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108 Unidade III Unidade III 5 PESQUISAS Como já vimos anteriormente, diversos foram os problemas ocorridos ao longo dos anos no desenvolvimento de pesquisas científicas. Não podemos negar a evolução da sociedade e dos diversos avanços ocorridos. Entretanto, vimos que, muitas vezes, não foram observadas ações de respeito ao participante da pesquisa e que, durante a Segunda Guerra Mundial, experimentos cruéis e abusivos foram feitos sem que as pessoas tivessem concordado com tais atitudes. Devemos lembrar que as pesquisas científicas favorecem o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, fomentando o encontro de pessoas com o mesmo objetivo, com a troca de informações e apoio para a busca de soluções de problemas que afetam a sociedade como um todo, procurando melhorar a qualidade de vida das pessoas em diversas áreas. Basta pensarmos: hoje temos diversos medicamentos, vacinas, alimentos, produtos e muito mais. Como tudo isso foi desenvolvido? Quem pesquisou? Como foi feito? Muito ainda temos a desvendar e esclarecer. Para que isso ocorra, os cientistas e pesquisadores precisam continuar estudando e desenvolvendo novas metodologias, ou seja, continuar com suas pesquisas para o bem da sociedade. Mas, como sabemos, esse caminho na procura de soluções deve ser trilhado de forma correta, respeitando os participantes, sejam eles pessoas ou animais, utilizados nas pesquisas. Toda pesquisa envolvendo a participação de pessoas e animais deve ter o aval dos seus respectivos comitês de ética, os quais estabelecem diretrizes e normas para tais pesquisas, tendo como papel primordial atuar na proteção dos participantes de pesquisa e coordenar a rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) no país. Em virtude de seu caráter regulatório, a Conep atua em diversas funções, são elas: consultiva, deliberativa, recursal, normativa e educativa. Todo estudo que envolve o ser humano ou animais, de forma direta ou indireta, individual ou coletivamente, incluindo o manejo de informações ou materiais, necessita de diretrizes bioéticas para que o participante dessas pesquisas seja protegido. Dividiremos nosso estudo em ética nas pesquisas humanas e em animais para facilitar a compreensão e o entendimento do tema, que possui especificidades quanto aos seus respectivos comitês. Falaremos em detalhes sobre cada uma delas a seguir. 109 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL 5.1 Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) foi criada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) na Resolução n. 196/96. A intenção da criação desse órgão foi exercer o controle social para desenvolver a regulamentação sobre a proteção dos participantes da pesquisa e oferecer uma instância que atuasse como consultora na área de ética em pesquisas. Além disso, a Conep ainda exerce um papel de coordenadora para os comitês de ética em pesquisa (CEPs) institucionais. Os CEPs institucionais representam a instância comum, com atribuições deliberativas, consultivas, normativas, educativas e de monitoramento, ao passo que a Conep é a instância revisora, com atribuição de analisar temas especiais, considerados de maior relevância e complexidade ética. Em linhas gerais, todas essas resoluções e leis consolidam a competência CEP/Conep na análise e deliberação dos projetos, no monitoramento das pesquisas em seres humanos e no pedido de suspensão temporária ou definitiva do andamento de projetos que apresentem irregularidades (CAPRON, 1997). Atualmente, no Brasil, esse sistema CEP/Conep está totalmente integrado pela internet. Com isso, a Conep mantém o controle atualizado das informações relacionadas aos CEPs e de todos os projetos e pesquisadores. É obrigatório aos projetos e seus pesquisadores se registrar no sistema Plataforma Brasil. Esse registro é realizado on‑line no próprio site. Após o registro, os pesquisadores recebem uma senha, e o projeto, um número nacional. Esse sistema forma e compila toda base de dados da Conep, que consegue gerir de forma mais rápida todas as informações dos projetos. Além disso, todos os dados desse sistema ficam ao alcance de qualquer pessoa que consulte o sistema. Os projetos de pesquisa analisados pela Conep devem pertencer a áreas temáticas especiais, conforme figura a seguir. Portanto, essa comissão fica responsável pela análise desses protocolos enviados pelos CEPs, que consistem em estudos que contemplam as áreas com os maiores dilemas éticos (COSTA, 1998). 110 Unidade III CEP ‑ Aprovação Conep Grupo I (*) Grupo 1A Grupo II Grupo III Código ‑ Áreas Temáticas Esp. I.1. Genética Humana (•) I.2. Reprodução Humana(♦) I.4. Novos Equip. Insumos e Dispos. I.5. Novos Procedimentos I.6. Populações Indígenas I.7. Biossegurança I.8. Pesquisas com coop. estrangeira I.9. A critério do CEP Código ‑ Área Tem. Especial Multicênicos do Grupo I (enquadram em áreas temáticas do 2º Centro) IA. 1 Genética Humana IA. 2 Reprodução Humana IA. 4 Novos Equip. Insumos e Dispos. IA. 5 Novos Procedimentos IA. 6 Populações Indígenas IA. 7 Biossegurança IA. 8 Pesquisas com coop. estrangeira IA. 9 A critério do CEP Código ‑ Área Tem. Esp. II.3. Novos Fármacos, vacinas e testes diagnósticos que não se enquadram nos outros itens do Grupo I II. Genética exceto casos do Grupo I Todos os outros que não se enquadram em áreas temáticas especiais Reprodução Humana exceto casos do Grupo I Enviar: Folhas de Rosto Parecer Consubstanciado (para acompanhamento) Enviar: Relatório Trimestral com folhas de rosto (para banco de dados) Aguardar no CEP parecer Conep para o 1º Centro Enviar: Protocolo Completo Folha de rosto Parecer Consubstanciado (para apreciação) Figura 16 – Fluxograma de tramitação de projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde Entre esses projetos, podemos citar os que tratam de genética e de reprodução humana, fármacos, vacinas, estudos de novos diagnósticos, medicamentos ainda não registrados no país, equipamentos, suprimentos e novos dispositivos para a saúde, assim como novos procedimentos reconhecidos na literatura, populações indígenas e projetos que tratem de biossegurança. Os CEPs devem ser compostos de forma multi e transdisciplinar, com membros selecionados a partir de listas indicativas elaboradas pelas instituições vinculadas a CEPs e que tenham registro na Conep, que deve ser composta por 13 membros titulares, com seus respectivos suplentes, os quais devem obedecer aos seguintes critérios: • ser de ambos os sexos; • 5 dos 13 membros devem ter destaque no campo da ética em pesquisa e na saúde; • os 8 restantes devem ter atuação relevante nos campos teológico e jurídico; • pelo menos um deles deve ter formação em gestão de saúde (THE HOLOCAUST..., s.d.). 111 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Também podem participar da Conep consultores, membros ad hoc e um representante dos usuários para que possa haver a manifestação daqueles que utilizam os serviços da instituição ou possam participar dos projetos como voluntários, atividades vetadas aos funcionários da instituição (CNS, 2012). Observação Ad hoc significa “para esta finalidade” ou “para isso”. No caso dos CEPs, os membros são convocados para participar de questões específicas nas quais são tidos como especialistas. Já os CEPs devem ser compostos por no mínimo seis membros multiprofissionais, que devem formar um grupo que atenda às seguintes exigências: • pelo menos cinco membros devem ser da área da saúde; • deve haver membros de ambos os sexos; • pelo menos um dos integrantes não deve pertencer ao quadro de investigadores da instituição; • pelo menos um dos membros deve ser de uma área não científica; • somente os membros independentes do investigador e do patrocinador do estudo têm direito a voto e a fornecer um parecer nas decisões. Os CEPs representam a voz da sociedade e cabe a eles validar apenas os projetosque não acarretam prejuízo ou dano aos participantes de pesquisa, portanto esses comitês possuem como missão proteger os participantes e a equipe de pesquisa, a instituição, a sociedade e o ambiente. Quanto às pesquisas, é preciso que haja critérios de avaliação e que os projetos desenvolvidos gerem novos conhecimentos, respeitem a vida, tenham relevância e sejam exequíveis. Já no que concerne a seu funcionamento, conforme apontam Cordeiro et al. (2011), os CEPs institucionais se organizam da seguinte forma: • recebem os protocolos a serem analisados; • os projetos que não se incluem no grupo de “temáticas especiais” e que são aprovados pelo CEP já podem ter início; • projetos que precisem de correções ou que tenham sugestões retornam ao pesquisador para sua adequação e são novamente encaminhados ao CEP para nova avaliação; 112 Unidade III • os projetos reencaminhados, quando têm suas exigências cumpridas, são novamente avaliados e, assim que aprovados, podem começar; • projetos inclusos na área de “temática especial” precisam ser avaliados também pela Conep, que possui sessenta dias para analisar o projeto. Assim que aprovado, a Conep comunica ao CEP; • caso o parecer seja deferido (aprovado), o pesquisador pode dar início ao projeto proposto; • no caso de um dos membros do CEP ter qualquer relação com o projeto que está em análise, ele deverá se abster de suas considerações e até mesmo ficar ausente durante a discussão desse referido projeto. Quando bem constituídos, os CEPs transcendem o seu papel específico, contribuindo para a efetivação da democracia deliberativa, concepção contemporânea mais promissora de evolução democrática (COSTA et al., 1998). Observação Do mesmo modo como ocorre nos CEPs, os