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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO DA ADOLESCÊNCIA AO ENVELHECIMENTO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever o processo de formação da identidade na adolescência. > Explicar como são estabelecidos relacionamentos interpessoais na ado- lescência. > Reconhecer os problemas de adaptação e as psicopatologias mais comuns na adolescência. Introdução Ao longo da vida, o ser humano passa por diversas etapas, com distintas caracterís- ticas físicas, sociais, cognitivas, afetivas, etc. Entender cada uma dessas etapas do ciclo vital é fundamental para várias áreas, como medicina, educação e psicologia. Neste capítulo, você vai estudar, sob a ótica da psicologia, a adolescência, que é a fase marcada, segundo Erikson (1976a, 1976b), pelo conflito entre identidade e confusão de identidade. Você verá como ocorre o processo de formação da iden- tidade nessa fase, entendendo qual é o papel das relações interpessoais e como elas se estabelecem. Também vai conhecer os principais problemas de adaptação característicos dessa fase do desenvolvimento, bem como as principais psico- patologias, incluindo atitudes e comportamentos de risco como transgressões, delinquência juvenil, conduta antissocial, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), gravidez e maternidade na adolescência. Desenvolvimento psicossocial na adolescência Tania Beatriz Iwaszko Marques Formação da identidade na adolescência O papel de criança já não serve mais ao adolescente, e novos desafios se impõem. Com toda a confusão que o adolescente vive, uma das suas tare- fas é construir uma nova identidade. Nesta seção, você estudará o estágio psicossocial de identidade versus confusão de papéis, a partir dos estudos de Erikson (2000). Estudará, também, aspectos presentes na formação da identidade, como fatores étnicos e culturais, de gênero e orientação sexual. O estágio psicossocial de identidade versus confusão de papéis O psicanalista Erik Erikson (1902-1994) (Figura 1) foi o criador da teoria do desenvolvimento psicossocial, a qual considerou que o ciclo vital tem oito estágios e que em cada um deles há uma nova forma de interação da pessoa consigo mesma e com o ambiente. Mais recentemente, com o aumento da expectativa de vida, Joan Erikson, a esposa de Erik Erikson, acrescentou um nono estágio na edição revisada de O ciclo de vida completo (ERIKSON, 2000). Figura 1. Erik Erikson. Fonte: Feist, Feist e Roberts (2015, p. 145). Desenvolvimento psicossocial na adolescência 2 O quinto estágio do desenvolvimento psicossocial, de acordo com Erikson (1976a), é a crise de identidade da adolescência, marcado pelo dilema: identi- dade versus confusão de papéis. Martorell (2014, p. 312) chama de confusão de identidade e informa que também pode ser denominada “confusão de função”. Como o conceito de identidade é fundamental na crise da adoles- cência, é interessante que você entenda o que ele significa, bem como o que é o processo de identificação. Veja, a seguir, algumas definições. Identidade: “um conceito coerente de si mesmo, composto por objetivos, valores e crenças com os quais o indivíduo está socialmente comprometido” (MARTORELL, 2014, p. 312). “A aquisição de um sentimento de identidade coeso e harmônico resulta do reconhecimento e da elaboração das distintas identificações parciais que, desde os primórdios de seu desenvolvimento, foram se incorporando ao sujeito pela introjeção de código de valores dos pais e da sociedade” (ZIMERMAN, 2008, p. 203). Identificação: “processo psicológico central, realizado ativamente pela parte inconsciente do ego, pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando, parcial ou totalmente, dos aspectos, atributos ou traços das pessoas mais íntimas que o cercam” (ZIMERMAN, 2008, p. 204). Outeiral (1994), um psicanalista gaúcho dedicado ao estudo da adolescên- cia, lembra que a própria palavra identidade se refere a identificações e que elas se iniciam pela mãe, passando pelo pai, pela família, pelos professores, pelos amigos, pelos ídolos e chegando à sociedade mais ampla. O autor assinala que, na adolescência, “O novo corpo é habitado por uma nova mente” (OUTEIRAL, 1994, p. 71), porém esse corpo que parece surgir da noite para o dia, com tamanha pressa, não tem na identidade uma compa- nheira tão veloz e tem um tempo muito mais longo de constituição. Por isso em tantos momentos se faz presente a pergunta: quem sou eu? A confusão de papéis típica da adolescência é bem resumida por Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 203): “Uma vontade de ser criança e adulto ao mesmo tempo”. É comum que, nas vezes em que quer ser criança, os adultos cobrem do indivíduo que seja adulto, e quando quer ser adulto, a sociedade lhe diga que ainda é criança. Embora em termos legais exista uma definição clara de quem é criança, quem é adolescente e quem é adulto, em termos de desenvolvimento, não há. