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COMPILAÇÃO DO CONTEÚDO DE LETRAS INTERDISCIPLINAR

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1 
COMPILAÇÃO DO CONTEÚDO DE LETRAS INTERDISCIPLINAR 
PROFª NÍVIA GARCIA 
Sumário 
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 1 
MÓDULO 1 - LITERATURA E ARTE: RELAÇÃO TEMÁTICA E RELAÇÃO COMPOSICIONAL ................................... 3 
MÓDULO 2 - LITERATURA E ARTES: ENTRELAÇAMENTOS ............................................................................... 15 
MÓDULO 3 - TEXTO EM CONCEPÇÃO AMPLA ................................................................................................. 17 
MÓDULO 4 - LITERATURA E FATORES DE TEXTUALIDADE ............................................................................... 20 
MÓDULO 5 - ESCRITORES ENFRENTAM A LÍNGUA .......................................................................................... 24 
MÓDULO 6 - ESTILO ......................................................................................................................................... 30 
MÓDULO 7 - SEMÂNTICA E ESTILÍSTICA........................................................................................................... 36 
MÓDULO 8 - LEITURA E RELEITURA NO MOVIMENTO CULTURAL .................................................................. 39 
ESTUDOS DISCIPLINARES .................................................................................................................................. 43 
 
APRESENTAÇÃO 
A disciplina Letras Interdisciplinar lança-nos um grande desafio: aliar os conhecimentos adquiridos na 
graduação em Letras, entrelaçando: 
• a arte literária com as outras artes; 
• a língua com a literatura; 
• a leitura de releituras de textos literários. 
 O conhecimento interdisciplinar é uma contracorrente ao ensino e pesquisa fragmentados, marcados pela 
repercussão do mundo científico moderno, implementado a partir do século XVI. A tendência da ciência 
moderna foi separar o homem da natureza, ciências naturais dos estudos humanísticos, o conhecimento 
global em disciplinas. O ensino formal, então, passou a ser dividido em disciplinas, como se estas fossem 
estanques, sem relação entre elas. 
No curso de Letras, existem dois grandes objetos: a língua e a literatura, que, por sua vez, recorre à palavra, 
tornando esta matéria-prima. Ambas as ciências – da Literatura e da Linguística – são autônomas e no curso 
de graduação são tratadas distintamente. Tal distinção chega a ser necessária devido ao nível de ensino, o 
universitário, cujo objetivo é formar especialista nessas ciências. 
No entanto, o graduando precisa entrelaçar os objetos, língua e literatura, a fim de alcançar independência 
intelectual e obter a abrangência da nossa área. Além disso, como futuro professor, precisa relacionar ambas 
as ciências para formar a base do ensino no Ensino Médio, capacitando o aluno para usar de forma eficaz e 
adequada o conhecimento da língua (seja portuguesa, inglesa ou espanhola) para compreender e apreciar 
igualmente as manifestações literárias da respectiva língua. 
Assim, a disciplina Letras Interdisciplinar tem como objetivo geral proporcionar ao aluno a ampliação do 
repertório linguístico possibilitando, por meio da construção de um diálogo universal entre as múltiplas 
linguagens e os seus elementos culturais estruturadores, a apropriação do conhecimento de modo que possa 
integrar a engrenagem da prática à da teoria desenvolvendo maior proficiência na leitura analítica e na 
interpretação das várias linguagens produzidas, constantemente, pelo conhecimento. 
Quanto aos objetivos específicos, visa a capacitaro aluno a compreender a relação harmônica existente entre 
as disciplinas componentes do currículo explorando o diálogo que rege a correspondência entre elas, bem 
2 
como preparar o discente para que este possa, na futura prática docente, dar ao aluno do ensino médio 
subsídios para o desenvolvimento da leitura e interpretação proficiente das múltiplas linguagens. 
 
Esta disciplina está distribuída em 8 módulos, sendo: 
1º bimestre: os módulos 1 a 4; 
2º bimestre: os módulos 5 a 8. 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA: 
 ANTUNES, Irandé. . Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010. 
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979. 
BRAIT, Beth. Literatura e outras linguagens. São Paulo: Contexto, 2010. 
LAKOFF, George, JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: EDUC, 2002. 
MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística. São Paulo: T.A. Queiroz: USP, 1989. 
MOISÉS, Leyla Perrone. A Crítica Temática. In: Tendência da crítica. São Paulo: Perspectiva, 1973. 
OLIVEIRA, Valdevino S. Poesia e pintura: um diálogo em três dimensões. São Paulo: UNESP, 1999. 
PALO, Maria José, OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura infantil: voz de criança. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006. 
PINTO, Edith Pimentel (Org.). O escritor enfrenta a língua. São Paulo: FFLCH/USP, 1994. 
SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Brasília: 
Ministério da Educação, 1999. 
WALTY, Ivete L. C. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 
 
 
3 
MÓDULO 1 - LITERATURA E ARTE: RELAÇÃO TEMÁTICA E RELAÇÃO 
COMPOSICIONAL 
As artes são uma manifestação cultural, interligadas pela necessidade atávica do homem de contar e ouvir 
história, buscar sua origem, expressar suas angústias e motivações. 
Pela arte, o homem busca, então, respostas, mas também leva para elas – as artes – as perguntas mais 
profundas. Como resultado, temas afins são discutidos na literatura, na música, no cinema etc. 
Um dos temas que aproximam as artes é a própria manifestação cultural, por exemplo, o futebol. No Brasil, 
o futebol passou a ser considerado “futebol-arte”, pela interdependência entre o futebol e a identidade 
nacional. 
O começo do futebol no Brasil é motivo de criação de uma das obras de Candido Portinari, a pintura intitulada 
"Futebol". 
 
Nessa pintura, as formas encontradas são de um país ainda sem formação urbana tal como conhecemos hoje. 
Vemos campo aberto, bastante extenso, usado para o jogo com bola por meninos, ainda crianças. No plano 
de fundo do quadro, há extensas faixas da natureza, intocadas, intercaladas com moradia e o que parece ser 
um cemitério (à esquerda). Animais de grande porte circulam com os meninos no campo. 
É um país com um estilo de vida bastante rural e bem mais simples. Nessa época, a partir de 1930, o futebol 
passa a ser popular, atingindo todas as classes sociais brasileiras. Na pintura, temos crianças de origem 
européia pela cor branca e de origem africana, pela cor preta, unidas pelo esporte em ascensão no país. 
Temos, enfim, uma cena de uma partida de futebol. 
É justamente esse futebol-arte que leva tantos brasileiros a sonharem em ser parte dele, como conferimos 
na letra de música de Skank: 
 Partida de futebol 
 Skank 
Bola na trave não altera o placar 
Bola na área sem ninguém pra cabecear 
Bola na rede pra fazer um gol 
Quem não sonhou ser um jogador de futebol? 
A bandeira no estádio é um estandarte 
A flâmula pendurada na parede do quarto 
O distintivo na camisa do uniforme 
Que coisa linda, é uma partida de futebol 
Posso morrer pelo meu time 
Se ele perder, que dor, imenso crime 
Posso chorar se ele não ganhar 
Mas se ele ganha, não adianta 
Não há garganta que não pare de berrar 
A chuteira veste o pé descalço 
O tapete da realeza é verde 
4 
Olhando para bola eu vejo o sol 
Está rolando agora, é uma partida de futebol 
O meio campo é lugar dos craques 
Que vão levando o time todo pro ataque 
O centroavante, o mais importante 
Que emocionante, é uma partida de futebol 
O goleiro é um homem de elástico 
Só os dois zagueiros têm a chave do cadeado 
Os laterais fecham a defesa 
Mas que beleza é uma partida de futebol 
Bola na trave não altera o placar 
Bola na área sem ninguém pracabecear 
Bola na rede pra fazer um gol 
Quem não sonhou ser um jogador de futebol? 
O meio campo é lugar dos craques 
Que vão levando o time todo pro ataque 
O centroavante, o mais importante 
Que emocionante, é uma partida de futebol! 
SKANK. Multishow ao vivo no Mineirão. Sony/BMG. 2010. 2 CD. 
Na letra de música, temos uma concepção comum sobre futebol: a paixão dos brasileiros, o sonho dos 
meninos em se tornar jogador, a emoção causada por uma partida. Os versos “Quem não sonhou ser um 
jogador de futebol?” e “Que coisa linda [e emocionante], é uma partida de futebol!” confirmam tal 
concepção sobre futebol. 
Percebemos a repercussão de símbolos constantes na história do futebol na letra de música de Skank: 
· “A bandeira no estádio é um estandarte” – estandarte é símbolo militar ou religioso, ambas instituições 
são ligadas à história do futebol. Na letra o símbolo torna-se metáfora; 
· “Posso morrer pelo meu time/ Se ele perder, que dor, imenso crime” – a morte, a guerra, o crânio do 
inimigo são elementos primitivos do jogo com bola em várias sociedades. Nesses versos, temos a ideia de 
morte e dor, em forma hiperbólica, mostrando a imensa relação do torcedor com o futebol; 
· “Olhando para bola eu vejo o sol” – temos outra metáfora primitiva, ligando a bola ao sol, seguindo um 
pensamento mítico, constante em vários momentos e sociedades, sobre futebol; 
· “O tapete da realeza é verde” – nessa imagem, que compara o campo de futebol com tapete da realeza, 
temos uma metáfora e, também, o resíduo conceptual de futebol ligado à elite, seja aristocrática ou não; 
· “O goleiro é um homem de elástico/ Só os dois zagueiros têm a chave do cadeado” – temos mais duas 
metáforas; a primeira serve para mostrar a flexibilidade física do jogador (goleiro) e a segunda simboliza o 
mistério que é uma partida de futebol; 
· “Os laterais fecham a defesa” – o emprego do termo “defesa” reitera a relação entre futebol e guerra, 
o mundo militar, tal como verificamos na história do futebol. 
A letra de música possui, além das imagens verificadas acima, recursos poéticos, tais como os recursos 
sonoros: 
· ritmo, com marcação de acento em sílabas tônicas, como em: 
Bola na trave não altera o placar 
Bola na área sem ninguém pra cabacear 
· rima externa: placar/ cabecear; gol/futebol; time/crime/ sol/futebol 
· rima interna (homeoteleuto): “O centroavante, o mais importante/ Que emocionante, é uma partida 
de futebol!” 
· aliteração: repetição de consoantes, /f/ e /z/, por exemplo, como nos versos: “Os laterais fecham a 
defesa/ Mas que beleza é uma partida de futebol”, em que há o contraste de som sonoro /z/ com som surdo 
/f/. 
Por fim, para encerrar a análise, sabendo que há mais recursos a serem explorados na letra de música, há a 
pergunta que encerra mais de uma estrofe “Quem não sonhou ser um jogador de futebol?”. É uma forma de 
aproximação entre o enunciador do texto – com posicionamento extremamente favorável ao futebol – e seu 
5 
interlocutor; no entanto, é uma pergunta retórica, ou seja, o enunciador não espera, na verdade, uma 
resposta, visto que ela é óbvia: todos os brasileiros desejam ou já desejaram ser jogador. 
Outro tema possível entre as artes é a desigualdade social. 
Com a Lei Áurea e a implantação da República no fim do século XIX, bem como a imigração em grande escala 
e o início de trabalho industrial no Brasil no começo do século XX, é falar de mudanças na sociedade até 
chegar à industrialização e divisão do trabalho. Sobre estes últimos referenciais, podemos usar 
o poema Açúcar, de Ferreira Gullar, que retrata sobre as etapas que são ocorridas até o açúcar chegar à 
mesa. Pensamos sobre quais trabalhadores participaram dessa produção? Sobre os homens que trabalharam 
nessa atividade e como viveram e em que condição? 
Açúcar 
O branco açúcar que adoçará meu café 
Nesta manhã de Ipanema 
Não foi produzido por mim 
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. 
 