projetos que precisam ser adequados voltam para o pesquisador e, após alterações, são novamente avaliados. A análise da validade ética das pesquisas se concretiza nos CEPs institucionais. Dessa forma, toda pesquisa envolvendo seres humanos deve ser submetida a uma reflexão ética a fim de que o respeito pela identidade, integridade e dignidade dos participantes seja assegurado. A partir de 1975, em uma das revisões da Declaração de Helsinque, admitiu‑se a necessidade de analisar os problemas morais que surgem nas pesquisas. Nessa revisão, ficou estabelecido que o desenho e o desenvolvimento de cada procedimento deveriam estar claramente formulados dentro de um protocolo de pesquisa que devia ser submetido à consideração, discussão e orientação dos CEPs e, dependendo da área temática, também da Conep. A principal atribuição do sistema CEP/Conep é proteger os participantes das pesquisas de possíveis danos que possam surgir em decorrência da pesquisa. Assim, a intenção é sempre a de preservar os direitos e assegurar à sociedade que a pesquisa esteja sendo feita de forma eticamente correta. Noelle Lenoir, presidente da Comissão de Ética da Unesco, ressalta que o movimento de preocupação com a ética é, sem dúvida, o maior fenômeno do último século. Assim, os CEPs não devem se restringir a uma instância burocrática, mas serem espaços para reflexão e monitoramento das condutas éticas, de explicitação de conflitos e de desenvolvimento da competência ética da sociedade. Desse modo, além de serem fóruns específicos para avaliação de cada pesquisa, eles devem identificar e ampliar os debates, contribuindo com a melhoria da regulamentação sobre o tema. 113 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL A metodologia de trabalho dos CEPs deve procurar representar todos os interessados e também os indivíduos considerados leigos na ciência médica ou biológica, ou seja, os pacientes e seus familiares. Se não for possível que todos os interessados estejam presentes, uma participação mínima deve ser assegurada, assim a presença de usuários (leigos) nos CEPs traz a perspectiva da qualidade das discussões a fim de propiciar o surgimento do diálogo (COSTA et al., 1998). Observação Os projetos que são realizados no Brasil em cooperação com instituições estrangeiras seguem os mesmos fluxos de análise, ou seja, precisam passar pela apreciação do CEP e da Conep (dependendo da área de estudo). Uma das principais características dos CEPs é serem comitês independentes, o que significa que seus membros não devem receber nenhum tipo de pagamento para que não haja qualquer possibilidade de coação. Além disso, a independência deve ser construída por meio de uma composição adequada de integrantes e da adoção de procedimentos transparentes. No Brasil, a receptividade dessa norma de criação de CEPs foi tão grande que, em apenas um ano, depois da Resolução n. 196/96, foram criados cerca de 150 CEPs em instituições de destaque na pesquisa no país. O trabalho dos CEPs depende de duas condições essenciais: legitimidade adequada e infraestrutura conveniente (equipe preparada, facilidades operacionais e organizacionais, regimento interno, controle de prazos e orçamento). A credibilidade do grupo se estabelece por meio de deliberações cuidadosas, pronto acesso a consultas e agilidade nas respostas. Não se espera que haja sempre consenso entre os membros; portanto, o que se procura são deliberações inclusivas no sentido de consideração dos vários interesses, com ampla compreensão das discordâncias e dos dilemas debatidos, com mútuo respeito. Os membros dos CEPs geralmente são conscientes de seu papel e, mais importante que isso, sabem que seu trabalho é feito sobre uma fina linha que separa os interesses dos participantes da pesquisa dos das instituições patrocinadoras. Além disso, contam com a pressão em não retardar ou interromper as pesquisas, que é, de fato, enorme (COSTA et al., 1998). Os CEPs possuem diretrizes quanto à avaliação de projetos locais e multicêntricos. Essas diretrizes foram baseadas no Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos e, de acordo com elas, os CEPs: • devem avaliar localmente um estudo de local único; • devem avaliar individualmente estudos multicêntricos; • devem compartilhar com a rede de CEPs materiais e informações; 114 Unidade III • podem basear sua avaliação na do CEP de outra instituição quando ele for considerado referência para aquele estudo em particular. No caso de estudos multicêntricos, a avaliação é facilitada quando há um comitê central; • podem formar com a rede de CEPs consórcios de modo que apenas um se encarregue da avaliação de um estudo colaborativo; • ficam encarregados de avaliar os projetos de pesquisa quanto aos aspectos científicos, regulatórios e legais, éticos e financeiros. Além dessa avaliação, segundo aponta Capron (1997), os CEPs devem acompanhar sistematicamente a execução desses projetos por meio de: • relatórios periódicos (semestrais); • comunicação de eventos adversos graves; • gerenciamento de riscos (cabe aos CEPs alertar os pesquisadores no caso de encontrarem riscos ocultos nos protocolos); • acompanhamento dos desvios de protocolo por meio de relatórios; • acompanhamento da ocorrência de eventos adversos graves e/ou gravidez por meio de relatórios; • interrupção do estudo clínico, caso haja indícios de que possa estar ocorrendo qualquer prejuízo aos participantes de pesquisa. Saiba mais Para mais detalhes de funcionamento dos comitês, indicamos expressamente a leitura da Norma operacional n. 001/2013, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Saúde: CNS. Norma operacional n. 001/2013. Brasília, 2013. Disponível em: https:// www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/cns_norma_operacional_001_‑_ conep_finalizada_30‑09_23.pdf. Acesso em: 22 jan. 2020. 5.2 Pesquisas com seres humanos A comercialização dos estudos clínicos e das revisões éticas das pesquisas com seres humanos é crescente no mundo. Os investimentos dos países desenvolvidos, nos últimos anos, em testes com novas drogas direcionadas a doenças que afetam as populações desses países, são cada vez maiores. Entretanto, esses testes são executados em países pobres. 115 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃOPROFISSIONAL Um estudo relativamente recente mostrou que, das 1.556 novas drogas desenvolvidas no âmbito mundial de 1974 a 2004, somente dez foram destinadas a doenças comuns dos países pobres. Isso indica que, apesar de, durante os últimos trinta anos, os estudos clínicos multicêntricos dos países pobres terem aumentado significativamente, pouco mais de 1% das inovações farmacológicas foram dirigidas a doenças que afetam predominantemente as populações não provenientes dos países patrocinadores. Como é fácil depreender, o problema envolvido nessa situação é que a saúde de uma população não pode ser submetida a interesses econômicos (GARRAFA, 2012). Os comitês de ética em pesquisa da maioria dos países da África, onde é significativo o número de estudos clínicos desenvolvidos com cooperação internacional, estão compostos por membros devidamente “treinados” pelos países patrocinadores. Entretanto, esse treinamento costuma ser realizado de acordo com legislações, regras e interesses desses próprios países. A vulnerabilidade social tem relação com a estrutura de vida cotidiana das pessoas. Entre as situações criadoras de vulnerabilidade social, podem ser citadas: • baixa capacidade de pesquisa no país; • disparidades socioeconômicas na população; • baixo nível de instrução das pessoas; • inacessibilidade a serviços de saúde e vulnerabilidades específicas relacionadas com o sexo feminino e com questões raciais e étnicas, entre outras. O significado de vulnerabilidade social leva ao englobamento de diferentes formas de exclusão social, que distanciam ou isolam os grupos populacionais com relação aos benefícios propiciados pelo desenvolvimento (GARRAFA, 2012). O processo que antecede a comercialização de um novo produto pode ser dividido em fases. A figura a seguir traz as fases de estudo que antecedem a comercialização de um novo medicamento. Nela, podemos observar que a fase de registro das novas drogas só pode ocorrer após as fases de desenvolvimento clínico e a comercialização só pode ser feita após o registro do novo produto. Quanto à experimentação em seres humanos, ela deve ser discutida por todos os profissionais envolvidos nos estudos e por outros pertencentes a áreas de conhecimento como direito, filosofia, ciências políticas e teologia. As áreas que mais apresentam problemas quanto aos deferimentos dos projetos são as que usam placebo e projetos de pesquisa envolvendo populações vulneráveis. 