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), é muito sim- ples. É criança quem tem de zero a 12 anos incompletos, ou seja, até o dia anterior a completar 12 anos é criança e, no dia em que completa 12 anos, torna-se adolescente. É adolescente quem tem de 12 a 18 anos incompletos; é Desenvolvimento psicossocial na adolescência 3 adolescente até o dia anterior a completar 18 anos. No dia em que completar 18 anos, é considerado adulto. Talvez a confusão de papéis exista por não haver “um critério claro para definir a fase que vai da puberdade até a idade adulta. Essa confusão acontece porque a adolescência não é uma fase natural do desenvolvimento humano, mas um derivado da estrutura socioeconômica” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA; 1999, p. 291). Por isso, é melhor falar de adolescentes do que de adolescência, já que diferentes culturas têm diferentes tempos até que o jovem esteja preparado para uma vida adulta. Embora com diferenças no tempo reservado a esse processo, a construção da identidade não se dá de uma forma linear, mas “com ‘turbulências’ com ‘idas e vindas’, provocando perplexidade e confusão nos adultos” (OUTEIRAL, 1994, p. 72), que se esquecem de que também passaram por isso. Apesar de a legislação brasileira ditar a idade de 18 anos como sendo o ingresso na vida adulta, segundo Martorell (2014, p. 312), o sentimento de ser adulto só emerge quando são resolvidos alguns desafios da adolescência e se constrói uma identidade adulta: “a escolha de uma profissão ou ocupação, a adoção dos valores pelos quais se guiará pela vida e o desenvolvimento de uma identidade sexual que satisfaça”. Na teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson, além dos fatores biológicos, os fatores sociais desempenham papel fundamental na construção da identidade. Na sequência, você conhecerá alguns deles. Fatores étnicos e culturais, gênero e orientação sexual Apesar de, em geral, o fator mais comentado para explicar as mudanças na adolescência seja o hormonal, há outros presentes na tarefa de construção de uma identidade nessa etapa da vida. Para Anacleto e Fonseca (2021, p. 3), “a ideia de adolescência é tributária da discursividade contemporânea, ou seja, ela é efeito de uma produção política e social que demarca uma diferença com o infantil”. Na sequência, você conhecerá alguns fatores como gênero, etnia e orientação sexual, que podem afetar a construção da identidade adolescente. Erikson (2000) considerava caminhos diferentes para a formação da iden- tidade entre homens e mulheres. Enquanto para os homens prevaleceriam individualidade, autonomia e competitividade, nas mulheres prevaleceria o senso de responsabilidade e a capacidade de cuidar de si e dos outros. Em geral, segundo Martorell (2014), para aqueles que pertencem a uma cultura majoritária, os aspetos étnicos não costumam ter um papel importante. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 4 Raça ou etnia e aspectos culturais costumam ser relevantes para os jovens que pertencem a grupos minoritários. No Brasil, amaioria da população festeja o Natal, sendo, portanto, uma cultura majoritária. Famílias de origem judaica não comemoram o Natal, fazendo parte de um grupo reduzido em número no Brasil, tratando-se, portanto, de uma cultura minoritária. Ter consciência da própria sexualidade faz parte da construção da iden- tidade. A Associação Americana de Psiquiatria não encontrou relação entre homossexualidade e alguma doença mental a não ser as dificuldades advindos dos preconceitos. Em função das dificuldades encontradas no ambiente social, entre gays, lésbicas e bissexuais, “a identificação e a expressão de sua identidade sexual é mais complexa do que para heterossexuais” (MAR- TORELL, 2014, p. 315). Nesta seção, você estudou a formação da identidade a partir da superação da crise identidade versus confusão de papeis, típica da adolescência. Na próxima, conhecerá algumas mudanças nos relacionamentos