Vejo-o puro 
E afável ao paladar 
Como beijo de moça, água 
Na pele, flor 
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar 
Não foi feito por mim. 
 
Este açúcar veio 
Da mercearia da esquina e 
Tampouco o fez o Oliveira, 
Dono da mercearia. 
Este açúcar veio 
De uma usina de açúcar em Pernambuco 
Ou no Estado do Rio 
E tampouco o fez o dono da usina. 
 
Este açúcar era cana 
E veio dos canaviais extensos 
Que não nascem por acaso 
No regaço do vale. 
 
Em lugares distantes, 
Onde não há hospital, 
Nem escola, homens que não sabem ler e 
morrem de fome 
Aos 27 anos 
Plantaram e colheram a cana 
Que viraria açúcar. 
Em usinas escuras, homens de vida amarga 
E dura 
Produziram este açúcar 
Branco e puro 
Com que adoço meu café esta manhã 
Em Ipanema. 
GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 1980. 
 
O poema "Açúcar" amplia o potencial significativo do termo açúcar e estabelece um paralelo entre o açúcar 
- branco, doce, puro - e a vida do trabalhador que o produz - dura, amarga, triste. Tal paralelo resulta em 
relações antitéticas: vida amarga e dura x açúcar branco e puro. 
O assunto – plantação de cana-de-açúcar – é o mesmo na arte visual abaixo: 
 
VALDIR FRANCISCHETTI, Canavial, 2009. 
Acrílico sobre Tela 120x130 cm 
6 
 
A tela exige bastante da nossa atenção visual, devido à técnica empregada. Segundo o próprio artista, 
primeiro pinta-se toda a tela e depois, com uma espátula, retira a tinta, criando as formas e dando o efeito 
que nós vemos: campo, folhas de cana-de-açúcar e os plantadores. O efeito, no meu ponto de vista, é mais 
do que o surgimento das formas; é a integração delas pelo mesmo material. Não dá para saber, em muitos 
pontos, se é pessoa ou a cana. As formas saltam do material azulado para os nossos olhos. 
O movimento contido na pintura deve-se à colheita já realizada, em destaque no lado esquerdo, inferior, da 
tela, e, principalmente, às diferentes posições das pessoas: em pé, sentadas com a colheita, braços 
levantados etc. O modo como as pessoas estão configuradas – pela vestimenta e local social – representa os 
trabalhadores de canavial. 
No poema de Ferreira Gullar, temos um ponto de vista distanciado da situação das pessoas que trabalham 
no canavial, uma vez que o enunciador poético não faz parte do mundo representado. Na pintura, a cor dá 
forma e movimento justamente a essas pessoas. 
Outra temática (que não deixa de ter relação com os plantadores de cana-de-açúcar) presente na arte é a 
reforma agrária. A importância de acelerar a reforma agrária para uma melhor condição de vida ao povo do 
campo, organizar as ocupações em terras improdutivas para quem tanto necessita, é uma das preocupações 
recorrentes da nossa arte. 
Para iniciar essa outra temática, imagine a seguinte situação, caro aluno: 
• Você está em sala de aula, com mais uns 40 alunos. Eu levo uma pizza para comermos. Ela será 
dividida em 8 pedaços: 
• 7 pedaços para mim 
• 1 pedaço para você e os outros dividirem entre si. 
Como você e seus colegas de classe se sentiriam em relação a essa distribuição? 
Sentimos na pele a má distribuição de renda no Brasil, não é verdade? Sobre esse assunto, ninguém melhor 
do que Gilberto Dimenstein para nos conscientizar um pouco mais: 
 
A injustiça de uma pizza 
Gilberto Dimenstein 
 “Por incrível que pareça, entre os cerca de 40 milhões de brasileiros que estão abaixo da linha de pobreza, 
existem 25 milhões de “privilegiados”. Isso porque, desse total, cerca de 15 milhões são indigentes. 
Estatisticamente, são consideradas indigentes as famílias com rendimento per capita mensal igual ou inferior 
a um quarto do salário mínimo. Se o salário mínimo é de 350 reais, um quarto corresponde a 87,50 reais. Isso 
significa que cada integrante de uma família indigente poderia comprar no máximo sete lanches do 
McDonald’s por mês, compostos por cheeseburger, batata frita, refrigerante e sorvete. Mas há pessoas de 
famílias ricas capazesde comprar o mesmo lanche três vezes por segundo e ainda continuar com muito 
dinheiro no bolso. 
Agora imagine que uma pizza será servida para quatro pessoas. O garçom não terá dificuldades na divisão. 
Com apenas dois cortes na massa, dará um pedaço igual para cada um. Suponha, no entanto, que um deles 
fique com três pedaços. Os outros três teriam, então, de se contentar com uma parte menor. Essa pizza nos 
ajuda a entender a pobreza no país. 
O Brasil é identificado internacionalmente como um dos países de pior distribuição de renda do mundo. Isso 
significa que um número muito pequeno de indivíduos fica com a maior parte da pizza, enquanto a maioria 
tem de se contentar com a divisão da porção menor.” 
DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel. São Paulo: Ática, 2005, p. 67-8 (com adaptações). 
7 
A desigualdade social é um dos vários temas sociopolíticos abordados não por apenas por jornalista como o 
gabaritado Dimenstein, mas igualmente pelos artistas. 
A concepção comum de que as terras brasileiras são férteis, muito extensas e precisam ser cultivadas é 
seguida no romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de 1911, de Lima Barreto. Os três projetos reformistas 
de Policarpo Quaresma são: oficializar a língua tupi no Brasil; plantar, utilizando as extensas terras férteis do 
país; participar da política do país. Essa história é transformada em filme pela roteirista Alcione Araújo. 
A roteirista do filme Policarpo Quaresma, herói do Brasil aproveita um dos três projetos de reforma do 
personagem principal, e satiriza a situação política do país em relação à reforma agrária. Cria cenas em que 
um grupo sem terras invade as terras do Major Quaresma e este, reformista, acaba criando situação de 
igualdade: oferece suas terras para serem cultivadas e trabalha ao lado do grupo até o momento em que os 
políticos locais derrotam a ideia revolucionária de Quaresma. 
A desigualdade social é marcada pela concentração de renda, ou seja, a renda nacional é mal distribuída. 
Essa má distribuição – aliada à própria desigualdade social - gera condições precárias de moradia, educação, 
saúde, salário. 
 Na arte brasileira, o momento auge da temática desigualdade social refere-se àquelas manifestações que 
mostram o homem em seu pior estado: a miséria. 
 A miséria, na arte, é ligada tanto à questão econômica de forma geral e à seca em especial. O poema O 
bicho de Manuel Bandeira enquadra-se no primeiro caso. 
 O bicho 
Vi ontem um bicho 
Na imundice do pátio 
Catando comida entre os detritos. 
Quando achava alguma coisa; 
Não examinava nem cheirava: 
Engolia com voracidade. 
 O bicho não era um cão, 
Não era um gato, 
Não era um rato. 
 O bicho, meu Deus, era um homem. 
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 
 