116 Unidade III 2 a 4 anos PESQUISA US$ 1 milhão US$ 1,5 milhão US$ 1‑2 milhão Farmacêuticos Químicos Farmacêuticos Toxicologistas Físicos, Químicos Biólogicos US$ 5‑10 milhões Médicos, farmacologistas, clínicos, dentistas, fisioterapeutas, enfermeiros US$ 10‑20 milhões US$ 10‑20 milhões US$ 5‑10 milhões Farmacêuticos Advogados REGISTRO PÓS‑ COMERCIALIZAÇÃO FÁRMACO‑ TÉCNICA DESENVOLVIMENTO PRÉ‑CLÍNICO DESENVOLVIMENTO CLÍNICO 8 a 10 anos Fase IVRegistroFase IIIFase IIFase IFormulação Testes Toxicológicos (Segurança) Testes Farmacológicos (Eficácia) Sintese Prospecção Identificação de alvos Controle de Qualidade Figura 17 – Fases dos estudos clínicos que antecedem a comercialização de novos medicamentos 5.2.1 Diretrizes e normas para pesquisa em seres humanos Em 1974, o Congresso Americano criou nos EUA a Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais. Essa comissão, em 1978, apresentou um relatório referente aos trabalhos realizados nos últimos anos, intitulado Relatório Belmont (THE NATIONAL..., 1978), que trazia os princípios éticos e as diretrizes para a proteção de sujeitos humanos nas pesquisas. Esse relatório estabeleceu os princípios éticos fundamentais necessários às condutas em pesquisas envolvendo participantes humanos: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça (NOVAES; TRINDADE, 2007). A finalidade dos princípios supracitados é facilitar a análise de casos concretos. A partir deles, discute‑se a necessidade de inclusão de outros valores que favoreçam o aprofundamento de determinados temas que possam exigir considerações éticas mais específicas. Apesar de esses princípios terem conceitos conhecidos na área de saúde, faremos algumas observações a seu respeito a seguir. Como vimos no histórico da bioética, para que esses princípios possam ser praticados, é necessário que, vinculadas a eles, existam condições essenciais. Por exemplo, para que o participante tenha direito a exercer sua autonomia, é primordial que ele e seus familiares sejam providos de informações suficientes que possibilitem a tomada de decisão diante das opções propostas (KOVÁCS, 2003). Para a autonomia ser exercida, primeiramente ela tem que ser reconhecida. É necessário que as pessoas estejam aptas a fazer escolhas sempre que houver essa possibilidade. A maioria das instituições hospitalares adota uma posição paternalista que se baseia nos princípios da beneficência e da não maleficência. Os objetivos desses dois princípios são, respectivamente, o de se fazer o bem e o de evitar sofrimentos adicionais (KOVÁCS, 2003). O princípio da não maleficência determina que os profissionais da saúde têm o dever de não causar mal e/ou danos a seus pacientes; 117 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL o da beneficência pode ser resumido como o ato de se fazer o bem; e o da justiça diz respeito à equidade dos indivíduos, que por serem distintos e singulares possuem diferentes tipos de necessidades (FORTES, 2002). Os quatro princípios da bioética se complementam e devem abordar a qualidade de vida, e não apenas sua extensão. Esses princípios são utilizados nas diversas situações de conflito ético e não existe hierarquia de importância entre eles (KOVÁCS, 2003). É preciso ter em mente que esse modelo de análise principialista, que foi iniciado com o Relatório Belmont e implementado por Beauchamp e Childress, é uma linguagem ética entre outras linguagens, mas não a única. A experiência ética pode, desse modo, ser expressa em diferentes linguagens, paradigmas ou modelos teóricos, assim como as virtudes. Todos esses modelos ou linguagens estão intrinsecamente inter‑relacionados, mas cada um em si é incompleto e limitado. Um modelo pode lidar bem com um determinado aspecto da vida moral, mas, ao mesmo tempo, não com os outros. Por isso, precisamos considerá‑los como complementares e compreender que a convivência com esse pluralismo de modelos teóricos exige diálogo respeitoso pelas diferenças (COSTA et al., 1998). Mesmo com essas diretrizes bioéticas estabelecidas, existem populações que são consideradas vulneráveis. Essa vulnerabilidade pode ser momentânea, como ocorre com as mulheres grávidas, ou permanente, como é o caso dos deficientes mentais. Um dos documentos mais importantes exigidos em pesquisas que envolvem os seres humanos para a proteção dos participantes é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por esse documento, os voluntários conseguem exercer os quatro direitos bioéticos principialistas: exercer sua autonomia (aceitando participar), a beneficência, a não maleficência e a justiça. Para os documentos obrigatórios para o projeto de pesquisa humano, a Norma operacional n. 001/2013 estabelece no seu terceiro item os documentos necessários e obrigatórios para a submissão de um projeto de pesquisa, sobre os quais discutiremos um pouco mais adiante. Exemplo de aplicação Imagine que você e um colega pretendem dar início ao seu trabalho de conclusão de curso e, após discutirem com o professor orientador, deram início ao projeto de pesquisa. Ele solicitou que você providenciasse os cinco documentos obrigatórios para entrega, de forma que ele pudesse protocolar o trabalho na Plataforma Brasil. Pergunta‑se: quais seriam os documentos que você deveria apresentar para o seu orientador? 5.2.2 Passo a passo para submissão de projetos A Plataforma Brasil consiste em um sistema seguro, no qual é realizado um backup diário. Todos os projetosaprovados são de conhecimento público (título, data início, data término, pesquisador responsável). No cadastro do projeto, na Plataforma Brasil, o pesquisador pode delegar o preenchimento a outro usuário, mas somente o próprio pesquisador pode apagar o projeto e essa ação só pode ser feita antes que o CEP confirme o recebimento. Uma vez preenchidos os dados do projeto, a folha de rosto 118 Unidade III deve ser impressa, assinada, escaneada e anexada ao sistema da plataforma, que aceita arquivos com no máximo 20 MB de tamanho. Cumpridas essas etapas, o relator dá seu parecer, ou seja, o deferimento ou não do projeto, que deve ser escrito com até 4 mil caracteres. Existem instituições que não possuem um CEP e, nesses casos, a Conep deve indicar o CEP que fará a avaliação do projeto. O prazo de 30 dias para a análise do projeto começa a contar a partir do momento em que a secretaria do CEP indicado recebe a proposta de pesquisa. Anuência em processos de pesquisa clínica Aprovação do CEP Aprovação da Anvisa Início do estudo clínico Acompanhamento após a aprovação da Anvisa através de emendas específicas Relatórios periódicos Comunicado de eventos adversos Inspeção para verificação da BPC Acompanhamento após a aprovação CEP através de emendas específicas Relatórios periódicos Comunidade de eventos adversos Aprovação da Conep Figura 18 – Fluxograma de submissão de projetos de pesquisa Saiba mais A Plataforma Brasil oferece treinamento para submissão de projetos. Para saber mais, acesse o site: http://plataformabrasil.saude.gov.br 5.3 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Como vimos até agora, foram os acontecimentos históricos que levaram à elaboração de leis e normas que tinham em comum a intenção de proteger os participantes das pesquisas, ou seja, os voluntários. Todas as regulamentações redigidas sobre o tema da proteção do participante de pesquisa asseveram que o principal documento para que o voluntário fique protegido é o TCLE, que é um documento que 119 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL leva ao participante todas as informações sobre a pesquisa para a qual ele é convidado a participar, devendo, portanto, ser apresentado como se fosse um convite. Quando recebemos o convite para uma festa, por exemplo, ele nos traz informações importantes sobre o evento, tais como: • motivo da festa (casamento, aniversário, baile); • traje a ser usado; • data; • atendimento ou não de buffet ; • necessidade ou não de confirmar presença; • telefone de contato; • local (endereço). Todas essas informações devem ser escritas de maneira simples e direta e ser suficientes para que possamos pensar e decidir participar ou não da festa. E mesmo após termos confirmado a presença, podemos desistir na última hora ou sair da festa antes que ela termine. O organizador do evento, contando com todas essas possibilidades, estima um número médio de pessoas para o evento e envia os convites. Conforme a aceitação, o planejamento continua. Do contrário, a festa acaba sendo cancelada – afinal, não existe comemoração sem que haja convidados. Podemos utilizar essa metáfora para o TCLE, pois a primeira coisa que precisamos saber é se haverá ou não pessoas interessadas em fazer parte do estudo. Sem a assinatura do participante de pesquisa, nada pode acontecer. Tendo natureza similar à de um convite, é importante que o TCLE seja elaborado como um, contendo todas as informações sobre o estudo, em linguagem acessível, clara e objetiva para ser facilmente compreendida pelos futuros participantes da pesquisa. Além dessas informações, deve constar um número de contato (do pesquisador responsável pelo estudo), para o qual o voluntário possa ligar sempre que tiver alguma dúvida. O termo deve ser lido preferencialmente pelo participante de pesquisa. Caso isso não seja possível, poderá ser lido por uma terceira pessoa (testemunha ou representante legal) que poderá oferecer ao possível voluntário uma leitura imparcial. O TCLE é uma proteção legal e moral do pesquisador e do pesquisado, por isso os dois envolvidos devem assiná‑lo, visto que ambos estão assumindo responsabilidades. O TCLE é fundamental para análise ética do projeto. Nossa legislação identifica esse documento como um exercício do direito à autonomia a que todos nós, seres humanos, temos direito. A lista que segue elenca resumidamente os aspectos essenciais que devem ser abordados em um TCLE: 120 Unidade III • O que o documento representa? — proteção dos participantes (e termos legais); — expressão do voluntariado; — respeito ao voluntário, que tem a autonomia de decidir participar ou não da pesquisa; — para o voluntário, pode representar esperança de ajuda e/ou de cura. • Considerações que merecem atenção no momento de aplicação do TCLE: — desejo de agradar ao médico; — ansiedade e medo do desconhecido; — tempo insuficiente para decidir; — falta de informações e/ou informações incompletas; — decidir em meio à emoção; — esclarecer aos voluntários que a recusa em participar não significa perda do tratamento já em andamento; — esclarecer que mesmo aceitando participar da pesquisa, o voluntário pode se arrepender e retirar esse consentimento a qualquer momento; — esclarecer às mulheres grávidas e/ou em idade fértil que a pesquisa, quando for o caso, pode apresentar riscos para o feto ou para os bebês no caso de mulheres lactantes. • Aspectos essenciais ao TCLE: — máximo de informações; — formato acessível; — fácil leitura; — tempo suficiente para leitura; — informações claras sobre o objetivo da pesquisa, os procedimentos previstos, a ação dos medicamentos utilizados e sobre todos os efeitos colaterais que estão previstos tanto no caso de medicamentos quanto no caso de procedimentos; 121 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL — estar de acordo com a regulamentação; — mostrar que o estudo envolve todo um histórico científico; — esclarecimento sobre o tempo de participação do voluntário; — esclarecimento sobre os possíveis riscos e/ou desconfortos que podem aparecer; — esclarecimento sobre os benefícios que podem resultar dessa pesquisa; — informação clara sobre procedimentos e/ou tratamentos alternativos; — esclarecimento sobre o fato de que a identidade do participante da pesquisa será preservada; — informação sobre a possibilidade do aparecimento de efeitos indesejáveis não previstos; — indicar o contato para quem o participante pode ligar em caso de dúvidas ou evento adverso. 