interpessoais nesse estágio do desenvolvimento psicossocial. Relacionamentos interpessoais na adolescência Assim como o corpo e a identidade mudam na adolescência, as relações interpessoais também se alteram, já que, além de se enxergar de forma dis- tinta, o adolescente passa também a enxergar o outro de maneira diferente. Nesta seção, você estudará o papel e como se estabelecem as relações com a família, os amigos e a sociedade em geral na adolescência, além de conhecer o mito da rebeldia adolescente. Família, amigos e sociedade adulta Os pais, que eram idealizados na infância, passam a ser vistos de outra forma, e a família, que ocupava papel central, vê o círculo interpessoal mudar e outras pessoas serem incluídas. Quando há um adolescente na família, segundo Outeiral (1994), a família toda adolesce junto, e muitos adultos acabam se identificando com o comportamento adolescente. É interessante ressaltar que pais de adolescente, em geral, estão vivendo outro momento de crise no ciclo vital, que é a crise da meia-idade. Embora a independência emocional nunca seja atingida plenamente, é necessário independentizar-se, com “a transformação de vínculos infantis de Desenvolvimento psicossocial na adolescência 5 relacionamento por um outro tipo e vínculo mais maduro, mais independente e mais adulto” (OUTEIRAL, 1994, p. 16). Para isso, o adolescente, muitas vezes, necessita desvalorizar os pais, confrontando as suas ideias, por exemplo, chamando-os de antiquados, que não fazem o que os outros pais fazem. As discussões, em geral, ocorrem por causa de “regras, padrões e regulamentos (vestuário, encontros, notas da escola, distribuição de tarefas domésticas” (CAMARGOS; LEHNEN; CORTINAZ, 2019, p. 157). No grupo de amigos, o adolescente se identifica, usando o mesmo tipo de roupas e de cabelo, falando o mesmo vocabulário, tendo comportamentos semelhantes. No grupo, busca sentir-se aceito. No entanto, embora os amigos assumam um grande papel na vida do adolescente, os valores familiares continuam a ser os mais importantes (STEINBERG, 2008). Se o grupo sugerir uma ação contrária aos valores fortemente construídos na família, como, por exemplo, um sequestro, o adolescente, em geral, não realizará essa ação. É no grupo de amigos, segundo Outeiral (1994, p. 72), que também se podem observar “dificuldades: por exemplo, quando um adolescente troca de ‘turma’, passando de uma com características mais adequadas para outra com peculiaridades negativas, estamos diante de um indicador de ‘problemas’ do próprio adolescente”. Isso é um indicador do que está acontecendo com ele. Isso ocorre, por exemplo, quando o jovem faz parte de um grupo que gosta de se vestir de preto e fazer reuniões no cemitério, o que não causa prejuízo nem a si, nem aos outros, mas então passa para um grupo que realiza furtos e assaltos. Nesta fase, pessoas de fora do círculo familiar tornam-se modelos de identificação, e os professores costumam ter papel de destaque. Artistas, desportistas e outras figuras públicas também passam a ser importantes modelos de identificação. Algumas vezes, essa identificação é tão grande que os adolescentes “parecem assumir sua identidade: falam como eles, vestem-se da mesma forma, adquirem seus maneirismos, não sendo raro que tal situação se prolongue por um longo tempo” (OUTEIRAL, 1994, p. 72). Apesar das mudanças comportamentais e do turbilhão de sentimentos presentes na adolescência, a maioria dos jovens apresenta comportamentos adaptados. São poucos os que apresentam grandes problemas comportamen- tais, dando origem a uma fama de que todo o adolescente é problemático. Leia mais sobre esse assunto na sequência. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 6 Rebeldia adolescente Talvez você possa ter sentido na pele as descrições de adolescentes como sendo rebeldes ou outros adjetivos pouco agradáveis. Leia uma típica des- crição de adolescentes: Nossos adolescentes atuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam a autoridade. São desrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagando nas praças... São propensos a ofender seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas; comem com voracidade e tiranizam seus mestres (OUTEIRAL, 1994, p. IV). É possível que você tenha concordado com alguns aspectos dessas des- crições e pense que alguns adolescentes que você conhece se encaixam perfeitamente nelas. Só que ela foi escrita pelo filosofo Sócrates, no século V a.C. Parece