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TREINAMENTO RESISTIDO E PERSONALIZADO Salma Hernandez Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar as alterações fisiológicas do músculo ocasionadas pelos programas de treinamento para aumento da capacidade física. � Listar as características fisiológicas responsáveis pela hipertrofia muscular. � Reconhecer as modificações bioquímicas ocorridas durante diferentes etapas de um programa periodizado de treinamento resistido. Introdução Nosso organismo é um sistema complexo de órgãos e tecidos que traba- lham juntos em busca da homeostase. Para que isso ocorra, há uma série de ações, por vezes em cadeia, por vezes antagônicas, e até inibitórias que atuam em nosso organismo. Porém, no momento do exercício e, especificamente, durante o treinamento, todas essas ações são tempora- riamente desestabilizadas e buscam um novo equilíbrio por intermédio de respostas fisiológicas e bioquímicas. Neste capítulo, você vai estudar o exercício físico a partir do lado de dentro do organismo. Uma viagem microscópica pelo funcionamento do movimento, relacionando as alterações fisiológicas e bioquímicas decorrentes de um sistema de treinamento físico. Ainda nesse contexto, vamos analisar, de modo simplificado, como ocorre a hipertrofia muscular e entender como podemos atingi-la em nossos treinamentos. Além disso, analisaremos as modificações peculiares em diferentes etapas do programa de treinamento resistido. Alterações fisiológicas do músculo pelo intermédio de exercícios físicos Quando pensamos no exercício físico, ligamos sua prática à saúde, a resultados estéticos ou até mesmo ao rendimento e à aptidão. Dessa maneira, a relação da prática do exercício físico com nosso organismo parece bastante positiva. No entanto, ao refletirmos sobre como essas melhoras e benefícios ocorrem de fato, percebemos que o exercício na verdade representa uma agressão, uma forma de estresse para o organismo. A resposta a essa lesão é benéfica, pois proporciona a recuperação e a adaptação do organismo para outros estímulos. Vamos relembrar rapidamente como o tecido muscular é constituído e como se comporta durante o exercício físico. O tecido muscular tem relação com a locomoção e com outros movimentos do corpo, como a estabilização, a postura, a regulação do volume dos órgãos e a produção de calor. Suas prin- cipais características são a contratilidade, a excitabilidade, a extensibilidade e a elasticidade (FLECK; KRAEMER, 2017; MONTANARI, 2016). As células do tecido muscular formam as fibras musculares são alon- gadas, ricas em filamentos de actina e de miosina, responsáveis pela sua contração. Além disso, possuem filamentos intermediários de desmina e matriz extracelular, feita de lâmina basal e fibras reticulares. Algumas delas secretam colágeno, elastina, proteoglicanos e fatores de crescimento. Na fibra muscular, a membrana plasmática é denominada sarcolema, o citoplasma é denominado sarcoplasma e o retículo endoplasmático é denominado retículo sarcoplasmático. Quando se inicia um exercício físico, há um aumento da temperatura corporal, da frequência cardíaca e do aporte sanguíneo, principalmente nos tecidos requeridos pelo gesto motor. O aumento na produção de suor desperta o tecido epitelial para a perda excessiva de água e a termorregulação (controle da temperatura) ocorre pela evaporação do suor, que resfria a pele. Há um aumento no suprimento energético pelo aporte sanguíneo e pela produção de substâncias que o promovam nesse aporte. Como exemplo, a produção de óxido nítrico se relaciona à vasodilatação e ao favorecimento do aporte nos tecidos usados na ação motora (FLECK; KRAEMER, 2017; MONTANARI, 2016). O tecido muscular é altamente exigido durante o exercício físico por ser responsável pela realização dos movimentos, pela sustentação e pela produção de calor. As adaptações que ocorrem no tecido, decorrentes do exercício, promovem boas condições de saúde, com o aumento do número e da qualidade das fibras musculares. Além disso, melhoram a performance Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força2 da ação motora requisitada e a sinalização e o recrutamento dessas fibras. Também metabolizam substratos. Um exemplo é a gordura que, para a pro- dução de energia, estimula a liberação de substâncias, como os hormônios e os neurotransmissores(adrenalina, dopamina, acetilcolina, entre outros) (MAUGHAN, 2000; MONTANARI, 2016). Ao iniciar um programa sistematizado, os ganhos de força podem chegar a 50% e são decorrentes da melhora das coordenações inter e intramusculares. As coordenações inter e intramusculares aumentam a ativação do músculo durante uma tensão, permitindo que mais fibras do músculo sejam recrutadas. Em outras palavras, a adaptação neural melhora a eficiência de recrutamento das fibras musculares, promovendo a ativação dos neurônios motores até o sistema nervoso central, melhorando o sincronismo do movimento. Alguns autores relacionam esse sincronismo com a aprendizagem do gesto motor em si. Ocorre, também, uma menor ativação dos proprioceptores, em especial dos órgãos tendinosos de Golgi, favorecendo a inibição de antagonistas, con- comitantemente à ação dos músculos agonistas (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000; SILVERTHORN, 2017). Dessa forma, a adaptação neural ocorre pela forma como as fibras mus- culares são ativadas e como podem ser mensuradas pela eletromiografia (que mede a atividade elétrica do músculo). É possível mensurar a magnitude da atividade elétrica do músculo, podendo inferir seu aumento após o início do treinamento. Assim, quanto maior a atividade elétrica, maior é o recrutamento de fibras musculares e