Famoso poema, a situação degradante do homem que atingiu o ápice da miséria. Tal situação é cotidiana no 
nosso país. Com o uso corrente da gradação – cão, gato, rato – o poeta coloca o homem abaixo da situação 
animal. O homem está abaixo do cão, do gato, do rato, seres conhecidos por procurarem a comida em lixo, 
mesmo quando não têm necessidade. 
Podemos, também, verificar na arte o imaginário. 
O imaginário não é um simples conjunto de imagens que vagueiam livremente na memória e na imaginação. 
Ele é uma rede de imagens na qual o sentido é dado na relação entre elas; as imagens organizam-se de acordo 
com uma certa lógica, uma certa estruturação, de modo que a configuração mítica do nosso imaginário 
depende da forma como arrumamos nele nossas fantasias. É dessa configuração que decorre o nosso poder 
de melhorar o mundo, recriando-o, cotidianamente, pois o imaginário é o denominador fundamental de 
todas as criações do pensamento humano. Imaginário reconstrói ou transforma o real, a representação da 
realidade exterior. É a maneira do homem se relacionar com a realidade, atribuindo-lhe significados. 
Ressalto, contudo, que o imaginário opõe-se à ilusão, que se caracteriza pela imprecisão e perda da lógica 
interna do imaginário. O imaginário é produto da articulação entre o bio-psíquico e o sociocultural, cuja 
sutura epistemológica é realizada pelo símbolo, que sempre é constituído por um elemento arquetípico e 
um elemento ideativo, uma dupla abertura, remetendo ao duplo caráter da vivência humana: o ontogenético 
8 
e o filogenético. Ontogênese refere-se aos conjuntos primitivos sensório-motores. No caso do recém-
nascido, são dois dominantes: 
1. Posição: verticalidade e horizontalidade são percebidas por nós em tenra idade; 
2. Nutrição: manifesta-se por reflexos de sucção labial e de orientação correspondente da cabeça. 
Tais conjuntos dominantes são refletidos nos símbolos teriomórficos, aqueles, segundo Durand (2001a), que 
têm forma animal. Assim, são símbolos provocados pela inquietação nossa quanto ao movimento rápido e 
indisciplinado. Por exemplo, gafanhoto é símbolo teriomórfico, visto como composto fervilhante e 
pernicioso. As rãs também simbolizam o mal; no caso da praga do Egito, por exemplo. A serpente é outro 
símbolo. Devido ao movimento dela serpenteante causa-nos repugnância. 
A repugnância ou medo primitivos pela agitação racionaliza-se no arquétipo do caos, projeção da angústia 
diante da mudança. O inferno é um exemplo de ser imaginado como lugar caótico e agitado. 
Outro símbolo teriomórfico é da goela terrível. Nesse caso, o cavalo simboliza as trevas e o inferno; o lobo 
simboliza animal feroz por excelência no Ocidente; o cão simboliza morte e o leão substitui o lobo nos 
trópicos. As pessoas se aterrorizam com os gritos de seres semi-humanos que uivam. Nessa goela se 
concentram os três fantasmas terrificantes da animalidade: agitação, mastigação agressiva, grunhidos e 
rugidos sinistros. Entram nesse quadro sereia, lobo, chacais. 
Os símbolos nictomórficos, aqueles ligados ao escuro e à noite, são representados pela negrura, valorizada 
negativamente, e pelas trevas, que são relacionadas à cegueira. 
No teatro ocidental, por exemplo, vestem-se de negro as personagens reprovadas ou antipáticas. Na história 
em quadrinho de Maurício de Sousa, a personagem que é a própria morte também usa veste negra. 
O espelho, desde van Eyck a Picasso (na pintura) a Wilde, é um símbolo nictomórfico. O espelho, a água, o 
dragão, a cabeleira e a aranha são símbolos de hostilidade. A água, por exemplo, é símbolo de nefasto e de 
transitoriedade; o dragão, furor da água, é semeador da morte; a cabeleira, símbolo da menstruação e do 
movimento, é ligada ao tempo e à mortalidade no Ocidente, sendo apanágio do sexo feminino. 
Toda Odisseia, de Homero, por exemplo, é uma epopeia da vitória sobre os perigos das ondas e da 
feminilidade. A divina comédia, escrita na Idade Média pelo italiano Dante 
A aranha é outro símbolo. Seu ventre frio e patas peludas são sugestões repugnantes do órgão feminino. 
Os símbolos catamórficos são os ligados à queda. O recém-nascido é de imediato sensibilizado para a queda: 
a mudança rápida de posição no sentido da queda ou no sentido de se endireitar. A experiência da queda é 
a primeira experiência do medo. Nós imaginamos o impulso para cima e conhecemos a queda para baixo. A 
esse símbolo, estão relacionados: 
• queda física 
• queda moral: queda de Adão, dos anjos maus 
• feminização da queda moral. 
O pecado original é um exemplo de queda moral. No imaginário coletivo, esse pecado sofre o processo de 
feminização, sendo, por conseguinte, a mulher responsável pelo pecado original. A tradição cristã sugere que 
se a mulher introduziu o mal no mundo, ela tem o poder sobre o mal e pode esmagar a serpente. 
A gulodice, na mesma tradição, liga-se à sexualidade. Eva morde a maçã: imagem de animal devorador e de 
ligação entre o ventre sexual e digestivo. O ventre, enfim, é símbolo microcosmo eufemizado do abismo. 
No quadro abaixo, temos uma obra do período do Romantismo e representa uma cena da epopeia 
A divina comédia,escrita na Idade Média pelo italiano Dante Alighieri. 
 
9 
 
EUGÈNE DELACROIX, 
Óleo sobre lona 189 x 241 cm 
Museu do Louvre, Paris 
 
Na obra de Dante Alighieri, temos o poeta – vivo – que conhece três lugares que fazem parte do imaginário 
religioso: inferno, purgatório e paraíso. A cena da pintura acima faz parte da primeira parte: o inferno. Na 
barca, temos de capuz vermelho o poeta e o poeta Virgílio, presente no inferno por ser pagão. 
Na pintura, identificamos os símbolos falados por Durand (2000): 
• temos um inferno com indicação de agito e caos; 
• a água, que simboliza movimento e caos; 
• predominância de cores escuras, representando noite e medo; 
• a sexualidade na nudez e na posição de certos seres saídos da água; 
• os seres semi-humanos saídos da água. 
A pintura simboliza o medo da queda moral que o cristão possui, cuja consequência (da queda) é o inferno, 
que, pelo imaginário, é um lugar terrível para ter a vida eterna. 
 
LITERATURA E PINTURA: RELAÇÃO COMPOSICIONAL 
Além da relação temática, podemos aproximar as artes no nível da composição. 
A poesia constitui-se de elementos sonoros, tais como efeitos rítmicos, aliterativos (aliteração), métricos, 
fonéticos, entre outros, dando musicalidade ao texto. Outro elemento constituinte da poesia é a imagem, 
portadora da aparência da matéria. Esclarecemos que imagem ou visualidade diz respeito tanto àquela 
produzida pela linguagem verbal, descrição de imagens pelas palavras, ou imagem visualizada por meio do 
texto verbal, quanto àquela que apresenta a forma/figura do poema. 
Poderíamos exemplificar infinitamente a imagem criada pela palavra. Assim, ficaremos com dois trechos: a 
primeira estrofe do poema Inscrição, de Cecília Meireles: 
Sou entre Flor e nuvem, 
Estrela e mar. 
Por que havemos de ser unicamente humanos, 
Limitados em chorar? 
MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. 
10 
As figuras flor, nuvem, estrela e mar expressam o desejo de superação da condição humana. Cada uma delas 
condensa várias imagens, de acordo com a vivência do leitor. Flor pode significar beleza, sensibilidade, 
luminosidade, vida. Tal carga semântica se amplia na relação com outras figuras. A ideia de luminosidade se 
fortalece em estrela que, por sua vez, traz a significação de intangibilidade, distância e perenidade. 
As figuras podem levar a imagens previsíveis, mais próximas, como as encontradas no poema de Meireles. 
No entanto, elas podem também levar a imagens inusitadas, como ocorre no poema Paisagem do Capibaribe, 
em que o autor associa a seca à estranha imagem de um cão sem plumas: 
Aquele rio 
era como um cão sem plumas. 
Nada sabia da chuva azul, 
da fonte cor-de-rosa, 
da água do copo de água, 
da água de cântaro, 
dos peixes de água, 
da brisa na água. 
 
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. 
 
Ou ainda, há poema em que o processo de criação é apoiado na imagem, não deixando nenhuma ilusão de 
referencialidade, de fusão ao real. Por outro lado, existem textos literários que criam cenários como se 
fossem pinturas pela intensidade com os signos linguísticos elaboram a representação, dando impressão de 
que o autor escreve o que vê. Trata-se de verossimilhança estética, presente, por exemplo, em texto 
naturalista. A transposição para o papel da realidade assim observada, sem qualquer mediação, dá efeito de 
uma obra como uma fotografia fiel do “real”. Tal intencionalidade está presente em O cortiço: 
O rumor crescia, condensando-se; o zumzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes 
dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; 
ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-
se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés 
vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar 
sobre a terra. 
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Martins, 1972. 
No segundo caso, em que o próprio poema se faz imagem, evidenciando no seu significante sua 
potencialidade de significações. A disposição das palavras na página é parte do texto, como ocorre na poesia 
de Cassiano Ricardo "Translação". 
 
 
 Uma sintética poesia, na qual significante e significado unem-se, ou seja, em que a forma torna-se 
conteúdo ou vice-versa, é a seguinte de Ronaldo Azeredo: 
 
11 
O E 
O E T E 
O E S S T E 
O E S T E S T E 
O E S T E L E S T E 
AZEREDO, Ronaldo. Noigandres. Antologia: do verso à poesia concreta, São Paulo, n. 5, p. 132, 1962. 
 
Enfim, a imagem na arte apresenta-se de forma variada: 
· como desreferencialização, ou seja, não representa objeto (objeto) fora da arte. Assim, se aparece o 
vermelho em uma tela, é apenas a cor; 
· como forma significativa, criada pela intenção, adquirindo sentido. 
A imagem apresenta-se na poesia criando a forma. Esta, por sua vez, pode ser o próprio conteúdo do texto 
literário, sem tematizar nem lembrar o mundo exterior. Na explicação de Oliveira (1999, 51), “a forma visual 
não-representativa volta-se para si mesma e se mostra desprovida de conteúdos externos”, isto é, fala de si 
e não de coisas externas, deixando-se apreender pela visão. 
 
Se falamos da poesia da forma que tem na imagem sua manifestação plástica, podemos falar também da 
pintura, cuja realização mais concreta ocorre no espaço. Como exemplo, temos a tela abaixo: 
 
 
Joan Miró, Azul III, 1961. 
 
