelos 
discursivos, o “contexto histórico” é analisado do ponto de vista dos 
discursos que o explicam, das formações discursivas que agrupam esses 
discursos e estabelecem os parâmetros de sua circulação, comunicação 
e confl itividade. Neste modelo, parte-se do reconhecimento de que nós 
não temos acesso direto (imediato) aos acontecimentos, mas apenas 
um acesso indireto (mediado) ao contexto histórico, acesso este que 
está presente nos discursos da época em que o texto a ser interpretado 
foi formulado e circulou inicialmente.
3.1. Situando os escritos neotestamentários no tempo
Nos tópicos anteriores construímos conhecimentos relativos à geografi a, 
economia, estruturação social e política e os discursos que circulavam no 
mundo mediterrâneo à época do Novo Testamento. Nossa tarefa, agora, 
será formular uma proposta de estruturação desse amplo e complexo 
contexto histórico a partir dos discursos que o explicavam, e verifi car 
como essa organização discursiva afetava o cristianismo nascente e os 
escritos neotestamentários. Como aspecto preliminar a essa questão, 
precisamos situar os escritos do Novo Testamento dentro do primeiro 
século a.C.
Apresento uma breve síntese das datas dos primórdios do Cristianismo e 
escritos neotestamentários. No caso dos escritos do Novo Testamento, 
vários deles têm suas datas ainda sob forte discussão, de modo que não 
se deve interpretar a síntese aqui oferecida como a palavra fi nal sobre tais 
questões. Vale a pena destacar que a questão da datação de um texto 
não pode ser resolvida a partir de critérios doutrinários ou confessionais. 
A datação de um texto é reconstituída a partir de uma pesquisa que se 
baseia em critérios literários, fi lológicos, sociológicos, antropológicos e 
históricos – todos os quais, somados, procuram nos fornecer o máximo 
de objetividade e acerto possíveis. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA22
Assim, por exemplo, em uma das tendências de datação de textos do Novo 
Testamento, se considera que o corpus paulino é composto de cartas 
escritas por Paulo e de cartas escritas por discípulos de Paulo, embora não 
se faça tal distinção nos sobrescritos delas. Por exemplo, para boa parte 
dos pesquisadores, as Pastorais não foram escritas por Paulo – o uso 
do nome de Paulo nas mesmas seguiria um padrão comum e aceito na 
época: o da pseudonímia – usava-se o nome de uma pessoa famosa a fi m 
de conferir maior peso e autoridade a um escrito. Pesquisadores que usam 
critérios doutrinários para estudar as datas dos escritos, porém, contestam 
tal hipótese a partir do conceito de inspiração: se o texto é inspirado por 
Deus, tudo o que nele está escrito é verdadeiro; logo, só podemos aceitar 
que Paulo escreveu as pastorais e, consequentemente, a data das mesmas 
deve ser situada no tempo em que o apóstolo ainda estava vivo.
Nesta disciplina critérios doutrinários não serão considerados para as 
hipóteses de datação dos textos. Ademais, nesta disciplina se pressupõe 
que as hipóteses de data, discursividade, interpretação dos textos, 
etc., não possuem “autoridade” para defi nir questões doutrinárias. Por 
exemplo, a doutrina de inspiração da Bíblia não deve ser decidida a partir 
da hipótese aceita para a datação de um determinado livro bíblico. É claro 
que estas hipóteses afetam a nossa maneira de formular doutrina, mas a 
teologia envolve outros saberes e possui critérios próprios de produção 
de conhecimento, que ultrapassam os limites dos critérios de produção 
de conhecimento na pesquisa introdutória aos escritos bíblicos.
Por fi m, não é possível nesta disciplina discutir a argumentação usada 
para construir as hipóteses de datação de escritos neotestamentários. Se 
você tem interesse em entender e avaliar criticamente tal argumentação, 
recomendo que estude as introduções ao Novo Testamento escritas em 
perspectiva histórica. Por exemplo, a de Carson, Moo & Morris para uma 
visão mais “histórico-gramatical” de análise, e a de Brown para uma visão 
mais “histórico-crítica” de análise (v. bibliografi a no programa da disciplina).
23Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 04
Ainda que não seja visto de forma aprofundada, situar os discursos 
do Novo Testamento dentro de um período histórico aproximado 
é muito importante para auxiliar na interpretação, pois a partir 
disso, é possível buscar compreender melhor qual era a intenção 
da mensagem transmitida. Entretanto, essa não é uma tarefa tão 
simples, pois envolve critérios que podem variar. Quais são alguns 
deles? Assinale a alternativa correta:
I) Doutrinários.
II) Arqueológicos.
III) Inspiração. 
IV) Literários.
a) Os critérios corretos são I, III e IV.
b) Os critérios corretos são II e IV.
c) Os critérios corretos são I e III.
d) Os critérios corretos são I, II e IV.
Obras do Novo Testamento: Datas Aproximadas de Composição
Início dos anos 50
Metade/Final 
dos anos 50
Metade dos 
anos 60
Anos 70-80 Anos 90 Após 100
1 Tessalonicenses Gálatas Marcos Mateus João 2 Pedro(?)
2 Tessalonicenses 
(?)
1 Coríntios Tito (?) Lucas Apocalipse
2 Coríntios 1 Timóteo (?) Atos 1 João
Romanos 2 Timóteo (?) Colossenses(?) 2 João
Filipenses 1 Pedro (?) Judas (?) 3 João
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA24
Filemon (?) Tiago (?) Tiago (?) Judas (?)
Hebreus (?) Hebreus (?)
2Tessalonicenses 
(?)
1 Pedro (?) Efésios (?)
Tito (?)