maior é a produção de força. Isso implica em uma melhor ativação e em um melhor aproveitamento do Ca2+, a liberação da acetilcolina (ACh) e dos canais de Na+ e K+ (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000; SILVERTHORN, 2017). Após cessar o exercício, as respostas em decorrência desse estímulo con- tinuam e é justamente esse ao benefício dessa prática. Nesse momento ocorre a produção de hormônios como a acetilcolina, a serotonina e a dopamina e outros, que podem acontecer de maneira mais eficiente (rápida ou em maior quantidade) (FLECK; KRAEMER, 2017; MONTANARI, 2016). De modo geral, podemos dizer que o exercício físico depende de um sistema eficiente de controle da atividade muscular, mediante contração e relaxamento, movimentos altamente dependentes do trifosfato de adenosina (ATP, o combustível muscular), da bomba de sódio e de potássio, do cálcio e das adenosinatrifosfatases (ATPases). Essas reações são primordiais para a geração do movimento e, consequentemente, para as adaptações ocorridas em nosso organismo (FLECK; KRAEMER, 1017; MAUGHAN, 2000). 3Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força Portanto, mediante um treinamento que vise o aumento da capacidade física, a resposta muscular está diretamente ligada à especificidade do treinamento, sobretudo se este é aeróbio ou anaeróbio e quais são as vias metabólicas para a produção de energia. Ou seja, o apoio fisiológico das unidades motoras requeridas define as respostas fisiológicas ao exercício. Além disso, é pre- ciso atender aos objetivos do treinamento proposto, que podem variar desde questões estéticas (mais relacionadas à forma física), questões profiláticas (medidas preventivas), questões terapêuticas (tratamento), questões recreati- vas (ligadas à satisfação pessoal) a questões de treinamento ou rendimento (ligadas à performance). No treinamento de força (via anaeróbia de obtenção de energia), podemos observar a melhora no recrutamento e na ativação muscular, o que traz mais eficiência ao movimento e promove melhora nos níveis de força em si. Enquanto para pessoas não treinadas os ganhos de força podem representar um aumento de até 50% de uma repetição máxima (1RM) após seismeses de treinamento, para indivíduos treinados, esses ganhos giram em torno de um terço. Nesse treinamento também haverá aumento da capacidade de resistência lática, mediante a requisição frequente e esgotante dessa via de obtenção energética. Nesse sentido, é pertinente refletir que aumentos na atividade enzimática de um sistema de energia podem levar a uma maior produção de ATP. Além disso, nesse tipo de treinamento (de força) haverá uma predominância da expressão do número de fibras do tipo II (fibras de contração rápida), em decorrência do reparo e da modelagem tecidual ocasionados pelo treinamento. Por fim, um treinamento intenso de força poderá acarretar, ainda, no aumento das fibras musculares ou na hipertrofia das mesmas, tópico a ser discutido a seguir. Já um treinamento de endurance pode propiciar uma diminuição importante no acúmulo dos ácidos graxos pela utilização da via oxidativa para obtenção de energia, além de um aumento no número de mitocôndrias musculares resultando em maior capacidade oxidativa e, portanto, potencializando essa via de obtenção energética. Também pode haver um aumento no débito car- díaco, que corresponde à quantidade de sangue bombeado por minuto. Essa medida pode ser obtida pelo produto da frequência cardíaca somado ao volume sistólico, tendo relação com a resistência vascular e suas implicações. Além disso, o treinamento de endurance pode propiciar aumento na contagem de mioglobinas que, por sua vez, relacionam-se ao aumento do aporte de oxigênio, já que é responsável por transportar oxigênio para os músculos. Da mesma maneira, esse treinamento propiciará o aumento da expressão das fibras do tipo I (fibras de contração lenta), em decorrência da especificidade de seu uso (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força4 Ademais, esse tipo de treinamento promove adaptações, como: melhora do aporte e da vascularização sanguínea, mediante dilatação das veias; melhora na oferta de neurotransmissores, não somente relacionados com a contração muscular, mas também com outros que mediam, principalmente em vias cen- trais; sentimentos de bem-estar; equilíbrio, satisfação e autoestima. Ocorre, de maneira geral, uma melhora de todos os sistemas de nosso organismo, fazendo com que os mesmos interajam entre si em busca de uma nova homeostase, promovendo saúde geral. No link a seguir, o professor Rodrigo Eberhart utiliza o livro Fisiologia humana: uma abordagem integrada, de Silverthorn (2017), para evidenciar as principais alterações fisiológicas musculares durante o exercício físico. https://goo.gl/fK3T4L Assim, concluímos que as respostas fisiológicas frente ao exercício físico que promovem nossa capacidade física têm como base as alterações agudas: aumento da frequência cardíaca, aumento da temperatura corporal, débito cardíaco e ventilação pulmonar. Porém, dependentes da especificidade do treinamento para outras alterações (subagudas e crônicas) e diretamente ligadas à dose-resposta do treinamento (o que inclui o planejamento e o manejo das variáveis de treinamento e seus princípios básicos). Agora que entendemos o que ocorre durante e após a realização do exer- cício físico, em relação a nossa capacidade física em geral, vamos analisar de maneira detalhada o que ocorre com o sistema muscular durante o treinamento de hipertrofia. Os princípios fisiológicos da hipertrofia muscular Refletindo sobre os aspectos básicos relacionados à prática do exercício físico sistematizado, podemos olhar de maneira