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PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO DA ADOLESCÊNCIA AO ENVELHECIMENTO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Explicar o estágio psicossocial de integridade do ego versus desespero. > Descrever como ocorre o desenvolvimento da personalidade na adultez avançada. > Caracterizar os relacionamentos interpessoais na adultez avançada. Introdução Adultez avançada é o período do desenvolvimento relacionado ao último estágio do envelhecimento, quando as pessoas estão vivendo o declínio físico e mental, mas também somam grande experiência de vida. Normalmente os filhos já são independentes, há o envolvimento com os netos, em alguns casos pode ter ocorrido separações dos cônjuges, viuvez e reestruturação da vida afetiva. Essa etapa do desenvolvimento tem sido cada vez mais valorizada em razão da longevidade conquistada pelas sociedades, principalmente as mais desenvolvidas, do ponto de vista da saúde e do bem-estar da população. No entanto, essa característica está, também, chegando aos países menos desenvolvidos. Na psicologia clássica, nota-se uma tendência a considerar os períodos do desenvolvimento até a adolescência. Por exemplo, em Freud, a fase genital seria a adultez, sem considerar se é adolescente ou idoso. Ainda para Freud, pessoas entre 50 e 60 anos não se beneficiariam da psicanálise, por limites de insight Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada Maria Beatriz Rodrigues e pouco tempo para elaboração de conflitos. Temos que considerar que essas concepções mudaram muito desde então, e hoje pessoas nessa faixa etária são ativas pessoal e profissionalmente. Neste capítulo, você vai conhecer uma teoria que desafiou esses cânones da adultez, elaborada por Erik Erikson, que propôs diferentes fases de desenvolvi- mento psicossocial ao longo da vida, incluindo a velhice, e cada uma delas envolve conflitos e desafios a serem resolvidos. Na fase da adultez avançada, o conflito é entre integridade do ego e desespero. Para compreender a teoria de Erickson, você precisa saber as características da adultez avançada, principalmente os relacionamentos interpessoais. O envelhecimento é, muitas vezes, associado à solidão e ao abandono, assim como à perda da consciência e da orientação. No entanto, existem outras realidades e a conquista de espaços sociais pelos idosos. Essas são questões que emolduram o conflito proposto por Erickson. Estágio psicossocial integridade do ego versus desespero Erik Erikson (1902-1994), conhecido psicanalista, foi um dos principais repre- sentantes da psicologia do ego. Esta construiu uma ponte entre a psicologia e a psicanálise, que por muito tempo se desenvolviam em paralelo, devido a interesses diferentes. Como é inferido pelo nome que recebeu, uma das principais mudanças com relação à teoria original foi a revisão do papel do ego, que adquiriu energia independente, foi ampliado e teve diminuída a sua submissão ao id (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). Essa abordagem difere de alguns princípios da psicanálise, propõe e amplia outros, mas segue fiel aos pilares da teoria de Freud, como a maioria de seus seguidores (A. Freud, como impulsionadora da psicologia do ego; H. Kohut, J. Bowlby, M. Mahler, entre outros, em novas abordagens das relações objetais, ou seja, com o foco nos relacionamentos interpessoais) (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). Erikson é considerado, segundo Hall, Lindzey e Campbell (2007), o teórico que preparou a psicanálise para as transformações sociais, sendo uma figura central na psicanálise contemporânea. O autor trabalhou principalmente na ampliação da estrutura da personalidade, nas influências das diferenças culturais e educacionais, a ponto de receber inúmeras críticas por ter se afastado das origens teóricas. Erikson foi analisado por Anna Freud e fez formação psicanalítica em Viena, ou seja, com grande proximidade às origens. Suas duas principais contribuições foram: Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada2 � teoria psicossocial do desenvolvimento, sendo entendida como múlti- plas influências recebidas durante a formação da personalidade, sendo esse o ponto crucial para a concepção ampliada do ego; � estudos psico-históricos de pessoas influentes. Ele acreditava na interação mútua entre a capacidade do indivíduo de relacionamento com a sociedade em constante transformação (pessoas, grupos e instituições) e a prontidão da sociedade e da cultura de acolher esse sujeito (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). Erikson não se opôs à teoria freudiana, nem a outras que