1 Timóteo (?)
(?) Data incerta. Este quadro não tenta incluir as datas propostas 
minoritariamente. Exceto para os primeiros escritos paulinos, uma 
aproximação de cerca de uma década governa a maioria das datações, 
e.g., Mateus e Lucas poderiam ter sido escritos nos anos 90.
corpus paulino
 Data mais recuada Data mais avançada 
1 Tessalonicenses 51
2 Tessalonicenses 51/2 anos 90
Gálatas 54-57
Filipenses 56-57
1 Coríntios 57
2 Coríntios 57
Romanos 58
Filemon 56-57 ou 61-63
Colossenses 61-63 anos 70-80
Efésios 61-63 anos 90-100
Tito 65 95-100
1 Timóteo 65 95-100
2 Timóteo 66-67 95-100
25Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
evangelhos sinóticos e atos
Marcos início anos 70
Mateus anos 70-80 anos 90-100
Lucas anos 70-80 anos 90-100
Atos anos 70-80 anos 90-100
corpus joanino
João anos 90 anos 100-150
1 João anos 90 anos 100-150
2 João anos 90 anos 100-150
3 João anos 90 anos 100-150
 Apocalipse anos 90 anos 100-150
outros escritos
1 Pedro 64 ou anos 70-80
2 Pedro 65 anos 100-150
Tiago 62 ou anos 70-80
Judas anos 70-90
Hebreus anos 60 ou anos 70-80
3.2. Situando discursivamente os escritos neotestamentários
A hipótese de datação dos escritos neotestamentários acima possui 
alguns elementos de destaque: (1) apesar de Jesus ter vivido antes dePaulo, os escritos sobre ele (Evangelhos) são posteriores aos escritos 
paulinos; (2) a revolta judaica contra o Império Romano e sua derrota, 
em 70 d.C., foi determinante para a produção dos Evangelhos na região 
siro-palestinense; (3) dois grupos de textos dialogam mais com o mundo 
helenístico: o corpus paulino e o joanino; (4) dois grupos de textos 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA26
dialogam mais com o mundo judaico: os sinóticos e Atos e os “outros 
escritos”; (5) o período que compreende a segunda metade do primeiro 
século e a primeira metade do segundo, da era cristã, é fundamental para 
se entender o cristianismo nascente e os escritos neotestamentários.
Do ponto de vista da organização discursiva do período, a seguinte 
hipótese pode nos ajudar a situar e analisar melhor a relação dos escritos 
neotestamentários com seu contexto histórico.
Penso que podemos distinguir quatro grandes “formações discursivas” - 
ou seja, quatro grandes grupos de discursos explicativos da realidade na 
época sob estudo, excetuando a formação discursiva neotestamentária 
propriamente dita: a formação discursiva religiosa-helenística, a 
formação discursiva fi losófi ca-helenística, a formação discursiva 
judaica e a formação discursiva imperial-ofi cial. As relações entre essas 
formações discursivas eram bastante complexas, e variavam de acordo 
com o tempo e o espaço, e de acordo com as pessoas e instituições 
sociais que as criavam, mantinham e/ou modifi cavam. Por exemplo: ao 
incluir os escritos neotestamentários na formação discursiva judaica, 
enfatizo o fato de que para a sociedade em geral não era possível, 
naquele tempo, distinguir discursivamente cristianismo de judaísmo. 
Internamente, porém, judeus não-cristãos e judeus cristãos conseguiam 
perceber as diferenças mais importantes na descrição e interpretação da 
realidade. A formação discursiva judaica mantinha claramente relações 
polêmicas com a imperial, entretanto, houve situações em que judeus se 
aliavam estrategicamente aos governantes imperiais a fi m de combater 
seus oponentes do cristianismo nascente. Os discursos judaicos não-
cristãos e judaico-cristãos, por sua vez, tinham em comum relações 
polêmicas com os discursos helênicos (religiosos e fi losófi cos) em sua 
visão de mundo, da sociedade, cultura, pessoa, etc. Da mesma forma, se 
relacionavam polemicamente com o discurso imperial ofi cial – embora 
por razões diferentes e com motivos teológicos distintos.
27Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO - 05
Quais elementos podemos citar como infl uenciadores da hipótese 
de datação e dos quatro grandes grupos de formação discursiva: 
religiosa-helenística, fi losófi ca-helenística, judaica e a imperial-ofi cial? 
I) A revolta e derrota judaica no ano 70 d.C. contra o Império 
Romano. 
II) Dois grupos de textos dialogam mais com o mundo helenístico: 
os sinóticos e Atos e os “outros escritos”.
III) Os Evangelhos que são anteriores aos escritos paulinos.
IV) Dois grupos de textos dialogam mais com o mundo helenístico: 
o corpus paulino e o joanino. 
a) As alternativas I e II estão corretas.
b) As alternativas II e IV estão corretas.
c) As alternativas I e III estão corretas.
d) As alternativas II e III estão corretas.
e) As alternativas I e IV estão corretas. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA28
Conclusão
Apresentei, aqui, um pequeno exemplo de uma tarefa intelectual de 
grandes proporções: compreender os escritos do Novo Testamento em 
relação ao seu contexto. Entendo este texto como uma provocação e 
uma convocação ao estudo cuidadoso e detalhado dessa relação dos 
escritos neotestamentários com o seu contexto. Mediante a pesquisa 
exegética, pode-se construir os diferentes discursos e entender as suas 
relações discursivas no contexto. Mediante a teologia bíblica, pode-se 
construir o quadro abrangente dessas relações discursivas e oferecer 
hipóteses de organização. Mediante a introdução ao Novo Testamento, 
se retomam essas hipóteses e se formulam novas sínteses da pesquisa. 
É um processo permanente e desafi ador.
Para encerrar este tópico, voltemos nossa atenção à formação do cânon 
neotestamentário. Este tema possui diferentes dimensões de estudo, 
das quais enfocaremos predominantemente a dimensão histórica. 
Precisamos lembrar, de antemão, que o Novo Testamento não foi a 
Bíblia dos primeiros cristãos! De fato, a única Bíblia que os primeiros 
cristãos conheceram era a Bíblia Hebraica constituída daquilo que 
conhecemos hoje como Antigo Testamento (com pelo menos duas 
coleções reconhecidas como autorizadas, canônicas – a hebraica e 
a da Septuaginta). À medida em que as igrejas iam consolidando sua 
identidade, confl itos internos e externos surgiam, e exigiam que decisões 
teológicas, políticas, disciplinares, estruturais, fossem tomadas. Dentre 
essas decisões, aos poucos as comunidades cristãs dos primeiros 
séculos foram colecionando alguns escritos e reconhecendo neles uma 
autoridade teológica e moral que lhes permitia falar desses escritos 
como Escritura. Eventualmente, esse reconhecimento local e regional foi 
se ampliando, até que por volta do IV século da era cristã houvesse um 
consenso na Igreja Cristã a respeito do cânon do Novo Testamento. Não 
podemos discutir detalhadamente este processo. Por isso, segue uma 
citação do Comentário Bíblico São Jerônimo que apresenta uma boa 
síntese do processo de formação do cânon do Novo Testamento, para 
que você possa, pelo menos, ter a informação básica sobre este tema.
29Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Saiba mais
“48 (I) Observações Gerais. Hoje, os católicos romanos, os 
ortodoxos e os protestantes aceitam o mesmo cânon do NT de 27 
livros. É insustentável a teoria de que estes livros foram aceitos 
desde os primeiros dias do Cristianismo e que as dúvidas surgiram 
apenas depois; esta teoria está relacionada à idéia, não mais 
aceita, de que conteúdos específi cos do cânon eram conhecidos 
na era apostólica. Os primeiros seguidores de Jesus tinham 
Escrituras que eles consideravam sagradas, mas estas eram 
escritos que chegaram a eles em virtude de sua herança judaica. 
Para os primeiros 100 anos de Cristianismo (30-130 d.C.) o termo 
AT é um anacronismo (contudo veja 2Cor 3,14); a coleção dos 
escritos sagrados de origem judaica não seria designada como 
“Antiga” senão até haver uma “Nova” coleção da qual ela diferia. 
(O Judaísmo moderno não fala de um AT; visto que os judeus 
rejeitam o NT; para eles há apenas uma coleção sagrada.) Quando 
os cristãos começaram a escrever suas próprias composições e 
por que? Quando elas foram colocadas em pé de igualdade com as 
antigas Escrituras judaicas? O que determinou quais obras cristãs 
deviam ser preservadas e aceitas? Quando ocorreu a aceitação? 
Estas são questões com as quais devemos lidar.
49 (A) Motivos para Escrever Obras Cristãs. O Cristianismo, muito 
mais que o Judaísmo, é uma religião com sua origem em uma 
pessoa. O que Deus faz está centrado em Jesus, de modo que os 
cristãos primitivos podiam dizer que Deus estava em Cristo Jesus 
(2Co 5,19) – os judeus não consideravam Moisés nestes termos. 
Para pregar o reino de Deus, que fi zera sua presença sentida 
no ministério de Jesus, os apóstolos foram comissionados. 
Contrário a algumas teorias modernas, o NT retrata os apóstolos 
como o elo vivo entre os crentes e o Jesus em quem eles criam. 
Consequentemente, nos primeiros dias em que os cristãos 
estavam próximos aos apóstolos – tanto geográfi ca quanto 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA30
cronologicamente – não havia necessidade premente de escritos 
cristãos. De fato, não temos provas claras a favor da maioria dos 
escritos cristãos do período de 30-50 d.C. Durante esta época a fé 
cristã foi comunicada, preservada e nutrida oralmente (Rm 10,14-
15). A pregação teve um papel superior no Cristianismo do que teve 
no Judaísmo; e para os primeiros cristãos o que era “canônico” era o 
que Pedro (Cefas), Tiago e Paulo pregavam em continuaçãoao que 
Jesus havia proclamado (1Cor 15,11). Provavelmente a distância 
foi o fator mais infl uente na mudança da situação de modo que a 
escrita se tornou importante.
50 (1) Distância geográfi ca. Com a decisão em Jerusalém, em 49 
d.C., de permitir a aceitação dos gênios sem a circuncisão (At 15), 
o mundo extenso mundo gentílico, já invadido por Paulo, tornou-se 
um vasto campo missionário aberto. A fundação de comunidades a 
grandes distâncias umas das outras, e a movimentação contínua dos 
apóstolos, fez da comunicação escrita uma necessidade. Uma igreja 
cujos limites estavam próximos a Jerusalém era coisa do passado, 
e a instrução apostólica frequentemente tinha que vir de longe. Esta 
necessidade foi primeiro satisfeita com cartas e epístolas, e as 
cartas paulinas são os escritos cristãos mais antigos e importantes 
do que conhecemos com certeza.
 (2) Distância cronológica. A existência de testemunhas oculares 
de Jesus marcou os primeiros anos do Cristianismo; mas à 
medida que os apóstolos se dispersaram, e após a morte deles, a 
preservação da memória dos atos e palavras de Jesus tornou-se 
um problema. Além disso, necessidades catequéticas requeriam 
a organização dos testemunhos orais em unidades compactas. 
Isto deu origem a coleções pré-Evangelhos, orais e escritas, e os 
Evangelhos fi zeram uma seleção destas coleções como fonte 
de material. Mas mesmo os Evangelhos, uma vez escritos, não 
substituíram o testemunho oral, como ouvimos de Papias, que no 
2º século ainda procurava por testemunho oral, embora conhecesse 
31Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
vários Evangelhos, canônicos e não canônicos (Eusébio, HE 3.39.4; 
GCS 9/1. 286). Outras exigências, como a ameaça de heresia, 
perseguição e a necessidade de reafi rmar a fé, produziram escritos 
cristãos adicionais.
51 (B) Critérios para Preservação e Aceitação. Uma vez que 
havia escritos cristãos, qual fator determinaria quais deviam ser 
preservados e exclusivamente considerados sagrados? Pois, como 
veremos, alguns escritos do 1º século não foram preservados, e 
outras obras antigas que foram preservadas não foram aceitas. Os 
seguintes fatores foram importantes. (1) Origem apostólica, real ou 
suposta, foi muito importante, particularmente para a aceitação. A 
canonicidade de Apocalipse e Hebreus foi discutida precisamente 
porque havia dúvida se tinham sido escritos por João e Paulo, 
respectivamente. Hoje entendemos que a origem apostólica deve 
ser tomada no sentido mais amplo que “autoria” tinha na discussão 
bíblica (à 89 abaixo). Frequentemente isto signifi ca não mais 
que um apóstolo teve uma conexão tradicional com a dada obra. 