5.3.1 Aspectos éticos do TCLE O TCLE passou a ser objeto de atenção das comissões de ética em pesquisa, especialmente depois da Declaração de Helsinki (1964), em que o participante e seus direitos passaram a ser o foco das pesquisas. A assinatura desse termo significa que o voluntário aceita participar do estudo após ter lido e ter sido esclarecido sobre a pesquisa e os benefícios inclusos. No Brasil, a Resolução n. 466/12 afirma, no que concerne ao TCLE, que: O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos participantes, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa (CNS, 2012). O TCLE é fundamental para analisar a conduta ética do projeto; logo, é regido por normas que não podem deixar de ser cumpridas: • deve ser aprovado pelo CEP e pela Conep (nos casos de envolver procedimentos invasivos no decorrer das pesquisas); • deve ser obtido antes do início do estudo. Nada pode acontecer sem que o participante tenha aceitado participar, e esse aceite só pode ser constatado com a assinatura do termo; • deve ser disponibilizado ao participante separado do projeto de pesquisa (deve ser apresentado como um anexo ao projeto); • deve ser assinado em duas vias a fim de que uma das cópias permaneça com o participante da pesquisa; 122 Unidade III • deve ser elaborado com conhecimento, verdade e bom senso; • deve ser obtido por todos osindivíduos envolvidos em qualquer tipo de pesquisa; • deve ser assinado pela pessoa correta; • não pode ser confundido com uma autorização para participar das pesquisas. No caso de indústria, normalmente os TCLEs são: • longos e de difícil compreensão; • conhecidos pela utilização de termos técnicos fora da realidade brasileira; • caracterizados por terem dificuldade de aceitar as modificações sugeridas pelos CEPs; • traduções de modelos prontos sem qualquer adaptação à realidade do país que participará do estudo. No caso das universidades, normalmente os TCLEs são conhecidos por: • serem curtos e terem poucas explicações; • não trazerem informações importantes ao paciente; • deixarem de fornecer dados sobre quem contatar. O processo do consentimento: • deve ocorrer entre o pesquisador e o participante de pesquisa (ou seu representante legal); • precisa contar com o entendimento completo do texto; • considera indispensável que o pesquisador faça, junto com o pesquisado, a leitura do TCLE e que, depois disso, peça ao pesquisado que faça ainda um resumo do conteúdo do documento; • o pesquisador deve questionar o participante sobre pontos fundamentais da pesquisa; • o pesquisador nunca deve tentar convencer o participante a assinar o TCLE. Quem assina o documento? • o paciente ou seu representante legal; 123 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL • no caso de menores de idade que já têm compreensão dos fatos, o termo de consentimento deve ser assinado pelo representante legal, mas também é necessário que haja o aceite do paciente (menor). Nesses casos, existe um termo de assentimento que precisa ser assinado pelo menor; • testemunhas (necessárias no caso de o TCLE precisar ser lido). Observação Não pode haver pressão na obtenção da assinatura do TCLE, por isso ele pode ser levado pelo pesquisado a sua casa e ser discutido com seus familiares a fim de que todas as dúvidas sejam sanadas antes da decisão de aceite. Dispensa do TCLE (casos em que não há como aplicar o TCLE): • dados arquivados (prontuários); • impossibilidade de localizar os pacientes. Nos casos citados, a justificativa da não aplicação do TCLE deve ser explicitada e uma solicitação para dispensa do uso de TCLE deve ser feita para o CEP (CNS, 1996). O TCLE é um dos pontos mais frequentemente considerados pelos CEPs como eticamente incorretos. Os modelos de TCLE têm sido repetidamente o motivo de não aprovação de pesquisas. Alguns motivos desse indeferimento são: • informação insuficiente; • indução do pesquisado à participação; • linguagem inacessível. Termos de consentimentos longos demais ou traduzidos de outros países, via de regra, mais confundem do que esclarecem e, muitas vezes, não condizem com a nossa cultura. Qualquer informação escrita que seja fornecida aos pacientes do estudo, inclusive o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, deve conter: • explicações sobre o porquê dos experimentos; • o objetivo do estudo; • aviso de que o tratamento que está sendo proposto é experimental e que a distribuição dos pacientes nos grupos de tratamentos é aleatória; 124 Unidade III • comunicado de que todos os procedimentos propostos no tratamento devem ser seguidos pelos pacientes, inclusive os procedimentos invasivos; • informação sobre a responsabilidade dos participantes de pesquisa; • aviso de que todos os aspectos da pesquisa têm caráter experimental; • uma previsão razoável dos riscos e/ou inconvenientes a que o sujeito de pesquisa está se expondo, inclusive quando se trata de um embrião, feto ou lactante; • os benefícios clínicos que podem ser esperados pelo tratamento ou mesmo informação de que não são esperados quaisquer benefícios ou riscos; • a compensação e/ou tratamento disponível para o sujeito, caso ocorra algum evento adverso com relação ao estudo; • pagamento antecipado proporcional, se houver, para o participante da pesquisa. No Brasil, o único pagamento que os voluntários podiam receber concernia ao transporte e à alimentação. Contudo, com a Resolução n. 466/12, houve uma mudança: quando as pesquisas são realizadas com pacientes sadios (fase II dos estudos clínicos), esses voluntários podem receber algum tipo de remuneração, visto que não terão qualquer benefício direto resultante da pesquisa; • destaque de que qualquer participação na pesquisa é totalmente voluntária e que o sujeito da pesquisa pode recusar e se retirar da pesquisa em qualquer momento sem que haja qualquer prejuízo com relação aos benefícios diretos que o estudo propunha; • comunicado de que, com a intenção de verificar o andamento das pesquisas clínicas, os monitores, auditores e membros do CEP local têm acesso direto tanto aos sujeitos da pesquisa quanto a seus prontuários médicos, desde que os termos do TCLE sejam respeitados; • segurança de que o registro e a identificação do sujeito serão mantidos em sigilo; • aviso de que o sujeito ou seu representante legal serão informados com tempo suficiente sobre qualquer dado que seja relevante diante da voluntariedade do sujeito de pesquisa continuar no estudo; • dados sobre quais as pessoas que o sujeito de pesquisa deve contatar no caso de requerer alguma informação sobre seus direitos ou de qualquer evento adverso relacionado ao estudo; • as circunstâncias previsíveis e/ou razões de o sujeito encerrar sua participação no estudo; • a duração prevista da participação na pesquisa; • o número aproximado de voluntários que serão necessários para a pesquisa. 125 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Quando o consentimento prévio da pessoa participante não for possível, como nos casos de emergência, o consentimento de seu representante legal deve ser solicitado e, no caso de esse consentimento também não ser possível, o protocolo prevê que aprovações dos CEP e Conep que visam à proteção dos participantes devem ser consultadas a fim de assegurar o cumprimento regulamentar aplicável. O sujeito ou seu representante legal deve ser informado sobre os procedimentos tomados o mais rápido possível e deve consentir em sua continuidade. 5.4 Uso do placebo Figura 19 – Medicamento O placebo é um medicamento que não possui efeito farmacológico. Normalmente, é utilizado quando se deseja comparar o efeito de um novo fármaco sobre determinada patologia. Para tanto, o placebo deve ser igual em formato, sabor e odor ao medicamento novo, para que os participantes das pesquisas não saibam se estão tomando o medicamento que tem o efeito farmacológico ou sua cópia sem efeitos. Entretanto, do ponto de vista ético, o uso de placebo em ensaios clínicos estava condicionado às diretrizes da Declaração de Helsinki de 1964, que definiu sua utilização para estudos médicos que possuam o melhor método existente de diagnóstico e terapia para seus pacientes (caso haja um grupo‑controle, essa população também deve ter acesso ao melhor tratamento estabelecido no final do estudo). Com a revisão da declaração, em 1996, um adendo foi feito a essa norma, dizendo que o uso do placebo não está excluído dos casos em que o diagnóstico ou tratamento eficaz ainda não tenham sido determinados (PORTO et al., 2012). Aqui em nosso país, as normas referentes ao uso de placebo são um pouco diferentes. A Resolução n. 466/12, feita pelo Conselho Nacional de Saúde, tem como diretriz que os estudos devem obedecer a uma metodologia adequada e, caso o uso do placebo seja requerido, esse pedido deve estar plenamente justificado no estudo, especialmente com relação à não maleficência aos sujeitos de pesquisa e quanto à sua necessidade metodológica (CNS, 1996). Estudos com placebo são indispensáveis, mas do ponto de vista ético devemos sempre considerar que o interesse científico ou da sociedade não deve prevalecer sobre o bem‑estar do paciente (CNS, 2012). 