A tela Azul III constitui-se da cor azul, reduzida a si mesma. O azul não é azul do céu, do mar ou dos olhos; é 
azul simplesmente. Outro sentido que não a visão não está aparelhado para esta apreensão. Disponíveis as 
qualidades da cor, a tela fala da cor, da própria essência da pintura. 
Os tons de azul, as manchas de amarelo e preto criam possibilidades de interpretação, potencializando 
ambiguidades. Entre as possibilidades, a tela sugere os mistérios e a própria imensidão do universo. 
Como a palavra espaço se constrói, mostrando-se em suas potencialidades, construindo o espaço na 
contemplação e no desnudamento da matéria poética, também a cor azul apresenta-se em disponibilidade 
desprendida de qualquer referencial concreto. Apenas sugere. Enquanto que no texto de Pedro Xisto, a 
palavra cria o espaço, aqui é a cor que o faz. 
Da imagem como forma potencializada, passamos para outro tipo: a imagem de forma manifesta. Nesta, o 
que aparece é a estrutura. 
Levando em consideração que a temática é vista como natural pelo leitor, este não se dá conta muitas vezes 
da estrutura, suporte material que carrega a ideia. Caso diferente é o soneto, porque sua forma tem o poder 
12 
de reconhecimento imediato. À simples menção da forma, configura-se na mente do leitor a estrutura: texto 
poético rígido com dois quartetos e dois tercetos. A forma do soneto foi presidida por princípios racionais, 
geométricos e matemáticos. 
Fechado em si mesmo, o soneto impõe restrições. Caracteriza-se como forma rígida, arquitetada quase como 
um silogismo: premissas nas quadras e conclusão nos tercetos. Constatamos ao observar a construção 
gramatical mais comum: a conjunção adversativa ou conclusiva na introdução dos dois tercetos ou pelo 
menos no último. Desse modo, o soneto é a forma adequada para a comunicação de um conteúdo feito de 
contradições, quer se trate de oposições lógicas ou de paradoxos existenciais. 
Poetas de diferentes quadrantes redimensionaram o soneto, destacando o componente numérico de seus 
versos e/ou as composições rítmicas. Constatamos o redesenho do soneto em: 
 
MELO E CASTRO, E.M. O próprio poético. São Paulo: Quiron, 1973. 
O poema mantém a forma do soneto e esvazia semanticamente, reduzindo-a à mera estrutura. Todos os 
versos somam 14, remetendo-nos à concepção do soneto dequatorze versos com ressalva ao último verso, 
que soma 28, destacando, assim, sua importância como conclusão-chave de ouro do poema (OLIVEIRA, 1999, 
60). O poema acima tem até esquema de rima bem definido: abab. 
O soneto ao se apresentar como forma pura ata literatura e arte visual. Se é forma apenas, desprovida de 
conteúdo, é algo para ser visto, ocupa um espaço, desenha-se para provocar um efeito no leitor. 
Na pintura, também encontramos obras desprovidas de conteúdo semântico, constituídas, portanto, de 
formas apenas. Objetos, pessoas, paisagens não são assunto das obras, mas a linha, a cor, o ponto, ou seja, 
formas e cores sem relação com as imagens e aparências da realidade exterior. A tela abaixo de Mondrian é 
uma forma extremada de abstracionismo geométrico: 
 
Piet Mondrain, Composição, 1929 
 
13 
A pintura é composta de telas que se justapõem, compondo no conjunto a tela maior. Isoladas, cada uma 
cria seu espaço, determinado pela cor. Formada por figuras geométricas de tamanhos diferentes, a tela utiliza 
apenas linhas retas, horizontais e verticais. Os ângulos retos expressam estabilidade. Para o artista, linhas 
curvas sugeririam movimento e transitoriedade; por isso, o Mondrain não as colocou nesta pintura. 
Pintura como a exemplificada acima não aponta para nada fora dela, só indica a natureza da própria arte. A 
composição é uma forma disciplinada, com rigor geométrico, o mesmo rigor encontrado na estrutura de 
outra forma artística: o soneto. A forma soneto lembra a poesia; a forma geométrica e as cores lembram a 
pintura. 
Outra consideração a fazer sobre a imagem é a manifestada e já significando. Dois códigos, o verbal e o visual, 
unem-se para a manifestação estética do desenho poético. 
 
EXERCÍCIO 
 Leia os textos A e B e indique a alternativa que melhor compreende os textos sobre uma das funções do 
tema na literatura.1 
Texto A 
Minha mãe muito cedo me introduziu aos livros. Embora nos faltassem móveis e roupas, livros não poderiam 
faltar. E estava absolutamente certa. Entrei na universidade e tornei-me escritor. Posso garantir: todo 
escritor é, antes de tudo, um leitor. 
Fonte: SCLIAR, Moacyr. O poder das letras. In: TAM Magazine, jul. 2006, p. 70 (com adaptações). 
 
Texto B 
Penetra surdamente no reino das palavras. 
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. 
(...) 
Chega mais perto e contempla as palavras. 
Cada uma 
tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta, sem interesse pela resposta, 
pobre ou terrível, que lhe deres: 
trouxeste a chave? 
Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 13-14. 
a) O tema na literatura, segundo os textos A e B, serve para alertar para a diferença existente entre olhar 
(ato mecânico) e ver (conscientização da impressão recebida pelo olhar) as coisas mais familiares e 
comuns, que, de tão conhecidas, acabam não sendo mais vistas. 
b) Ir à busca da identidade com base na pergunta “Quem sou eu?”, que vem sendo feita pelos homens 
desde o início dos tempos, assim como apresentar diferentes pontos de vista que levam às diferentes 
“verdades”. 
c) Lidar com os impulsos naturais: os medos que precisam ser enfrentados e superados; a curiosidade que 
faz parte do crescimento e amadurecimento do ser. 
d) Criar a história da história no sentido metalinguístico. Revelar o ato de escrever como um artifício, como 
um ato de criação literária ou artística que pode ser cultivado por todos. 
e) Apelar à consciência ética e/ou crítica em relação ao respeito devido aos direitos naturais ou civis de 
cada um. Eixos temáticos em narrativas, no estilo de sátira ou paródia, contra o poder despótico. 
 
 
1 Resposta: D. 
14 
 
15 
MÓDULO 2 - LITERATURA E ARTES: ENTRELAÇAMENTOS 
 As artes entrelaçam-se, dialogam-se, mesmo se entre elas há um distância temporal, cultural e geográfica. 
 
Nessa pintura, as cores amarela, verde e vermelha traduzem a força da natureza, em seu viço e 
luminosidade. Outra aproximação entre pintura e literatura, ou melhor, a presença da outra arte na literatura 
está na obra Era uma vez três.... em que Ana Maria Machado conta histórias a partir dos quadros de Alfredo 
Volpi (pintor italiano que veio ao Brasil). Na obra de há a força de formas e cores unida ao jogo de palavras, 
sons e ritmos. 
Carlos Drummond de Andrade, no livro Farewell, cria alguns poemas com tema de quadros famosos e dá os 
mesmos títulos. Vejamos o exemplo: 
 
Jan van Eyck. O casal Arnolfini, 1434. 
 
Retrato do Casal Arnolflini (Jan Van Eick) 
A imagem reproduz-se até o sem-fim. 
O casal sem filhos 
gera continuamente nos espelhos 
a imagem de perpétuo casamento. 
ANDRADE, Carlos Drummond de. Farewell. Rio de Janeiro: Record, 1996. 
16 
O ponto de fuga do quadro é o espelho, que reproduz “sem-fim” a imagem do casal presente no primeiro 
plano. 
 
As artes na literatura 
 Encontramos inúmeros exemplos de obras literárias que tornam as outras artes sua temática. 
Começaremos pelo poema que se declara ser desenho. 
 
Poema desenhado 
No meio da página escrevo por acaso a palavra MENINA 
e, à sua magia, um caminho abre-se 
para ela andar 
E como houvesse brotado a seus pés um arroio espiador, 
uma ponte estendeu-se 
para ela atravessar 
Mas a menina 
agora parou 
e do meio da ponte namora encantadamente nas águas 
a graça inacabada de seu pequenino rosto feito às pressas 
Às pressas... 
(nem tive tempo de lhe dar um nome) (...) 
QUINTANA, Mário. Baú de espantos. 2.ed. Porto Alegre: Globo, 1986. 
 
 O poema se constrói como uma aquarela, evidenciando seu processo de criação apoiado na imagem, 
sem fazer alusão à realidade. 
 O texto literário pode também utilizar concretamente de pintura, com ela dialogando, como vemos 
no texto de Iêda Dias: 
 
Canção da menina descalça 
Menina do campo 
Nascida descalça 
Em berço macio 
De verde capim. 
Menina do campo 
Vestida de rosa 
Brinca de roda 
No meu jardim. 
Menina do campo 
Nascida descalça. 
Da terra, flor. 
Do céu, querubim. 
DIAS, Iêda. Canção da menina descalça. 7. ed. Belo Horizonte: RHJ,1993. 
 
No poema, a autora associa a imagem da menina do campo à ideia de despojamento, pureza, aconchego, 
ternura, acentuando a relação do poema com a pintura Menina com as espigas, de Renoir. 
17 
MÓDULO 3 - TEXTO EM CONCEPÇÃO AMPLA 
 
Conhece a obra poética de Baudelaire, poeta francês do século XIX, em especial a obra Flores do mal? Esse 
poeta já prenunciava o entrecruzar das linguagens, visto na Teoria das Correspondências. Um dos poemas 
que mostram essa correspondência é o transcrito abaixo: 
Correspondências 
A Natureza é um templo onde vivos pilares 
Deixam às vezes soltar confusas palavras; 
O homem o cruza em meio a uma floresta de símbolos 
Que o observam com olhares familiares. 
Como os longos ecos que de longe se confundem 
Em uma tenebrosa e profunda unidade, 
Vasta como a noite e como a claridade, 
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem. 
Há perfumes frescos como as carnes das crianças, 
Doces como o oboé, verdes como as pradarias, 
– E outros, corrompidos, ricos e triunfantes, 
Como a expansão das coisas infinitas, 
Como o âmbar, o almíscar, o benjoin e o incenso, 
Que cantam os transportes do espírito e dos sentidos. 
BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Círculo do Livro, 1995. 
 