Pelos padrões mais estritos correntes hoje, pode ser legitimamente 
questionado se uma única obra do NT veio diretamente de algum 
dos Doze.
52 (2) Muitas das obras do NT foram endereçadas a comunidades 
cristãs em particular, e a história e a importância da comunidade 
envolvida teve muito a ver com a preservação e até mesmo com 
a aceitação fi nal dessas obras. Aparentemente nenhuma obra que 
emergiu diretamente da comunidade palestinense foi preservada, 
embora algumas das fontes dos Evangelhos e de Atos provavelmente 
fossem palestinas. A razão para esta perda provavelmente esteja no 
rompimento da comunidade cristã palestinense durante a guerra 
judaico-romana de 66-70. A Síria parece ter tido melhor sorte, por 
aparentemente as comunidades sírias foram as destinatárias 
de Mateus, Tiago e Judas. As igrejas da Grécia e da Ásia Menor 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA32
parecem ter preservado a maior porção do material do NT, i.e., os 
escritos paulinos, os joaninos e, talvez, os lucanos. A igreja de Roma 
preservou Marcos, Romanos e, talvez, Hebreus e os escritos lucanos. 
Para Irineu, (c. 180), que enfrentou as reivindicações gnósticas de 
origem apostólica para seus escritos, a conexão dos apóstolos com 
as igrejas conhecidas da Ásia Menor, Grécia e, acima de tudo, Roma, 
era um argumento importante para o NT canônico (veja Farkasfalvy, 
Formation 146).
53 (3) Conformidade com a regra de fé foi um critério de aceitação. 
As dúvidas acerca do milenarismo provocaram suspeitas sobre 
Apocalipse, e um evangelho apócrifo como o Evangelho de Pedro
foi rejeitado como constituindo um perigo doutrinário. Farmer 
(Formation 35ss.) relaciona a perseguição e o martírio à regra de 
fé. O fato de que alguns gnósticos questionavam o valor do martírio 
era enfrentado com um apelo aos Evangelhos, Atos e cartas que 
realçavam a morte de Jesus na cruz e aos sofrimentos de Pedro e 
Paulo.
54 (4) Até que ponto o acaso teve um papel na preservação? Alguns 
argumentam, a partir da teoria da inspiração, que o acaso não teve 
papel algum: Deus não teria inspirado uma obra e então permitido 
que ela se perdesse. Mas este argumento pressupõe que cada 
obra inspirada tinha um valor permanente. Não poderia a tarefa 
para a qual Deus inspirou uma obra em particular ter sido realizada 
quando foi recebida? Um bom exemplo pode ser a carta perdida de 
Paulo, a qual pronunciava julgamento sobre um indivíduo de Corinto 
(1Cor 5,3). Além disso, o argumento pressupõe que Deus sempre 
protege as obras que ele motivou contra as vicissitudes humanas 
– uma pressuposição que não é comprovada na história de Israel e 
da igreja. Consequentemente, muitos eruditos que defendem uma 
teoria de inspiração ainda creem que o acaso exerceu um papel 
na preservação de obras importantes, pelo menos, como Filêmon, 
embora obras mais importantes tenham sido perdidas (parte da 
33Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
correspondência corintiana, e a logia de Jesus em aramaico, 
que Papias atribui a Mateus). Mesmo entre as obras que foram 
preservadas houve disputas e lentidão na aceitação universal de 
algumas obras importantes (Hebreus, Apocalipse, Tiago) – mais 
que no caso de Filêmon.”
(Raymond E. Brown, “Canonicidade” em The New Jerome Bible 
Commentary, tradução em português no prelo, Editora Academia 
Cristã & L oyola.)
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA34
UNIDADE II - O Contexto Político-Cultural do Novo 
Testamento
1. O Império Romano: a Pax Roman
Na unidade II nos concentraremos em estudar as principais 
características do discurso imperial centrado na pax romana. Como 
vimos, o cristianismo nasceu durante o período em que o Império 
Romano dominava todo o mundo mediterrâneo. Os temas da pregação e 
literatura cristãs primitivas, além de responder às necessidades da vida 
das comunidades cristãs, também tinham de responder aos desafi os 
intelectuais, políticos, culturais, econômicos e religiosos de seu tempo. 
Um desses desafi os era dado pela ideologia política do Império Romano 
– que pode ser sintetizada pela expressão pax (paz) romana. Neste 
tópico estudaremos alguns textos que representam o discurso ideológico 
da pax romana, a fi m de analisar as suas relações interdiscursivas com 
textos neotestamentários.
1.1. Vozes discursivas como meio de interpretação de um 
texto em seu contexto sócio-histórico. 
Atente para as defi nições de termos técnicos a seguir. Estes termos 
são usados constantemente em nosso estudo introdutório ao Novo 
Testamento (e também na disciplina de Introdução ao Antigo Testamento), 
por isso é importante fi xá-los antes de seguirmos a diante.
a. O termo vozes discursivas (que pode ser chamado apenas de 
discurso) deriva da obra do pensador russo M. Bakhtin e tem sido usado 
em diversas teorias e metodologias da linguística, semiótica e análise do 
discurso. Segundo Beth Brait, as vozes discursivas “assume[m] o caráter 
de visões do mundo ou percepções realizadas através do discurso: as 
vozes são sociais, são pontos de vista que estabelecem relações entre 
línguas, dialetos territoriais e sociais, discursos científi cos e profi ssionais, 
35Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
linguagem familiar etc. Cabe à análise do discurso, com sua capacidade 
interdisciplinar, localizar os recursos linguísticos e não-linguísticos da 
combinação e transmissãodas vozes discursivas.” (Brait, B. “As vozes 
bakhtinianas e o diálogo inconcluso”, in BARROS, D. L. P. de & FIORIN, J. 