focavam nos estágios de desenvolvimento, como a de Piaget, ou de outros autores que não consideravam a idade adulta avançada. Ele tinha interesses diversos, chamou a sua teoria de epigenética e propôs oito etapas do desenvolvimento psicossocial, como pode ser visto no Quadro 1. Cada estágio é caracterizado por um modo psicossexual e por um conflito, ou crise, psicossocial. A partir do conflito entre forças antagônicas, ou antitéticas, nasce uma força básica, que seria uma qualidade adquirida pelo ego. A luta entre força básica e sua antítese torna-se a patologia central e potencial da fase de vida. As relações interpessoais vão se alargando e enriquecendo com o passar do tempo: família, escola, amigos, uniões, trabalho, interesses, etc. (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015). A última etapa seria na vida adulta tardia e se distingue pelo conflito entre integridade do ego vs. aceitação, ou seja, segundo Papalia e Martorell (2022), a integridade do ego resultaria da aceitação da vida e da morte ou, no caso de não atingimento, levaria ao desespero. Esses conflitos não podem ser vistos de forma binária, pois todos teremos integração e desespero, por ser uma fase da vida com grandes desafios, entre eles, a vulnerabilidade física e mental e a aproximação da morte. Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 3 Q ua dr o 1. A s et ap as d o de se nv ol vi m en to p si co ss oc ia l s eg un do E rik E rik so n Es tá gi o M od o ps ic os se xu al Cr is e ps ic os se xu al Fo rç a bá si ca Pa to lo gi a ce nt ra l Re la çõ es si gn if ic at iv as 8. V el hi ce Ge ne ra liz aç ão d os m od os s en su ai s In te gr id ad e vs . de se sp er o Sa be do ri a De sd ém To da a h um an id ad e 7. Vi da a du lt a Pr oc ri at iv id ad e Ge ne ra ti vi da de v s. is ol am en to Cu id ad o Re je iç ão Tr ab al ho e c ui da do s co m pa rt ilh ad os 6. In íc io d a id ad e ad ul ta Ge ni ta lid ad e In tim id ad e vs . is ol am en to Am or Ex cl us iv id ad e Pa rc ei ro s se xu ai s, am ig os 5. A do le sc ên ci a Pu be rd ad e Id en tid ad e vs . c on fu sã o de id en tid ad e Fi de lid ad e Re pú di o do p ap el Gr up os d e pa re s 4. Id ad e es co la r La tê nc ia Di lig ên ci a vs . in fe ri or id ad e Co m pe tê nc ia In ér ci a Vi zi nh an ça , e sc ol a 3. Id ad e do jo go Ge ni ta l- lo co m ot or in fa nt il In ic ia ti va v s. c ul pa Pr op ós ito In ib iç ão Fa m íli a 2. In fâ nc ia p re co ce An al -u re tr al - m us cu la r Au to no m ia v s. v er go nh a e dú vi da Vo nt ad e Co m pu ls ão Pa is 1. L ac tâ nc ia O ra l- re sp ir at ór io - se ns or ia l- ci ne st és ic o Co nf ia nç a bá si ca v s. de sc on fia nç a bá si ca Es pe ra nç a Re tr ai m en to Fi gu ra d e m at er na ge m Fo nt e: F ei st , F ei st e R ob er ts (2 01 5, p . 1 60 ). Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada4 A última etapa da vida, segundo Erikson, não pode ser vista isoladamente e sim como uma síntese de todas as anteriores, ou seja, segue a orientação epigenética, em que cada elemento se desenvolve sobre os outros e cada estágio baseia-se no desenvolvimento do anterior (FADIMAN; FRAGER,2008). Somente dessa forma, a pessoa poderá encontrar tranquilidade interior para aceitar os grandes desafios, entre eles o maior — aceitar a sua própria finitude. Todos temos vivências que deixaram marcas ou arrependimentos, e elas podem interferir nessa síntese final, pois se nos tornamos ressentidos, angustiados, arrependidos pelo que fizemos, teremos maior dificuldade para encontrar o equilíbrio necessário nesse estágio. Dessa forma, podemos entender a pro- posta de Erikson, integridade vs. desespero. Aceitar significa fazer as pazes consigo mesmo, independente dos erros ou das omissões, com os outros que nos cercam e com a vida vivida. Isso comporta também uma dose de desespero, pelo fim da vida, medos e arrependimentos, pela vulnerabilidade adquirida com a idade, entre outros sentimentos (PAPALIA; MARTORELL, 2022). A esposa de Erik Erikson, Joan Erikson, era colaboradora nos traba- lhos do marido. Após a morte de Erik, ela reviu o último estágio de desenvolvimento, a adultez avançada, ou de integridade do ego vs. desespero. Ela considerou que sabedoria e integridade nos idosos são mais relacionados ao que é esperado deles pelos outros, do que propriamente ao que eles sentem de fato. Dessa forma, as constatações a que chegou foram que o estágio estava romantizado, e isso a fez revisar e ampliar essa última fase do desenvolvimento. Isso ocorreu décadas após a formulação da teoria e serviu para ajustá-la à realidade do momento. Joan acrescentou elementos mais difíceis de serem