126 Unidade III É importante, ainda, notar que há uma série de recomendações utilizadas para o uso do placebo, conforme segue: • Deve haver um controle clínico, intenso e frequente que possibilite ocontato do paciente ou de seus familiares a qualquer momento com a equipe, por meio de telefones e bips. Essas medidas são tomadas como rotina na prática de pesquisas clínicas; no entanto, quando se trata do uso de placebo, essa prática deve ser mais reforçada. • Na metodologia de um estudo que faz uso de um grupo‑placebo, critérios como pontos de corte que determinem a retirada do paciente do estudo por falta de eficácia da medicação devem estar presentes. • A equipe deve assumir a continuidade do tratamento dos pacientes excluídos do estudo, assegurando mecanismos de intervenção precoce (como plantão com bip por 24 horas). • Medicações de apoio devem ser consideradas, em caso de necessidade. Quando em uso, essas medidas devem ser consideradas como variáveis dependentes e analisadas no estudo. • A inclusão de pacientes que vivam com familiar ou pessoa próxima deve ser considerada, já que essas pessoas podem, após instrução, detectar sinais precoces de eventual piora do quadro clínico. • Pacientes que apresentem sinais de comportamento de risco (agressividade, tendência ao suicídio etc.) devem ser excluídos das pesquisas. Essa medida é específica para estudos psiquiátricos. No entanto, caso exista um tratamento minimamente eficaz para a doença (que o novo fármaco propõe tratar), não é eticamente correto o uso do placebo, pois, nesse caso, os pacientes mantidos com o placebo ficariam sem tratamento. Desse modo, o novo medicamento deve ser comparado com um medicamento já em uso para tratar a patologia em estudo. Assim, o novo medicamento pode ser comparado sem que nenhum dos participantes fique sem tratamento. Esse é um campo em que muitos problemas têm sido identificados, pois existe muito interesse na comercialização de novos produtos, ainda mais em um mercado em que a concorrência é imensa. É preciso, por isso, sempre lembrar que muitas vezes o uso do placebo pode acabar colocando pessoas em situação de risco (CNS, 2012). 5.5 Uso de dados de pacientes Temos enfatizado repetidamente os princípios bioéticos que norteiam as pesquisas com seres humanos: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Contudo, precisamos lembrar que as pesquisas que envolvem seres humanos não são apenas as que realizam procedimentos médicos ou testam novos medicamentos – logo, não é apenas a procedimentos que os princípios se aplicam. A utilização de dados pertencentes aos pacientes também é considerada uma pesquisa com seres humanos e, portanto, deve obedecer às normas e regulamentações vigentes. A utilização de materiais e dados dos participantes obtidos durante a pesquisa só pode ser feita desde que prevista em protocolo constante no TCLE e autorizada pelo participante. Portanto, os dados obtidos a partir dos participantes da pesquisa não podem ser usados para outros fins além dos previstos 127 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL no protocolo e/ou no consentimento livre e esclarecido. Assim, pesquisas que necessitem de informações restritas devem ser devidamente explicitadas e justificadas pelo pesquisador responsável no sistema CEP/Conep. No caso de ser inviável a obtenção do TCLE ou que essa obtenção signifique riscos substanciais à privacidade e confidencialidade dos dados do participante, a dispensa desse termo deve ser solicitada com justificativa pelo pesquisador responsável no sistema CEP/Conep para apreciação, sem prejuízo do posterior processo de esclarecimento. O prontuário é um arquivo, em papel ou informatizado, cuja finalidade é facilitar a manutenção e o acesso às informações dos pacientes durante um atendimento em uma área de internação ou ambulatorial. Ele contém os resultados de exames e procedimentos realizados com finalidade diagnóstica ou de tratamento e é um documento de propriedade do paciente, embora o hospital ou outra instituição de saúde detenha a guarda desse documento, visando a preservar o histórico de atendimento de cada paciente, uma vez que a retirada dos documentos poderia acarretar prejuízos na eventualidade de um atendimento ao próprio paciente. Segundo Costa (1998), tanto os médicos quanto os enfermeiros e demais profissionais de saúde, assim como todos os funcionários administrativos que entram em contato com as informações do paciente por dever de ofício, têm autorização para o acesso a esse conteúdo apenas em função da necessidade profissional. Logo, qualquer outra pessoa que não o paciente não tem o direito de usar as informações do prontuário livremente, salvo no caso de pacientes menores de idade ou declarados incapazes. Nessas situações, os representantes legais assumem esse direito. A utilização de linhas telefônicas convencionais pode facilitar o uso indevido das informações, mesmo que os dados estejam criptografados e existam sistemas de segurança para acesso às bases de dados. A consulta aos prontuários de pacientes pode ser necessária para fins de comprovação de realização de procedimentos. Essa verificação deverá ser feita apenas por auditores credenciados, preferencialmente médicos, no próprio estabelecimento de saúde. Já as autoridades policiais não têm acesso aos dados constantes no prontuário, pois isso caracterizaria uma invasão de privacidade. No caso do pedido de abertura dos documentos a uma autoridade judicial, a solicitação deve ser devidamente justificada e solicitada por escrito em documento oficial. Assim, as informações poderão ser fornecidas, mas os documentos legais não poderão ser enviados (CNS, 2012). Outra importante questão na área da genética é a do tempo adequado para revelar informações a um paciente que ainda terá vários anos de vida antes que sua doença genética venha a se expressar. A telemedicina também é um desafio, pois o médico e o paciente estarão em locais diferentes, muitas vezes sem qualquer contato pessoal anterior ou futuro. Esse novo tipo de vínculo não altera o compromisso do profissional para com seu paciente, porém sempre há a participação de outros profissionais mediando a relação entre eles e isso por si só já poderia ser caracterizado como uma quebra de privacidade. Esses e outros novos desafios devem ser enfrentados com sabedoria. 128 Unidade III O fundamental é reconhecer que as pessoas sempre possuem dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade, merecendo, dessa forma, todo o respeito e cuidado com as informações a elas pertinentes (CNS, 2012). A seguir são brevemente resumidas as situações em que os dados dos protocolos dos pacientes podem ser utilizados: • O material obtido nas pesquisas deve ser usado exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo ou conforme o consentimento do participante. • Os participantes devem demonstrar estar de acordo com essa utilização por meio da assinatura do TCLE. • No caso da obtenção do TCLE ser inviável (aumentar os riscos), a dispensa do termo deve ser solicitada ao CEP/Conep. Dessa forma, no que se refere ao uso e acesso aos prontuários, a Conep alerta no sentido de obediência às disposições éticas e legais brasileiras: • Constituição Federal Brasileira (1988) – art. 5°, incisos X e XIV. • Novo Código Civil – arts. 20 e 21. • Código Penal – arts. 153 e 154. • Código de Processo Civil – arts. 347, 363, 406. • Código de Defesa do Consumidor – arts. 43 e 44. • Código de Ética Médica (CFM) – arts. 11, 70, 102, 103, 105, 106, 108. • Medida Provisória 2.200, de 24 de agosto de 2001. • Normas do CFM quanto ao acesso prontuário. A Conep reafirma, ainda, que as pesquisas que envolvam acesso e uso de prontuário médico devem ser analisadas pelo Sistema CEP/Conep. Contudo, não cabe a ele legislar sobre o acesso e uso do prontuário médico. Suas incumbências no que toca a esse assunto restringem‑se a determinar o cumprimento do sigilo e da confidencialidade, além de exigir que toda pesquisa envolvendo seres humanos os trate em sua dignidade, os respeite em sua autonomia e os defenda em sua vulnerabilidade, conforme a Resolução CNS 466/12. No final de 2011, o ConselhoNacional de Saúde e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa enviaram uma carta circular referente à utilização dos dados disponíveis em prontuários. Segue trecho da carta: 129 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Prezados (as) Senhores(as), 1. Esta comissão tem sido notificada reiteradas vezes sobre as dificuldades enfrentadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa – CEP com relação às pesquisas que envolvem utilização de dados provenientes de prontuários médicos. 