L. (orgs.) Dialogismo, polifonia, intertextualidade. Em torno de Bakhtin. 
São Paulo. EDUSP: 1994, p. 25.)
b. Interdiscursividade é o termo que explica o uso que um texto faz 
de discursos, a ele anteriores, ou contemporâneos. Há duas maneiras 
de uso de outros discursos: a citação, quando um texto copia temas 
de outro(s); e a alusão, quando um texto se apropria mais livremente 
de temas de outro(s) texto(s). Tanto na interdiscursividade quanto na 
intertextualidade, o uso dos outros textos e/ou discursos pode ser de 
forma contratual (quando há um acordo de ideias), ou polêmica (quando 
os outros textos e/ou discursos são usados sem acordo).
c. Marcas linguísticas das relações intertextuais e interdiscursivas: Há 
várias maneiras de explicitar as relações intertextuais e interdiscursivas, 
que ficam marcadas no texto. Pode-se mencionar claramente que se está 
citando outro texto ou discurso; pode-se indicar essas relações mediante 
o uso de aspas, travessões ou outras formas de pontuação (o que não 
ocorria nos textos bíblicos originais); pode-se usar de recursos estilísticos 
como a ironia e a paródia; pode-se usar a negação e a implicitação 
(pressupostos e subentendidos); pode-se usar glosas (comentários ou 
explicações: e.g., é comum em Juízes o refrão “naquele tempo não havia 
rei em Israel”, claramente uma glosa. A glosa pode provir de uma redação 
posterior do texto, ou pode provir do próprio autor do texto.); podem-se 
usar também diferentes formas de inclusão de outras vozes: discurso 
direto (a fala da “voz” é citada), e discurso indireto (a fala da “voz” é 
marcada por um verbo de dizer e uma oração subordinada substantiva 
objetiva direta).
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA36
1.2. A Pax Romana. 
O Império Romano dominava o mundo mediterrâneo de seu tempo. 
Além do uso da força militar, o Império usava um conceito político-
religioso para manter as suas conquistas. Através da afi rmação de que o 
Império trouxe a paz ao mundo, os romanos tentavam manter os povos 
conquistados submissos ao seu domínio. Leremos alguns textos que 
explicam a ideologia da pax romana. 
a. História Natural, Plínio, o Velho. (COMBY, J. & LEMONON, J.-P. Roma 
em face a Jerusalém, p. 54-55)
“Não há, com efeito, quem não pense que a majestade 
do Império Romano, unindo o universo, fez progredir 
a civilização, graças ao intercâmbio comercial e à 
comunidade de uma paz feliz, e que todos os produtos, 
até os que antes estavam ocultos, viram seu uso se 
generalizar.” (XIV, 2)
“Não é maravilhoso ver esse intercâmbio contínuo de 
plantas transportadas de todos os pontos do globo para 
salvar a vida humana? E isso graças à majestade sem 
limites da paz romana, que faz com que se conheçam 
mutuamente não só os homens das terras e nações 
mais afastadas umas das outras, mas também as 
montanhas e seus picos que vão perder-se nas nuvens, 
e sua fauna e sua fl ora. Oxalá seja eterno, é a minha 
prece, esse presente dos deuses! Não parece, com 
efeito, que eles deram os romanos à humanidade como 
uma segunda luz do dia?” (XXVII, 3)
b. Para o Império Romano, a paz era a ausência de revoltas, implantada 
mediante a subjugação dos povos conquistados pela força. Sêneca, 
37Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
falando a respeito do imperador, chefe do exército romano, assim 
descreve a pax romana:
Ele é, pois, o laço pelo qual a comunidade permanece 
unida, ele é o sopro de vida que tantos milhares inspiram, 
que por si sós não representariam mais do que fardo 
e espólio, se aquele espírito fosse tirado do Império: 
‘enquanto o rei permanece com vida, todos permanecem 
unânimes, se ele for perdido, eles quebram a fi delidade’. 
Esta desgraça será o fi m da paz romana, isto fará cair 
em ruínas a felicidade de tão grande povo; este povo 
estará longe deste perigo enquanto souber suportar os 
freios. Uma vez que os tenha rejeitado, ou não suportar 
que as rédeas, caso tenham sido jogadas ao chão por 
algum acaso, lhe sejam colocadas novamente no dorso, 
então esta unidade e este sistema do maior domínio 
cairá quebrado em muitas partes e para esta cidade o 
fi m da obediência identifi car-se-á com o fi m do dominar 
(Sêneca, apud WENGST, Klaus. Pax Romana: pretensão 
e realidade. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 18).
c. A Igreja que sofre violência 
É sintomático e carregado de sentido que desde o 
início, das primeiras vezes em que a pax romana é 
mencionada, se fala do imperador como chefe militar. 
O altar da paz ao Imperador Augusto, construído no 
simbólico lugar do Campo de Marte, deus da guerra, 
na verdade dava sentido à história da violência calcada 
no sucesso do vencedor. Sobre ele, o holocausto que 
queimava a vítima totalmente e por inteiro, sublinhava 
o fato do preço da paz proclamada e celebrada: o 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA38
sangue derramado. A pax romana, portanto, é paz 
querida politicamente pelo imperador e seus mais altos 
funcionários, e estabelecida e garantida militarmente 
pela intervenção das legiões.
A guerra que leva à vitória forma o pressuposto do 
tempo feliz da paz, no qual o Imperador triunfa. E este 
tempo feliz continua a ser assegurado pelas legiões e 
suas armas. Esta paz que Roma traz é paz-de-vitória 
para os romanos; para os vencidos, paz de submissão. 
Em teoria uma relação de direito entre dois parceiros, a 
pax romana é na realidade uma ordem de dominação. 
Roma é o parceiro que, a partir de si mesmo, ordena 
a relação e propõe as condições que o não romano 
deve aceitar, confi rmando sua submissão ao poderoso 
Império que o protegia contra os ataques de outros 
povos estrangeiros.