mais profunda para o modo como nosso organismo se adapta ao treinamento resistido de alta intensidade 5Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força para promover a hipertrofia muscular, isto é, aumentar o tamanho do tecido muscular. Devemos lembrar que o tecido muscular esquelético é indivisível. Então, questionamos: “se praticamente todas as células de nosso organismo se divi- dem para formar novas células, como o tecido muscular gera novas células musculares na hipertrofia se este não se divide?” Coisas incríveis podem acontecer quando nos exercitamos, e a hipertrofia é mais uma demonstração do modo como a engenharia biológica humana funciona. Todos os processos fisiológicos no tecido muscular descritos adiante são mediados por um intenso estresse nesse organismo, por se tratarem de uma lesão em si. Portanto, o conceito de hipertrofia pode ser inicialmente descrito como uma modalidade de treinamento resistido cujo manejo das variáveis do treinamento (não só a quilagem) visa um dano no tecido muscular suficiente para que uma resposta crônica equivalente ao aumento desse tecido seja ge- rada. Esse processo nada mais é do que o aumento no volume dos músculos como consequência do aumento de suas funções celulares (BOMPA, 2012; FLECK; KRAEMER, 2017). O dano muscular, por sua vez, é caracterizado pela desestruturação das fibras musculares, isto é, uma ruptura, alargamento ou prolongamento da linha Z. Na Figura 1 observamos a constituição da fibra muscular e a delimitação da linha Z. Como saber se o dano muscular ocorreu após o exercício? Uma forma de garantir a ocorrência do dano muscular seria pela mensuração do lactato ou da creatina quinase, apesar de representarem métodos indiretos dessa averiguação. De fato, essas enzimas são citoplasmáticas e não possuem ca- pacidade de atravessar a barreira da membrana sarcoplasmática, portanto, se a concentração sérica dessas enzimas estiver maior, este é o indicativo de que houve dano na membrana muscular. Na prática, as fibras musculares sofrem micro lesões e, por isso, é comum o praticante sentir dores musculares, em decorrência dessas lesões nas fibras musculares (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Somente a partir dessas ocorrências é que podemos pensar na hipertrofia em si, pois esta é, na verdade, uma resposta fisiológica a essa lesão muscular. Toda essa desestabilização na unidade contrátil exige uma resposta em busca da homeostase e, sendo assim, logo após o dano se inicia uma sinalização inflamatória no tecido, em que citocinas são liberadas para o reparo do tecido danificado, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina-6 (IL-6). Ocorre, também, uma resposta endócrina e a liberação de hormônios de crescimento que incitam a síntese proteica (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força6 Figura 1. As linhas Z constituem o ponto de origem dos filamentos de actina. Os filamentos de miosina são intercalados com os de actina. Note que há um espaço de ambos os lados dos filamentos de miosina. Esse é o padrão quando a célula muscular está relaxada. Na contração, o sarcômero encurta e as moléculas de miosina tocam nas linhas Z. Fonte: Adaptada de Blamb/Shutterstock.com. Sarcômero (músculo contraído)Sarcômero (músculo relaxado) Mio�brila (organela complexa composta por mio�lamentos) Sarcômero Sarcômero (unidade contrátil da mio�brila) Filamento �no de actina Filamento grosso de miosina Respiração normal aeróbia 3. ATP agarra a cabeça da miosina fazendo com que ela se solte do �lamento de actina. Ciclo que se repete. 1. Cabeça da miosina (�lamento grosso) agarra na actina (�lamento �no). 2. Como ocorre: a cabeça da miosina gira e se dobra puxando o �lamento �no em direção à linha média do sarcômero. Linha Z A partir disso, ocorre a divisão e a fusão de mioblastos quiescentes, as células satélites, que são fusiformes, mononucleadas e estão posicionadas entre a lâmina basal e a membrana plasmática de cada uma dessas células. Ocorre também a incorporação dos núcleos das células satélites nas fibras 7Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força musculares, o que promove o crescimento celular regenerativo (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Dessa forma, ocorre um aumento na área da secção transversa muscular em comparação ao momento anterior ao período do treinamento:há hipertrofia muscular. É importante ressaltar que a descrição fisiológica apresentada anterior- mente se refere a um aumento miofibrilar, mediado pela incorporação dos núcleos das células satélites nas fibras musculares e, portanto, relacionado ao aumento no volume e na densidade das fibrilas musculares. Classificamos esse evento como hipertrofia miofibrilar. Há, ainda, outra possibilidade para as ocorrências fisiológicas que acarretam no aumento muscular: a hipertrofia sarcoplasmática. Nessa ocorrência, destaca-se o sarcoplasma (o citoplasma das fibras musculares), retículo em que ocorrem as alterações para a hipertrofia sarcoplasmática. Nesse tipo de evento, ao invés das ocorrências estruturais da miofibrila, são observadas ocorrências metabólicas e funcionais da estrutura muscular, ocasionadas por um acúmulo de metabólitos resultantes da ace- leração no metabolismo de algumas substâncias presentes no sarcoplasma. Algumas dessas substâncias são: as mitocôndrias, a creatina, a mioglobina, o glicogênio, a água, os minerais e os capilares sanguíneos. Esse inchaço celular de metabólitos incita a síntese proteica, ocorrendo em maior volume muscular. É importante destacar que, se por um lado, a hipertrofia miofibriliar pode ser mais difícil de se obter, exigindo um processo longo de estímulos e respostas, por