2. Diante da relevância do tema sobre acesso e uso em prontuários médicos, em atendimento ao cumprimento de uma de suas atribuições, a Conep afirma que: • A avaliação ética de projetos de pesquisa envolvendo dados de prontuário cabe, inicialmente, ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP presente na instituição proponente do estudo, que deve considerar em tal análise o contexto em que a pesquisa está inserida e todos os documentos apresentados juntamente ao projeto. A partir do momento em que o CEP aprova o estudo, ele se torna corresponsável pela realização do mesmo. 3. Cumpre ressaltar que os dados do prontuário são de propriedade única e exclusiva do próprio sujeito, que forneceu tais informações em uma relação de confidencialidade entre médico e paciente, para realização do seu tratamento e cuidado médicos, e não para utilização de tais dados em pesquisas. Dessa forma, no que se refere ao uso e acesso aos prontuários, a Conep alerta no sentido de obediência às disposições éticas e legais brasileiras: • Constituição Federal Brasileira (1988) – art. 5°, incisos X e XIV. • Novo Código Civil – artigos 20 e 21. • Código Penal – artigos 153 e 154. • Código de Processo Civil – artigos 347, 363, 406. • Código de Defesa do Consumidor – artigos 43 e 44. • Código de Ética Médica – CFM. Artigos 11, 70, 102, 103, 105, 106, 108. • Medida Provisória – 2.200 – 2, de 24 agosto de 2001. • Normas da Instituição quanto ao acesso prontuário. • Parecer CFM n. 08/2005. • Parecer CFM n. 06/2010. 130 Unidade III • Padrões de acreditações hospitalares do Consórcio Brasileiro de Acreditação, em particular Gl.2 – Gl1.12. • Resoluções da ANS. (Lei n. 9.961 de 28/01/2000) em particular a RN n. 21. • Resoluções do CFM – n. 1605/2000 – 1638/2002 – 1639/2002 – 1642/2002. 4. Reafirmamos que as pesquisas que envolvam acesso e uso de prontuário médico devem ser analisadas pelo sistema CEP/Conep, contudo não cabe a tal sistema legislar sobre o acesso e uso do prontuário médico, porém cabe determinar o cumprimento do sigilo e da confidencialidade, além de exigir que toda pesquisa envolvendo seres humanos trate os mesmos em sua dignidade, respeite‑os em sua autonomia e defenda‑os em sua vulnerabilidade, conforme Resolução CNS 196/96, itens III.1.“a” e IV.1.“g”. 5. Solicitamos o empenho na efetivação destas orientações, e nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos. Fonte: Conep; CNS (2011). Exemplo de aplicação Os países, após depararem com as tragédias ocorridas devido a medicamentos que não foram adequadamente pesquisados antes de serem comercializados, passaram a exigir de seus governos leis e regulamentações voltadas para pesquisa com seres humanos capazes de proteger tanto o participante da pesquisa quanto os futuros consumidores. Suponhamos, por exemplo, que um pesquisador, depois de muitos experimentos, tenha descoberto uma nova droga para combater a flacidez estética, mas que esse novo fármaco tenha apresentado como efeito colateral perda da audição em dez de cada mil pacientes. Seu papel nesse caso é o de atuar como procurador da Anvisa e é você quem está analisando o registro desse novo fármaco. Nesse caso, quais seriam as suas argumentações para deferir ou indeferir o registro desse produto? 5.6 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Além da Conep e do CEP, o Brasil possui a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ajuda a monitorar projetos de pesquisa especialmente quando eles envolvem o desenvolvimento de novos medicamentos ou produtos que serão utilizados nos seres humanos ou em animais. Dessa maneira, a Anvisa possui um papel fundamental e essencial na aprovação de projetos de pesquisa e na regulamentação de novas drogas e dispositivos. A Anvisa é o órgão responsável por validar todos os medicamentos que entram no mercado brasileiro. Devido a essa responsabilidade, a Anvisa deve manter vigilância e rigor nas pesquisas 131 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL clínicas que envolvam a validação de um novo medicamento ou de uma nova utilização para um fármaco já comercializado. A importância disso é evitar o contato do público com medicamentos não seguros, como no caso da Talidomida (1954‑1962), lançada pela indústria alemã Grünenthal como sedativo e usada na êmese gravídica, causando teratogênese em 30 a 50 mil crianças em todo o mundo. O crescente número de consumidores lesados pela propaganda enganosa e os grandes desastres com medicamentos culminaram com uma legislação mais rigorosa nas pesquisas de desenvolvimento de medicamentos. Essas novas resoluções passaram a exigir testes pré‑clínicos e clínicos antes que cada novo fármaco fosse lançado ao mercado. Em 1976, antes mesmo do surgimento da Anvisa, o Brasil estabeleceu uma lei sobre a vigilância sanitária e novos produtos farmacêuticos. A Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, que trata da “vigilância sanitária sobre os medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos” (BRASIL, 1976) foi instaurada com a finalidade de assegurar que nenhum produto, inclusive importado, poderia ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de ser registrado no Ministério da Saúde. As atividades de vigilância sanitária de que trata essa lei eram exercidas, segundo informa Capron (1997), no plano federal, pelo Ministério da Saúde, na forma da legislação e dos regulamentos, e nos estados, territórios e Distrito Federal, por órgãos próprios, observadas as normas federais pertinentes e a legislação local supletiva. Em 1999, a Anvisa foi criada e passou a atuar como um órgão do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), que foi definido pela Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, como um instrumento do SUS (Sistema Único de Saúde), cuja finalidade é a promoção da saúde. O SNVS atua nos níveis federal, estadual e municipal do governo. Os Conselhos de Saúde e as Secretarias de Saúde também fazem parte desse sistema. A fiscalização na instância federal é representada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). As instâncias estaduais, por sua vez, estão presentes nas 27 unidades da federação e são representadas pelo Órgão de Vigilância Sanitária e pelo Laboratório Central (Lacen). Por fim, nas instâncias municipais, os Serviços de Vigilância Sanitária (Visa) estão presentes em 5.561 municípios brasileiros (muitos ainda em fase de organização). Portanto, no Brasil, o órgão responsável pelo registro de novos medicamentos é a Anvisa. A seguir estão listadas instituições de outros países que possuem a mesma finalidade (THE HOLOCAUST..., s.d.): • Administração de Alimentos e Drogas (FDA – EUA). • Agência Regulatória de Medicamentos e Produtos para Saúde (MHRA – Reino Unido). • Administração de Alimentos e Drogas (KFDA – Coreia). • Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologias Médicas (Anmat – Argentina). • Instituto de Saúde Pública (ISP – Chile). • Agência Europeia de Medicamentos (Emea – Europa). • Instituto Nacional de Saúde (INS – Peru). 132 Unidade III Após a aprovação, os medicamentos passam a ser monitorados pela farmacovigilância, cujo principal objetivo é verificar os eventos adversos dos novos medicamentos em larga escala e em longo prazo. Portanto, dentre as responsabilidades da Anvisa, podemos destacar: • registro de medicamentos; • autorização de funcionamento dos laboratórios farmacêuticos; • autorização de funcionamentode empresas farmacêuticas; • fiscalização de ensaios clínicos com novas drogas; • fiscalização de preços por meio da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED); • fiscalização do controle de qualidade de medicamentos com ações de vigilância pós‑comercialização; • análise de pedidos de patentes (produtos e processos farmacêuticos) que ocorre em conjunto com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Todas essas responsabilidades têm como propósito garantir: • a regulamentação adequada para ensaios clínicos; • a segurança e os direitos dos participantes de pesquisa; • a condução adequada de ensaios clínicos; • a condução de ensaios clínicos por investigadores qualificados; • a existência de protocolos de pesquisa, com aprovação de comissões científicas e éticas; • modificações de protocolo e/ou interrupção dos ensaios, se necessário; • qualidade e confiabilidade dos dados obtidos a partir de regulamentos e inspeções in loco. 5.6.1 Aspectos práticos para a submissão de projetos à Anvisa Como vimos, mesmo antes da pesquisa com novos fármacos ter início, o protocolo deve ter a aprovação do CEP, da Anvisa e da Conep. A pesquisa passa por diferentes fases e para que o registro seja solicitado, uma série de documentos é exigida, conforme segue: • Documentação legal: — formulários de petição; — taxa de fiscalização de Visa; 133 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL — porte da empresa; — autorização de funcionamento acompanhado de alvará sanitário; — certificado de responsabilidade técnica; — certificado de boas práticas de fabricação. • Documentação técnica: — produção e controle de qualidade; — segurança e eficácia; — relatórios de ensaios clínicos para comprovar a eficácia terapêutica de acordo com a legislação específica; — documentação técnica de produção e controle de qualidade, que consiste em: – bula acompanhada de rotulagem; – estudos de estabilidade; – relatório de produção e controle de qualidade; – documentação técnica de segurança e eficácia; – relatório de ensaios pré‑clínicos – toxicidade aguda, subaguda e crônica, toxicidade reprodutiva, atividade mutagênica e potencial oncogênico, de acordo com a legislação específica. A documentação técnica de segurança e eficácia é necessária para o registro de novas formas farmacêuticas, novas concentrações, nova via de administração e novas indicações. Após a análise dessa documentação, a Anvisa