enfrentados no envelhecimento, como esquecimento, limitações físicas e a proximidade da morte. As principais contribuições teóricas de Erikson foram � a inscrição da velhice nos estudos sobre o desenvolvimento da perso- nalidade, que até então era considerado até a adolescência; � a discussão sobre a busca da identidade, que continua em boa parte da adultez (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015); � as relações interpessoais e sociais como parte constituinte do desen- volvimento e propiciadoras de novas estratégias de enfrentamento dos conflitos e das situações impostas pela vida. Erikson foi criticado por ser muito otimista com relação ao ser humano, ao contrário das críticas recebidas por Freud, que o caracterizavam como muito Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 5 pessimista. Erikson respondeu apontando que em cada estágio descrito por ele existe uma crise e um conflito específico, ambos produzindo uma ansie- dade que se torna vitalícia, ou parte da personalidade. Com essa resposta, ele concluiu que “sem ansiedade, conflito e crise, não haveria nenhuma força humana” (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007, p. 184). Nesta seção do capítulo apresentamos a proposta teórica de Erik Erikson dos estágios de desenvolvimento psicossocial, especialmente o último deles, integridade do ego vs. desespero, suas características e a integração com os estágios anteriores. É um momento de grande reflexão, síntese e preparação para o fim da vida. Na próxima seção vamos aprofundar o significado do desenvolvimento psicossocial na adultez avançada e detalhar a importância desse período da vida, partindo de Erikson e atualizando as concepções com outros autores (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2007). O envelhecimento global da população aponta que o número de idosos duplicará no ano de 2050, passando a representar 22% da população mundial, considerando como base de cálculo o ano de 2006, em que os idosos representavam 11% da população. Segundo essa projeção, pela primeira vez na história haverá mais idosos no mundo do que crianças até a idade de 14 anos. Outra constatação que nasce desses estudos é que os países em desenvolvimento estão aceleradamente envelhecendo e, se em 2005 abrigavam 60% dos idosos, é estimado que em cinco décadas esse número passe para 80% (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2007). Organizações supranacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras, juntamente com governos de vários países, têm desenvolvido projetos tanto informativos quanto orientadores de ações, para favorecer a qualidade de vida da população idosa. Dois documentos são de grande relevância nesse sentido: Envelhecimento Ativo (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2005) e Cidade Amiga do Idoso (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2007). Embora sejam documentos específicos, trazem uma riqueza de informações e de ideias para a gestão urbana e das políticas públicas relacionadas aos idosos. Desenvolvimento da personalidade na adultez avançada Como vimos na seção anterior, E. Erikson inscreveu a adultez emergente, intermediária e avançada nos estudos do desenvolvimento e da personalidade. Essa inovação foi de grande relevância para o entendimento do desenvolvi- mento ao longo da vida, assim como colocou os adultos e idosos como foco das pesquisas e intervenções psicológicas e psicanalíticas. Existe um forte Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada6 debate sobre as possibilidades de ocorrerem mudanças na personalidade, a partir de uma determinada idade. Estudos sobre estabilidade e mudança ten- tam responder essa questão, com algumas conclusões de que a estabilidade tende a crescer na idade adulta intermediária e posteriormente declinar com a avançada. As mudanças na vida adulta vão em direção de maior estabili- dade e adaptabilidade, e estudos demonstram que transformações pessoais continuam ocorrendo na vida adulta tardia, com aumento de autoconfiança, afetividade, estabilidade emocional, amabilidade e consequente declínio do neuroticismo, do gregarismo e da abertura a novas experiências. As razões para essas transformações normativas na adultez tardia também provocam debates, se são determinadas geneticamente, pelo ambiente e pelas vivências ou por ambos associados (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Algo que parece ser unânime nos estudos é o fato de a personalidade e suas mudanças influen- ciarem e serem preditores de saúde e bem-estar. A mudança é um fator que passou a ser considerado, juntamente com a estabilidade, como preditor de saúde física