outro, esta dura por um tempo maior. Em decorrência das alterações estruturais, a hipertrofia sarcoplasmática ocorre de maneira menos intensa (em termos de carga) e com características mais passageiras, uma vez que se relaciona ao acúmulo de metabólitos (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Do ponto de vista prático, enquanto se visa o uso de cargas altas com descansos entre séries relativamente longos (entre dois e três minutos) para alcançar a hipertrofia miofibrilar, para a hipertrofia sarcoplasmática, deve se dar prioridade a cargas mais brandas e períodos de descansos mais curtos. Alguns exemplos das diferentes hipertrofias aqui estudadas são o levanta- mento de peso (que ocasiona a hipertrofia miofibrilar) e o fisiculturismo (que ocasiona a hipertrofia sarcoplasmática) (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000). Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força8 No link a seguir, você pode acessar um resumo que apresenta as diferenças entre a hipertrofia miofibrilar e a hipertrofia sarcoplasmática. https://goo.gl/7P8czJ Ao refletirmos sobre as formas teóricas de se promover a hipertrofia, é comum pensar- mos apenas em treinos bastante intensos, com cargas muito pesadas e, consequente- mente, com poucas repetições. De fato, uma carga alta de treinamento pode gerar o dano muscular almejado, se pensarmos no esforço para gerar a força e o movimento esperado. No entanto, é plausível se ater aos outros parâmetros do treinamento para se alcançar a hipertrofia, como a velocidade de execução, o descanso, o número de repetições e de séries, o treinamento concorrente, a amplitude do movimento, a ordem e a seleção dos grupos musculares e até a alimentação. Vejamos o que são os músculos agonistas, antagonistas e sinergistas. Músculos agonistas são músculos de ação primária, ou seja, um músculo ou grupo muscular que exerce a principal força ou tração de um movimento, como o bíceps no movimento de rosca direta. Músculos antagonistas são músculos que se opõem aos músculos agonistas, ou seja, têm ação anatômica e mecânica oposta ao movimento do agonista. No exemplo da execução de rosca direta, enquanto o bíceps é o agonista, o tríceps é o músculo antagonista. Já os músculos sinergistas agem em conjunto com os agonistas, porém com menor força ou menor participação de tensão no movimento. São coadjuvantes em um movimento em que os agonistas são protagonistas. Por exemplo, na execução de um pulley no sentido frente para as costas, os bíceps agem, concomitantemente, durante o movimento concêntrico. Portanto, esse método também pode ser manejado para o treinamento que visa a hipertrofia, seja separando os exercícios para os músculos agonistas dos antagonistas, em sessões separadas, ou utilizando o conceito de músculo sinergista para um uso mais frequente e intenso do grupo muscular em questão. A partir desses conhecimentos, cabe ao profissional manejar as variáveis do treina- mento, visando o dano muscular da forma mais coerente possível, sem que o praticante se machuque e fique impedido de seguir com o treinamento. 9Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força Métodos e sistemas de treinamento para hipertrofia Ao observarmos os sistemas de treinamento para hipertrofia, é comum en- contrarmos uma prescrição que recomenda poucas séries (exceto o método superbomba e a isometria), com intensidade e intervalos de recuperação mo- derados a altos. Assim, pode concluir que a intensidade do treinamento é um fator determinante para os ganhos hipertróficos, sendo estes os componentes que serão abordados de forma mais detalhada no tópico a seguir. O Quadro 1 resume os principais métodos de treinamento para a hipertrofia muscular encontrados na literatura especializada. Método Nível de experiência Protocolo De Lorme (DL) Iniciante Três séries de oito a 12 repetições. A primeira série é realizada com 60% da carga, a segunda com 80% da carga e a terceira com 100% da carga. Progressão dupla Intermediário Oito séries de 4-6-8-10-12-10-8-6-4 repetições máximas. A carga varia de acordo com as repetições. Oxford (OX) Intermediário Três séries de oito a 12 repetições. A primeira série é realizada com 100% da carga, a segunda com 80% da carga e a terceira com 60% da carga. Auxotônico (AXT) Intermediário Três séries de 10 segundos de contração estática combinadas com oito a 12 repetições máximas. Pirâmide decrescente (PD) Intermediário e avançado Quatro séries de 4-6-8-10- 12 repetições máximas. Supersérie agonista (SS) Intermediário e avançado Três séries de oito a 15 repetições máximas. São realizados dois exercícios para o mesmo grupo muscular, sem intervalo entre eles. O primeiro exercício deve ser monoarticular, como o crucifixo. O segundo exercício deve ser multiarticular, como o supino. Quadro 1. Principais métodos de treinamento para hipertrofia (Continua) Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força10 Quadro 1. Principais métodos de treinamento para hipertrofia Método Nível de experiência Protocolo Supersérie antagonista (SSAT) Intermediário e avançado Três séries de oito a 15 repetições. São realizados dois exercícios para grupos musculares antagonistas, como supino e remada, sem intervalo entre os exercícios. Depois de realizar a primeira série dos dois exercícios, o aluno deve descansar por 60 segundos. Série gigante (SG) Intermediário e avançado Quatro exercícios sucessivos para o mesmo grupo muscular, sem repouso, três a oito repetições máximas. O intervalo de repouso depois dos exercícios deve ser de 120 segundos, de forma passiva. Drop-set (DROP) Intermediário e avançado Três séries de 10+10+10. A cada 10 repetições, o aluno deve reduzir a carga em 10%. O intervalo de repouso deve ser de 120 segundos. 