Por meio de uma metáfora - “floresta de símbolos” -, o poeta nos aponta para a existência de múltiplas 
linguagens e nos lembra que elas são invenção da própria capacidade humana. Por meio dos símbolos, ou 
melhor, da linguagem, o poeta (o ser humano) desenvolve, por exemplo, a relação entre a natureza e o 
homem. 
O poeta prevê o que passamos a encarar hoje, que , enfim, somos seres complexos, constituídos dos sentidos, 
sentimentos, intuições, razão; relacionamo-nos uns com os outros e com a natureza e o mundo cultural; 
construímos, destruímos, sobrevivemos. No nosso desenvolvimento, criamose incorporamos novas formas 
de expressão, novas linguagens, que exigem uma postura interdisciplinar, uma interação efetiva entre os 
conhecimentos. 
 
4.1. Concepção de texto intersemiótico 
 
A leitura, nesse contexto, não se restringe à linguagem verbal, abrange textos visuais. Segundo Santaella 
(2007), existem três domínios da imagem, a saber: 
· O domínio das imagens mentais, imaginadas; 
· O domínio das imagens diretamente perceptíveis; 
· O domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias, 
imagens cinematográficas, televisivas, holográficas e infográficas. 
Incluem nesses domínios as imagens verbais – metáforas, descrições. 
Em conclusão, as pessoas não se comunicam apenas por palavras. Os movimentos faciais e corporais, as 
cores, o desenho, a dança, os sons, os gestos, os olhares, a entoação são também importantes: são os 
elementos não verbais da comunicação. Os significados de determinados gestos e comportamentos variam 
18 
muito de uma cultura para outra e de época para época. A comunicação verbal é plenamente voluntária; o 
comportamento não-verbal pode ser uma reação involuntária ou um ato comunicativo propositado. 
A palavra é o elemento fundamental para a compreensão de textos impressos, já o cenário, o formato e a 
ilustração servem apenas como apoio, são elementos secundários. Nos meios de comunicação modernos 
acontece exatamente o contrário, a imagem predomina e o verbal tem apenas a função de acréscimo. 
A linguagem verbal impressa jamais será descartada, porém a cultura mundial hoje tende sensivelmente à 
linguagem visual, icônica. 
Voltando ao início das civilizações, podemos constatar que a evolução da linguagem começou com imagens, 
avançou aos pictogramas, cartuns auto-explicativos e unidades fonéticas, chegando finalmente ao alfabeto. 
O que acontece na era contemporânea é uma reversão desse processo, que se volta novamente para a 
imagem, em busca de maior eficiência no resultado da comunicação. 
Dada a importância da linguagem visual, podemos ampliar suas concepções para a noção de texto, chegando 
ao posicionamento, então, de que todas as manifestações artísticas se constituem texto. Assim, são textos 
advindos das: 
 
ARTES PLÁSTICAS Arquitetura 
Escultura 
Pintura 
ARTES RÍTMICAS Literatura 
acústica - música/canto 
cinética – teatro/cinema 
orquéstica – coreografia/dança 
 
Caro aluno, antes de nos aprofundarmos na conceituação de texto, tema deste tópico, indique da lista abaixo 
o que você considera texto: 
o Relatório para o diretor da empresa 
o Poema de amor dedicado à/ao amada/o 
o Lista de compra de mercado 
o Tirinha semanal publicada no jornal 
o A estátua Cristo Redentor fixada no Rio de Janeiro 
o O quadro intitulado Monalisa 
o A quinta sinfonia de Beethoven 
o A última conversa tensa tida com seu (sua) companheiro(a) 
Depende do ponto de vista teórico, você pode considerar texto apenas aquele constituído da língua, seja 
escrita, seja oral. Assim, o relatório, o poema e a conversa, por exemplo, seriam destacados por você. 
Estamos na vertente teórica da Linguística Textual. 
No entanto, se você optar por seguir a linha da Semiótica ou da Análise do Discurso, todas as opções da lista 
são consideradas manifestações textuais. Na linha da Semiótica, a concepção de texto abrange tanto as 
manifestações comunicativas verbais (por meio da língua) quanto as não verbais (outros códigos usados). 
Uma tirinha, por exemplo, é um texto construído de elementos visuais (formas, cores, movimento etc.) e 
também de fala, narração ou outro aspecto típico da linguagem verbal. No caso do filme, a construção textual 
é mais complexa, pois envolve recursos visuais, os elementos linguísticos e os efeitos sonoros (sonoplastia). 
Temos, então, nesses textos o entrelaçamento das linguagens e o leitor/expectador/ouvinte passa a 
desenvolver sua capacidade de apreensão e entendimento dessa realidade que, por sinal, não é atual, única 
na história. 
19 
 
20 
MÓDULO 4 - LITERATURA E FATORES DE TEXTUALIDADE 
 
De acordo com os PCN, o Ensino Médio precisa adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem 
a reconstrução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de problemas e outras 
competências cognitivas superiores, bem como estabelecer a prevalência dos aspectos qualitativos em 
detrimento dos quantitativos. 
Os PCN priorizam, por conseguinte, o ensino de leitura de texto, descentralizando o ensino tradicional de 
gramática, que está afastado, muitas vezes, do uso social e do texto, e propõem também a integração da 
leitura literária. São deslocados, então, os conteúdos tradicionais da história da literatura para um segundo 
plano e adotados os conhecimentos linguísticos atuais inseridos na vertente sociointeracionista. 
A adoção dessa vertente mostra que a reestruturação educacional assume o caráter sócio-histórico da leitura 
literária e abre-se para alternativas metodológicas que levam à construção de conhecimentos em um 
processo de interação. Dessa forma, a linguagem verbal caracteriza-se como construção humana, carregada 
de uma história, de significados socioculturais. Em outras palavras, na gênese da linguagem verbal estão 
presentes o homem, seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo sociocultural (SEF, 1999: 139). 
O objetivo do ensino de leitura literária, na proposta dos PCN, passa a ser, então, o de recuperar, pelo estudo 
do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da 
cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial (SEF, 1999: 145). 
Esse objetivo tem duas implicações: a ideia de imaginário como produto de uma coletividade e a concepção 
de texto como fruto da sociedade, indo ao encontro das atuais concepções de ciência, de homem, de 
conhecimento. 
No que se refere à primeira implicação, destacamos que a tradição ocidental tem um percurso histórico 
constituído por um recalque e por uma depreciação tão tenazes, contra o imaginário, que influenciam 
estudiosos contemporâneos como Jean-Paul Sartre, para quem a imagem é quase observação, uma 
degradação do saber. Na concepção ocidental, o imaginário não segue a lógica clássica, aquela pautada no 
pressuposto da inalterabilidade do homem e da natureza, segundo a qual ambos são governados por leis 
permanentes, bem como no processo dedutivo, oriundo do socratismo e da lógica binária (essa assentada 
no raciocínio verdadeiro e falso). Consequentemente, o imaginário sempre é desvalorizado. 
Em qualquer manifestação imaginária, seja ela o sonho, o mito ou a literatura, existe convivência dos 
contrários, na qual um elemento existe pelo outro. A partir dessa ruptura com a lógica clássica, o teórico 
identifica uma característica do imaginário, que é seu caráter não-lógico ou alógico. 
A segunda implicação contida no objetivo dos PCN consiste na ideia de que o texto só existe na sociedade e 
é, portanto, produto da história sociocultural. Contudo, é necessário relacioná-la à função comunicativa da 
linguagem, pois é por meio dela que ocorre a interação entre texto e leitor, em que o leitor atualiza o texto, 
relacionando-o com o seu contexto sociocultural. 
Tal interação é, segundo os PCN, um grande passo para a sistematização da identidade do aluno-leitor, que, 
como representante de um grupo social, confronta seu espaço sociocultural com o texto literário. Esse, por 
sua vez, é um exemplo do simbólico verbalizado, ou seja, é uma representação de um espaço social e cultural 
diferenciado do espaço do aluno, que aprende a conviver com as diferenças e a compreendê-las. Essa 
dimensão social leva os professores, na atualização orientada pelos PCN, à busca da concepção bakhtiniana 
de gênero discursivo, apesar de não existir nos Parâmetros referência explícita à teoria de Bakhtin. 
A adoção da noção de gênero pelos PCN deve-se ao fatode o texto manifestar-se concretamente em gênero 
e caracterizar-se como uma manifestação situada no contexto social em que é produzido. O gênero é cada 
vez mais flexível no mundo moderno; como exemplo, citamos o romance, que se desdobra em inúmeras 
formas. 
Outra caracterização fundamental do texto e, portanto, do gênero, é a sua dimensão dialógica, marcada pelo 
diálogo entre os interlocutores e entre os próprios gêneros, devido ao hibridismo: um gênero pode ter forma 
ou função de outros gêneros. A esse respeito, destacamos que uma das considerações finais nos Parâmetros 
é a de que os seus autores não enxergam outra saída, 
21 
senão o diálogo, para que o aluno aprenda a confrontar, defender, explicar suas ideias de forma organizada, 
em diferentes esferas de prática da palavra pública, compreendendo e refletindo sobre as marcas de 
atualização da linguagem (a posição dos interlocutores, o contexto extra-verbal [sociocultural], suas normas, 
de acordo com as expectativas em jogo, a escolha dos gêneros e recursos) (SEF, 1999: 143-4). 
Os posicionamentos dos PCN apontam para a mudança paradigmática em relação ao objeto e à abordagem 
do ensino da leitura literária. A essas mudanças acrescente-se o alerta aos professores para uma atitude 
consciente e reflexiva quanto ao conteúdo e ao procedimento metodológico de ensino, utilizados em sala de 
aula. 
Em síntese, os PCN estão organizados por práticas de uso da linguagem e práticas de reflexões. A reflexão 
sobre a língua e a linguagem implica conhecimento e compreensão mais acurados por parte dos professores 
e rediscussão do ensino, pois não são oferecidasreceitas de como ensinar, mas, reflexões que possam 
orientar a ação do professor na criação de situações de aprendizagem. 
 