emite seu parecer: deferido ou indeferido. Além dessa análise, a agência pode, durante a pesquisa clínica, solicitar mais informações aos responsáveis pela sua execução, monitorar e inspecionar os centros de pesquisa peticionados, verificando o grau de aderência à legislação brasileira vigente e às boas práticas clínicas (ANVISA, 2013). A Anvisa é responsável por validar todos os medicamentos que entram no mercado brasileiro. Para poder ser registrado, um novo medicamento deve responder a questões objetivas quanto à sua eficácia, toxicidade e necessidade. Além disso, a Anvisa deve manter vigilância e rigor nas pesquisas clínicas que envolvam a validação de um novo medicamento ou de nova utilização para um fármaco já comercializado, isso para garantir que sejam alcançados seus principais objetivos, a saber: 134 Unidade III • autorização de funcionamento dos laboratórios farmacêuticos; • autorização de funcionamento de empresas farmacêuticas; • regulamentação adequada para ensaios clínicos; • segurança e direitos dos sujeitos de pesquisa; • condução adequada de ensaios clínicos; • condução de ensaios clínicos por investigadores qualificados; • protocolos de pesquisa, com aprovação de comissões científicas e éticas; • modificações de protocolo e/ou interrupção dos ensaios, se necessário; • qualidade e confiabilidade dos dados obtidos por meio de regulamentos e inspeções in loco; • fiscalização de ensaios clínicos com novas drogas; • fiscalização de preços por meio da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED); • fiscalização do controle de qualidade de medicamentos com ações de vigilância pós‑comercialização; • análise de pedidos de patentes (produtos e processos farmacêuticos) que ocorre em conjunto com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Para conseguir alcançar todos esses objetivos, a Anvisa, ao longo de sua existência, elaborou uma série de resoluções com a intenção de padronizar cada vez mais pesquisas que visem ao desenvolvimento de novos fármacos. A seguir, vamos ver algumas dessas resoluções: • Resolução RDC n. 136/03, de 29 de maio de 2003: registro de medicamento novo. • Instrução normativa n. 4, de 11 de maio de 2009: dispõe sobre o guia de inspeção em boas práticas clínicas. Essa resolução tem como finalidade garantir a qualidade dos resultados de eficácia e segurança obtidos, bem como assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos de pesquisa e ao Estado. • Resolução RDC n. 55/10, de 16 de dezembro de 2010: o texto estabelece os requisitos mínimos para o registro de produtos biológicos novos. 135 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL • RDC 132/03: medicamentos específicos (por exemplo, complexo vitamínico acima da dose recomendada). • RDC 16/07: medicamentos genéricos. • RDC 17/07: medicamentos similares. • RDC 47/09: bulas de medicamentos. • RDC 71/09: rotulagem dos medicamentos. • RDC 14/10: fitoterápicos. 6 BIOÉTICA X ANIMAIS O que é mais importante? O bem‑estar das cobaias ou o avanço da ciência em benefício da humanidade, e, por consequência, o dos próprios animais? Infelizmente, a ciência ainda não está preparada para avançar sem fazer uso das cobaias animais. Esse uso, inclusive, está descrito em resoluções, como no caso das pesquisas clínicas que testam novos medicamentos, descrita na parte de pesquisa com seres humanos. Apenas para relembrar, vale dizer que um novo medicamento só pode chegar a ser comercializado depois de passar por várias fases de testes, inclusive aquela que prevê a utilização de animais. Entretanto, a utilização de animais usados em pesquisas vem caindo aceleradamente. Nos últimos vinte anos, graças a modelos computacionais, ela caiu pela metade. Atualmente, apenas 10% das experiências são realizadas com animais, mas, mesmo assim, chegam a ser utilizadas cerca de 60 milhões de cobaias em todo o mundo. A ideia é, sempre que possível, dispensar os animais dos experimentos – e os avanços tecnológicos propiciaram essa possibilidade. Contudo, apesar de na indústria cosmética essas experiências terem sido totalmente abolidas, nos tratamentos médicos ainda são indispensáveis. A seguir serão citados alguns exemplos: • A insulina, medicamento indispensável à vida de pessoas diabéticas, foi descoberta em 1921 na Universidade de Toronto, Canadá, pelo fisiologista Frederick Banting e seu assistente Charles Best graças a experimentos realizados em cães. • Medicamentos para pressão alta foram descobertos utilizando cães como cobaias. • O avanço no tratamento da depressão ocorreu graças a experimentos realizados em coelhos. • A melhora dos exames de diagnóstico por imagem é devida aos testes em porcos. • A erradicação da poliomielite é devida ao uso de macacos (O DILEMA..., 2013). 136 Unidade III Um dos frutos mais importantes da luta pela utilização consciente e ética de animais em pesquisas é a Declaração universal dos direitos dos animais, que incluímos a seguir. Declaração universal dos direitos dos animais 1 – Todos os animais têm o mesmo direito à vida. 2 – Todos os animais têm direito ao respeito e à proteção do homem. 3 – Nenhum animal deve ser maltratado. 4 – Todos os animais selvagens têm o direito de viver livres no seu habitat. 5 – O animal que o homem escolher para companheiro não deve nunca ser abandonado. 6 – Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor. 7 – Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida. 8 – A poluição e a destruição do meio ambiente são consideradoscrimes contra os animais. 9 – Os diretos dos animais devem ser defendidos por lei. 10 – O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais. Preâmbulo: Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais, 137 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Proclama‑se o seguinte Artigo 1º Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência. Artigo 2º 1. Todo animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá‑los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais 3. Todo animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem. Artigo 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar‑lhe angústia. Artigo 4º 1. Todo animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. 2. Toda privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito. Artigo 5º 1. Todo animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie. 2. Toda modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito. Artigo 6º 1. Todo animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 138 Unidade III 2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. Artigo 7º Todo animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso. Artigo 8º 1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação. 2. As técnicas de substituição devem ser utilizadas e desenvolvidas. Artigo 9º Quando o animal é criado para alimentação, ele deve ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor. Artigo 10º 1. Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. 2. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. Artigo 11º Todo ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é, um crime contra a vida. Artigo 12º 1. Todo ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie. 2. A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio. Artigo 13º 1. O animal morto deve ser tratado com respeito. 139 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL 2. As cenas de violência de que os animais são vítimas devem ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal. Artigo 14º 1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental. 2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem. Fonte: Unesco (1978). Desde 1901, 88 dos vencedores dos prêmios Nobel de Medicina tiveram como base de estudos os mais diversos tipos de animais. Reconhecendo a importância da utilização de animais em pesquisa, há de se reconhecer também que seu manejo deve ser o mais humano possível, sendo realizado somente por pesquisadores treinados, e incluir cuidados veterinários. A pesquisa deve respeitar todas as diretrizes ou regulamentos promulgados a fim de que os animais sejam tratados com respeito e dignidade. Exemplo de aplicação Supondo que você seja um pesquisador já há bastante tempo na universidade. Sua linha de pesquisa está relacionada com a cura do câncer e para isso você utiliza ratos em seus experimentos. Uma de suas pesquisas já está em andamento há mais de dez anos e você acabou descobrindo que uma de suas cobaias possui uma resistência às células de câncer que lhe são aplicadas, sendo peça essencial para a continuidade de suas pesquisas. Esse “super‑rato”, no entanto, não possui descendentes e, antes que esse problema possa ser solucionado, um grupo de ativistas contrários ao uso de animais em experimentos invade esse laboratório e remove de lá todas as suas cobaias, inclusive o “super‑rato”. Qual a sua posição: • Como pesquisador? • Quanto à pesquisa com animais? Por fim, que medida tomaria para dar continuidade a suas pesquisas com o “super‑rato”? 6.1 Comitê de Ética para Uso de Animais em Pesquisa (Ceua) O uso de animais em pesquisa ocorre há muitos anos. A interface entre biologia e estudos é relativamente recente e merece maior aprofundamento. Impossível falarmos sobre animais e não nos reportarmos a Claude Bernard (1813‑1878), considerado peça‑chave na utilização de animais na pesquisa. 