20/6 Intermediário e avançado Quatro séries de 20-6-20-6 repetições máximas. Excêntrico (ME) Intermediário e avançado Três séries de seis a 10 repetições, com 110% da carga máxima. O aluno realiza a descida sozinho e a subida com o auxílio do professor. Repetição roubada Intermediário e avançado Três séries de seis a 12 repetições máximas, com a técnica correta, mais duas a quatro repetições com o auxílio de outros grupos musculares. Repetição forçada (MRF) Intermediário e avançado Três séries de oito a 12 repetições máximas, com a técnica correta, mais duas a quatro repetições com o auxílio do professor. Repeti- ção par- cial (MRP) Intermediário e avançado Três séries de oito a 12 repetições máximas, com a técnica correta, mais duas a quatro repetições com 50% do arco de movimento. Breakdown (MB) Intermediárioe avançado Quatro séries de oito a 12 repetições máximas. Após a falha concêntrica, o atleta reduz a carga e realiza mais quatro repetições. (Continuação) (Continua) 11Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força Quadro 1. Principais métodos de treinamento para hipertrofia Método Nível de experiência Protocolo Superbomba (MSB) Intermediário e avançado 15 séries de seis repetições máximas, com 15 segundos de repouso entre as séries. As 15 séries são divididas em quatro exercícios diferentes para cada grupo muscular. Flushing (MF) Intermediário e avançado Quatro exercícios sucessivos para o mesmo grupo muscular, sem repouso, de três a 12 repetições com 80% da carga máxima. O intervalo de repouso após os exercícios deve ser de 120 segundos, de forma ativa, pedalando ou caminhando. Prioridade (MP) Intermediário e avançado Esse método preconiza o treinamento dos pontos fracos, iniciando com carga máxima. Os outros grupos musculares a serem treinados no dia serão realizados com 80% da carga máxima. Super- lento (MSL) Intermediário e avançado Três séries de seis repetições. Os exercícios são feitos com no máximo 60% das repetições máximas. Cada repetição deve ser feita de forma lenta, com 10 segundos na fase concêntrica e 20 segundos na fase excêntrica. Isomé- trico (MI) Intermediário e avançado Seis séries de uma repetição isométrica. Cada repetição deve durar de 10 a 30 segundos e se deve treinar em três ângulos diferentes. (Continuação) Fatores relevantes para a hipertrofia muscular Agora que entendemos melhor como ocorre a hipertrofia, podemos analisar o modo de se estruturar sistemas de treinamento que propiciem a hipertrofia na prática. Inicialmente é importante ressaltar que os princípios do treinamento devem ser respeitados em todos os tipos de periodização na prática profissional. Ao seguirmos estes princípios, garantimos um atendimento individualizado e sistematizado. Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força12 Posteriormente, as variáveis agudas de um treinamento ou os componentes de um sistema de treinamento devem ser manejados, de forma que favoreçam as adaptações fisiológicas e bioquímicas esperadas, tendo em mente os objetivos que se pretendem alcançar. A intensidade do treinamento tem sido amplamente relacionada à hiper- trofia muscular e é uma das variáveis mais importantes para o crescimento muscular. A intensidade é frequentemente expressa pela porcentagem de 1RM e equivale a um número de repetições que podem ser realizadas com um determinado peso. As repetições podem ser classificadas em três níveis: baixo (uma cinco), moderado (seis a 12) e alto (15 ou mais). Cada uma desses níveis envolve o uso de diferentes sistemas metabólicos de obtenção de energia e de taxa neuromuscular, impactando a extensão da resposta hipertrófica. O treinamento com níveis mais altos de repetições tem menor relação com a resposta hipertrófica em si. Considera-se que um treinamento com menos de 65% de 1RM seja insuficiente para promover a hipertrofia, mas pode gerar altos níveis de estresse devido a sua alta demanda energética. Atualmente, o nível moderado de repetições tem sido recomendado para se obter ganhos hipertróficos. O volume pode ser obtido pelo número de repetições executadas conse- cutivamente, sem descanso; ou ainda, pelo produto do número de repetições pela quantidade de séries realizadas em uma sessão. Volumes maiores e séries múltiplas têm sido evidenciados como promotores de hipertrofia muscular em comparação a outros tipos de protocolos que visam menores volumes e séries. A explicação para tal relação se baseia no ponto de vista hormonal em resposta adaptativa ao grande volume de estresse causado. A seleção do exercício também é um importante fator a ser considerado para a hipertrofia. Essa seleção inclui parâmetros como o ângulo e a ação da musculatura e a posição das extremidades, entre outros. Essas variações propiciam diferentes padrões de ativação dos compartimentos musculares e podem tornar os músculos sinergistas mais ou menos ativos. A seleção de um exercício multiarticular, por exemplo, pode ser mais vantajosa em comparação ao exercício monoarticular, pois tende a exigir estabilidade do corpo inteiro, envolvendo, assim, inúmeros músculos que de outra forma não poderiam ser estimulados em movimentos monoarticulares. O intervalo de recuperação também pode ser classificado em três catego- rias: curto (30 segundos ou menos), moderado (de 60 a 90 segundos) e longo (três minutos ou mais). O uso de cada uma dessas categorias gera efeitos distintos na capacidade de força e no acúmulo de metabólitos, impactando, assim, a resposta hipertrófica. Os intervalos curtos de descanso aumentam 13Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força os processos anabólicos associados ao acúmulo de metabólitos. No