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Thalita Maria C. C. Garonci APG – LEISHMANIOSE TEGUMENTAR • A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma doença infecciosa, não contagiosa, causada por protozoários do gênero Leishmania, que acomete pele e mucosas; é primariamente uma infecção zoonótica, afetando outros animais que não o homem, o qual pode ser envolvido secundariamente. 1 EPIDEMIOLOGIA • É considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como uma das seis mais importantes doenças infecciosas, pelo seu alto coeficiente de detecção e capacidade de produzir deformidades. • Nas Américas, as leishmanioses ocorrem em 20 países, sendo endêmica em 18 deles, causando cerca de 70 mil mortes a cada ano. • Atualmente, essa parasitose é considerada uma endemia emergente, negligenciada e subnotificada, afetando principalmente populações inseridas no ciclo da pobreza e da desigualdade social. • Do total de casos de 2017, 72,6% foram reportados pelo Brasil (17.526), Colômbia (7.764), Peru (6.631) e Nicarágua (4.343). Ataxa de incidência da Região foi de 22,51 casos por 100.000 habitantes, resultando em um aumento de 17,3% em relação ao ano anterior (21,71 casos/100.000 hab.). • É uma doença de notificação compulsória nacional. • Realizar investigação epidemiológica, visando determinar se área é endêmica ou se é um novo foco, se é um caso autoctone ou importado, avaliar o possível local de infecção para medidas profiláticas. 2 AGENTE ETIOLÓGICO • A Leishmania é um protozoário pertencente à família Trypanosomatidae, parasito intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico mononuclear. • Apresenta duas formas principais: uma flagelada ou promastigota, encontrada no tubo digestivo do inseto vetor, e outra aflagelada ou amastigota, observada nos tecidos dos hospedeiros vertebrados. • No Brasil, já foram identificadas sete espécies, sendo seis do subgênero Viannia e uma do subgênero Leishmania. Thalita Maria C. C. Garonci • As três principais espécies são: L. (V.) braziliensis, L.(V.) guyanensis e L.(L.) amazonensis e, mais recentemente, as espécies L. (V.) lainsoni, L. (V.) naiffi, L. (V.) lindenberg e L. (V.) shawi foram identificadas em estados das regiões Norte e Nordeste. • Forma infectante do homem: promastigota. • Forma infectante do mosquito: amastigota. • Ciclo: Os parasitas na forma amastigota são ingeridos pelo flebotomíneo fêmea quando esta pica o ser humano, assim transformando sua forma de amastigota em promastigota e posteriormente inicia-se a sua multiplicação. As formas promastigotas maduras dos flebotomíneos (metacíclica) são regurgitadas sobre a pele do próximo hospedeiro. • Nos mamíferos, o parasita localiza-se principalmente nos macrófagos e retorna para a forma amastigota, completando assim o ciclo. 3 VETOR • Os vetores da LT são insetos denominados flebotomíneos, pertencentes à Ordem Díptera, Família Psychodidae, Subfamília Phlebotominae, Gênero Lutzomyia, conhecidos popularmente, dependendo da localização geográfica, como mosquito-palha, tatuquira, birigui, entre outros. • No Brasil, as principais espécies envolvidas na transmissão da LT são: Lutzomyia flaviscutellata, Lu. whitmani, Lu. umbratilis, Lu. intermedia, Lu. wellcomei e Lu. Migonei. Thalita Maria C. C. Garonci 4 PATOLOGIA/FISIOPATOLOGIA • As leishmânias são parasitos intracelulares, e o curso da infecção depende da resposta mediada por células. • Após a sua penetração – pela pele, através da picada do inseto vetor –, as células dendríticas e os macrófagos infectados locais migram aos gânglios linfáticos satélites, processam os antígenos parasitários e os apresentam aos linfócitos T; a produção de IFN-γ por essas células ativadas estimula os macrófagos a produzir radicais livres de oxigênio e óxido nítrico, que destroem os parasitos. • Nas formas cutâneas primárias, que tendem à cura espontânea, e na leishmaniose visceral assintomática, a resposta celular é vigorosa, com produção significativa dessa citocina e do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), ambos fundamentais na destruição dos parasitos (resposta imune celular do tipo Th1). • Os aspectos histopatológicos das leishmanioses variam de acordo com a fase da infecção e o perfil imunológico do hospedeiro. • Nas fases iniciais do processo na pele, antes do aparecimento da úlcera, a derme superficial mostra infiltrado inflamatório denso, com células inflamatórias (macrófagos que podem conter parasitos, neutrófilos, eosinófilos, linfócitos e plasmócitos). • Com o decorrer do processo, os parasitos tendem a desaparecer, o que coincide com a formação de granulomas. • A imuno-histoquímica pode ser ferramenta muito útil na detecção dos protozoários em tecido, possibilitando a sua visualização em até 70% dos casos. • Ocorre inflamação granulomatosa em até 80% dos casos, com células gigantes e epitelioides. • Vasculite é achado frequente nas formas cutâneas e mucosas da doença, e, como já referido, parece contribuir substancialmente para a ulceração da lesão. Nas fases tardias, pode-se observar fibrose cicatricial. 