Fatores de textualidade 
 
Habituamo-nos a considerar o texto apenas como fonte de conhecimento, esquecendo-nos de que ele é 
também um objeto de estudo para o leitor. A sua produção e recepção são tratadas pelo paradigma vigente 
da Linguística, que concebe, além da própria definição de texto, a noção de textualização e de textualidade. 
A primeira grande noção desse paradigma é a superação de texto como conjunto de frases, cujo leitor é um 
decodificador de mensagens. O texto é uma ocorrência material da língua, com dimensões que não são 
apenas linguísticas, mas também sociocognitivas. Ele é marcado por um conjunto de fatores, que fazem com 
o que o texto seja texto e não um amontoado de palavras ou frases. 
A textualidade é formada justamente por esses fatores e é subdividida em dois aspectos: fatores linguísticos, 
no caso, a coesão e a coerência, e fatores pragmáticos, que situam o produtor em seu meio e com o leitor, 
interagindo-os. 
A coesão, como fator linguístico de textualidade, é a responsável pelo aspecto formal do texto, marcando 
lingüisticamente sua superfície, por meio da gramática e do léxico. A coesão pode ser de três tipos: 
referencial, recorrencial e sequencial. 
A coesão referencial é o elemento linguístico que remete a um mesmo referente por: 
 a) substituição, que pode ser feita por meio da anáfora (quando o elemento é retomado) ou por meio da 
catáfora (quando o referente é precedido) ou por 
b) reiteração, que é a feita por sinônimo, hiperônimo, nomes genéricos, entre outros. 
A coesão recorrencial permite a progressão da informação por meio 
a) de termo, cuja função é dar ênfase à informação, 
b) paralelismo, que é a reutilização de estruturas com diferentes conteúdos, 
c) paráfrase, que é a reformulação pela qual se restaura o conteúdo do texto e por meio 
d) de recursos fonológicos, segmentais e supra-segmentais, que são o ritmo, a motivação sonora, aliteração 
etc. 
A coesão sequencial faz progredir o texto por sequenciação temporal e por conexão. A coesão temporal 
ordena linearmente os elementos, usa partículas temporais, correlaciona os tempos verbais e a coesão por 
conexão usa operadores do tipo lógico, como a disjunção, a condicionalidade, entre outros operadores e usa 
operadores do discurso, como, por exemplo, a conjunção, a disjunção, pausas. 
Esses vários tipos de coesão, no entanto, não são suficientes para tornar o texto coerente, pois enquanto a 
coesão é explícita no texto, a coerência está subjacente a ele, dependendo dos elementos linguísticos, mas 
também dos pragmáticos, como o conhecimento do leitor. 
22 
A coerência é responsável pelo sentido do texto, envolvendo aspectos lógicos, semânticos e cognitivos. Ela 
pode ser local, linear e global. A coerência global tem relação com a superestrutura do texto, ou seja, com a 
sua temática, e é ligada à função geral da própria coerência: dar sentido global ao texto. quando o texto é 
extenso, há vários subtemas ou tópicos. 
A coerência linear, por sua vez, está relacionada à macroestrutura textual, aos seus tópicos e comentários e 
às relações frásticas. A coerência local se refere às unidades linguísticas, que superficializam o texto, 
formando a microestrurutra: as frases, os organizadores sintáticos, os conectivos. 
Tratar da coerência, então, é relacioná-la com os dois níveis de conhecimento. O conhecimento declarativo 
é dado pelas sentenças textuais a respeito de situações, eventos e de fatos do mundo real. O conhecimento 
procedimental é dado pelos fatos ou convicções em um determinado formato e é armazenado na memória 
e construído por meio da experiência. Esse conhecimento é trazido à memória ativa no momento da 
interação com o texto. 
De forma geral, se a coerência não é garantida pela superfície linguística do texto – a coesão –, ela também 
não é pela macroestrutura. A coerência é construída, na verdade, pelas pistas formais e subjacentes dadas 
pelo texto em interação com o leitor, que leva para o texto seus conhecimentos prévios. 
Quanto aos fatores pragmáticos, a intencionalidade e a aceitabilidade estão, respectivamente, relacionadas 
ao produtor e ao leitor do texto. O produtor preocupa-se em construir um texto coerente, coeso e capaz de 
atender aos objetivos do leitor, que, durante a leitura, tenta recuperar a coerência textual, construindo-lhe 
sentido. Do produtor/ texto/ leitor, esperamos sua adequação à situação sociocomunicativa, inteirados ao 
contexto, realizando o fator de situacionalidade. 
A informatividade diz respeito ao grau de informatividade do texto, tanto no aspecto formal quanto no 
conceitual. O texto atende à expectativa do leitor ou rompe com ela ao oferecer informação nova, pois esta 
pode ou não ser facilmente recuperada em seu sentido. Quanto à intertextualidade, muitos textos estão 
relacionados a outros, adquirindo sentido apenas quando o leitor recupera essa relação. 
Esses fatores de textualidade, na verdade, são possibilidades. É a intertextualização, isto é, o processo de 
produção textual que os concretiza. A textualização tem parâmetros, nos quais estão incluídos a motivação, 
aquele desejo ou necessidade que leva um indivíduo a produzir o texto, o objetivo do texto, a identidade do 
produtor e do leitor e as relações micro e macroestrutural. 
O produtor proficiente tem consciência – se não dos termos científicos criados pelos linguistas sobre texto – 
do dinamismo desse processo de produção e de sua oscilação. Ele também é consciente sobre o próprio ato 
de ler e de seu compromisso com o leitor. Este, por sua vez, prontifica-se a recuperar os fatores linguísticos 
e pragmáticos do texto lido, como, por exemplo, o sentido global e a intenção do autor. 
Assim, apesar da produção e da recepção não ocorrerem em momentos simultâneos, pois a leitura sempre 
é posterior à escrita, elas têm as mesmas preocupações relevantes quanto à competência comunicativa do 
texto e à interação autor, texto e leitor. 
APLICAÇÃO 
Dado o poema abaixo, convido-o, caro aluno, a fazer a análise, destacando os fatores de textualidade: 
Mar português 
Ó mar salgado, quanto do teu sal 
São lágrimas de Portugal! 
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, 
Quantos filhos em vão rezaram! 
Quantas noivas ficaram porcasar 
Para que fosses nosso, ó mar! 
Valeu a pena? Tudo vale a pena 
Se a alma não é pequena. 
Quem quer passar além do Bojador 
Tem que passar além da dor. 
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, 
Mas nele é que espelhou o céu. 
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 
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• Coerência: 
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• Coesão: 
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• Informatividade: 
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• Situacionalidade: 
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• Intencionalidade: 
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• Aceitabilidade: 
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MÓDULO 5 - ESCRITORES ENFRENTAM A LÍNGUA 
 
A matéria-prima do escritor literário é a palavra, a língua. Nada melhor do que o poema abaixo de Teles, que 
faz do poema dele oportunidade para falar da língua. Temos uma integração entre palavra/poema: 
Língua 
 