entanto, limitar o descanso a 30 segundos ou menos não proporciona tempo suficiente para um atleta recuperar sua força muscular, prejudicando significativamente o desempenho muscular em séries subsequentes. Dessa forma, a hipertrofia é decorrente do balanço entre os benefícios associados a um maior estresse metabólico e à diminuição da capacidade de força, impactando diretamente na performance das séries subsequentes. Os intervalos moderados de descanso parecem fornecer uma relação adequada entre o estresse e a recuperação, maximizando a hipertrofia muscular. A falha muscular ainda é bastante debatida entre teóricos e estudiosos do assunto. No entanto, a falha na execução concêntrica do movimento promove bons resultados para o processo de hipertrofia, indicando não somente a ação muscular (concêntrica, excêntrica, etc), mas também um método de treina- mento: treinar até atingir a falha concêntrica muscular. O treinamento até a falha supõe que, quando um levantador fica fatigado, um número progressi- vamente maior de unidades contráteis é necessário para continuar a atividade, fornecendo um estímulo adicional para a hipertrofia. A velocidade de execução pode impactar a resposta hipertrófica, embora não haja estudos que comprovem qual a melhor velocidade para tal. Algumas evidências propõem que as repetições concêntricas realizadas de maneira mais rápidas podem ser benéficas para a hipertrofia. No entanto, outros autores defendem que uma realização em velocidade moderada pode levar o músculo a passar mais tempo sobtensão, o que consequentemente exige maior demanda metabólica. A velocidade excessivamente lenta não se mostrou efetiva para os ganhos hipertróficos em estudos que buscaram averiguar essa relação. Com relação à frequência semanal, não há consenso estabelecido para se prescrever uma recomendação, geralmente os sistemas de treinamento que visam à hipertrofia variam de três a seis sessões semanais, levando em conta a duração da sessão, a idade e o nível do praticante, assim como a sistematização do treinamento em si. Alterações bioquímicas durante a prescrição do treinamento resistido Ao se pensar na prescrição do treinamento resistido, é preciso ter em mente o objetivo final de cada treinamento e qual o tempo previsto para o mesmo. Isso porque também é necessário planejar o tempo que cada indivíduo levará Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força14 para passar pelas diferentes etapas do treinamento, levando em consideração as alterações bioquímicas decorrentes de cada etapa. O treinamento pode ser estruturado de diferentes maneiras. Geralmente os treinadores utilizam os sistemas de macro, meso e microciclos para determinar o prazo de objetivos e, também, para acompanhar de forma sistematizada e gradual as proposições do treinamento. A utilização clássica desse modelo de periodização é aplicada a atletas que se encontram em períodos competitivos ou de descanso, períodos estes mais definidos. No entanto, esses parâmetros podem ser utilizados em diferentes abordagens, inclusive no acompanha- mentoindividual de um aluno não atleta. Nesse sentido, o macrociclo pode ser entendido como o período de tempo que determina o ciclo como um todo, podendo ser um planejamento anual, semestral ou mesmo trimestral. O mesociclo compreende uma etapa intermediária entre o macro e microciclo, isto é, pode ocorrer propositalmente em momentos de avaliação, para seguir o treinamento ou para propor alterações nas valências e competências pre- viamente destinadas ao treinamento. No quesito tempo, pode se considerar um macrociclo o período de um ano e um mesociclo pode durar meses. Já o microciclo compreende praticamente o que será desenvolvido em uma sessão desse treinamento. Em termos práticos, se o macrociclo for de um ano e o mesociclo for determinado pelos meses, os microciclos podem ser definidos pelos dias ou pelas sessões de treinamento dentro do mesociclo (BOMPA, 2012; FLECK; KRAEMER, 2017). Tendo isso em mente, vamos analisar as principais ocorrências bioquími- cas dentro de uma periodização dividida em um macrocliclo de um ano, um mesociclo de meses e microciclos de dias. Alterações bioquímicas relacionadas à contração muscular A contração muscular é, sem dúvida, o evento mais importante durante a prática do exercício resistido. É através dela que ocorrerão todas as alterações provenientes dos sistemas de geração de energia muscular. A contração muscular tem início com um impulso nervoso que trafega ao longo de um nervo motor até suas terminações, localizadas nas fibras muscu- lares. Nas sinapses (terminações nervosas), uma substância neurotransmissora que atua nas fibras musculares é secretada (acetilcolina), abrindo canais acetilcolina-dependentes nos filamentos proteicos. A abertura desses canais permite o fluxo de íons de sódio para dentro das fibras musculares, desen- cadeando um potencial de ação que faz com que o retículo sarcoplasmático 15Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força libere uma grande quantidade de íons de cálcio. Os íons de cálcio provocam forte interação entre os filamentos de actina e miosina, fazendo com que des- lizem entre si, o que constitui a própria contração muscular. Os íons de cálcio retornam para o retículo sarcoplasmático e encerram a contração muscular. Alterações bioquímicas relacionadas aos microciclos: catabolismo As alterações decorrentes dessa fase do treinamento geralmente se relacionam de forma direta com a fonte metabólica energética e, portanto, dependem da especificidade do treinamento. Um aporte sanguíneo e a produção de substân- cias que o promovam ocorrem quando o exercício é iniciado. Como exemplo, a produção de óxido