4.1 FORMA CUTÂNEA • A lesão inicial ocorre no local da picada do inseto vetor, surgindo duas semanas a três meses após a inoculação do parasito. • A lesão começa com uma pápula eritematosa, que evolui para nódulo, muitas vezes envolvendo os linfonodos satélites. • Essa fase inicial pode se resolver espontaneamente ou o nódulo pode evoluir Thalita Maria C. C. Garonci progressivamente para úlcera, característica da doença. Esta, em sua forma típica, mostra-se com aspecto circular ou ovalado, com bordas elevadas, fundo granuloso, avermelhado, com escassa secreção serossanguinolenta e nítido halo eritematovioláceo circundando a lesão. • Em geral, a lesão é única (em 2/3 dos casos), podendo haver duas, três ou mais lesões em outros locais do tegumento cutâneo. • Outras formas de apresentação da doença incluem vários tipos de lesões dermatológicas, tais como: vegetantes, verrucosas, noduloulceradas, ulcerovegetantes, sarcoídicas e linfangíticas nodulares (semelhantes à esporotricose). • É necessário realizar diagnóstico diferencial com várias outras dermatoses com quadro clínico similar, tais como: esporotricose (formas linfangítica e verrucosa), cromoblastomicose (verrucosa), paracoccidioidomicose (forma ulcerada), tuberculose (verrucosa), histoplasmose (ulcerada) e carcinoma epidermoide (ulcerada, ulcerovegetante). 4.2 FORMA MUCOSA • A doença leishmaniótica mucosa ocorre vários meses ou anos após o quadro cutâneo primário, resultando, portanto, de recidiva da enfermidade, principalmente quando esta for causada por L. brasiliensis, e raramente por L. amazonensis. • Essas formas ocorrem, de preferência, nas vias respiratórias superiores, acometendo as estruturas mais resfriadas pela passagem do ar inspirado. • Na fase inicial, ocorrem hiperemia e infiltração inflamatória local, Thalita Maria C. C. Garonci particularmente no septo nasal, com aumento de volume da parte afetada, levando o paciente a se queixar de desconforto, ardência, obstrução nasal, aumento de secreção e, às vezes, de pequenos sangramentos. • Com a evolução da doença, as lesões assumem carácter ulcerativo, mutilante, levando à destruição do septo nasal e ao desabamento da pirâmide nasal (nariz de tapir). • Alguns pacientes mostram rápida evolução da doença, mas muitos permanecem com lesõesmais discretas (perfuração do septo nasal) por meses ou anos, sem comprometer o aspecto externo do rosto. • Além do nariz, também ocorrem lesões do aspecto ulcerado, fagedênico e infiltrativo nos lábios, boca, orofaringe e laringe. O comprometimento nesses locais pode ser intenso, levando a lesões desfigurantes na face, destruição da úvula e dos pilares amigdalianos, infiltração e ulceração das cordas vocais, podendo causar distúrbios da deglutição, dificuldade respiratória, rouquidão e disfonia. • A frequência da ocorrência de lesões mucosas após a lesão cutânea primária é baixa (da ordem de 3 a 5%), sendo mais frequente naqueles pacientes cuja doença cutânea primária evoluiu para a cura espontaneamente. 5 DIAGNÓSTICO • Na ocorrência de lesões sugestivas de leishmaniose, o diagnóstico presuntivo pode ser baseado em critérios clínicos e epidemiológicos. • A utilização de métodos de diagnóstico laboratorial visa não somente à confirmação dos achados clínicos, mas pode fornecer importantes informações epidemiológicas, como a identificação da espécie de Leishmania circulante, para orientar quanto às medidas a serem adotadas para o controle do agravo. • O diagnóstico de certeza de um processo infeccioso é feito pelo encontro do parasito, ou de seus produtos, nos tecidos ou fluidos biológicos dos hospedeiros. Portanto, recomenda-se a confirmação do diagnóstico por método parasitológico antes do início do tratamento, especialmente naqueles casos com evolução clínica fora do habitual e/ou má resposta ao tratamento anterior. Thalita Maria C. C. Garonci 5.1 EXAMES IMUNOLÓGICOS Teste intradérmico (Intradermoreação de Montenegro ou da Leishmania) • Fundamenta-se na resposta de hipersensibilidade celular retardada, podendo ser negativa nas primeiras quatro a seis semanas após o surgimento da lesão cutânea. • Após esse período, a IDRM costuma ser positiva em mais de 90% dos pacientes. Uma IDRM negativa em pacientes com lesões com mais de seis semanas de evolução indica a necessidade de outras provas diagnósticas para LT e diagnóstico diferencial. • Após a cura clínica (espontânea ou por tratamento), a IDRM pode permanecer positiva durante vários anos, sendo de limitado valor para o diagnóstico de eventual reativação da LT nesses pacientes. • Em áreas endêmicas, a IDRM positiva pode ser interpretada como leishmaniose anterior ou mesmo aplicação anterior de antígeno de IDRM, exposição ao parasito sem doença (infecção), alergia ao diluente do teste ou reação cruzada com outras doenças. 