Esta língua é como um elástico 
que espicharam pelo mundo. 
No início era tensa, de tão clássica. 
Com o tempo, se foi amaciando, 
foi-se tornando romântica, 
incorporando os termos nativos 
e amolecendo nas folhas de bananeira 
as expressões mais sisudas. 
Um elástico que já não se pode 
mais trocar, de tão gasto; 
nem se arrebenta mais, de tão forte. 
Um elástico assim como é a vida 
que nunca volta ao ponto de partida. 
TELES, Gilberto Mendonça. Falavra. Lisboa: Dinalivro, 1989. 
Um dos enfrentamentos dos escritores em relação à língua é o vocabulário dela. A escolha das palavras 
obedece a critérios relacionados a gênero, seus propósitos comunicativos, à unidade semântica. Tais critérios 
definem o sentido das palavras. 
No caso do texto de Teles, trata-se de um texto poético, cujo propósito é causar emoção estética e explorar 
aspecto do objeto histórico-social, a língua. Por esses ângulos, Irandé (2010) destaca do texto: 
• Metáfora criada em torno da semelhança entre língua e elástico. A língua com a passagem do tempo 
se espicha; língua deixa de ser tensa e sisuda e se amacia e amolece; 
• Compreensão de que essa flexibilidade das línguas não as enfraquece; pelo contrário, o elástico já 
não pode mais ser trocado de tão gasto, nem se arrebenta mais, de tão forte; 
• As expressões “No início” e “Com o tempo” indicam que está em jogo a referência a um tempo em 
passagem; essa perspectiva é reiterada depois pela diferença dos tempos verbais em “era tensa e se 
foi amaciando”. Um tempo presente parece ser o ponto de chegada dessa passagem: um elástico 
que não se pode mais trocar; 
• Alusões às circunstâncias que marcaram a história da língua portuguesa no Brasil podem ser vistas 
nas referências a uma língua que espicharam pelo mundo, que incorporou os termos nativos, que 
foi amolecendo nas folhas de bananeira as expressões mais sisudas; 
• A antonímia implicada em amolecer e expressões sisudas é mais clara ainda entre “tão gasto” e “tão 
forte”. 
A relação constitutiva língua-literatura caracteriza a cumplicidade de expressão e conhecimento da 
linguagem humana. Pela organização textual – sintática, sonora etc., os textos exploram e expõem a língua 
de maneira a chamar a atenção do leitor para a linguagem como janela para os mundos internos e 
externos (BRAITH, 2010, 16). 
Como observamos no poema acima, a literatura é uma das possibilidades de exploração da língua, como 
forma criativa e atuante de mobilização de palavras e estruturas linguísticas. 
25 
Diante de um escritor como Graciliano Ramos, por exemplo, muitas coisas podem ser apresentadas e 
sugeridas ao leitor. Diante de Graciliano Ramos, então, perguntamos: qual é a postura desse autor diante da 
língua? 
Um dos enfrentamentos é o desconhecimento do sentido das palavras. Na fala de Paulo Honório (de São 
Bernardo) e Fabiano (de Vidas secas), encontramos esse dilema: 
• “Fabiano admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava produzir algumas, 
em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas.” (Vidas secas) 
Em São Bernardo, o mistério do sentido das palavras é transformada em matéria narrativa, segundo Pinto 
(1994). A diferença do vocabulário entre Madalena e de Paulo Honório é barreira para o relacionamento 
entre eles. A linguagem de Madalena para Honório é incompreensível. Á falta de compreensão, não podemos 
nos esquecer o ciúme e suspeitas do marido: 
• “O que dizia era simples, direto e procurava debalde em minha mulher concisão e clareza. Usar 
aquele vocabulário vasto, cheio de ciladas, não me seria possível. E ela tentava empregar a minha 
linguagem resumida, as expressões mais inofensivas e concretas eram para mim semelhantes às 
cobras: faziam voltas, picavam, tinham significação venenosa.” (São Bernardo) 
O narrador Paulo Honório também faz críticas negativas às influências da linguagem europeia. Refere-se aos 
personagens João Nogueira e Gondim, que esperam colaborar com a linguagem de Camões. 
O estilo simples e despretensioso ocorre no vocabulário das obras de Graciliano Ramos. Ele busca, por meio 
da linguagem dos personagens, brasileirismos, expressões próprias da linguagem oral, irregularidades que 
dão liberdade e flexibilidade à língua. Exemplificamos com trechos de São Bernardo: 
• “Tudo isso é fácil quando está terminado e embira-se em duas linhas” (= amarra-se) 
• “Era preciso mexer-se com prudência, evitar as moitas.” 
As irregularidades por excesso de pronome é outro traço do tratamento dado à língua pelo escritor: 
• “Olhe que as letras se venceram.” (São Bernardo) 
Na linguagem do narrador Paulo Honório não aparecem construções pesadas, longas ou ambíguas. A 
construção da frase é simples, dando preferência por vocábulos de significação denotativa. Não há 
compromisso do autor com a língua formal, mas com a maneira do caboclo falar. 
Em Angústia, o narrador Luis da Silva não comete descuidos gramaticais, respeitando-a. O personagem-
narrador é escritor e tem autoridade para comentar a linguagem de Moisés: 
• “Sim, percebo, embora ele tenha sintaxe medonha e pronúncia incrível. Faz rodeios fatigantes, 
deturpa o sentido das palavras e usa esdrúxulas de maneira insensata.de maneira insensata.” 
Essa disposição do escritor não modifica a gramática da língua. Graciliano considera a linguagem na sua 
existência naquilo que lhe é próprio e independente. 
Por caminho diferente e até inverso, temos a linguagem de Guimarães Rosa, classificada, por muitos críticos, 
como barroca, devido à opulência, rebuscamentos léxicos e sintáticos, certa obscuridade e de certa 
emotividade. Na concepção de NilceSant’Anna Martins (in: PINTO: 1994, 83): 
Sua obsessão de originalidade levou-o a elaborar ao Maximo a forma para valorização do conteúdo. Ele sentia 
a língua como um potencial de riquezas infinitas, em que o escritor deve minerar com muito afã para extrair 
formas apuradas e surpreendentes. 
A intenção do autor, segundo depoimento escrito em carta, era chocar, ‘estranhar’ o leitor, não deixar que 
ele repouse na bengala dos lugares-comuns, das expressões domesticadas e acostumadas (idem, p. 84). O 
léxico é ampliado com novas formas, termos antigos renascem, outras línguas enriquecem o trabalho 
linguístico desse autor. 
As palavras populares as aproveitadas, tais como: ajuntação, azuretar, banguela, cabra (mestiço), caçar 
(procurar), cacumbu (enxada), calundu, coió, perrengue, sovaco e muitas e muitas outras constituem o vasto 
léxico de Guimarães Rosa. Os neologismos, traço estilístico do autor, não designam coisas novas, oriundas 
26 
da vida moderna e seu progresso. São criações que não penetraram no uso corrente da língua; são expressões 
do artista. Entre elas, encontramos: 
• arreleque, arreglórias, desnacer, deslei, trestite (prefixação); 
• arrozã, sossolã, amarelal, calmança, fazeção, sujoso (sufixação); 
• alquebro, aprovo, fervo, gesticulejo, oscilo (regressiva). 
• delúsio, dênia, quassar (advindos do latim); esmarte (smart), estarvo (starve) (anglicismo) etc. 
Em relação à sintaxe, ela é trabalhada com flexibilidade e é a maior causa de dificuldade para o leitor. Da 
língua popular, o autor toma a parataxe, o anacoluto, o pleonasmo, o abuso de partículas expletivas, 
interrupções e desarticulações de frases, concordância ideológica. Exemplos: 
• “Resguardava meus olhos dessa moça, durante horas me adiei dela, as deusas ferem. 
(parataxe, Noites do sertão) 
• “Tantos e tantos, eu sabia o nome e defeito maior de cada um daqueles homens, e tantos seus braços 
e tantos rifles e coragens.” (elipse, Grande sertão: veredas) 
• “Porque acusação tem de ser em sensatas palavras – não é com afrontas de ofensa de insulto...” 
(pleonasmo, Grande sertão: veredas) 
Ressalta-se que nem tudo é irregularidade e estranheza na linguagem do autor. Apesar da abundância de 
construções incomuns, predomina a sintaxe usual, a concordância e a regência normais. 
Como exemplo, um trecho da obra Grande sertão: veredas: 
“Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se diferenciava dos outros - porque 
jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e 
desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois juntos, ninguém nada não falava. 
Tinham a boa prudência. Dissesse um, caçoasse, digo -podia morrer. Se acostumavam de ver a gente 
parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos conversando, perto do rego -bicame de velha fazenda, 
onde o agrião dá flor. Desse lusfús, ia escurecendo. Diadorim acendeu um foguinho, eu fui buscar 
sabugos. Mariposas passavam muitas, por entre as nossas caras, e besouros graúdos esbarravam. Puxava 
uma bris-brisa. O ianso do vento revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o chiim dos grilos 
ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas minúcias, não era o capaz de me alembrar, não 
sou de à parada pouca coisa; mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro 
dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como os sapos 
sorumbavam. Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria boca; 
mas era um detém que me tirava para ele -o irremediável extenso da vida. Por mim, não sei que tontura 
de vexame, com ele calado eu a ele estava obedecendo quieto. Quase que sem menos era assim: a gente 
chegava num lugar, ele falava para eu sentar; eu sentava. Não gosto de ficar em pé. Então, depois, ele 
vinha sentava, sua vez. Sempre mediante mais longe. Eu não tinha coragem de mudar para mais perto. 
Só de mim era que Diadorim às vezes parecia ter um espevito de desconfiança; de mim, que era o amigo! 
Mas, essa ocasião, ele estava ali, mais vindo, a meia-mão de mim. E eu - mal de não me consentir em 
nenhum afirmar das docemente coisas que são feias - eu me esquecia de tudo, num espairecer de 
contentamento, deixava de pensar.” 
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965. 
A primeira frase do fragmento é sintaticamente incompleta, mas muito expressiva e constitui o tema tanto 
do fragmento quanto de grande parte do romance. 
As frases são breves ou segmentos melódicos, de ritmo bem marcado. Constituem versos de medidas várias. 
Sinta a melodia destes: 
“Puxava uma brisbrisa” 
“Mas a saudade me alembra” 
“Som como os sapos sorumbavam” 
27 
“Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas” 
“o irremediável extenso da vida”. 
Além das combinações fonéticas e vocábulos, há expressões onomatopeicas: lusfus, brisbrisa, ianso, 
quisquilhas, delem, o chiim dos grilos, som como os sapos sorumbavam. Em lusfus, o autor fez a redução dos 
elementos compostos lusco-fusco; em brisbrisa, houve redobro do radical, e assim por diante. 
Quanto à construção sintática, temos, por exemplo: 
• “Com assim, a gente se diferenciava”: há cruzamento sintático de com isso x assim; 
• “não sou de à parada pouca coisa”: substituição do verbo parar pela locução à parada; há elipse da 
preposição por. 
Outros fatos ficam sem comentários, justamente para você, caro aluno, ter o gosto de descobrir fatos 
estilísticos. 
Partamos para o poeta Carlos Drummond de Andrade, com o poema Mão suja: 
Minha mão está suja. 
Preciso cortá-la. 
Não adianta lavar. 
A água está podre. 
Nem ensaboar. 
O sabão é ruim. 
A mão está suja, 
suja há muitos anos. 
A princípio oculta 
no bolso da calça, 
quem o saberia? 
Gente me chamava 
na ponta do gesto. 
Eu seguia, duro. 
A mão escondida 
no corpo espalhava 
seu escuro rastro. 
E vi que era igual 
usá-la ou guardá-la. 
O nojo era um só. 
Ai, quantas noites 
no fundo da casa 
lavei essa mão, 
poli-a, escovei-a. 
Cristal ou diamante, 
por maior contraste, 
quisera torná-la, 
ou mesmo, por fim, 
uma simples mão branca, 
mão limpa de homem, 
que se pode pegar 
e levar à boca 
ou prender à nossa 
num desses momentos 
em que dois se confessam 
sem dizer palavra... 
A mão incurável 
abre dedos sujos. 
E era um sujo vil, 
não sujo de terra, 
sujo de carvão, 
casca de ferida, 
suor na camisa 
de quem trabalhou. 
Era um triste sujo 
feito de doença 
e de mortal desgosto 
na pele enfarada. 
Não era sujo preto 
– o preto tão puro 
numa coisa branca. 
Era sujo pardo, 
pardo, tardo, cardo. 
Inútil, reter 
a ignóbil mão suja 
posta sobre a mesa. 
Depressa, cortá-la, 
fazê-la em pedaços 
e jogá-la ao mar! 
Com o tempo, a esperança 
e seus maquinismos, 
outra mão virá 
pura – transparente – 
colar-se a meu braço. 
ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. 
O léxico no poema é revelador de um “eu” sobre o “mundo”. Esse “eu” aparece torto, gauche, retorcendo-
se calado, com pensamentos curvos, de maneira retorcida. O “eu” reveste-se de manifestação indireta de 
culpa: náusea, sujeira, sepultamento, emparedamento; e de mutilação: cortar, mutilar, fazer em pedaços. 
28 
A projeção de um “eu” torto resulta em medo, que é palavra-chave até a saturação em outro poema, Medo: 
E fomos educados para o medo 
Cheiramos flores de medo 
Vestimos panos de medo 
De medo, vermelhos rios 
Vadeamos 
(idem) 
No mundo conturbado da Segunda Guerra Mundial, o poeta encontra na solidariedade a saída. A projeção 
do “eu” sobre o mundo se apoia sintaticamente na escolha de tempos verbais. O poeta recusa o passado e 
futuro, que marcam distanciamento, e usa presente do indicativo ou imperativo, indicadores de proximidade: 
 Mãos dadas 
Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros. 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, consideroa enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 
 