que os adultos se esquecem de que foram adolescentes e os descrevem de forma negativa. Alguns chegam a chamar a adolescência de aborrescência, demonstrando desprezo. Mas será que os adolescentes são seres assim tão cheios de aspectos negativos e nada de bom? Será que, de fato, existe uma rebeldia adolescente ou será um mito? O período de adolescência às vezes é chamado de “época da rebeldia adolescente, envolvendo um turbilhão emocional, conflitos com a família, segregação da sociedade adulta, comportamento imprudente e rejeição dos valores adultos” (MARTORELL, 2014, p. 319). Embora a adolescência possa ser uma época difícil, com mais tensão do que outras fases da vida, são poucos os que apresentam, de fato, grandes problemas. É esperado que haja mudanças, mas nem sempre existe essa rebeldia tão grande. Para Outeiral (1994, p. 18), o “processo de estabelecimento de novos vínculos com a família e a sociedade, não mais em termos infantis, e si, dentro de um modelo mais adulto, é uma das tarefas básicas da adoles- cência”. Portanto, você pode ter duas explicações para o mito, que não são excludentes: de fato, há alguns adolescentes que vivem o processo de forma mais intensa; e há adultos com mais dificuldades para lidar com as mudanças normais do adolescente. Nesta seção, você estudou as relações interpessoais na adolescência com diversos grupos como família, amigos e sociedade. Estudou também o mito da rebeldia adolescente. Na próxima, você conhecerá as principais psicopa- tologias e dificuldades de adaptação dessa etapa do ciclo vital, incluindo atitudes e comportamentos de risco. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 7 Desadaptações e psicopatologias na adolescência A adolescência é um período de mudanças intensas no corpo e no cérebro em um curto período. É normal que surjam desadaptações, porque as respostas antes conhecidas não servem para os novos problemas que se apresentam. Mas elas podem ser superadas. Pode haver comportamentos que deixam marcas mais profundas. Existem, ainda, algumas psicopatologias que são típicas dessa fase do ciclo vital. Nesta seção, você estudará quais são, na adolescência, os principais problemas de adaptação, psicopatologias e com- portamentos de risco, entre os quais transgressões, delinquência, conduta antissocial, ISTs, gravidez e maternidade precoces. Síndrome da adolescência normal Erikson (1976a) considerava a adolescência como uma crise normativa, ou seja, uma crise do processo de desenvolvimento, que faz parte do processoevolutivo normal. Maurício Knobel (ABERASTURY; KNOBEL, 1992) descreveu a síndrome da adolescência normal, cujas características são descritas a seguir. � Busca de si mesmo e da identidade — a identidade infantil já não serve ao adolescente, que precisa construir uma nova, em um processo longo e não linear. � Tendência grupal — por não ter uma identidade nova, a identificação com o grupo ajuda a ocupar esse lugar vago. No grupo, há uma espécie de identidade coletiva, com roupas, linguagem e comportamentos comuns. � Necessidade de intelectualizar e fantasiar — como não pode controlar as mudanças físicas que acontecem rapidamente em seu corpo, uma forma de lidar com isso é se refugiar no mundo interno, que pode controlar. Como se torna capaz de pensar em termos teóricos, aplica novas teorias ao mundo, muitas vezes contraditórias entre si. � Crises religiosas — da mesma forma que passa por contradições intelectuais, passa por contradições religiosas, mudando de crenças de forma rápida e intensa. � Deslocalização temporal — o adolescente parece usar uma contagem de tempo diferente daquela do adulto. Por um lado, posterga eventos próximos, considerando-os distantes e, por outro, eventos que ainda estão distantes são sentidos como imediatos e já precisa, por exemplo, arrumar a mala para uma viagem que acontecerá dali a dois meses. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 8 � Evolução sexual manifesta — o contato exclusivo com o próprio corpo vai dando lugar ao maior interesse por outras pessoas. � Atitude social reivindicatória — ao se independentizar cada vez mais, vai se dando conta de que o mundo é diferente daquilo que enxer- gava enquanto criança e quer que ele seja menos hostil e reivindica mudanças. � Contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta — com sua impulsividade, não se dá conta de que, muitas vezes, sua conduta é contraditória. Exige que os adultos cuidem da Floresta Amazônica, mas não faz algo que está ao seu alcance como a separação entre o lixo orgânico e o reciclável. � Separação progressiva dos pais — ama seus pais, mas quer experimen- tar coisas novas. Para que isso aconteça, vai se afastando progressi- vamente, mas, ao mesmo tempo, quer ter a certeza de que poderá ser cuidado quando necessário. � Constantes flutuações do humor — aqui não se tata do transtorno depressivo. Trata-se de uma oscilação de humor, por visualizar novas possibilidades com o crescimento, mas, ao mesmo tempo, vislumbrar as perdas sofridas. Embora possa ser caracterizada como um momento de desequilíbrios e instabilidades, essa fase é “absolutamente necessária, para o adolescente que, nesse processo vai estabelecer a sua identidade” (KNOBEL in ABERASTUTY; KNOBEL, 1992, p. 9). Nessa crise, o adulto é necessário como modelo acolhedor e respeitoso, que apresenta limites, sendo continente das ansiedades do adolescente, sem se confundir com eles. Desadaptação na adolescência e comportamentos de risco Mudanças, na adolescência, constituem a síndrome da adolescência normal. Adaptações precisam ser feitas, sendo que algumas estão dentro de um es- pectro mais esperado e outras dentro de um limite que tende ao patológico. As roupas largas e os cabelos coloridos não costumam trazer conse- quências desfavoráveis à vida, embora chamem a atenção. Por outro lado, podem acontecer transgressões, delinquência juvenil e conduta antissocial, que podem se constituir em comportamentos desadaptados, com diferentes níveis de consequências sobre a vida do adolescente e de seus familiares. Para entender a sua gravidade, é necessário observar como se manifestam. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 9 Alguns indicadores, conforme Osório (1989), ajudam a identificação do li- mite entre o normal e o patológico nas adaptações: a intensidade, a duração e o significado regressivo do sintoma, as suas diferentes formas de manifestação, o fator desencadeante e a existência de sintomas semelhantes na infância. Quanto a critérios para identificação do grau de preocupação sobre os comportamentos antissociais e delinquentes, Martorell (2014) considera que o início precoce e o histórico familiar são dois dos principais indícios. No conflito identidade x confusão de papéis, há adolescentes em que prevalece o polo confusão de papéis, comum nos jovens delinquentes: “Alguns jovens procuram uma ‘identidade negativa’, uma identidade oposta a que lhes foi atribuída pela família e pelos amigos. Possuir uma identidade como ‘delinquente’, às vezes, pode ser preferível a não ter qualquer identidade” (ELKIND, 1978, p. 8). A forma de lidar com a sexualidade também pode ser fonte de preocupação, pois a partir de uma característica adolescente de negação da realidade, não tomando cuidados, o jovem pode se expor a situações de risco como ISTs, gravidez e maternidade precoces. As ISTs são infecções transmitidas por meio de ato sexual. Uma das mais comuns é o papilomavírus humano, que é o causador de muitos casos de câncer cervical. Já existe vacina, que deve ser administrada em adolescentes. Outras ISTs comuns em adolescentes, que têm cura se forem tratadas no início, são a clamídia e a gonorreia. Se não forem tratadas podem levar a sérios problemas de saúde. Outras ISTs comuns são a herpes genital e a tricomoníase. A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), causada pelo vírus HIV, provocou muito medo quando se espalhou pelo mundo, nas últimas décadas do século XX. Com o passar do tempo e a chegada de tratamentos, muitos jovens se descuidaram da prevenção, sem uso de preservativos, e “em todo o mundo, das 4,1 milhões de novas infecções de HIV a cada ano, cerca da metade ocorre em jovens dos 15 aos 24 anos de idade” (MARTORELL, 2014, p. 317). A gravidez indesejada entre adolescentes com a consequente maternidade precoce, em grande parte das situações, leva a mudanças de planejamento de vida, como abandono de estudo, especialmente por parte das jovens mães. Muitos adolescentes acreditam em mitos como ser impossível engra- vidar na primeira relação sexual ou praticam coito interrompido, negando a possibilidade de gravidez. Segundo Bee e Boyd (2011, p. 130) “quanto mais jovem uma menina se tornar sexualmente ativa, mais probabilidade ela tem de ficar grávida”. Destaca-se, portanto, a necessidade de orientação sexual, para que as decisões na área da sexualidade sejam conscientes. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 10 Mais recentemente, com a popularização dos telefones com câmeras, tornou-se frequente o envio de imagens com nudez, o que pode gerar tur- bulências na vida pessoal e familiar. Em caso de término de relacionamento, muitos parceiros, como forma de vingança, divulgam as imagens nas redes sociais, de onde é difícil eliminá-las, o que pode ter consequências futuras indesejadas. Suicídios de meninas adolescentes já foram motivados por esse tipo de situação. Novamente, a informação e o diálogo franco são as melhores formas de prevenção ou de lidar com a situação, caso ela já tenha se instalado. Além dos comportamentos desadaptados e de risco, são motivo de preo- cupação algumas psicopatologias recorrentes na adolescência. Conheça algumas delas na sequência. Psicopatologias na adolescência A intensidade dos conflitos familiares, envolvendo questões do cotidiano, podem afetar a saúde mental, especialmente das meninas. As interações familiares negativas podem refletir em aumento da depressão. Maus tratos aos adolescentes podem levar a “delitos criminais, crimes violentos, uso de drogas e álcool, comportamento sexual de risco e pensamentos suicidas” (MARTORELL, 2014, p. 320). Relações familiares saudáveis, por outro lado, tendem a prevenir esses quadros. As psicopatologias da adolescência podem ser externalizantes “quando os indivíduos voltam os seus problemas para o exterior”, como no transtorno de conduta e na delinquência juvenil, ou podem ser internalizantes, “quandoos indivíduos voltam seus problemas para o interior” como ansiedade, depressão, transtornos alimentares e suicídio (SANTROCK, 2014, p. 391). Transtorno de conduta com início na adolescência O transtorno de conduta é definido pela 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSO- CIATION, 2014) como um padrão comportamental com ansiedade em altos níveis, presença intensa de discussão, de provocação, de desobediência, de irritabilidade, de comportamentos ameaçadores e ruidosos. Uma patologia específica da adolescência é o transtorno de conduta de início na adolescência, que começa a partir dos 11 anos. Segundo Bee e Boyd (2011), não é tão grave quanto aquele que tem início mais precoce, sendo mais leve e transitório. O transtorno de conduta costuma estar relacionado Desenvolvimento psicossocial na adolescência 11 ao tipo de paternagem, relacionando-se com a falta de monitoração e de apoio familiar. A delinquência é um tipo de problema de conduta que se refere especifica- mente à “violação intencional da lei”, como furtos e assaltos. Com frequência, o transtorno de conduta mais amplo e a delinquência estão associados, mas nem sempre. Transtornos alimentares Nos países industrializados, há muitos casos de adolescentes com sobrepeso e obesidade, causados pela má alimentação, com excesso de calorias vazia. Jo- vens estão apresentando doenças consideradas de velhos, como hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, taxas altas de colesterol ruim e baixas taxas de colesterol bom (BEE; BOYD, 2011). Na anorexia, caracterizada pelo autoinanição, a pessoa tem uma imagem muito distorcida de si e, mesmo estando magra, acredita que esteja gorda. Nesse quadro, a pessoa tem grande desejo de perder peso, por meio de dieta extrema e muitos exercícios. Predomina no sexo feminino e pode levar à morte em 10% dos casos. A perda de peso extremo pode levar à morte por vários fatores, como a falência dos órgãos ou pela baixa imunidade que leva ao aumento de infecções (BEE; BOYD, 2011). A bulimia é um transtorno alimentar que se caracteriza pelo abuso de ingestão de comida, seguido pelo uso de laxantes e de diuréticos, vômito induzido e exercício exagerado. A perda de peso não é tão visível quanto na anorexia, e, para o diagnóstico, são necessários dois episódios semanais por pelo menos três meses. Embora não seja tão letal quanto a anorexia, pode levar a muitos problemas de saúde (BEE; BOYD, 2011). Dentre as explicações para a anorexia e a bulimia, existem alguns ele- mentos culturais como o culto à magreza em determinados círculos, por exemplo, da moda e dos meios de comunicação. No entanto, é bem aceita a ideia de que esses estímulos afetam as pessoas que sofrem do transtorno de autoimagem, que ocorre quando a pessoa se enxerga diferente do que realmente é (MARTORELL, 2014). O transtorno de compulsão alimentar é caracterizado por episódios de comer compulsivo nos quais em pouco tempo a pessoa ingere quantidades