Iniciamos nosso percurso pelos psicanalistas pós-freudianos como Melanie Klein, que na década de 20 do século XX começou a analisar crianças empreg...
Iniciamos nosso percurso pelos psicanalistas pós-freudianos como Melanie Klein, que na década de 20 do século XX começou a analisar crianças empregando a técnica do brincar. Essa forma de abordagem serviu para confirmar as observações de Freud a respeito da sexualidade infantil, mas também revelou aspectos que produziram algumas discordâncias com o pensamento freudiano, por exemplo, em relação à época de início do complexo de Édipo e da constituição do supereu, que segundo a autora se daria num tempo bem mais precoce, em torno dos dois anos e meio aproximadamente. Como não temos a intenção, neste momento, de fazer uma apresentação da teoria kleiniana, nos limitaremos a abordar suas referências sobre o tempo de latência. Na obra Psicanálise da Criança, publicada pela primeira vez em 1932, há um capítulo intitulado A Técnica da Análise no Período de Latência, no qual ela observa que o tratamento psicanalítico da criança neste período apresenta dificuldades especiais. Estas decorrem, segundo a autora, de características peculiares ao tempo de constituição psíquica que estas crianças estão atravessando. Ao contrário dos pequenos, no tempo de latência as crianças expressam pouca angústia e têm uma vida imaginativa muito restrita em função da intensa ação do recalque nesse momento. Diferentemente dos adultos, como seu eu é ainda pouco desenvolvido, não têm consciência de sua doença e não desejam curar-se. Klein declara que estas condições, quando presentes, servem de incentivo para que o paciente prossiga na análise. Acrescenta-se a estas dificuldades a reserva e a desconfiança típicas do período, que resultam do esforço intenso que a criança precisa fazer para não ceder à tentação da masturbação. Isto faz com que ela evite tudo que se oponha à contenção deste impulso. Como a análise busca abrir caminho para o que é inconsciente, ela pode ser sentida como uma ameaça (KLEIN, 1975, p. 93). Ademais, considera os pacientes na latência mais difíceis de serem abordados porque já dessexualizaram suas representações e fantasias, de forma que seu brincar não apresenta abertamente seus conflitos como na criança menor, e tampouco fazem associações livres como os adultos (KLEIN, 1975, p. 94). O recalque intenso de suas fantasias conjugado a um eu já mais desenvolvido faz com que suas brincadeiras sejam menos imaginativas, mais adaptadas à realidade e mais racionalizadas. Este último aspecto, para Klein (1975, p. 96), não se deve apenas ao recalcamento das fantasias, mas também à “hiperenfatização obsessiva da realidade”, que ela considera um fator constitutivo do tempo de latência. O eu frágil da criança se fortalece colocando suas energias no recalque e agarrando-se à realidade. O tratamento psicanalítico trabalha no sentido contrário destas tendências, revelando-se por isso mais difícil.
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