e mental. Estudos que envolveram os cinco grandes traços da personalidade como influenciadores da saúde mental e física encontraram uma relação forte entre traços e saúde mental; relação moderada entre traços e comportamentos relacionados à saúde; e uma relação fraca entre traços e saúde física. Quando examinados de forma independente, os traços de personalidade como simpatia, conscienciosidade e neuroticismo são mais fortes preditores de saúde do que a extroversão e a abertura a experiências. Tentando exemplificar para esclarecer, a personalidade pode afetar a saúde mental de diversas formas. A baixa extroversão, asso- ciada ao neuroticismo e à baixa conscienciosidade, podem indicar depressão. Isso pode depender do tipo de personalidade, por ter causas comuns com a depressão ou por influenciar em sua gravidade (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Já a saúde física é influenciada pela personalidade, que pode determinar certos comportamentos. Por exemplo, o abuso de álcool, tabaco e drogas para tranquilizar uma pessoa muito ansiosa prejudica a sua saúde física. A conscienciosidade pode ser um fator de prevenção de doenças, pois a pessoa recorre constantemente a médicos e exames, a rotinas saudáveis de exercícios físicos e boa alimentação. Se esses traços forem associados, neuroticismo e baixa conscienciosidade, os riscos para a saúde física aumentam exponen- cialmente (PAPALIA; MARTORELL, 2022). O neuroticismo, caracterizado por suscetibilidade, ansiedade, inquietação, pessoas ditas temperamentais, é um traço muito importante, pois à medida que as pessoas envelhecem, esse traço tende a piorar. Pessoas negativas, rancorosas, com transtornos de humor têm mais possibilidade de adoecimento Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 7 físico e mental, assim como de desenvolver comportamentos contrários à saúde. Esse traço prediz mais sobre a saúde do que a idadeem si, as condições prévias da saúde, educação e gênero (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Mesmo considerando esses traços de personalidade e suas influências no adoecimento, adultos avançados parecem ter menos transtornos mentais e aparentam maior satisfação com a vida, principalmente se comparados com adultos mais jovens. A tendência é que a felicidade seja alta no início da vida adulta, decline por volta dos 50 anos e volte a aumentar até os 85. Não somente aumenta após os 50 anos, como pode ser mais alta do que na adolescência. No entanto, esse indicador é mais presente em sociedades ricas e não pode ser universalizado. De forma geral, a felicidade e o bem-estar tendem a de- clinar em torno de três a cinco anos antes da morte, com o chamado “declínio terminal”, que depende muito do estado físico, do agravamento de doenças e de tristezas geradas pelas perdas ao longo da vida. No entanto, antes do declínio terminal, a velhice pode significar uma vida produtiva e satisfatória. O modo psicossexual descrito no Quadro 1, de sensualidade generalizada, significa que o prazer pode ser obtido de muitas formas, para além da genital, como sensações, sabores, imagens, recordações, abraços, conversas, etc. A estimulação genital não deixa de ser uma forma de prazer, mas vai cedendo espaço, ou convivendo com outras modalidades de prazer. O gênero passa a ser relativizado e ocorre a abertura maior ao estilo de vida do outro, considerando gêneros de forma tradicional; os homens tende a tornarem-se mais atenciosos, a conviver com netos, com filhos independentes, e a vida conjugal pode se tornar menos focada em relações sexuais. A mulher, por outro lado, pode se voltar para as questões mais mundanas como política, finanças, descobrir novos interesses, prin- cipalmente nos casos em que ficou ocupando prioritariamente o papel de cuidadora da família. Essas são formas de lidar com a integridade do ego e evitar o desespero, que significa desistência, desalento, falta de esperança e de significado (FEIST; FEIST; ROBERTS, 2015). Nesta seção, apontamos algumas características, ou traços de personali- dade, que podem se transformar na vida adulta avançada. Nesse estágio não se fala exatamente em adquirir novos traços, mas em refletir e modificar os adquiridos ao longo da vida. A combinação dos traços pode levar tanto à saúde física e mental, como ao desespero e adoecimento. Depende de como a pessoa viveu a sua vida, para que desfrute melhor ou pior da velhice, não no sentido rígido e determinista, mas, como veremos na próxima seção, os relacionamen- tos interpessoais, as vivências de compartilhamento, de apoio, são de grande relevância nessa fase. Cabe salientar, após essa discussão, que Erikson foi um Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada8 psicanalista, com entendimento psicodinâmico e, mesmo tendo dividido em estágios o desenvolvimento humano, ele não propôs traços de personalidade. As pesquisas mencionadas tentaram entender como determinados traços de personalidade consagrados na literatura influenciam na saúde física e mental. Relacionamentos interpessoais na adultez avançada Como vimos nas seções anteriores, partindo da teoria dos estágios psicos- sociais de E. Erikson, cada estágio produz uma crise, que requer o desenvol- vimento de diferentes habilidades e soluções. Portanto, crise é um ponto de mutação, um turning point, um momento crítico, que, quando resolvido com êxito, faz com que o indivíduo supere e aprenda. As crises são momentos de decisão que podem reverter em progresso ou regressão. Se a crise é supe- rada de forma bem-sucedida, ela decorre em virtudes, em maior segurança e integração do ego (FADIMAN; FRAGER, 2008). Os relacionamentos interpessoais são importantes em todos os estágios de desenvolvimento, tanto a interação com nossos pais, família e pares, como quando se atinge um nível de intimidade e relacionamentos sociais cada vez mais profundos, o que determina aprender a cuidar de outros. A adultez avan- çada é, muitas vezes, percebida como uma fase de isolamento, mas ela pode ser marcada por redes sociais ativas, mesmo que menos numerosas, que as dos adultos jovens. Apesar disso, os amigos que permaneceram tendem a ser mais próximos e confidentes, chamados de comboios sociais, ou seja, amigos e membros da família com quem os idosos podem contar e que contribuem para o seu bem-estar. A atividade social e o compartilhamento auxiliam na manutenção da lucidez, da memória e do funcionamento cognitivo, além de ser prazeroso. Outra teoria que explica os relacionamentos interpessoais na velhice é a da seletividade socioemocional, pois à medida que o tempo de vida se torna curto, ocorre uma seletividade de interesses e pessoas com as quais compartilhar. Por exemplo, o idoso pode evitar pessoas aborrecidas, negativas ou que falem demais (PAPALIA; MARTORELL, 2022). O apoio e o amor que sentimos a partir dos relacionamentos interpessoais são de importância vital para a manutenção da saúde física e emocional. O isolamento e a solidão são responsáveis pelo declínio físico e cognitivo rápidos, pois as pessoas se sentem rejeitadas e inúteis e terminam assumindo essas condições como verdadeiras. O risco de problemas cardiovasculares, por exemplo, é menor em pessoas com propósitos de vida e interesses. Vínculos fortes se associam à longevidade e à qualidade de vida, principalmente os Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 9 de tipo autêntico, pois se são caracterizados por críticas, desqualificação e negligência, podem funcionar como o oposto, resultar em estressores potentes e duradouros (PAPALIA; MARTORELL, 2022). Um tipo de relacionamento profundo é o que ocorre em uniões conjugais, que podem ser muito positivas ou o contrário. A adultez avançada pode ser marcada por perdas e separações dos cônjuges, ou por outras uniões posteriores. É provado que frente à viuvez ou separação, os homens são mais propensos a construir novas relações, portanto, na velhice a proporção de homens casados ou em união é maior do que entre mulheres. Se a união persiste até a vida adulta tardia, o relacionamento tende a ser percebido como melhor do que em períodos anteriores, talvez porque os cônjuges tiveram tempo de resolver suas questões e conflitos, ou por terem desenvolvido mais tolerância e amabilidade. Casais que carregam desavenças e permanecem juntos tendem a ser deprimidos ou ansiosos, e os padrões de resolução de conflitos tendem a permanecer iguais (PAPALIA; MARTORELL, 2022). As doenças podem trazer severas tensões e isola- mento de casais idosos, assim como a tendência de o cônjuge não durar muito quando um deles morre ou permanece hospitalizado. Uma alternativa difícil é a institucionalização, principalmente após perdas significativas, como a viuvez. A OMS apresentou, no início dos anos 2000, um programa de envelheci- mento ativo, baseado em determinantes de saúde, como pode ser visto na Figura 1. O modelo não se propõe a priorizar ou classificar a importância desses determinantes, mas a interação entre eles é relevante para uma vida ativa e mais saudável. Semelhante ao que coloca Erikson, os fatores determinantes ocorrem ao longo da vida e são “janelas de oportunidade” para estimular a saúde, propiciar a maior participação social e segurança (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2005). Como também explica a psicanálise, re- lacionamentos