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, 
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, 
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente. 
(Idem) 
 A pontuação, em outro poema, é empregada como recurso do sentimento niilista. As interrogações 
sugerem a sensação de vazio do mundo: 
Perguntas em forma de cavalo marinho 
Que metro serve 
para medir-nos? 
Que forma é nossa 
e que conteúdo? 
Contemos algo? 
Somos contidos? 
Dão-nos um nome? 
Estamos vivos? 
A que aspiramos? 
Que possuímos? 
Que relembramos? 
Onde jazemos? 
(Nunca se finda 
nem se criara. 
Mistério é o tempo 
inigualável.) 
(Idem) 
Para encerrar nossos exemplos, recorremos a Rubem Fonseca, cuja contemporaneidade não é apenas 
histórica e temática; é também linguística. Considerado o marco da ficção brasileira, expõe a nu o conflito 
social, a violência, a hipocrisia burguesa, a desumanização, o vazio relacionamento homem-mulher. 
De acordo com Hudinilson Urbano (In: PINTO, 1994), a linguagem de Fonseca é objeto de realidade própria. 
É como se a linguagem se transformasse em fim, a tal ponto que, em certos contos, a linguagem parece 
ofuscar as próprias ações. 
O trecho abaixo é do conto “O pedido”: 
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“Durante dois dias Amadeu Santos, português, viúvo, biscateiro, rondou o deposito de garrafas de 
Joaquim Gonçalves, sem coragem de entrar. Mas naquele dia chovia muito e Amadeu estava cansado, 
com a perna doendo do reumatismo. Além disso a bronquite crônica fazia-o tossir sem parar. 
Amadeu caminhou pelo meio das pilhas de garrafas empoeiradas até ao fundo do depósito, onde, 
sentado numa mesa, estava Joaquim. Eles, ainda meninos, haviam emigrado juntos e não se viam há 
cinco anos, desde que brigaram por motivo que Amadeu nem se lembrava mais. Mas de qualquer forma 
estavam brigados, mesmo que Amadeu não soubesse porque. Mas Joaquim devia saber, e isso tornava 
ainda mais constrangedora a visita de Amadeu.” 
FONSECA, Rubem. Feliz Ano Novo. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. 
A linguagem do texto acima é do narrador e é tensa, formal, elaborada, referencial, revelando cuidado na 
estruturação frásica e no uso de construções típicas da linguagem culta: fazia-o tossir, haviam emigrado, não 
se viam, soubesse, constrangedora. 
Na continuidade do conto, a fala dos personagens é constituída em dialeto comum, marcado pelo tratamento 
de segunda pessoa, característico dos imigrantes portugueses, como observamos na sequência: 
• “Como estás, Joaquim?, disse Amadeu, sem coragem de lhe estender a mão.” (Idem) 
Em confronto com a linguagem formal e culta desse conto, um fragmento de “Botando pra quebrar”: 
• “Eu estava meio fudidão sem arranjar emprego e aporrinhado por estar nas costas de Mariazinha, 
que era costureira e defendia uma grana curta que mal dava pra ela e a filha. De noite nem tinha 
mais graça na cama, ela perguntando, arranjou alguma coisa? teve mais sorte hoje? eu me 
lamentando que ninguém queria empregar um sujeito com a minha folha corrida; só malandro como 
o Porquinho que estava a fim de eu ir apanhar pra ele uma muamba na Bolívia, mas nessa transa eu 
podia entrar bem, era só os homens me patolarem de novo que eu pegava uns vinte anos.” (Idem) 
Nesse conto, o narrador personagem é um marginal recém saído da cadeia e sua narrativa adquire um tom 
coloquial vulgar. Na continuidade do conto, o leitor depara-se com palavras obscenas e também com 
transgressões à gramática, como na expressão “dois bunda mole”, “ajudasse ela”, “ver ela” etc. A oralidade 
ressalta nas supressões fonéticas, como “pra, pro, pras, pruma, tava” etc. 
 
30 
MÓDULO 6 - ESTILO 
 
Os estudos sobre Estilística esbarram no problema, que permeia todo percurso histórico, de sua difícil 
conceituação. Para investigar os meandros que envolvem a questão de Estilo, é necessário percorrer a sua 
trajetória de visões conceituais, refazendo o caminho que remonta às suas origens: a história da Retórica. O 
alcance de domínio das técnicas de Retórica é o poder de persuasão do público e encontra seu esplendor em 
Aristóteles, que deu relevo à argumentação ao focalizar a dialética. No período clássico, a ruína atinge a 
Retórica, que se resume a um inventário de figuras. No entanto, tempos depois de sua hibernação, a Retórica 
ressurge, revigorada, no século XX com a revalorização da argumentação – base da persuasão da antiga 
Retórica aristotélica – nos estudos empreendidos principalmente por Perelman e pelo Grupo μ. Assim, as 
pesquisas resultantes das Teorias da Argumentação e da Retórica Geral, bases desse trabalho, representam 
um ressurgimento da antiga Retórica. 
 Ao longo de toda a história da Retórica, as figuras ocuparam um aspecto central, alternando, nesse 
percurso, as funções de adorno da linguagem, responsável pelo embelezamento estético da expressão, e de 
elemento essencial para a construção da persuasão, no apogeu da Retórica. Consideramos que as figuras – 
marcas de estilo – estão no centro do sistema cognitivo de representações do mundo, transferidas para o 
discurso, aspecto fundamental de nossas relações interpessoais. Além das teorias retóricas, a perspectiva 
textual discursiva, em que as figuras desempenham um papel essencial na produção de sentidos, torna-se 
relevante em uma análise. Defendemos, ainda, que o estilo, sedimentado pelas figuras, é constitutivo da 
linguagem e representa a manifestação de interatividade entre autor/leitor. Assim, o estilo participa das 
pistas intencionais, saliências diretivas em que as figuras são caminhos para se apreender os implícitos, 
acessar a argumentação e compartilhar da visão de mundo do autor. 
 Para empreender o estudo ora pretendido, seria pertinente elaborarmos a pergunta: O que é Estilo? 
Entretanto, entrando num terreno um tanto arenoso, responderemos com outra indagação: O que é o 
homem? 
 O homem é um ser capaz de realizar representações de mundo em que está inserido, de recriar a 
realidade, por meio da linguagem. Esse fluxo criativo é inerente ao homem, constitui-se como sua principal 
característica, como o ponto de distinção em relação aos outros animais (ainda que a ciência cada vez mais 
o aproxime deles). Portanto, a essência do homem é a capacidade criativa (que em confronto com os outros 
animais torna-se poder) de imprimir estilo aos seus discursos em sociedade. Dessa maneira, entendemos que 
o estilo, a veia criativa, é próprio ao homem. O estilo é o homem. Não no sentido restrito, individual. Mas no 
sentido universal – é próprio do ser humano. 
 Ora definir estilo é uma tarefa amplamente árida, uma vez que sucessivas discussões foram 
empreendidas séculos a fio. Exatamente por isso, não podemos propor a esgotar o assunto; todavia, são 
necessárias algumas palavras referentes à trajetória do estilo. 
 A Estilística, tal qual é concebida hoje, nasceu da Antiga Retórica, e sua herança genética é, 
notadamente, o efeito provocado na audiência. 
 Para melhor clareza, retrocedamos alguns séculos, em que encontraremos, na Grécia Antiga, o 
surgimento da Retórica. Nascida na Sicília grega cerca de 465, sua origem é judiciária, pois representava um 
meio de defesa de causa. Era geradora da fé inabalável dos redatores no poder da persuasão. Por lá também 
passeia Córax, precursor do argumento, responsável em mergulhar a Retórica em uma de suas primeiras 
discussões enigmáticas: a Retórica entre o verdadeiro e o verossímil (este último de domínio dos filósofos 
sofistas). Ainda nesse cenário, figura Górgias, que vincula a Retórica à literatura, demonstrando acuidade 
estética e o culto do belo. O elocutio já não deveria simplesmente ser persuasivo, mas, para atingir sua 
função, era

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