Esta paz estabelecida e mantida, portanto, com meios 
militares, é acompanhada de rios de sangue e lágrimas 
de enormes dimensões. Na verdade, nesta época da 
história, o mundo conhecido tem paz porque “todo o 
orbe terrestre” é dominado por Roma. Esta pretensão 
de paz universal também é mantida quando guerras 
menores, de periferia, se aproximam. A pax romana — 
construída sobre o alicerce da camufl ada violência da 
opressão — não compete, entretanto, unicamente aos 
humanos. Trata-se de algo querido e protegido pelos 
deuses. Protegendo e conservando o Império Romano, 
os deuses cuidam da salvação do mundo, a qual consiste 
na paz, na harmonia, na segurança, na riqueza e na honra 
(http://www.amaivos.com.br/templates/amaivos/
noticia/noticia.asp?cod_noticia=3839&cod_canal=44)
39Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
Exercício de Fixação - 06
Vimos que o mundo mediterrâneo era dominado pelo Império 
Romano, o qual precisava manter sua posição de domínio. Uma 
das estratégias para que as conquistas do Império permanecessem 
asseguradas era aplicando sobre o povo um conceito político-
religioso que parecesse bom a todos e fi zesse com que as pessoas 
se rendessem a ele, aderindo tal crença/fi losofi a. Pensando nisso, 
qual das alternativas abaixo expressa o conceito político-religioso 
utilizado pelo Império Romano? 
a) O Império pregava a liberdade, através do qual todos poderiam 
comercializar, crer, se relacionar, a partir de suas próprias 
convicções. Dessa forma, sendo livres, não haveria guerras e 
diferenças entre o povo. 
b) A política e a religião eram coisas distintas para o Império 
Romano. A religião não deveria interferir na política e assim cada 
poderia crer no que queria, desde que respeitasse as leis gerais do 
estado. 
c) A paz romana era o alvo do Império Romano. Com a paz 
estabelecida o comércio estava garantido. Não haveria guerras. 
E todos poderiam viver com tranquilidade, sem ser subjugado por 
nenhum outro povo, criando suas próprias leis. 
d) A paz romana era o alvo do Império Romano. Com a paz 
estabelecida o comércio estava garantido. Não haveria guerras e 
revoltas. Mas todos deveriam viver de acordo com as regras do 
Império, crendo na soberania do Imperador, prestando culto a ele, 
sob pena de sofrercondenações e perder a proteção. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA40
1.3. A religião como parte do discurso da pax romana
A religião dos romanos era politeísta e antropomórfi ca com nítidas 
infl uências das crenças etrusca e grega. Ao dominar grande parte do 
mundo conhecido, os romanos entraram em contato com diversas 
religiões e tiveram por elas grande respeito [...] A fl exibilidade religiosa dos 
romanos, o respeito a outras religiões e a facilidade de incorporá-las foi um 
fator importante em sua capacidade de dominar povos tão variados e uma 
área geográfi ca tão grande. Durante o Império, a religião ofi cial ganhou o 
culto aos imperadores, uma espécie de religião cívica, que reverenciava 
os imperadores romanos que haviam sido declarados ‘santos’, após a 
morte. Esse culto aglutinou, por muitas gerações, durante os três primeiros 
séculos d.C., as elites nas diversas áreas do Império (FUNARI, P. P. Grécia e 
Roma. Vida pública e vida privada. Cultura, pensamento e mitologia. Amor 
e sexualidade. São Paulo. Contexto: 2001, p. 114-115).
Saiba mais
Colocar abaixo do “saiba 
mais” a palavra “Curiosidade”, 
seguida da imagem e desses 
nomes. 
Os principais deuses romanos são:
Júpiter, o deus do dia;
Apolo, deus do sol e da medicina;
Juno, deusa protetora do casamento, parto e da mulher, de forma geral;
Marte, deus da guerra;
Vênus, deusa do amor e da beleza;
Diana, deusa da lua, da caça e da castidade;
Ceres, deusa da fecundidade da terra e da agricultura;
Baco, deus do vinho e da alegria.
41Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
O culto ao imperador divinizado servia, sobretudo, para marcar a lealdade 
dos súditos e dos povos conquistados ao Império Romano. Não era um 
concorrente das religiões praticadas, nem das fi losofi as existentes. Sua 
importância e sua prática variavam ao longo do tempo e ao longo dos 
interesses políticos nas diferentes províncias do Império. “De qualquer 
maneira, o culto imperial, com seus aspectos políticos, suas instituições 
ofi ciais e suas leis imperativas, não podia oferecer matéria para uma vida 
religiosa profunda. Ficou uma manifestação de legalismo, que certamente 
não excluiu convicções sinceras, mas não impediu que os espíritos 
se voltassem para outras fontes mais exaltantes de religiosidade” 
(PETIT, P. A paz romana. São Paulo. Pioneira/EDUSP: 1989, p. 177). Um 
dos elementos presentes nas festas celebrativas do imperador era a 
aclamação do imperador: “César é kyrios” (Senhor), reconhecimento de 
sua autoridade suprema sobre a vida dos seus súditos.
A tolerância que os romanos tiveram para com diversas 
religiões do mundo por eles conquistadas não existiu, 
entretanto, para com a religião cristã. Os motivos 
da intensa perseguição sofrida pelos cristãos no 
período imperial não são somente de caráter religioso, 
mas também e principalmente político. Os cristãos 
realizavam seus cultos secretos, viviam em pequenos 
grupos e foram, nos primeiros tempos, tomados por 
bruxos e feiticeiros, na medida em que recusavam 
mostrar respeito pelos deuses romanos. Além disso, 
os cristãos, monoteístas, não reconheciam a divindade 
do imperador e não aceitavam o culto a ele e ao Estado, 
sendo considerados uma ameaça à segurança do 
Estado romano” (FUNARI, P. P. op. cit., p. 130).
Nesta fi gura podemos observar um pouco da diferença entre os princípios 
que rege Império e o Reino de Deus. 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA42
1.4. O Novo Testamento e a Pax Romana
a. Jesus Cristo, um novo caminho para o exercício do poder
Na afi rmação cristã de que Jesus Cristo é Senhor, encontramos dura 
crítica contra a ideologia da pax romana.
Não pode haver paz, de fato, onde há violência e dominação. A paz dos 
impérios jamais deixou de ser uma falsa paz, o encobrimento da violência 
e da dominação por uma retórica de progresso, harmonia e felicidade. 