nítrico promove a vasodilatação e o favorecimento do aporte nos tecidos usados na ação motora. Os três sistemas metabólicos utilizados durante as sessões de treinamento compreendem: as vias dos fosfagênios ou ATP-CP, o sistema anaeróbio lático e o sistema aeróbio, que são dependentes da contração muscular e de sua ocor- rência, isto é, da forma como ela irá ocorrer, o tipo de exercício, de duração e de intensidade que terá. Essa é uma fase de catabolismo, pois ocorre a degradação de moléculas complexas para a obtenção de energia (ATP, o combustível muscular) que se inicia com a hidrólise e quebra as moléculas complexas em suas unidades monoméricas. Como exemplo, as proteínas são degradadas em aminoácidos, os polissacarídeos em monossacarídeos e os triglicerídeos em ácidos graxos livres. Posteriormente, as unidades monoméricas são degradadas em acetilco- enzima A (acetil-CoA) e, por fim, ocorre a oxidação da acetil-CoA, gerando grandes quantidades de ATP. No sistema dos fosfagênios ou ATP-CP, o ATP é formado por três fosfatos com duas ligações finais de alta energia. Quando ocorre a quebra do ATP pela enzima ATPase, ocorre também a liberação de energia e a formação de adenosina difosfato (ADP) com o fosfato inorgânico (Pi). Essa fonte de energia é liberada imediatamente, pois está localizada nas células musculares, mesmo possuindo um tempo muito limitado para o fornecimento de energia (aproximadamente três segundos). Já o sistema anaeróbio decorre da degradação incompleta do carboidrato (glicogênio e glicose) obtido dos alimentos, formando o ácido lático, poste- riormente transformado em lactato. Ocorre a degradação do glicogênio para a união de duas moléculas de ácido fosfórico e duas moléculas de ADP em um Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força16 processo de fosforilação que origina moléculas de ATP. A produção de ATP ocorre a partir da glicose (ou glicogênio muscular), sendo que um mol de glicose produz quatro mols de ATP. A duração dessa fonte varia entre aproximada- mente 15 e 120 segundos (com o ápice entre 40 e 90 segundos). Essas reações ocorrem no sarcoplasma e são requeridas especialmente em cargas intensas, quando o fornecimento ou a utilização de oxigênio é insuficiente resultando em EPOC (consumo excessivo de oxigênio após o exercício). A sequência glicolítica é formada por um conjunto de 12 reações químicas chamado de glicólise anaeróbia, que tem como produto final a produção de lactato. O metabolismo aeróbio utiliza tanto o carboidrato quanto a gordura para a obtenção de ATP e ocorre predominantemente com o consumo de O2. As reações desse metabolismo ocorrem nas células musculares, mas no inte- rior das mitocôndrias, especificamente nas cristas mitocondriais, devido às características enzimáticas dessas organelas. A reação desse metabolismo inicia com a quebra do glicogênio, resultando em CO2, H2O e piruvato, o que posteriormente será convertido em acetil com a liberação do CO2 e a inibição da enzima lactato desidrogenase (LDH), diminuindo a produção do lactato. Na formação do acetil ocorre a conversão para o acetil-CoA, que finalmente entra na crista mitocondrial para sofrer uma série de reações — o ciclo de Krebs. Nesse ciclo são formados ATP, CO2, elétrons e H +. Certa parte do ATP é utilizada como fonte de energia para dar continuidade a esse ciclo. O CO2 é liberado na expiração e os elétrons e o H+ são transportados pelos NAD+ e FAD+, para que o sistema de transporte de elétrons (cadeia respiratória) possa produzir energia (ATP). Esse sistema é extremamente efetivo, sendo que um mol de glicose pode formar 38 mols de ATP. Sendo assim, essas vias metabólicas que são dependentes da especificidade do treinamento serão predominantemente requeridas em todas as sessões de treinamento. Alterações bioquímicas relacionadas aos mesociclos: biossíntese Bioquimicamente, os mesociclos devem funcionar de forma que propiciem tempo suficiente para que ocorra o restabelecimento energético e as adapta- ções fisiológicas em resposta ao estresse e ao dano muscular proveniente do exercício resistido. Dessa forma, denominamos essa etapa como biossíntese ou anabólica, pois restaura os substratos utilizados na construção de outras biomoléculas. 17Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força No sistema dos fosfagênios, a ressíntese de ATP ocorre pelo composto chamado creatina (C), que captura o Pi e forma a creatina fosfato (PCr). Esta, por sua vez, reage ao ADP, doando um composto de fosfato e formando ATP novamente, catalisado pela enzima creatina quinase (CK). Em um aumento demasiado das concentrações do lactato e do H+ (pro- veniente do sistema anaeróbio lático), poderá ocorrer a inibição das pontes cruzadas entre actina e miosina, dificultando e até impedindo o músculo de produzir a contração. Além disso, o aumento da concentração de H+ provoca acidose metabólica, o que diminui a reação do metabolismo anaeróbio lático. No sistema aeróbio, a gordura que faz parte do catabolismo também pode ser metabolizada e utilizada para a ressíntese de ATP. A gordura pode ser desintegrada em CO2 e H2O quando transformada em triglicerídeos e desse composto para os grupos acila, onde esse conjunto de reações é chamado de beta-oxidação, podendo entra no ciclo de Krebs. Alterações bioquímicas relacionadasaos macrociclos: crescimento e integração As alterações que ocorrem de forma crônica e por isso relacionadas ao ma- crociclo de uma periodização, são dependentes das reações que ocorrem nas etapas do micro e do mesociclo. Também considerada uma etapa anabólica, o macrociclo se caracteriza pelo crescimento e o desenvolvimento, construindo células e tecidos utilizando, para isso, energia