exageradas de calorias. De uma só vez, a pessoa pode ingerir calorias que demoraria dias para ingerir (BEE; BOYD, 2011). Desenvolvimento psicossocial na adolescência 12 Depressão Diferentemente do que se costumava pensar até há algumas décadas, a depressão é comum na adolescência e “entre as idades de 13 e 15 anos, as meninas têm duas vezes mais probabilidade de relatar níveis altos ou crôni- cos de depressão” (BEE; BOYD, 2011, p. 435). É preciso estar atento, porque a depressão pode se manifestar de forma não tão óbvia quanto a tristeza. Com- portamentos agressivos e autodestrutivos podem ser sintomas de depressão. Embora existam evidências de que adolescentes com pais depressivos tendam mais à depressão, não há certeza sobre o papel dos fatores genéti- cos ou ambientais. Por outro lado, foram verificadas alterações na glândula hipófise que predispõem o adolescente à maior sensibilidade aos fatores estressores do meio, tais como mudanças de escola ou de cidade, separação dos pais, ambiente com brigas em casa, etc. (BEE; BOYD, 2011). Suicídio O suicídio é fonte de preocupação entre os adolescentes. Dados dos Estados Unidos revelam que 17% dos estudantes do ensino médio já pensaram em suicídio e que em torno de “2 a 8% realmente tentaram o suicídio [...] Espe- cialistas em saúde pública salientam que muitas mortes de adolescentes, tais como aquelas que resultam de acidentes de carro, podem ser contadas como acidentais, mas são na verdade suicídio” (BEE; BOYD, 2011, p. 436). No Quadro 1, você pode verificar os indícios apresentados por Osório (1982) quanto a um bom ou mal prognóstico, com relação à evolução dos comportamentos desadaptados, aos comportamentos de risco ou até mesmo sintomas de psicopatologias, ajudando a estabelecer o limite entre o normal e o patológico, entre o temporário e o permanente. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 13 Quadro 1. Sintomas e tipos de evolução Evolução possivelmente favorável 1) Bom contato afetivo com familiares. 2) Ausência de antecedentes infantis de agressividade impulsiva, mito, clepto ou piromania. 3) Ingestão esporádica de drogas ou, se sistemática, apenas uso de maconha. 4) Prática de esportes ou hobbies e interesse artístico-cultural. 5) Desejo manifesto ou latente de buscar ajuda psicoterápica. 6) Presença e níveis significativos de ansiedade e certo grau de consciência da inadequação de seu comportamento. Evolução possivelmente desfavorável 1) Frieza ou indiferença afetiva com o grupo familiar. 2) Presença de antecedentes infantis de agressividade impulsiva, mito, clepto ou piromania. 3) Ingestão sistemática de drogas “em escala”, ou seja, adolescente começa fumando maconha, passa para ingestão de comprimidos tranquilizantes ou estimulantes e chega à administração por via parietal. 4) Área de lazer circunscrita à prática de nítido sentido auto ou heterodestrutivo, sem nenhum propósito criativo. 5) Ausência de qualquer motivação para submeter-se à psicoterapia. 6) Ausência de ansiedade evidenciável e nenhum grau de consciência da inadequação de sua conduta. Fonte: Adaptado de Osório (1982). Com certeza, os indícios apresentados no Quadro 1 não se constituem em um destino inevitável, mas auxiliam na distinção, tão importante, entre um comportamento dentro do espectro da síndrome da adolescência normal e comportamentos de risco até de uma patologia mais grave, de início na adolescência. Nesta seção, você conheceu diferentes formas de adaptação na adoles- cência, como a síndrome da adolescência normal, comportamentos de risco e algumas das principais psicopatologias. Neste capítulo, você estudou a adolescência, sob a ótica da psicologia, focando especialmente na questão da formação da identidade e nos rela- cionamentos interpessoais com a família, com o grupo de amigos e com a sociedade adulta. Você viu quais são as principais dificuldades adaptativas, as psicopatologias e os comportamentos de risco típicos da adolescência. Desenvolvimento psicossocial na adolescência 14 A partir desse estudo, espera-se que você seja capaz de identificar a adolescência como um período de intenso conflito quanto à identidade e às transformações profundas nas relações interpessoais que levam a desadap- tações possíveis de ser superadas, mas que, muitas vezes, geram comporta- mentos de risco ou, até mesmo, psicopatologias. Referências ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. 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