Assim foi com os romanos, assim foi na guerra fria, assim é no império 
globalizado do modo capitalista ocidental de viver em nossos dias. Onde 
julga necessário, o império atual não se recusa ao uso das armas. Em 
geral, porém, prefere a estratégia da violência e dominação simbólicas 
— o anúncio do pseudo-evangelho do capitalismo como único caminho, 
verdade e vida. Disfarçada de progresso, desenvolvimento científico, 
democracia e prosperidade, o modo de vida capitalista estende seus 
tentáculos com vistas a dominar todas as nações e povos. Como o 
antigo império romano, o império contemporâneo exerce o poder de 
forma violenta e dominadora. Em um mundo assim articulado, não há 
lugar para diálogo, apenas para o conflito inter-religioso, com vistas à 
implantação de uma única fé — a fé em Mamom.
O exercício do senhorio de Cristo, porém é totalmente distinto. É um 
senhorio que não conquista, mas reconcilia; não gera uniformidade, mas 
unidade. É um senhorio sem estratégias, mas com relacionamentos. Um 
senhorio cujo poder é exercido pelo Deus que faz a paz mediante a morte 
do seu próprio Filho, e não a dos seus inimigos. Na tradição judaico-cristã, 
a paz (shalom) é a plena harmonia que Deus estabelece na sua criação, 
com destaque – neste contexto – para a justiça social, econômica e 
política que é a harmonia cósmica aplicada à convivência humana. Para 
restaurar a harmonia rompida da criação, Deus entrega Seu Filho à morte 
reconciliadora em benefício da criação alienada do Pai. Ou, nas palavras 
do próprio crucificado: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas 
para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:45).
43Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
b. A oikoumene e a Paz
Enquanto nas discussões ecumênicas contemporâneas 
pode parecer atrativo tentar redefi nir oikoumene (termo 
grego que signifi ca o mundo habitado) em um sentido 
positivo, necessitamos lembrar que na literatura cristã 
primitiva oikoumene era, primariamente, um termo do 
império, raramente usado em um contexto libertador [...] 
O desafi o para o ecumenismo atual deve ser o de repudiar 
a trajetória imperial da palavra, incluindo o próprio legado 
imperial da igreja (Barbara Rossing, apud HANSON, Mark 
S. “The Church: Called to a Ministry of Reconciliation”. 
Sermão pregado em Concílio da Federação Luterana 
Mundial, setembro de 2005. http://www.lutheranworld.
org /LWF_Documents/2005-Council/Sermon-Opening-
2005-EN.pdf. Acesso em 2/08/2007).
Podemos vislumbrar a igreja, aqui, como o protótipo da nova criação, 
a antecipação escatológica da reconciliação cósmica de Deus — a 
comunidade missionária. A paz de Cristo deve afetar todo o modo de ser 
da igreja. O tempo não nos permite abrangência aqui, por isso, aponto 
apenas três exemplos:
Do ponto de vista da adoração cristã, a afi rmação do senhorio de Cristo 
sobre os poderes nos convida ao culto público e à piedade privada nos 
quais “a oração cristã [seja, também] negação das pretensões dos poderes 
do imperialismo, e [...] discernimento constante da manifestação da força 
da cruz diante dos poderes que determinam a história” (ANDERSON, Ana 
F. op. cit., p. 62). O culto cristão, no templo e na vida, não pode ser alienado 
nem alienante. Não pode ser individualista, nem consumista, mas culto e 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA44
vida públicos, ou seja, efetivamente comprometidos com o bem-estar de 
toda a sociedade e de toda a criação de Deus. 
Do ponto de vista da ação social dos cristãos, 
devemos crescer em direção a uma mentalidade 
em
que os evangélicos percebam a possibilidade 
de existir confi ança e participação com outros 
atores sociais além daqueles que professam a 
mesma fé, podendo, inclusive, compartilhar de 
redes com grupos que hoje são demonizados. 
Certamente este é o maior impedimento ou a 
maior deformação do capital social produzido 
neste meio, o qual tem como consequência uma 
signifi cativa fragilidade que serve de impedimento 
para o estabelecimento de redes mais amplas e 
diversifi cadas. Um ambiente de tolerância e respeito 
torna-se fundamental para que efetivamente os 
avanços oferecidospela formação dessas diferentes 
comunidades cívicas, as quais são acessíveis a uma 
massa de excluídos praticamente inatingida, ofereça 
capital social sufi ciente para manter e aprofundar a 
democracia brasileira (FONSECA, Alexandre B. “Os 
evangélicos e sua vivência na sociedade”. In: SILVA, 
Serguem (org.). Missão Integral: Proclamar o Reino de 
Deus, vivendo o evangelho de Cristo. Belo Horizonte: 
Visão Mundial; Viçosa: Ultimato, 2004, p. 236s).
Do ponto de vista do diálogo inter-religioso, a paz de Cristo exige uma 
comunidade plenamente cônscia de sua identidade transformada e 
transformadora. O diálogo inter-religioso não pode ser visto como uma 
45Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
ameaça à identidade da igreja, ou como um obstáculo à fi delidade à 
Palavra de Deus. Dialogar exige autenticidade e demanda que os parceiros 
envolvidos no diálogo mantenham sua legítima identidade, pois
os diálogos inter-religiosos fi cam comprometidos 
quando as religiões perdem o seu perfi l social, diluindo-
se em tendências passageiras, de difícil apreensão. 
Não se pode dialogar com uma religiosidade difusa, e o 
encontro entre religiões nem chega a acontecer quando 
os parceiros se constituem de indefi nidas transições 
entre as religiões, perdendo-se em formas híbridas de 
toda espécie (LIENEMANN-PERRIN, Christine. Missão 
e diálogo inter-religioso. São Leopoldo: CEBI/EST/
Sinodal, 2005, p. 163).
O que ameaça à integridade da igreja não é o diálogo inter-religioso, 
mas o sincretismo com a cultura consumista e hedonista de nosso 
tempo, que se disfarça de êxtase religioso e prosperidade espiritual. É 
o conformismo com o mundo, e não o amor missionário que nos pode 
fazer perder o rumo.
Compare a ideia de paz na ideologia imperial com a ideia de paz anunciada 
no Evangelho de João:
Estas coisas vos tenho falado, estando ainda convosco. 