e unidades básicas de construção de estruturas mais complexas que as etapas anteriores. Nessa etapa é possível observar as alterações estruturais e até funcionais do tecido muscular. Após sucessivos eventos de desestabilização e busca pela homeostase, o organismo como um todo é requerido e ativado pela prática regular do exercício físico. Se os estímulos forem mais ligados às vias anaeróbias do metabolismo mus- cular, as adaptações serão estruturais (aumento das fibras). Em contrapartida, se forem mais ligadas às vias aeróbias, serão mais funcionais (aumento das organelas). Maiores detalhes sobre os tipos de treinamento que requerem essas vias metabólicas serão discutidos no próximo capítulo. Predominantemente, após esse período longo de adaptação e aumento do volume muscular via muita síntese proteica, pode ocorrer também a transição do tipo de fibra muscular. O tipo de proteína é capaz de alterar o perfil funcio- nal do músculo. Por exemplo, a transformação do tipo IIx para o tipo IIa (nas fibras tipo II) é uma adaptação comum dentro do treinamento resistido. As fibras musculares do tipo IIx são estimuladas em consequência da ativação da unidade motora. Isso inicia um processo de transformação nas fibras do perfil Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força18 tipo IIa, mediante a alteração da qualidade das proteínas e da expressão de diferentes quantidades de tipos de fibras musculares, pela análise histoquímica da miofibrila do músculo (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000; SILVERTHORN, 2017). A Figura 2 representa o processo de transformação decorrente do treinamento resistido de alta intensidade, nos subtipos das fibras musculares para o subtipo IIa. Atenção ao realizar os exercícios: não é possível transformar fibras musculares do tipo II em tipo I, nem vice-versa. Figura 2. Processo de transformação decorrente do treinamento resistido de alta intensidade nos subtipos das fibras musculares para o subtipo IIa. Fonte: Fleck e Kraemer (2017, p. 82) Estímulos anaeróbios Estímulos de exercícios de força Se pensarmos em um macrociclo predeterminado de um ano, esperamos que todos os objetivos tenham sido alcançados e que todas as adaptações tenham sido superadas (principalmente as requisições metabólicas). No entanto, se for o caso de um treinamento em longo prazo, algumas modificações só ocorrem após esse período de no mínimo seis meses a um ano. Um exemplo disso são as modificações relacionadas à estética (resultados físicos aparentes), como o ganho de massa magra e a perda da massa gorda. Outro exemplo são as alterações fisiológicas e metabólicas, como mudanças no comportamento hormonal. Há hormônios que sofrem interferências diretas em decorrência do treinamento resistido. A função básica de um hormônio é enviar um sinal a um tecido-alvo através de seu receptor. Assim, após o treinamento, ocorre um aumento na necessidade de vários hormônios que suportam as demandas homeostáticas agudas e de eventuais necessidades de reparo e de recuperação de danos induzidos pelo estresse do exercício, levando a adaptações prolon- gadas no músculo e em outros tecidos. Além disso, a íntima associação de hormônios ao sistema nervoso faz do sistema endócrino possivelmente um dos sistemas fisiológicos mais importantes em relação a adaptações ao trei- namento resistido. Da mesma maneira, os resultados relacionados à saúde e a doenças só podem ser avaliados a longo prazo, requerendo modificações mais 19Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força específicas e duradouras (FLECK; KRAEMER, 2017; MAUGHAN, 2000; SILVERTHORN, 2017). A Figura 3 exemplifica as interações endócrinas com as células promovidas pelo exercício de resistência, liberando hormônios. Os sinais hormonais interagem com o DNA celular, incitando o aumento ou a diminuição da síntese proteica. Figura 3. Interações endócrinas com as células, promovidas pelo exercício de resistência. Fonte: Fleck e Kraemer (2017, p. 108). Forças mecânicas Estímulo do exercício • Volume • Intensidade • Intervalo Liberação de hormônio para receptores celulares especí�cos dos tecidos Receptores subreguladores não se aglutinam aos hormônios (sem sinal) Receptores suprarreguladores aglutinam-se aos hormônios para envio de sinal ao DNA Célula Núcleo DNA Sinais Liberação autócrina de hormônio De célula à mesma célula Liberação parácrina de hormônio De célula a outras células Sinais Liberação do hormônio endócrino Glândulas do sistema endócrino liberam hormônios no sangue BOMPA, T. O. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. 5. ed. São Paulo: Phorte, 2012. FLECK, S. J.; KRAEMER, W. J. Fundamentos do treinamento de força muscular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Alterações fisiológicas do músculo com aumento de força20 MAUGHAN, R. Bioquímica do exercício e treinamento. Barueri: Manole, 2000. MONTANARI, T. Histologia: texto, atlas e roteiro de aulas práticas. 3. ed. Porto Alegre: Edição do Autor, 2016. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Leituras recomendadas CHANDLER, T. J.; BROWN, L. E. Treinamento de força para o desempenho humano. Porto Alegre: Artmed, 2009. GUIMARÃES NETO, W. Musculação: intensidade total. São Paulo: Phorte, 2009. GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. SCHOENFELD, B. J. The mechanisms of muscle hypertrophy and their application to resistance training. Journal of Strength and Conditioning Research, [s. l.], –v. 24, n. 10, p. 2857-2872, Oct. 2010. TREINO EM FOCO. Hipertrofia miofibrilar e hipertrofia sarcoplasmática. 2013. Disponível em: https://goo.gl/7P8czJ. Acesso em: 03 mar. 2019. WEINECK, J. 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