afetivos e seguros desde a tenra idade propiciam a melhor capacidade de relacionamentos em outras fases. No modelo da OMS existem dois fatores determinantes transversais — cultura e gênero —, pois os valores culturais valorizam e interferem de formas diferentes no envelhecimento (Figura 1). O gênero é determinante, pois, a depender da sociedade, a mulher terá mais ou menos participação e valorização. Na maioria das sociedades, a mulher é considerada a mais responsável pelo trabalho reprodutivo, não remunerado, de cuidados com a família. Homens podem estar mais sujeitosa acidentes de trabalho, em razão da natureza de suas ocupações, e podem adquirir hábitos como beber e fumar, estimulados em algumas culturas como “coisa de homem”. Estes, entre tantos exemplos que poderiam ser dados sobre as diferenças culturais e de gênero nas sociedades, são determinantes para o envelhecimento mais ou menos ativo e saudável. Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada10 Figura 1. Determinantes do envelhecimento ativo. Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde (2005, p. 19). GÊNERO Envelhecimento ativo Ambiente físico Serviços sociais e de saúde Determinantes comportamentais Determinantes econômicos Determinantes pessoais Determinantes sociais CULTURA Como pode ser visto na Figura 1, o significado de ativo extrapola a ideia de atividade unicamente física, mas também de segurança econômica e social, de acesso a serviços e de saúde mental. Segundo o entendimento do modelo, as capacidades cognitivas, como a inteligência ou a capacidade de resolver problemas, de tomar decisões mais acertadas, são fatores psicológicos que contribuem para uma vida ativa. O envelhecimento traz declínio cognitivo, na rapidez, na memória, na aprendizagem, entre outros, mas existem compensa- ções a essas perdas com a aquisição de sabedoria, experiência, moderação, etc. As perdas cognitivas podem ser também causadas pelo isolamento, pela falta de relacionamentos interpessoais significativos, pelo pouco uso das capacidades, como leitura, escrita, etc. Se a pessoa adquiriu e conservou capacidades de autodeterminação ou autoeficiência, ela poderá superar de forma mais proativa as suas perdas, como aposentadoria, viuvez e doenças. Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 11 O capítulo trata de um tema de extrema relevância em nossa sociedade, que tende a valorizar o novo e desprezar o velho. A velhice é preconceituosamente atribuída a pessoas sem capacidade, ultrapassadas, que não entendem mais o mundo, portanto, pessoas que só esperam a morte chegar. Sabemos que a velhice está cada vez mais prolongada, e, em seu marco, 60 anos, vemos cada vez mais pessoas ativas, atléticas até mesmo, atuantes e cheias de vida. Parece ter chegado a hora de vê-las de uma forma diferente. Os idosos são nossas matrizes, construíram o mundo no qual nascemos; a realidade muda sempre, mas devemos reconhecer o que foi produzido por eles, sem conservadorismos ou saudosismos. Erikson propôs o olhar atento às fases do desenvolvimento da adultez, intermediária e avançada, e isso propiciou o crescimento da conscientização sobre ela. Muito já foi realizado por outros autores, por instituições como a ONU e a OMS, mas muito ainda precisa ser feito para o cuidado que o idoso merece. Conhecendo as características desse estágio de desenvolvimento e a importância dos relacionamentos interpessoais, o caminho pode ser mais efetivo. Referências FADIMAN, J.; FRAGER, R. Personalidade e crescimento pessoal. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. E-book. FEIST, J.; FEIST, G. J.; ROBERTS, T. A. Teorias da personalidade. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J. B. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. E-book. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Guia global da cidade amiga do idoso. Genebra: OMS, 2007. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS, 2005. PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento humano. 14. ed. Porto Alegre: AMGH, 2022. Leituras recomendadas CAIXETA, L.; TEIXEIRA, A. L. (org.). Neuropsicologia geriátrica: neuropsiquiatria cognitiva em idosos. Porto Alegre: Artmed, 2014. MALLOY-DINIZ, L. F.; FUENTES, D.; COSENZA, R. M. (org.). Neuropsicologia do envelheci- mento: uma abordagem multidimensional. Porto Alegre: Artmed, 2013. MARTORELL, G. O desenvolvimento da criança: do nascimento à adolescência. Porto Alegre: AMGH, 2014. Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada12 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Desenvolvimento psicossocial na adultez avançada 13
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