5.2 EXAMES PARASITOLÓGICOS Demonstração direta do parasito • É o procedimento de primeira escolha por ser mais rápido, de menor custo e de fácil execução. • A probabilidade de encontro do parasito é inversamente proporcional ao tempo de evolução da lesão cutânea, sendo rara após um ano. • A infecção secundária contribui para diminuir a sensibilidade do método; dessa forma, deve ser tratada previamente. • Para a pesquisa direta, são utilizados os seguintes procedimentos: escarificação do bordo da lesão, biópsia com impressão do fragmento cutâneo em lâmina por aposição e punção aspirativa. Isolamento em cultivo in vitro (meios de cultivo) • É um método de confirmação da presença do agente etiológico que permite a posterior identificação da espécie de Leishmania envolvida. • Os fragmentos cutâneos ou de mucosa obtidos por biópsia da borda da úlcera são inoculados em meios de cultivo agar sangue. • Após o quinto dia, já podem ser encontradas formas promastigotas do parasito. Entretanto, a cultura deve ser mantida até um mês sob observação antes da liberação do resultado negativo. Thalita Maria C. C. Garonci Reação em cadeia da polimerase (PCR) • A PCR é um método utilizado no diagnóstico das leishmanioses que se baseia na amplificação do DNA do parasito em diferentes tipos de amostras, tais como pele e mucosa. • É um método considerado de alta sensibilidade e especificidade e utiliza diversos alvos moleculares, sendo alguns gênero-específicos e outros espécie-específicos. • Uma das principais vantagens do uso da PCR é a possibilidade de detecção de DNA do parasito mesmo quando há baixa carga parasitária. • As desvantagens das técnicas moleculares são relacionadas ao seu custo elevado, à necessidade de infraestrutura laboratorial especializada e ao risco de contaminação durante a realização dos exames. As técnicas estão disponíveis atualmente em laboratórios de instituições de pesquisa e, se houver indicação para a sua realização, o laboratório de referência mais próximo deve ser consultado. 6 TRATAMENTO • A droga de primeira escolha no Brasil e no Mundo para o tratamento humano é o antimonial pentavalente, na forma de antimoniato de N- metilglucamina. Este antimonial é indicado para tratamento de todas as formas de leishmaniose tegumentar, embora as formas mucosas exijam maior cuidado, podendo apresentar respostas mais lentas e maior possibilidade de recidivas. • Anfotericina B, antibiótico poliênico de reconhecida ação leishmanicida, é a droga de segunda escolha, empregada quando não se obtém resposta ao tratamento com antimonial ou na impossibilidade de seu uso. Considerada mais eficaz que os antimoniais no tratamento das lesões mucosas. • Anfotericina B lipossomal, trata-se de uma nova formulação em que a anfotericina B e incorporada dentro de lipossomas feitos com fosfatidilcolina, colesterol e disterolfosfatidilglicerol. Nessa formulação, a droga atinge níveis plasmáticos mais elevados que o desoxicolato de anfotericina B. • As pentamidinas são diamidinas aromáticas que vem sendo utilizadas como drogas de segunda escolha no tratamento da leishmaniose tegumentar em áreas endêmicas dos continentes americano, asiático e africano. Thalita Maria C. C. Garonci Thalita Maria C. C. Garonci Referência Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana / Organização: Gerência Técnica de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses. - Coordenação de Vigilância Epidemilógica - Centro Nacional de Epidemiologia - Fundação Nacional de Saúde - Ministério da Saúde Brasília – 2000 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017. 189 p. : il. Edição eletrônica da 2ª edição do livro: Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana, atualizado. Modo de Acesso: World Wide Web: ISBN 978-85-334-2474-6 Salomão, Reinaldo. Infectologia: Bases clínicas e tratamento / Reinaldo Salomão - 1. ed. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. ISBN: 978-85-277-3261-1
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