140 Unidade III Comparativamente com outros grandes cientistas mais conhecidos – como Pasteur, Mendell e Darwin – o nome de Claude Bernard é bem menos familiar, apesar de suas numerosas e importantes contribuições para a nossa compreensão do funcionamento dos organismos (CZIKO, 2000). Dessa forma, é importante rever a interpretação historiográfica recorrente que considera Claude Bernard o “pai” ou “fundador” do chamado “método experimental” utilizado com seres vivos, devido à interpretação dada a sua principal obra intitulada Introduction à l’étude de la médecine expérimentale (Introdução ao estudo da medicina experimental). A obra é dividida em três partes: “duraisonnement expérimental” (do raciocínio experimental); “de l’expérimentation chez les êtres vivants” (da experimentação nos seres vivos); “applications de la méthode expérimentale a l’étude des phénomènes de la vie” (aplicações do método experimental ao estudo dos fenômenos da vida). Na primeira parte, dois capítulos discutem a observação e a experiência e possíveis dúvidas sobre o raciocínio experimental. Na segunda parte, o autor faz uma longa discussão sobre a experimentação nos seres vivos, na qual há considerações experimentais comuns aos seres vivos e não vivos e também as considerações experimentais especiais para os seres vivos. Na terceira parte da obra constam exemplos de investigações e críticas à experimentação em fisiologia, críticas das aplicações na medicina experimental e alguns obstáculos filosóficos encontrados na medicina experimental (FELISBERTO; PRESTES, 2019) Animais domésticos como cães, gatos, cavalos, coelhos, bovinos, ovinos, porcos, pássaros etc. são exemplos de animais de laboratório do século XIX. Para Claude Bernard, colocar dois animais da mesma espécie sob as mesmas condições ambientais e esperar efeitos fisiológicos idênticos geraria possíveis erros ao experimento, uma vez que as condições individuais de cada animal gerariam respostas distintas. Os animais existem em nosso universo jurídico desde 1934, quando o então presidente Getúlio Vargas promulgou o Decreto‑lei n. 24.645/34. Hoje uma farta legislação os protege de forma internacional,federal e municipal. E, desde 1978, a Unesco/ONU promulgou a Declaração universal dos direitos dos animais. Figura 20 – Logotipo Unesco 141 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL No Brasil, pela Lei n. 9.605/98 – conhecida como Lei dos Crimes Ambientais – é crime federal o abandono de animais. No seu art. 32, consta expressamente que: “praticar ato de abuso, maus‑tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos é crime. A pena será de 3 meses a 1 ano de prisão e multa, aumentada de 1/6 a 1/3 se ocorrer a morte do animal”. Mas o que pode ser considerado maus‑tratos? A seguir, alguns exemplos: • não oferecer água e comida diariamente; • manter preso em corrente de forma permanente; • manter em local sujo e pequeno demais para que o animal possa andar ou correr; • deixar sem ventilação ou luz solar e desprotegido do vento, sol e chuva; • negar assistência veterinária a animal doente ou ferido; • obrigar a trabalho excessivo ou superior a sua força; • abandonar; • ferir; • envenenar; • utilizar para rinhas; • vivissecção. Lembrete Vivissecção representa, em síntese, a dissecação anatômica ou qualquer operação congênere feita em animal vivo para estudo de algum fenômeno fisiológico. A Constituição Federal de 1988 diz, em seu art. 225, parágrafo 1°, que cabe ao Poder Público: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies e submetam os animais à crueldade”. Com a evolução da sociedade como um todo, nos dias atuais, os animais são considerados seres sencientes e, por se encontrarem privados de sua liberdade em favor da ciência, devem ser manejados com respeito e de forma adequada à espécie, tendo suas necessidades de transporte, alojamento, condições ambientais, nutrição e cuidados veterinários atendidas. 142 Unidade III Observação Sencientes são seres capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente. Ou seja: possuem sensibilidade similar à humana no que se refere à dor, memória, angústia, afeto e instinto de sobrevivência. O maior avanço em relação aos cuidados e bem‑estar animal foram dados pela aplicabilidade da Lei 11.794/08, conhecida como Lei Arouca, que regulamenta o uso de animais em pesquisa através da criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem como competências expedir e fazer cumprir normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa cientifica; credenciar instituições brasileiras para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica, bem como monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam o uso de animais em ensino e pesquisa. Essa legislação trouxe um ganho imensurável quanto ao uso de animais, e a regulamentação de órgãos legítimos, como o Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal). Sucedeu‑se a obrigatoriedade de que todas as instituições legalmente estabelecidas no Brasil, com uso de animais em atividades de ensino ou de pesquisa, passassem, obrigatoriamente, a constituir uma Ceua (Comissão de Ética no Uso de Animais) e a requerer credenciamento no Concea, complementando as iniciativas de se incorporar as novas medidas éticas atreladas ao bem‑estar animal. Pontos polêmicas das pesquisas animais envolvem as seguintes dúvidas éticas: O que é justificável? Quem decide o grau de dano ou risco envolvido no lidar com os animais? É correto impor dor e sofrimento ao animal em prol da ciência? Qual o limite aceitável de dor? A relação custo‑benefício pode ser sobreposta ao bem‑estar animal? 6.2 Dor e sofrimento Dor é a experiência sensorial e emocional desagradável associada a dano tecidual atual ou potencial, ou descrita em termos de tal dano. A distinção básica entre dor e sofrimento é de que a dor envolve algo físico, já o sofrimento envolve algo psicológico. Sinais de dor aguda nos animais: • Atividade: hiperatividade, inatividade, isolamento social. • Vocalização: aumenta ou diminui. • Alimentação: uma redução na frequência e quantidade. • Comportamento pessoal: alteração no exercício, limpeza, atividade sexual, sono, alimentação etc. • Comportamento social: agressão, defesa, automutilação, canibalismo. • Temperatura do corpo: tende a aumentar com a dor. 143 BIOÉTICA E LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Dificuldades encontradas para a percepção do sofrimento animal: • Variação interespécie e interindividual. • Variação entre observadores. • Vocalização não necessariamente corresponde à dor sentida. • Dificuldade em observar o animal sem que ele reaja ao observador. Em muitos experimentos, os animais são submetidos à dor ou sofrimento intencional. Entretanto, deve‑se respeitar as normas estabelecidas para que isso ocorra de maneira ética. De acordo com o Concea, através da sua Resolução normativa n. 27, de 23 de outubro de 2015, os experimentos animais são classificados em quatro graus de invasividade (GI): • GI1: experimentos que causam pouco ou nenhum desconforto ou estresse (ex.: observação e exame físico; administração oral, intravenosa, intraperitoneal, subcutânea ou intramuscular de substâncias que não causem reações adversas perceptíveis; eutanásia por métodos aprovados após anestesia ou sedação; privação alimentar ou hídrica por períodos equivalentes à privação na natureza). • GI2: experimentos que causam estresse, desconforto ou dor de leve intensidade (ex.: procedimentos cirúrgicos menores, como biópsias, sob anestesia; períodos breves de contenção e imobilidade em animais conscientes; exposição a níveis não letais de compostos químicos que não causem reações adversas graves). • GI3: experimentos que causam estresse, desconforto ou dor de intensidade intermediária (ex.: procedimentos cirúrgicos invasivos conduzidos em animais anestesiados; imobilidade física por várias horas; indução de estresse por separação materna ou exposição a agressor; exposição a estímulos aversivos inescapáveis; exposição a choques localizados de intensidade leve; exposição a níveis de radiação e compostos químicos que provoquem prejuízo duradouro da função sensorial e motora; administração de agentes químicos por vias como a intracardíaca e intracerebral). • GI4: experimentos que causam dor de alta intensidade (ex.: indução de trauma a animais não sedados). Observação O estado de privação se instaura quando o animal recebeu cuidados suficientemente bons anteriormente, mas que são retirados de forma abrupta. A dor, quando causada, deve ser minimizada pelo uso de protocolos de analgesia e anestesia. Elas possuem funções distintas, que veremos a seguir: 144 Unidade III A analgesia é usada em dores esporádicas; as drogas utilizadas têm o objetivo apenas de aliviar ou minimizar a dor, e qualquer medicamento utilizado para evitar a dor é um analgésico. Ou seja, elas provocam a ausência ou o amortecimento da dor sem perda de consciência. Eles correspondem a uma extensa classe de medicamentos, que se dividem em dois tipos básicos: • Narcóticos: reduzem a percepção da dor, diminuem a atividade cerebral, provocando o sono. • Não narcóticos: inibem a produção de substâncias específicas envolvidas no processo inflamatório e cicatricial, o que diminui a sensação de dor. Na anestesia, temos o bloqueio da sensação de dor durante um período de tempo específico para que o paciente não sinta dor durante a intervenção realizada. Nela, são usadas drogas anestésicas no paciente para que o cérebro não reaja à dor durante um procedimento geralmente cirúrgico. Dependendo do tipo, o paciente pode ou não ficar consciente. A anestesia pode ser do tipo geral, em que o paciente é mantido desacordado e é ideal para realizar procedimentos considerados mais invasivos; regional, em que o paciente permanece acordado, mas parte do seu corpo permanece sedado e sem sensibilidade – aqui se enquadram
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