Mas o Ajudador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará 
em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos 
fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito. Deixo-
vos a paz, a minha paz vos dou; eu não vo-la dou como 
o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se 
atemorize. Ouvistes que eu vos disse: Vou, e voltarei a 
vós. Se me amásseis, alegrar-vos-íeis de que eu vá para 
o Pai; porque o Pai é maior do que eu. Eu vo-lo disse 
agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, 
vós creiais. Já não falarei muito convosco, porque vem 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA46
o príncipe deste mundo, e ele nada tem em mim; mas, 
assim como o Pai me ordenou, assim mesmo faço, 
para que o mundo saiba que eu amo o Pai. Levantai-
vos, vamo-nos daqui (João 14:25-31). 
EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO - 07
Percebemos nos relatos sobre a pax romana, que essa paz tinha um 
alto preço. Na verdade, ela era exercida com violência e opressão. 
Enquanto os governantes e demais líderes se benefi ciavam 
dela, outros eram explorados e privados de sua liberdade, e 
caso rejeitassem o modelo imposto, poderiam sofrer severas 
consequências, sendo excluído da “proteção” que o Império exercia. 
Percebe-se, também, que parte do povo acredita que realmente 
estar sob o jugo do Império era bom e que a ideologia do império 
fazia todo sentido.
No meio cristão é possível encontramos cenários parecidos. 
Assinale a alternativa em que o discurso cristão se assemelha ao 
discurso político-religiosos do Império Romano:
a) O perdão pelos pecados através de uma graça concedida. Ou 
seja, em que não há necessidade de pagamento pela obtenção do 
perdão. 
b) A crença na paz que excede a todo entendimento, independente 
das situações ao nosso redor. Isto porque acredita-se que o amor 
de Deus nos basta. 
c) A necessidade de aceitar a Jesus publicamente e cumprir com 
seus ritos, a fi m de não ser atacado pelo Inimigo. O descumprimento 
de determinadas práticas afasta a proteção de Deus, dando abertura 
para o mal. 
d) A fé numa vida eterna ao lado de Jesus Cristo.
47Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
O tema da paz não pode ser lido apenas em sentido existencial, referente 
à “minha paz”. É, primariamente, um termo político e social – a paz é o 
modo adequado das relações entre as pessoas e a forma adequada das 
relações entre as nações e os poderes. Na refl exão acima, procuramos 
mostrar alguns dos sentidos em que a paz de Jesus não é como a paz 
do mundo.
2. O Império Romano: Filosofi as Populares
Vários livros do Novo Testamento foram escritos em regiões de cultura 
predominantemente helenista, e seus autores tiveram de adequar a 
mensagem do Evangelho a essas culturas, sem alterar a essência do 
ensino de Cristo, baseada na visão vétero-testamentária de Deus e Sua 
ação no mundo – uma cosmovisão distinta da predominante no mundo 
greco-romano. Na cosmovisão judaica, não há um dualismo entre matéria
e espírito, corpo e alma, de modo que a salvação de um seja a exclusão 
do outro. O hebreu compreendia a totalidade do ser humano – material 
e espiritual – como proveniente da criação divina e igualmente objeto da 
salvação divina. 
Da mesma forma, não havia um dualismo político entre indivíduo e 
sociedade, de modo que a salvação do indivíduo pudesse ser pensada sem 
levar em consideração a salvação do povo de Deus. O conceito salvífi co 
fundamental no Antigo Testamento é o de libertação, e seu paradigma 
| Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA48
é o êxodo do Egito (cf. Êxodo cap. 3). Mesmo nos textos mais recentes 
do Antigo Testamento, já produzidos em contato com a cosmovisão 
dualista persa, a salvação fi nal é descrita, em termos semi-apocalípticos, 
como uma nova criação, que abrange “céus e terra”, ou seja, tudo quanto 
Deus criou (Is 65:17-25, etc.), e nenhum traço de dualismo ontológico, ou 
metafísico, pode ser encontrado. 
Já na cosmovisão predominante no mundo greco-romano, a realidade é 
concebida como dual, ou seja, composta de matéria (que é considerada 
má e mortal) e de espírito (que é considerado bom e imortal). O ser humano 
é composto de corpo (pertencente ao âmbito da matéria, por isso mau e 
mortal) e alma (pertencente ao âmbito do espírito, por isso boa e imortal). 
Para esse dualismo, a salvação, por assim dizer, consistiria na libertação 
da alma da prisão corpórea e material neste mundo. Uma forma antiga 
desse dualismo era o conceito de tricotomia, provavelmente cunhado pelo 
fi lósofo platonista Possidônio: “Em sua cosmologia, ele distinguiu entre um 
mundo celestial acima da lua, imperecível e imutável, e o mundo sublunar, 
transitório e sujeito à mudança. [...] o espírito humano tem sua origem no 
sol, recebe do mundo intermediário (a lua) a alma que anima e mantém o 
corpo que é providenciado pelo mundo sublunar” (KOESTER, 1995:139). 
A cosmovisão dualista permeava várias correntes fi losófi cas e crenças 
religiosas no período da missão paulina, e é contra o pano de fundo 
desse dualismo que devemos entender boa parte das polêmicas 
teológicas neotestamentárias. Neste tópico, estudaremos algumas 
das principais tendências fi losófi cas populares da época do Novo 
Testamento. No próximo, voltaremos nossa atenção às religiões do 
mundo mediterrâneo.
2.1. A fi losofi a estóica 
No período do Principado Romano, a fi losofi a estóica, com sua ênfase na 
ética, tornou-se a principal corrente fi losófi ca dos romanos. Os escritos 
de Sêneca são excelente amostra dessa fi losofi a. Algumas de suas ideias 
principais são: 
49Bíblia III - Introdução ao NT | FTSA | 
(1) Como providência, razão suprema, e pai da 
humanidade, Deus tornou sua vontade idêntica à lei 
moral. Ao cumprir essa lei e purifi car-se de todos os 
afetos, a pessoa torna-se idêntica à divindade. (2) O 
refi namento da linguagem psicológica para a direção da 
alma nesse processo ressalta nos escritos de Sêneca, 
que conecta esses pensamentos com uma antropologia 
‘platônica’: somente a alma é verdadeiramente humana 
e capaz de identidade com Deus; o corpo é a prisão 
da alma, experiências físicas não são nada além de 
agonias, e os deveres da vida política necessidades

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